10 setembro 2012

sons de uma aldeia

No passado fim-de-semana estive, a convite da organização, na aldeia de Paróquia de Albá, Município de Palas de Rei, Comarca de Ulloa, para participar na segunda edição do Festival Son d'aldea. É uma festa da comunidade rural local. Os sons da aldeia são vários, mas assentam numa teatralização das actividades económicas e culturais locais. Um espectáculo etnográfico que ao recriar diferentes momentos em diferentes lugares do seu território procura demonstrar que a comunidade sabe bem de onde vem e para onde quer ir. Num tempo em que tanto se fala do abandono do rural, do esvaziamento desses territórios, é surpreendente e até impressionante como uma pequena comunidade consegue promover e realizar tal evento - imagino as resistências e as incompreensões que a organização sofrerá... 
O momento grande deste festival é, sem dúvida, o "Roteiro Teatral" que é apresentado em vários locais do termo da aldeia e que dão a conhecer aos diferentes grupos de espectadores, os usos e costumes locais. Os espectadores (visitantes) inscrevem-se e são reunidos em grupos que percorrem diferentes percursos, durante os quais vão sendo surpreendidos com pequenas representações da vida quotidiana passada, que a comunidade preserva na sua memória colectiva. São três horas de viagem pelo imaginário e pela paisagem desta aldeia.
O que mais me impressionou neste espectáculo foi a naturalidade e sentimento com que os actores, locais e amadores, representaram os papeis das suas próprias vidas. Para além disso, agrada-me sempre essa capacidade das pessoas que vivem em pequenas comunidades, isoladas, de se organizarem e produzirem actividades e discursos alternativos. Também percebi que a organização e a própria comunidade já perceberam o poder, as possibilidades e as oportunidades que este festival pode proporcionar. Ainda não tinha acabado o roteiro teatral e já alguns membros da organização falavam em hipóteses de cenário e enredos para o próximo ano. Muito bem.

07 setembro 2012

agendado...

APRESENTAÇÃO

QUADROS DA TRANSMONTANEIDADE
LIVRO DE ANTÓNIO SÁ GUÉ

DATAS: 13/09 QUI 21H30 GAIASHOPPING.

Esta é uma obra de sedimentos memoriais das gentes transmontanas. Não é nenhum levantamento etnológico, nem tão pouco um estudo antropológico do seu modus vivendi, como se possa pensar. É, antes de mais, um livro que fala da grandeza e da mesquinhez humana, de ressentimentos, de canseiras, dos tédios e das angústias que alimentam qualquer ser humano. O autor vai ao Fórum FNAC falar dos montes elevados por emoções e dos vales dos sentimentos que esta obra percorre. (in Agenda FNAC - 1 a 15 de Setembro 2012)

03 setembro 2012

lida

resistência

Depois de várias semanas fora de casa foi preciso reabastecer de víveres e demais parafernália alimentar. Durante este último fim-de-semana foram várias as vezes que fui ao supermercado Pingo Doce, sem sequer me lembrar da mais recente novidade desta cadeia de merceeiros que impede o pagamento através de cartão de débito ou de crédito, nas compras de valor inferior a 20 euros. Pessoalmente a medida até nem me perturba muito, uma vez que, normalmente, a despesa é sempre superior. Contudo, simbolicamente e tal como diz Eduardo Pitta no seu blogue, "é como se um restaurante não fosse obrigado a ter WC". Nem mais.
Como dizia, numa dessas visitas dirigi-me às caixas com dois ou três artigos, que no total não atingiam esse valor mínimo. Sem reflectir dei o cartão multibanco à menina e ela, intimidada, lá me foi dizendo que não era possível, fazer assim o pagamento. Conclusão, tive que ir levantar dinheiro num ATM e as pessoas da fila dessa caixa lá tiveram que aguardar. Simples. Aquilo que depois fiquei a pensar foi na forma que os clientes do Pingo Doce poderão encontrar para tentar contrariar esta atitude e surgiram-me algumas ideias, umas mais subversivas que outras, mas que na sua essência apelariam a um sentido de resistência e até de alguma desobidiência. Pois então:
-Escolher produtos e fazer compras num valor total inferior a 20 euros, deixar registar na caixa e entregar cartão para pagar. Perante a recusa, pedir para ir levantar dinheiro, atrasando todo o processo e complicando a vida aos outros clientes;
- Escolher produtos e fazer compras num valor total inferior a 20 euros, deixar registar na caixa e entregar cartão para pagar. Perante a recusa, deixar ali mesmo os produtos e abandonar o local;
- Em compras com valor superior a 20 euros, solicitar aos funcionários das caixas, o fraccionamento dos pagamentos logo a partir desse valor mínimo. Por exemplo, numa compra de 100 euros, fazer cinco pagamentos de 20 euros, o que implicaria 5 ligações do ATM à rede;
- Por último e, para mim, a mais interessante, apesar de impraticável, seria deixar de frequentar e de comprar nesta cadeia de mercearias.
(aceitam-se mais ideias...)

