Um dos casos de nomeada colectiva mais peculiares na região é o da aldeia de Mofreita, concelho de Vinhais, conhecidos e referenciados como charros, vulgo charrelos, ou ainda de beócios da terra de Bragança, numa alusiva comparação com os habitantes da Beócia, antiga região da Grécia, que tinham fama de ser rudes e grosseiros. Esta nomeada tem por fundamento ou razão um conjunto de histórias que se contam sobre as gentes da Mofreita, que vão sobrevivendo na memória das pessoas e são transmitidas de geração em geração, com o intuito de os remeter a uma condição de simplórios e analfabetos. Escreveu sobre eles o Abade de Baçal:
É enorme a lista de lhonas e pachouchadas que se atribuem aos charros de Mofreita, todas pelo teor das antecedentes, de onde fazermos ponto, pois para já basta para se julgarem as demais. Mas isto são lendas idênticas a outras respeitantes a diversos povos desde a mais remota antiguidade, como vemos pelos gregos através dos beócios. (Alves, vol. IX - 2000:268)
Uma das história que se contam e que contribui para o reforço dessa nomeada diz que os da Mofreita fazem as presas no rio com presuntos e tapam os buracos com salpicões. Diz-nos António Gonçalves (2008:121) que os da Mofreita replicavam: - Lá isso é verdade, mas só até enquanto não deram neles os cães da vila… Segundo o mesmo autor, a origem desta história poderá estar relacionada e ser contemporânea das invasões francesa.
Por ocasião da segunda invasão francesa, em Abril de 1809, as tropas francesas entraram em Portugal pela fronteira norte, junto a Chaves, tendo rapidamente dominado a região, invadindo e saqueando todas as terras por onde passava. A notícia espalhou-se por todas as povoações da região e, então, os habitantes da Mofreita, com receio que os invasores lhes saqueassem os haveres, lembraram-se de transferir para a povoação espanhola de Ermisende o seu fumeiro - presuntos, salpicões e restante fumeiro, contando que ali estaria a salvo. Carregaram carros-de-bois e puseram-se a caminho. Chegados ao rio Pequeno, um afluente do Tuela, já próximo do destino, depararam com um enorme caudal no rio, mas ainda assim tentaram passar o rio a vau. Logo o primeiro carro-de-bois, não aguentando a corrente, voltou-se, fazendo com que todo o fumeiro fosse levado pela corrente do rio, indo parar à represa mais próxima desse local. (adaptado de Gonçalves, 2008:122)
Uma outra história, contada pelo mesmo autor...
...um dia, quatro homens de Mofreita foram à pesca com as redes para o rio Tuela, para junto dos pontões de Fresulfe. Fez-se noite, mas estava uma clara noite de lua cheia. Enquanto esperavam que os peixes malhassem nas redes, foram para cima do pontão e viram a lua reflectida na água do rio. Pensando que era um queijo de ouro no fundo do poço, logo idealizaram a melhor maneira de o tirar. Como não sabiam mergulhar, pensaram: um de nós agarra-se com as mãos a uma trave do pontão e os outros vão-se pendurando sucessivamente, agarrando-se, uns aos pés dos outros, até o último chegar ao fundo do poço e tirar o queijo. Assim fizeram. Quando já estavam quase todos pendurados, o que estava agarrado à trave do pontão, de cansado que estava, já se lhe começavam a escorregar as mãos. Então gritou para os outros: - Segurai-vos bem, que eu vou cuspir nas mãos. Ao largar as mãos da trave, caíram todos ao rio. (Gonçalves, 2008:124)
Conhecemos uma outra versão desta história do Queijo de Ouro. Ouvida na região, diz-se que depois de todos os homens estarem pendurados uns nos outros, o último verificou que não chegava ao queijo e então terá gritado: - Não chego lá. É preciso mais um homem.Quem lhe respondeu foi o primeiro, aquele que estava agarrado ao pontão, que disse: - Deixa estar que vou aí eu...
Estes são dois exemplos das inúmeras histórias que se contam sobre os da Mofreita e que contribuem para a sua nomeação e perpetuação da sua fama. Contudo, também é perceptível determinado incómodo e incompreensão face a esta nomeação, não só da parte dos naturais da Mofreita, como também junto dos estudiosos que, ao longo do tempo, nomeadamente durante o século XX, tiveram contacto com esta comunidade:
É aos habitantes deste pequenino rincão da região vinhaense que os outros povos chamam «charros» como sinónimo de parvos e papalvos. E porque será? Se eles são trabalhadores, honestos, de bons costumes? O apodo perde-se na noite dos tempos. E, por isso, qualquer historieta relativa a parvoíce é aplicada aos laboriosos filhos da Mofreita. (Martins, vol. I - 1997:287)
Povo honrado, trabalhador e crente como o das outras povoações da região. Ali ouve pessoas notáveis e de valor, como refere o douto abade de Baçal, lembrando ainda que da Beócia eram alguns dos maiores homens que teve a Grécia: Pindaro, Hesioso e Plutarco. (Martins, vol. II - 1997:478)
A Mofreita é uma povoação laboriosa e morigerada, a que não é, evidentemente, estranha a benéfica influência moral do convento que semeia a paz, o conforto e a caridade na alma dos seus habitantes. A vida ali, é simples e rudimentar; vive-se do que produz a terra e o rio. (F.J.A no Jornal Mensageiro de Bragança de 18/05/1962 in Gonçalves, 2008:26)
Mas seriam os mofreitenses tão simplórios ou papalvos que merecessem aquela alcunha? – Não me parece, pois os mofreitenses não seriam (nem são), nem mais simplórios, nem mais rudes, nem mais grosseiros do que os habitantes de outras terras, vizinhas ou não. Todavia, desconhece-se desde quando e qual a origem deste apodo… (…)Não levam a mal que lhes chamem “charrelos”, pois são bastante orgulhosos dos seus antepassados, das suas tradições e da sua cultura. (Gonçalves, 2008:28)