24 junho 2019

nas palavras dos outros...

Nunca discutimos o futuro por duas razões: porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele. Todo o desígnio de desenvolvimento em Portugal foi e continua a ser estático.
Clara Ferreira Alves,  in  Revista do Expresso, 22/06/2019.

09 junho 2019

nas palavras dos outros...

Uma e outra vez as mesmas políticas vão sendo impostas como se no momento fossem a melhor ou única solução. O mesmo se pode dizer da privatização da segurança social e, portanto, do sistema público de pensões. (...) A receita continua a ser imposta e a ser vendida como a salvação do país. Porque se insiste no erro de impor medidas cujo fracasso é antecipadamente reconhecido? São muitas as razões, mas todas convergem na que considero ser a mais importante: o objectivo de criar uma situação de crise permanente que force as decisões políticas a concentrarem-se em medidas de emergência e de curto prazo. Estas medidas, apesar de envolverem sempre a transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos e imporem sacrifícios aos que menos podem suportá-los, são aceites como necessárias e inviabilizam qualquer discussão sobre o futuro e alternativas de curto e médio prazo.
Boaventura Sousa Santos, in Jornal de Letras nº 1270, Junho 2019.

03 junho 2019

incontornável

Não há como não assinalar o desaparecimento de Agustina Bessa-Luís (1922-2019).

31 maio 2019

por falar em língua...


Chegou-me em forma de presente do mano mais novo, este autêntico manual de escrita em Português correcto, ou pelo menos, um manual para evitar erros básicos e recorrentes. Já anda comigo para todo o lado, para nos intervalos das horas, ir espreitando e aprendendo. Desde já, uma nota de destaque: a referência em capa para o desuso da segunda pessoa do plural e que, incorrectamente, é substituída pela terceira pessoal do plural... Eu utilizo essa conjugação frásica, sempre fiz uso do "vós" quando me dirijo a mais do que uma pessoa, o que me foi valendo ao longo da vida vários comentários de admiração, curiosidade e de peculiaridade na escrita e, principalmente, na oralidade. Nunca gostei da impessoal terceira pessoa do plural.
Entretanto, vamos aprender mais.
Boa leitura.

28 maio 2019

obtusidade mental e não só

Por favor, leiam com atenção este texto:


(Henrique Monteiro, in Jornal Expresso, 18/05/2019)

No dia 18 de Maio, Henrique Monteiro dedicou grande parte da sua página no jornal Expresso, a um texto sobre o Acordo Ortográfico. Logo na altura reagi no Twitter, àquilo que me pareceu uma profunda confusão dos termos, bem característico de uma mente obtusa. Ainda por cima, não fiquei a perceber, porque não é minimamente perceptível, qual a opinião dele acerca do Acordo Ortográfico. Escreveu, escreveu e não disse nada...
Nessa reacção, em formato Twitter, escrevi:
(1) Já li 3 vezes este artigo de Henrique Monteiro e continuo sem perceber o que quer dizer. Não sei se serão "alhos com bugalhos", ou apenas obtusidade. Enfim.
(2) Escreve Henrique Monteiro: "a ortografia é mera representação. Cada um fala como ouve falar..." Errado, pois a ortografia não diz respeito à oralidade, mas sim à escrita dessa língua e isso não é mera representação, mas sim essencial e idiossincrático.
(3) Escreve Henrique Monteiro: "(a língua) é um legado, um monumento da Expansão portuguesa." Curiosa maiusculação de "expansão", que revela um dado saudosismo de antanho, do magnífico luso Império e do ad eternum devir da pátria.
(4) Escreve Henrique Monteiro: "Não brinquem com ela." Porque raio é que quem critica o AO está a brincar, quando quem mexeu nela foi quem promoveu este AO?! Quando se desvaloriza assim uma ortografia como "mera representação", como faz, é que se está, sem senso, a brincar.
(5) Escreve Henrique Monteiro: "Cá também é moda ser contra o Acordo". Errado, moda foi Portugal ter-se precipitado na entrada em vigor deste Aborto, pois mais nenhum país quis, ou quer, saber dele. Mais tarde ou mais cedo a "moda" passará e a brincadeira também.
(6) Importa ainda relembrar ao ilustre H. Monteiro que a riqueza de uma língua é sua diversidade e não adjectivar-se como "cosmopolita". A língua portuguesa, seja em que geografia e com que pronúncia, na sua variedade, é inteligível para toda a lusofonia. Não carece de decreto.