de pequenino se impõe um destino *

Nos últimos dias tem andado nas bocas do mundo do nosso país, principalmente nas palavras escritas e ditas dos nossos fazedores de opinião, a mais recente proposta do ministro da educação Nuno Crato. A de impor o ensino profissional aos alunos com piores (ou maus) resultados no 2º ciclo - alunos com duas reprovações ou três chumbos intercalados até ao 6º ano serão obrigados a frequentar esta via. Ao ouvir e ler muito do que se tem dito acerca deste assunto, relembro-me de um texto de Pierre Bourdieu intitulado "O Racismo da Inteligência" escrito em 1978 e que foi uma intervenção sua num colóquio do Movimento contra o Racismo e pela Amizade entre os Povos realizado em Maio desse mesmo ano. Apesar da distância temporal, a sua enunciação parece-me mais do que actual e pertinente, pois Bourdieu define esse racismo da inteligência como um racismo da classe dominante e é alguma coisa por meio da qual os dominantes visam produzir uma "teodiceia do seu próprio privilégio", como diz Weber, quer dizer uma justificação da ordem social que dominam. É qualquer coisa que faz com que os dominantes se sintam justificados na sua existência enquanto dominantes; com que se sintam uma essência superior. Bourdieu acrescenta que todo o racismo é um essencialismo e o racismo da inteligência é a forma de sociodiceia característica de uma classe dominante cujo poder assenta em parte na posse de títulos que, como os títulos escolares, são considerados garantias de inteligência e que tomaram o lugar, em muitas sociedades, e no que se refere ao próprio acesso às posições de poder económico, dos títulos antigos como os títulos de propriedade e os títulos de nobreza. Ao longo dos últimos tempos e ao escrutinar a realidade que me rodeia, é com alguma assiduidade que me ocorre este conceito, pois frequentemente o "poder" faz uso desse seu poder para manter os paradigmas actuais e para restringir ou mesmo impossibilitar qualquer permeabilidade social. Regressando ao ensino profissional e ao ministro Crato (que Daniel Oliveira descreveu como o Talibã do ensino), penso que é necessário e até uma mais-valia para a economia nacional, mas sempre como uma opção para os jovens estudantes que nele poderão encontrar um caminho e uma opção profissional válida.

* Frase roubada de um texto de José Soeiro.

a razão...

"A pergunta que a esquerda tem que fazer para merecer ser esquerda é porque é que o povo não há de governar? (…) Esse governo de esquerda, que é a grande luta que temos que travar, criará muitos debates certamente, muita contraposição, muitas dúvidas. Mas uma coisa ele fará, perante toda a oposição social ele dirá que luta pela igualdade e pelo respeito" 

"Sim senhor, nacionalizará a EDP e as redes energéticas nacionais por mais que isso incomode o Partido Comunista chinês; nacionalizará serviços financeiros por mais que isso incomode a família presidencial angolana, trará os hospitais públicos para o Serviço Nacional de Saúde por mais que isso incomode os Mellos e os Espíritos Santos"

(Francisco Louçã, excertos do seu discurso de encerramento do Socialismo 2012, ontem em Santa Maria da Feira.)

bancos de livros escolares

É notícia de hoje no jornal Público que só no mês de Agosto abriram mais de cinquenta bancos de troca de livros e manuais escolares em Portugal. Ainda no mês de Julho eu me tinha aqui referido a esta questão e é com satisfação que agora sei que esta questão está a merecer a atenção e a dedicação de muitas pessoas. Tal como refere o fundador do movimento pela reutilização dos livros escolares (ver reutilizar.org), Henrique Cunha, o sucesso do movimento é a prova de que os portugueses estão interessados na reutilização. Estão de parabéns todos os seus promotores que, voluntária e gratuitamente, disponibilizam o seu tempo para promover a troca dos livros utilizados e assim, combatem a ditadura corporativista do sector livreiro que tem vivido imune a qualquer legislação e impune para qualquer e toda a especulação.

28 agosto 2012

23 agosto 2012

lá estarei

Para conhecer, me divertir e falar acerca de Vinhais.

amigos rurais

Os amigos das coisas do rural em Lisboa: Paulo Seixas, Cebaldo Inawinapi, Luís Vale e Shawn Parkhurst. Falta o fotografo Xerardo Pereiro.