27 maio 2019

politicamente incorrecto

Por motivos alheios aos poucos leitores deste meu apurriar, só pude acompanhar a noite eleitoral de ontem já bem tarde, quando tudo estava determinado, ou quase. Os vencedores já tinham festejado e os derrotados já tinham, a custo, admitido o fracasso e a desilusão. Já muito foi dito e comentado sobre estas eleições europeias - sobre a abstenção obscena, sobre o CDS e a ex-futura primeira-ministra, sobre a CDU e o seu lento estertor, sobre o fantasma do aumento das votações dos partidos de extrema-direita e anti-europeistas, sobre a vitória "poucochinha" do PS e sobre o crescimento do BE, e por isso não vou acrescentar mais nada sobre o tanto que já foi dito e escrito. Reservo esta pequena reflexão ao PAN e à sua "vitória", por ter conseguido eleger o primeiro euro-deputado. Muito bem. Fico de alguma forma satisfeito por esse sucesso, mas ainda assim, de tudo o que ouvi na noite, retive as palavras de Miguel Sousa Tavares (MST), na TVI24, que a propósito do PAN, afirmou:

O PAN é um partido que recolhe votos nos meios urbanos, mas não nos meios rurais, onde toda a gente o detesta. O PAN não tem um voto nos meios rurais, é o partido dos urbano-depressivos, daqueles que acham que os animaizinhos não se podem comer. É o partido dos vegan, os que só comem alface e verdura. O PAN é uma bofetada de luva branca numa coisa que se chama os Verdes que é um apêndice do PCP que nunca foi a votos por si só e que não faz nenhuma política ecologista.

Para além da eterna boçalidade deslavada, trocista, trauliteira e até marialva, de MST, sou obrigado a reconhecer que esta afirmação, que desobedece ao espartilho do politicamente correcto actual, tem muito de verdade. Concordo, na essência, com esta opinião, pois também acho que a perspectiva deste novo ecologismo, enquanto ideologia, paixão e discurso, não tem como fundamento, ou inspiração, um conhecimento da realidade da vida dos cidadãos não-urbanos, ou se preferirem, da existência espartana da vida rural. Tal como já tanta gente o referiu, a perspectiva de alguém que nunca precisou de trabalhar a terra, de criar animais para a lavoura e para a sua dieta alimentar, nunca poderá compreender a relação que se estabelece entre pessoas e animais nesse habitat fora das muralhas urbanas. Para aqueles que, protegidos pelo conforto e oferta da cidade, e que apenas consomem, será sempre consideravelmente mais fácil prescindirem deste ou daquele alimento e, assim, optarem por uma narrativa alternativa. Um luxo só ao alcance de alguns...
Estou consciente da emergência de uma nova atitude face às gravíssimas alterações climáticas e quero que essa preocupação entre rapidamente nas agendas dos partidos políticos nacionais e europeus, mas, confesso-vos, tenho medo do PAN, do seu radicalismo, da sua relativa ignorância e da sua aversão à ciência. Cuidado, muito cuidado com estes senhores.

22 maio 2019

fomos Porto?