20 agosto 2012

privatização do futebol

O campeonato nacional de futebol teve início este fim-de-semana. De facto, o meu crescente afastamento das coisas do futebol trouxe consigo uma maior imunidade à parafernália quotidiana desse universo. Portista e tripeiro que sou, admito que até um jogo do meu clube me custa ver na totalidade. Contudo, a notícia que só agora chegou até mim de que não haverá qualquer transmissão de jogos da primeira liga em canal aberto de televisão e que quem quiser assistir aos jogos terá que assinar ou ter acesso à Sportv, deixa-me incomodado, pois para além do carácter público que alguns dos jogos, dada a sua importância ou relevância para um considerável número de portugueses, possam ter, esta privatização do campeonato de futebol faz com que a universalidade do serviço acabe e também faz com que muitos portugueses deixem de poder assistir gratuitamente a qualquer partida de futebol. Mais uma medida que obedecerá a uma agenda bem definida e calendarizada e que demonstra bem o total alheamento dos responsáveis políticos por esta área, que preferem dedicar-se à privatização da RTP, do que preocuparem-se com uma programação séria e de qualidade para o serviço público de televisão. Lamentável.

18 agosto 2012

Sul, praia, calor, água, Sol, Verão e afins

Agora que faço o caminho inverso, para Norte, mas estarei naquilo a que se poderá chamar zona intermédia, ou para utilizar o termo de Bhabha, num "terceiro espaço", ou seja, já não no Sul, mas ainda não completamente no Norte, aproveito para rabiscar algumas ideias soltas acerca dos dias passados à beira-mar.
Fui de férias para o Algarve poucas vezes. Tão poucas que posso enumerá-las: Em 1986, ainda criança com os meus pais; Em 2010, já adulto e pai de uma criança; e em 2012, igualmente adulto e pai de duas crianças. Se me perguntarem o que penso sobre o Algarve, direi que nada nele me atrai e que passaria muito bem sem lá ir. Considero mesmo que não faz qualquer sentido eu lá ir, ficar ou estar. Mas cumprindo o meu papel de pai, lá fui e lá irei as vezes que ele e elas quiserem e eu puder. É justo.
Ao contrário daquilo que acontece com maior parte das pessoas, eu tolero melhor o frio do que o calor, eu gosto mais do Inverno do que do Verão, eu vivo melhor à sombra do que ao Sol. Assim, ir para a praia num ambiente com temperaturas médias de 30º é obrigar-me a atravessar o deserto. Aliás, actualmente, eu disputo cada centímetro de sombra do guarda-sol com o meu rebento que, por enquanto, faz a sua praia quase exclusivamente à sombra. É ridículo; sou ridículo.
Muitos me dizem que é porreiro ir para a praia, apanhar Sol, andar na água, passear, nadar, jogar qualquer "coisa", fazer castelos de areia, entre outras maravilhas da teoria do lazer. Acerca de tudo isto também tenho a minha opinião, baseada essencialmente na minha experiência. Vamos por partes:
- Quanto ao apanhar Sol, já nada mais há a dizer, apenas acrescentar que a minha tiróide também não gosta e que regresso sempre da praia como uma zebra, com a pele listada de branco e vermelho;
- Andar na água é algo que não me dá prazer nenhum, nem sei como me comportar dentro dela. Onde ponho as mãos?!, devo caminhar ou ficar quieto?!, devo olhar para aqueles que me rodeiam?! Não sei. É estranho. Entro na água e fico a olhar para a alegria e animação daquela gente só por estarem com o corpo parcialmente submerso. Definitivamente não é o meu habitat;
- Passear caminhando é porreiro e faz bem à maioria das pessoas e a mim também, mas os meus joelhos não conseguem. Portanto, é sempre com esforço e dor que faço essas caminhadas pela linha de água;
- Nadar é daquelas coisas que nunca me deu qualquer gozo. Como não domino a prática, acabo por dar umas aparatosas braçadas daqui para ali e dali para acolá, sempre sem quase sair do sítio, mas não retiro disso qualquer prazer e, por isso, rapidamente desisto. Entendo a natação como um desporto para outros e uma actividade fisioterapêutica também para mim;
- Vão-me perdoar os amantes da actividade física em espaço balnear, mas é do mais deprimente ver as pessoas, com as carnes excedentárias desnudadas, aos saltos e pinotes, atrás de uma bola ou com raquetes a bater numa pequena bola, incessantemente, num "toma lá dá cá"...;
- Fazer efémeros castelos de areia é fixe, mas para crianças até aos 10 ou 12 anos. Mas ver pais que sob o pretexto de estarem a ajudar os seus filhos a fazerem castelos de areia, passam manhãs ou tardes inteiras num frenesim e com dedicação laboral, à volta de pequenos montes de areia molhada, enquanto os seus filhos apenas observam, parecem-me casos patológicos, ou pelo menos passíveis de observação especializada, pois serão casos traumáticos de maior ou menor longevidade. Ou então, as crianças são eles;
Para mim, ir para a praia é uma narrativa de sobressalto, de desespero, de falta de ar, de sede. Muitas vezes tenho essas imagens em sonhos ou pesadelos. Não é confortável para mim. Lamento.
Em 1986, depois de viajar lenta e turisticamente até ao nordeste transmontano, e num momento parecido com este, o meu pai desabafou: - Nunca mais me apanham lá. E assim foi, nunca mais o meu pai levou a família para o Algarve. Em 2012, ainda que gostasse de poder ser igualmente afirmativo, sei que terei que lá voltar, pois o resto da família adora praia, sol, calor e água de mar. Portanto, com maior ou menor sacrifício, num futuro próximo lá estarei de novo, estendido à sombra do sol.