Não gosto de escrever sobre futebol, sobre jogadores, treinadores, árbitros ou equipas, muito menos gosto de escrever sobre o meu clube. Não o faço. Não gosto de o fazer porque, enquanto adepto que sempre fui do FCP, não se usa da razão, apenas e só conseguimos verter as emoções que nos assaltam o ser. Escrever com razão sobre futebol, sendo adepto, não é um exercício honesto e imparcial - veja-se a panóplia desmesurada de opinadores televisivos, ou leiam-se os doutos entendidos nos três diários desportivos e afins. Perante tamanho chinfrim mediático, a perplexidade permanece: haverá público para tanto dislate, para tanta ignorância, para tanta pseudo-ciência (estou a lembrar-me de um tal de Luís Freitas Lobo) aplicada ao futebol? Pelos vistos, sim, há.
Esperei pelo desfecho do campeonato nacional e pelo acalmar das emoções, para aqui vir reflectir um pouco [entenda-se, um carpir das mágoas de adepto magoado] sobre o desempenho do FCP durante este campeonato. Como foi possível, depois de uma vantagem que chegou a ser de sete pontos, depois de provocar uma chicotada psicológica no Benfica, perder nove pontos e assim o campeonato? Com toda a certeza, haverá mais do que um responsável, mas aquilo que mais me custou foi não ter percebido em ninguém, da estrutura e/ou dos arredores, do FCP um mea culpa, um reconhecimento de erro, de má decisões, ou de negligência. Para além das óbvias responsabilidades de Sérgio Conceição, enquanto líder e senhor das decisões técnicas e tácticas, parte do problema foi ter mantido a jogar um conjunto de jogadores que já não queriam estar no Dragão, como por exemplo, Brahimi e Herrera, que em épocas anteriores tinham carregado a equipa e deslumbrado com a sua força e brilhantismo, e este ano, nada, andaram a arrastar-se pelos relvados, nitidamente desmotivados; outro exemplo, foi o central Éder Militão que, há muitos meses com a cabeça em Madrid, foi cometendo erro atrás de erro. Depois, tivemos o caso de Maraga, o todo poderoso, mas que não consegue dominar uma bola e que, segundo a estatística, precisa de três oportunidades para fazer um golo. Sempre apreciei e privilegiei jogadores inteligentes e que tratam a bola "intimamente" por tu...
O que se percebeu, e com grande estrondo, foi o mesmo de sempre, um permanente sacudir da água do capote e de responsabilização de tudo e de todos, menos dos próprios. Volto a remeter para os comentadeiros que, há distância de uma TV, Rádio ou Jornal, espumam irracionalidade e estupidez.
Lamento muito, muito mesmo, mas, por demérito do FCP, o Benfica acabou por ser um justo campeão. Este campeonato NÃO FOMOS PORTO!

mediascape: errado

João Duque, na sua coluna no caderno de economia do Jornal Expresso, aproveitou a recente história de Joe Berardo para puxar as brasas, novamente, às suas sardinhas, que é como quem diz, não perde uma oportunidade para afirmar a sua fundamentalista crença no mercado - livre e especulador - e o seu visceral ódio ao sector público, demonstrado em todas e cada uma das suas intervenções públicas. Acontece que o raciocínio para além de errado, não me parece intelectualmente honesto, na medida em que a conclusão a que chega não se baseia em factos, ou dados em concreto, mas sim no seu pavor com a possibilidade de uma qualquer nacionalização. Se na CGD houve má gestão (e é certo que sim), que se encontrem e penalizem os responsáveis; o mesmo direi para os bancos privados. Agora, ao contrário do que conclui o ilustre professor, se os portugueses foram e são chamados a injectar dinheiro nos bancos, porque não trazê-los para a esfera pública? Parece-me óbvio e lógico. Mas para o excelentíssimo Professor o que deveria acontecer era precisamente o contrário: privatizar a CGD seria o ideal.

voto precoce e abstenção

No passado dia 14 de Maio, o PAN apresentou na Assembleia da República um projecto de resolução que visava consagrar o direito de voto dos cidadãos maiores de 16 anos de idade, ou seja, uma antecipação dos 18 para os 16 anos, o que implicaria uma revisão constitucional extraordinária. A proposta foi chumbada pela maioria dos deputados, tendo votado favoravelmente apenas o deputado do PAN e a bancada do BE. Um dos fundamentos ou razões para a apresentação desta resolução era o combate à abstenção em Portugal e que os cerca de 140 mil jovens que passariam a poder votar, poderiam inverter a persistente indiferença e alheamento dos portugueses em relação àquilo que é a nossa vida política e das instituições de poder.
Nada me opõe a essa antecipação na idade para votar, mas desconfio da eficácia da medida face aos propósitos enunciados, pois a ter em conta aquilo que são os dados conhecidos dos últimos actos eleitorais, é precisamente nas faixas etárias mais jovens que se encontra maior percentagem de abstenção. Assim, com a aprovação de tal resolução, às tantas, em vez de conseguirmos reduzir as percentagens de abstenção, ainda iríamos conseguir aumentá-las mais. Digo eu.

21 maio 2019

destruição do saber


Foi notícia na semana passada, mais um episódio de violência numa escola pública portuguesa, nomeadamente, a agressão violenta de uma professora primária, pela mãe e pela avó de uma aluna ou aluno, dentro da escola e com todos os alunos a presenciarem. Acontece que desta vez aconteceu bem perto de mim e, nas minhas andanças quotidianas, passo nessa escola, o que me permitiu testemunhar o protesto da comunidade perante tal agressão.
Para além do acto de violência em si, sempre condenável, inadmissível e intolerável, duas ideias me ficaram retidas no pensamento. A primeira é de que, de facto, o Professor perdeu qualquer autoridade, qualquer relevância e até respeito, na generalidade da sociedade portuguesa e, hoje, é mal tratado e abusado, não só pelo sistema, mas também pela comunidade escolar. A segunda é mais gravosa e importante: que educação, que exemplo, que futuro, poderão ter os filhos e netos de pais/avós que, em sua presença, agridem violentamente os seus professores. Que importância darão estas crianças ao saber?! Tristes crianças.
Ambas contribuem superlativamente para a destruição da escola pública nacional e, assim, contribuirão para um futuro mais pobre, mais inculto e mais infeliz.

nas palavras dos outros...

Há uma desvalorização do papel do professor, de ensinar, de transmitir um saber. Vem num pacote sinistro que inclui o falso igualitarismo nas redes sociais, o ataque à hierarquia do saber, o desprezo pelo conhecimento profissional resultado de muito trabalho a favor de frases avulsas, com erros e asneiras, sem sequer se conhecer aquilo de que se fala.
José Pacheco Pereira, in Jornal Público, 18 Maio 2019

16 maio 2019

bonito

hoje, na caixa do correio...

13 maio 2019

novo, estranho e disruptivo

Experimentei pela primeira vez, por pressão da minha filha, os serviços da UBER EATS. Final de tarde chuvosa, nenhuma vontade de fazer o jantar, a solução foi encomendar comida através dessa aplicação. Paguei com o cartão de crédito na própria aplicação e à hora marcada, a encomenda estava à porta. Só que não na minha porta, mas sim numa morada onde eu nunca residi. Depois de várias conversas com o "colaborador" da empresa, sem nunca conseguir fazer valer a minha argumentação, fui aconselhado a reclamar junto da empresa. Assim tentei fazer, só que não encontrei onde, nem com quem!... a encomenda foi cancelada.
Conclusão: fiquei sem a encomenda e sem o dinheiro que paguei. Fiquei chateado, nem tanto pelo dinheiro, mas pela atitude do “colaborador” e, acima de tudo, pela forma como estas empresas trabalham - não têm uma presença física, não permitem interacções e nem sequer podemos comunicar. Dizem-me que este é o paradigma do futuro nos negócios e nos serviços, mas eu não quero acreditar que assim venha a ser. Esse estranho e disruptivo mundo poderá até vingar nalguns sectores, mas as relações laborais manterão vivos, por muitos e bons anos, os valores dos velhos contratos sociais.
E não, não voltarei a utilizar tais serviços.

este país não é para gente séria


Esta é a imagem de um país de desonestos e iliteratos, mas espertos. Aquilo que este senhor fez na Comissão da Assembleia da República foi um atestado de menoridade e insignificância às instituições da nossa República e foi, acima de tudo, borrar a cara de todos os portugueses com merda, em directo e institucionalmente. Uma vergonha para todos nós, menos, como é claro, para o próprio que nem sequer se apercebe da figura que faz.

09 maio 2019

nas palavras de outros...

Só no grande perigo se diz com suficiente força amo-te.
Gonçalo M. Tavares, in Jornal de Letras nº 1268, Maio 2019

08 maio 2019

crónicas de Barcelona - VII

Regressar? [19-04-2019]

No final de mais uma longa mas tranquila viagem, agora de regresso a Portugal e, em concreto, a Bragança, onde iremos ficar uns dias, a sensação de satisfação é geral e partilhada pelo resto da família. Todos gostaram da viagem e do seu destino. Tal como já referi, esta era uma das cidades europeias que sempre pensara visitar. Já está. No entretanto, e reflectindo sobre Barcelona, diria que, ao contrário de outras cidades desta velha Europa, que já tive o privilégio de conhecer e revisitar, não me parece que algum dia sinta vontade de lá voltar. Já o escrevi aqui que, a regressar, gostaria de poder descobrir a cidade daqueles que tenho como referência e um dia andaram por lá, num roteiro alternativo e muito pessoal. De resto, penso que visitei e conheci o que de mais importante a cidade tem para oferecer enquanto destino turístico. Assim sendo, novos destinos e outras cidades europeias há para descobrir.
Agora, três dias de alguma ruralidade e sossego, regeneradores para o regresso ao quotidiano.