da cruzada...

ainda os "novos povoadores"

em férias, sobre férias

15 agosto 2012

lugares tranquilos

elixir da juventude

Numa recente visita ao centro da Invicta, motivada por interesses gastronómicos, fomos merendar a uma casa típica e de renome na cidade e arredores, localizada na Rua Cimo de Vila e bem perto da Praça da Batalha. Descemos pela Rua do Cativo e mal entramos na referida rua parecebemo-nos imediatamente do ambiente de final de tarde. Incomodados por trazermos a criança connosco, fomos igualmente notados pelas comerciantes de postigo e de soleira. Porta sim, porta não, à esquerda e à direita, personagens cristalizadas e patrocinadas por um qualquer patchouli, olhavam-nos com desconfiança. Depois de termos comido um bom presunto, broa e azeitonas, saímos desse ambiente e o comentário da criança foi: - Aquelas mulheres tinham todas setenta anos, mas pareciam só ter quarenta. Deve ser da roupa e das pinturas.

10 agosto 2012

latitudes

Na véspera de rumar a Sul, reflicto sobre a importância dos pontos cardeais enquanto referências existenciais para os indivíduos. E se para muitos deles a referência, o porto de abrigo e seguro, o objectivo e o seu norte é sempre a Sul, para mim o Sul é sempre a Norte, ou seja, o meu Norte é aí mesmo, a Norte. Aquilo que procuro está sempre a Norte da minha latitude.

instante urbano XXI

Andava a adiar há alguns dias a ida ao ponto de assistência da marca do meu automóvel para comprar um pequena peça do habitáculo que o meu pequeno filho fez o favor de estragar. Coisa insignificante e sem influência directa na correcta e segura actividade da viatura. Hoje foi o dia.
Entro na garagem, praticamente vazia, e um dos recepcionistas, muito solícito, veio-me receber e inteirar-se da situação. Logo depois disse:
- Pois é, deixe-me ir ver, pois não sei...
- Não sabe?! - pergunto eu.
- Não sei se isso existe à venda. - e vai-se afastando de mim em direcção ao balcão das peças.
- Então a própria marca não vende as peças para os seus modelos?! - Dada a distância, falo-lhe já num tom de voz mais audível.
- Deixe ver, deixe ver.
Ao longe eu pude observar todo o processo de pesquisa e durante os cerca de 45 minutos que estive à espera, foram mais de dez os mecânicos, vendedores e demais funcionários que lá foram dar palpite e ajudar na pesquisa.
Por fim lá apareceu. Afinal existia. Substituída está.

êxodo urbano, novos povoadores e a reconquista do nordeste...

Li hoje no jornal Mensageiro de Bragança a notícia de que o primeiro de cinco casais que já estava instalado no concelho de Alfândega da Fé, há cerca de um ano e ao abrigo do programa de repovoamento rural Novos Povoadores, abandonou o projecto e regressou ao litoral, de onde eram originários. Na mesma notícia, a actual presidente da respectiva Câmara Municipal admitiu que apesar de ter achado interessante e ter apoiado o projecto, sempre desconfiou da sua aplicabilidade e sucesso. Este era apenas o primeiro casal que o projecto, em fase piloto, conseguiu transferir e com esta desistência, os responsáveis pelo projecto serão obrigados a encontrar um casal em condições de substituir aquele que saiu.
Alguém terá ficado surpreendido com esta notícia? Não sei, mas eu não fiquei nada surpreendido. Admiro até como foi possível esse casal aguentar cerca de um ano longe de todas as suas referências e do seu "habitat natural". Não quero com isto dizer que este movimento é contra-natura, pois até considero o projecto teoricamente interessante, mas a verdade é que não é nada fácil, hoje em dia, trocar o conforto e as acessibilidades do espaço urbano pelo desconforto e distâncias dos territórios rurais e do interior do país. A promoção dos territórios rurais é importante e parte da fundamentação deste projecto assenta nas enormes assimetrias existentes no território nacional e na importância de tentar contrariar a forte tendência para a litoralização demográfica. Isso pode, de facto, acontecer através de um êxodo urbano, mas será sempre um esforço incomensurável e provavelmente, inglório.
Apesar da simpatia que o projecto me merece, penso que para quem conhece um pouco a realidade dos territórios rurais deprimidos e suas comunidades, não deixa de ser uma ideia romântica pensar que esses novos povoadores seriam um caminho para o repovoamento e a solução para todos os problemas dessas comunidades e territórios. Não são. Aliás, um dos problemas deste projecto é mesmo essa mensagem virginal, naturalista e idílica do mundo rural que desde logo me remete para as reminiscências de um ideário pastoral - movimento literário com forte expressão na segunda metade do século XIX - que exaltava o mundo rural por oposição à vida urbana.
Produzida por citadinos, a sensibilidade pastoral é gerada por um desejo de se retirar face ao poder e complexidade crescentes da civilização. O que é atraente no pastoralismo é a felicidade representada por uma imagem da paisagem natural, um terreno intocado ou, se cultivado, rural. O movimento em direcção a esta paisagem simbólica pode também ser entendido como um movimento para longe de um mundo artificial (...). Noutras palavras, este impulso dá azo a um movimento simbólico para longe dos centros da civilização em direcção ao seu oposto, natureza, para longe da sofisticação em direcção à simplicidade, ou, para introduzir a metáfora principal do modo literário, para longe da cidade em direcção ao campo. (Marx, 1967 in Silva, 2009)
De facto, os factores de atracção do campo estão relacionados com os seus atributos reais ou imaginários, tais como a liberdade, a tranquilidade, o bucolismo, a tradição, a natureza, a autenticidade, entre outras e no discurso destes "pioneiros" podemos, igualmente, encontrar expressões, tais como "tranquilidade, qualidade, tempo, ambiente, vida mais oxigenada, elite, província...", ou ainda, "...decidiu partir à aventura! Muitas vezes atrás de um sonho", que remetem igualmente para esse universo de simbologias ou mitologias do mundo rural.
Regressando à notícia em apreço, percebi que um dos elementos (ele) tinha um emprego em que poderia perfeitamente deslocalizar-se e o outro elemento (ela) iniciou um negócio de venda de mel na internet(?). Bem, muito poderia dizer acerca desta conceptualização do que é viver de uma actividade do sector primário, mas vou-me limitar a transcrever algo que um grande amigo, especialista nestas cousas da agricultura, um dia me disse: "Num território como o transmontano, cuja dimensão padrão das parcelas agrícolas é o microfundio, o meu conselho para todos os paraquedistas (leia-se, sem experiência) que pensam investir na agricultura, é que estejam quietinhos e deixem estar o dinheiro no banco. É uma perda de tempo e de dinheiro".
Gostaria um dia de poder viver num território rural deprimido, tão deprimido que só lá estivesse eu, mas com o pragmatismo mínimo necessário sei que isso só acontecerá se eu conseguir aforrar o suficiente para a minha sobrevivência e conforto. Pois é.
(estou a ponderar enviar este texto para um dos jornais regionais)


(in Jornal Mensageiro de Bragança, 9 de Agosto de 2012)

09 agosto 2012

os que partiram e os que ficaram...

Ao reler Miguel Torga e o texto "Um Reino Maravilhoso" no livro Portugal (1ª edição de 1950) encontro na força das suas palavras realidades entretanto mitigadas:

"Dentro ou fora do seu dólmen (maneira que eu tenho de chamar aos buracos onde vive a maioria) estes homens não têm medo senão da pequenez. Medo de ficarem aquém do estalão por onde, desde que o mundo é mundo, se mede à hora da morte o tamanho de uma criatura.
Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura, aos vinte anos (se não tiver sido antes), depois da militança, alguns emigram para as Arábias de além-mar. Brasis, Áfricas e Oceânias. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Mourejam como leões, fundam centros de solidariedade humana por toda a parte, deixam um rasto luminoso por onde passam, e voltam mais tarde, aos sessenta, de corrente ao peito, cachucho no dedo, e com a mesma quimera numa mala de couro. Gastam cem contos numa pedreira a fazer uma horta, constroem um casarão com duas águias no telhado, e respondem com ar manhoso a quem lhes censura um amor tão desvairado às berças:
- Infeliz pássaro que nasce em ruim ninho...
E continuam a comer talhadas de presunto cru.
Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia. E ali ficam nuns cemitérios de lívida desilusão, à espera que a lei da terra os transforme em ciprestes e granito."

pai e filho, filho e pai, a primeira vez...