(fotografias: a)regresso a Portugal, b) panorâmica parcial de Barcelona e c) um histórico local para um dia descobrir)

crónicas de Barcelona - VI

O melhor, o pior e a campanha eleitoral... [18-04-2019]

Uma estadia de quatro ou cinco dias não permite conhecer toda a cidade e todos os seus pontos de interesse, nem tão pouco permite que alguém utilize o verbo conhecer. Para além daquilo que são os já referidos circuitos e polaridades turísticas, há uma cidade associada aos seus grandes nomes que gostaria de conhecer - casas, espaços públicos, cafés e restaurantes que, noutras épocas, foram frequentados por esses gigantes da cultura mundial. Seria um roteiro alternativo, personalizado e para realizar com calma e tempo, que me daria muito prazer.
Daquilo que me foi possível e dado a conhecer, destacaria como muito bom e surpreendente, o Palau De La Musica Catalã - auditório de música construído no início do século XX, projectado pelo arquitecto local Lluís Domènech i Montaner, um dos grandes representantes do modernismo catalão. Realizámos uma visita guiada e, assim, pudemos conhecer todos os pormenores associados à sua fundação, à sua arquitectura, à sua qualidade acústica e à sua importância na vida cultural, social e económica da cidade e região. É de facto impressionante e lindíssimo.
Pela negativa, ou seja, aquilo que visitei e conheci, mas que de alguma forma defraudou as minhas expectativas, eu referiria, (para além da já mencionada Sagrada Família) acima de tudo o resto, o Parque Güell - o grande parque urbano da cidade, situado no monte Carmelo, zona da Gràcia, concebido pelo arquitecto Antoni Gaudí (quem mais poderia ser?...), por encomenda do empresário catalão Eusebi Güell, na segunda década do século XX. Segundo consta na história, este parque seria um espaço privado de descanso e lazer para o empresário e sua família passarem as férias e/ou fins-de-semana. O projecto de Gaudí nunca foi terminado e em 1915/16 o arquitecto abandonou a obra para dar início à construção da catedral da Sagrada Família. Entretanto, com a morte do empresário, os seus herdeiros abandonaram a ideia e, já durante a década de 20, a cidade adquiriu esse espaço e transformou-o num espaço público para toda a população. Actualmente, o acesso a parte do parque é restrito e tem que se comprar bilhete, medida que apesar de contribuir para regular o enorme fluxo de turistas, mereceu a crítica de muitos habitantes da cidade, pois veio vedar o acesso livre a um espaço que é de todos.
Com todo o respeito que me merece o Sr. Gaudí e o reconhecimento da sua tremenda genialidade, não entendo o fascínio e a voracidade das massas por visitar uma escadaria decorada com bocados de azulejos, um enorme terraço suportado por inúmeros pilares de betão, que funciona como miradouro sobre uma pequena parte da cidade e sobre o mediterrâneo (onde a pressão dos visitantes não permite sequer tirar uma fotografia), e duas habitações com uma fisionomia estranhíssima. É isto que o bilhete comprado nos permite visitar. O resto, os enormes jardins são gratuitos e muito agradáveis, mas sinceramente estranho a ideia de alguém viajar de qualquer parte do mundo para vir visitar jardins…
Por estes dias que cá andei, decorre a campanha eleitoral para eleições gerais em Espanha. Não sei se por ser português e estar tão habituado ao ruído e à saturação destes períodos em Portugal, estranhei o silêncio e a ausência visual desses elementos de propaganda. Claro que andei essencialmente pelos circuitos turísticos, mas também pude cirandar pelas zonas habitacionais, de trabalho e comerciais, menos frequentados pelos visitantes, e mesmo aí quase não se percebe o momento político actual. Aí, para um estranho e pela primeira vez na cidade, aquilo que me chamou mais a atenção foram as bandeiras catalãs e as tarjas/faixas com a mensagem: Llibertat presos polítics! expostas em muitas janelas e varandas dos catalães.
Viva a República da Catalunha.




(fotografias: a) Palau de la Musica Catalã, b) Parque Güell, c) bandeira catalã e d) tarja ou faixa)

crónicas de Barcelona - V

Deambulações pelo casco velho [18-04-2019]

Por estes dias não temos sossegado. O passe de metro de 72 horas que comprámos, tem-nos permitido deambular por todo o lado sem preocupações. Nos espaços de tempo vazios, a minha sugestão tem sido sempre irmos para a zona velha da cidade, cuja referência é La Rambla, mas como é estupidamente agitada e movimentada, prefiro caminhar pelas ruas e ruelas - muitas delas pedonais - que derivam dessa artéria principal para Oeste e, principalmente, para Este, naquilo que é conhecido como bairro Gótico. É neste emaranhado de artérias envelhecidas, pejadas de comércio e "comes e bebes”, que se encontra a Plaça Sant Jaume, epicentro político da República da Catalunha e uma das praças mais simbólicas da cidade. É aqui que se encontra o Palau de La Generalitat, onde, em Outubro de 2017, foi proclamada unilateralmente a independência da República da Catalunha em relação ao Estado Espanhol. A sensação que tenho é que esta praça tem uma força centrífuga nesta complexa teia de ruas estreitas, escuras e sujas, na medida em que todos os percursos turísticos possíveis para quem quer visitar os monumentos e atracções - catedral, ajuntamento, biblioteca, museu Picasso, Palau de la Musica Catalana, Centro de Exposições Gaudí, etc. - desta parte velha da cidade, acabam por se cruzar, qual placa giratória, nesta praça. Um outro local muito bonito e confortável é a praça Real, bem perto de La Rambla, decorada com inúmeras palmeiras e onde, nas suas arcadas e em toda a praça, encontramos esplanadas de diferentes restaurantes e cervejarias. Gosto de lá estar e, por isso, aí temos ido várias vezes comer.
Se algum dia regressar a Barcelona, será por aqui que andarei, tentando conhecer melhor os seus recantos e encantos.


(fotografias: a) plaça Sant Jaume e b) plaça Real)

crónicas de Barcelona - IV

Comer e beber [17-04-2019]

Sou, desde há muito, um apreciador da gastronomia espanhola, e digo espanhola porque da Galiza à Andaluzia, do País Basco à Catalunha, os espanhóis sabem comer. Claro que aquilo que é vendido nos circuitos turísticos não representa a dieta caseira dos espanhóis, mas em todo o caso, comer em Espanha é sempre um prazer. Assim, esta viagem a Barcelona representava também a possibilidade de comer e beber bem, indo ao encontro daquilo que mais gosto - "comer de seco”, o que deste lado da fronteira, poderá ser designado de “tapas". Nas vésperas da viagem, indagámos algumas referências gastronómicas, mas acabámos por não experimentar nenhuma delas. Para além daquilo que é o estereotipo dessas “tapas” de pulpo, jamón, camarón e calamares, de pimento padron, são deliciosos os huevos revueltos, as paellas (exceptuando a de peixe), e as simples sandes de jamón. Em relação à bebida e mesmo sabendo da excelência da produção de vinhos, acabei por beber apenas cerveja ao copo, na tradução “canha" ou “tanque”. Ainda que num destino turístico muito visitado, não considerei os preços excessivos, muito nivelados pelos praticados em Portugal em idênticas circunstâncias.
Visitei o mercado municipal La Boqueria, onde podemos encontrar uma variedade de produtos à venda, desde o peixe, às frutas, aos queijos e presuntos, como também às especiarias e doces. Pode-se também experimentar, em certas bancas, algumas das mais famosas iguarias da região. Gostaria de me ter sentado numa dessas concorridas bancas, mas a dieta da criança obriga a comer de garfo e faca. Os olhos ficaram retidos nos magníficos presuntos em exposição e nas finas fatias que eram cortadas a todo o momento e abasteciam os pratos dos comensais. Quem sabe um dia.



(fotografias: a) huevos, b) tapas e c) jamón, no mercado La Boqueria)