E ao cabo de dezassete meses aconteceu. A novidade e, principalmente, o desafio era passar um dia inteiro cuidando do meu menino. Não sendo uma tarefa impossível de realizar era, desde logo, uma prisão das minhas horas, de cada um dos sessenta minutos dessas horas. Havia que planear o que fazer nessa segunda-feira de calor e de Agosto. Pois bem, primeiro objectivo foi mantê-lo na cama até o mais tarde possível, neste caso até bem perto do meio-dia. A manhã passada a dormir não custou. Depois foi hora do banho e de vestir, momentos que ultrapassámos com destreza e distinção, pois o banho é sempre um momento divertido e vestir só custa quando se tenta enfiar algo pelo pescoço. A hora de almoço, ao som da Xana Toc Toc e das músicas do Panda, foi lenta e javarda, pois optei por o despir e não utilizar a babete, que ele tanto detesta. Escusado será dizer que gastei papel e papel de cozinha... Feito. Estrategicamente aguardei que ele fosse invadido por um cheiro a esgoto e só então depois aprumámos as vestimentas e o penteado e saímos de casa. Sem objectivo ou destino, queríamos passar o tempo e as horas, que agora renderiam bem mais do que durante a manhã. Sentado na sua cadeirinha e devidamente equipado com o boné e óculos de sol, pareceu-me confiante e com vontade de passear por aí. Puro engano, não terão passado cinco quilómetros e já ele dormia a sesta, embalado pelo trepidar do carro e pelo som do rádio. Ok, mais uma hora e qualquer coisa estacionado à sombra de uma qualquer árvore e num lugar improvável. Acordou bem disposto e com fome. A bolacha Maria que lhe dei para o entreter foi pequena demais para o seu apetite e, sem delongas rumei a casa para lhe satisfazer a vontade de comer. Com ele choroso e no meu colo, lá preparei uma papa, que ele comeu com prazer e sem reclamar. O fim do dia aproximava-se e com ele o fim da minha missão. O tempo que nos restou foi passado a brincar no chão da sala, ou seja, ele a espalhar e eu a juntar "coisas" no chão. Não foi assim tão complicado mas, por muito que custe a admitir, aturar miúdos não é para mim. É uma prisão e mais parece um castigo. Não dá para sequer pensar em mais nada e isso esgota-me e deixa-me desesperado por serem dias vazios. O ideal e mitificado programa de pai e filho poderá (espero que venha) ainda acontecer, mas por enquanto dispenso bem estes programas. Com todo o amor e carinho.

08 agosto 2012

simplicidade...



Hoje, alguém dedilhava este acorde e soava-me muito bem. Simples mas bonito. Aqui fica a minha homenagem à luz de Agosto que tantas vezes me faz sentir perdido...

edição de Agosto do Le Monde...

Também em atraso, o registo da leitura da edição do mês de Agosto do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, da qual quero destacar o excelente artigo de Álvaro Soares de Melo e António Alves Vieira acerca do aparelho produtivo agrícola nacional em tempo de crise. O título do artigo é: "As pequenas e médias explorações agrícolas são imprescindíveis". Para arquivar.

da cruzada, ainda que atrasada...

05 agosto 2012

inaceitável...

Numa recente deslocação a Lisboa, motivada por um encontro académico, pude passear pela cidade, principalmente pela baixa pombalina que, nesta altura do ano, vive repleta de gente. Num dos intervalos desses encontro, realizado perto do Palácio da Ajuda, resolvemos ir visitar o Museu de Etnologia, localizado na zona do Restelo, muito perto do estádio do Belenenses. O grupo com quem estive esses dias era constituido exclusivamente por antropólogos: um Panamenho, um Galego, um Americano e dois Portugueses e pareceu-nos interessante ir revisitar esse espaço que, de uma forma ou de outra, está directamente relacionado com os primórdios da ciência antropológica em Portugal. Mal entrámos e nos dirigimos ao pequeno balcão que faz a serventia de recepção e de pequena loja de conveniências, fomos informados por uma simpática jovem que actualmente neste Museu não está patente qualquer exposição e que apenas se podem visitar as reservas (expólio) que se encontram na cave do edifício. Mas mesmo assim, só em determinados horários e dias, ou seja, quase nunca. Impressionante, um edifício daquela dimensão e com aquele propósito e está nesse estado comatoso, mantendo as portas abertas sem qualquer objectivo ou propósito. Já na rua, a conversa foi dominada pela indignação e pela incompreensão pela situação. É uma vergonha que um espaço criado em 1965 e que reune um património histórico imenso e que recua até à época dos descobrimentos portugueses, esteja a ser objecto de uma guerra de protagonismos entre aqueles que se julgam donos e senhores da academia e do saber em Portugal.

30 julho 2012

manuais escolares...

Bem sei que não é novidade e muito menos será a última vez que me acontece, mas hoje foi dia de ir buscar os livros escolares que estavam encomendados. Não é de hoje que eu critico o sistema instituído de ditadura comercial no mercado dos livros escolares. "Os livros são estes, quem quer, quer, quem pode, pode, o resto não interessa...". Este deve ser o raciocínio de quem estabelece as regras e permite que o mercado livreiro possa especular desta forma os valores dos manuais escolares. Assim também se pratica um racismo de inteligência (Bourdieu) e afasta da escola e do sucesso escolar muitas crianças. Eu, felizmente, ainda vou podendo adquirir a estes preços pornográficos os manuais para a minha criança, mas não sei até quando e até quanto... Por outro lado, aquilo que mais me indigna é saber que no final de cada ano, os manuais para além de perderem qualquer validade, são inutilizados, não tendo mais qualquer serventia. Já ouvi falar de uma ou outra meritória experiência de bolsas de livros escolares usados. Serão sempre bem-vindas. Estranho e lamento que as próprias escolas, não utilizem a sua autonomia para instituírem essas bolsas de livros. Também poderiam e deveriam impor um mínimo de anos para a validade de cada manual, ou seja, os professores ao optarem por determinado manual para cada uma das disciplinas ficavam obrigados a manter a escolha para três ou cinco anos. Assim, permitiria criar um sistema de cedências de livros usados dentro da própria escola, o que seria um contributo para atenuar os encargos escolares das famílias. É em dias como este que me apetece fazer parte da Comissão de Pais e colocar na sua agenda política esta questão. Nenhuma alma terá tido ainda a vontade de?!...

20 julho 2012

nas horas de alguns dias...


Abstract:

The brand “Fumeiro de Vinhais” is a commercial tag directly connected to the territory of the county of Vinhais (Northeast of Trás-os-Montes), located at 1000 metres of altitude which guarantees unequal natural conditions and a specific climate characterized by long and cold winters and short and hot summers that potentiate the perfect cure of the regional smokery. Presently all the brand’s products have Community Protection PGI (Protected Geographical Indications). This protects the product’s authenticity regarding its origin and guarantees the consumer a production through ancestral methods and subjected to an independent control system. The Fumeiro de Vinhais as managed to free itself from its local restrictions and, at the same time, keep and protect its production centre of symbologies and meanings. In a period of generalized crisis, it will be important to understand the brand’s behaviour, searching for answers to the questions:
· How will the brand be able to materialise the symbologies and narratives of its territory in a logic of globalisation in crisis?
· How does its territory, specialised in quality production, adapts to the new dynamics and constraints enforced by the “crisis”?
· Which are the local institutional strategies/answers for the defence and promotion of the brand and to attract new consumers (Bauman, 1999[i])?
· Will it or will it not be possible to maintain the control of its actions allowing it to colonise the future (Giddens, 2005[ii]), or in other words, to create territories with future possibilities?

Contributions to redefine what might be understood as the new rurality, as well as to identify new relational dynamics between rural and urban.

Keywords: Smokery, Vinhais, New Rurality, Crisis



[i] Bauman, Zygmunt, 1999, Globalization – the human consequences, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor;
[ii] Giddens, Anthony, 2005, The Consequences of Modernity, Oeiras, Celta Editora;


A caminho do Congresso Mundial de Sociologia Rural que acontecerá em Lisboa a partir do dia 29 de Julho; e como podem verificar, falarei do Fumeiro de Vinhais enquanto produção de qualidade e especialização territorial.

17 julho 2012

lido e guardado...

Nesta edição do mês de Julho gostei muito do editorial assinado por Serge Halimi acerca do federalismo na União Europeia como uma imposição ou como solução para o futuro do espaço europeu e gostei ainda mais do dossier "Turismo: a indústria da evasão" que contem um conjunto de texto sobre o turismo à escala global. Muito, muito interessante e útil para referenciação...

12 julho 2012

genial

Ideia fantástica e pelos vistos com um estrondoso sucesso comercial. Mas depois do primeiro impacto, a ideia não me parece assim tão genial, pois aquilo que se esta a vender/comprar é nada. Julgo que para a maioria dos leitores e compradores de livros, o prazer de adquirir livros, para além da sua leitura, será poder guardá-los para mais tarde regressar a eles, para recordar, para citar, para emprestar, para aconselhar, etc., etc., etc. E do ponto de vista dos autores, quem vai querer editar um texto, uma obra, que passados x dias se esfuma, se transforma em páginas em branco. Onde fica o registo, onde residirá a memória desse texto? Não me parece minimamente atractivo para quem escreve e gosta de escrever. Percebo o impacto mediático e imediato desta invenção, mas ela própria e sem grande demora desaparecerá e não deixará memória.

02 julho 2012

por lá andei...

Entre 25 e 27 de Junho de 2012 por terras de Chaves e de Verin








de congresso, encontros e afins...

- Travisan, Dalton (1984), Cemitério de Elefantes, Lisboa, Relógio D'Água;
- Figueiredo, Elisabete (Coord.) (2011), O Rural Plural - olhar o presente, imaginar o futuro, Castro Verde, 100 Luz;
- Godinho, Paula (2010), Festas de Inverno no Nordeste de Portugal - património, mercantilização e aporias da cultura popular, Castro Verde, 100 Luz;
- Santos, Eurico de Oliveira (2004), O Agroturismo e o Turismo Rural em propriedades da metade sul do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre;
- Pessoa, Miguel (1998), Villa Romana do Rabaçal, Penela, Câmara Municipal de Penela;
- Lizardo, João (2009), Caseiros e senhorios nos finais do século XX na Madeira - o processo de extinção da colonia, Porto, Edições Afrontamento;
- Santos, J. Loureiro dos (2012), Forças Armadas em Portugal, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos;
- Rosa, Maria João Valente (2012), O envelhecimento da sociedade portuguesa, Lisboa, FundaçãoFrancisco Manuel dos Santos;
- Buescu, Jorge (2012), Matemática em Portugal - uma questão de educação, Lisboa,FundaçãoFrancisco Manuel dos Santos;

LER de julho

25 junho 2012

em chaves...


A decorrer entre hoje, 25 de Junho e 27 de Junho. Veja aqui o programa do congresso e conheça em pormenor os conteúdos: o científico, o cultural e, principalmente, o gastronómico do encontro. A expectativa é grande e a minha participação acontecerá no painel 6 -Turismo em espaço rural e alimentação, no dia 27 a partir das 9 da manhã. Apareçam.

21 junho 2012

autor desconhecido e misantropo...


Já ouvira falar do seu nome aquando da atribuição do prémio Camões, mas até então nada sabia ou conhecia deste brasileiro que se esconde algures no interior brasileiro. Recentemente ofereceram-me este pequeno livro e hoje foi o dia em que, de uma só vez, o li e gostei. Gostei muito. Escreve bem este Dalton Trevisan - não sei, mas este nome soa-me a pseudónimo. Agora que o li, vou querer ler mais e procurar saber mais sobre esta personagem que, pelo pouco que agora sei, não gosta muito de aparecer, nem de se misturar em actos sociais ou recreativos. Aqui há dias foi notícia o seu agradecimento público ao governo português pela atribuição do prémio Camões, mas informou que não poderia estar presente na cerimónia. Num tempo hiper-mediatizado e onde a imagem vale tudo ou quase, saber de alguém que se refugia num anonimato quase absoluto e, ainda assim, tem sucesso e é reconhecido, é muito inspirador. Respeito. Sem dúvida, obra a descobrir.

12 junho 2012

ferido de morte

Estou habilitado para conduzir desde meados de 1992, tenho veículo próprio desde 1994 e estes dois factos foram contemporâneos da conclusão e abertura de todo o traçado do IP4. Por motivações que então a razão desconhecia, mas que exultavam o coração, passei a frequentar com muita frequência essa estrada, o que me permitiu conhecê-la e reconhecê-la em cada quilometro, em cada linha contínua e em cada curva. Conheci o IP4 na sua extensão como as palmas das minhas mãos. Agora que, por motivações que o coração desconhece, mas que exultam a razão, continuo a viajar entre as duas extremidades da sua extensão e depois de quase 20 anos de experiência, continuo a considerar que, salvaguardando um ou outro segmento, o IP4 é uma estrada com qualidade e segura. Continuo a responsabilizar os automobilistas pelas tragédias aí ocorridas. Eu, em todos estes anos e viajando em todas as horas do dia e da noite, de Verão e de Inverno, experimentei várias aventuras, vários perigos, vários sustos, mas felizmente e até hoje, não tive qualquer problema digno de registo. Conto sobreviver-lhe. Desde o momento em que iniciaram as obras da futura A4 que, infelizmente, se vai sobrepor a grande parte do antigo traçado do IP4, transitar nele tornou-se bastante mais difícil e mais perigoso. Obras intermináveis e que lentamente vai fazendo desaparecer esse IP. Aliás, quem não conheceu bem o traçado anterior, dificilmente hoje o consegue reconhecer na confusão dos separadores e desviadores. Mas eu, procurando o pormenor na paisagem, ainda o consigo vislumbrar a espaços e em muitos lugares, no mesmo instante sou invadido por um conjunto de memórias associadas a esses mesmos lugares. Voltarei em breve, espero, para então e finalmente escrever o seu epitáfio.

vem aí...

(nas bancas a partir da próxima semana)

Projeto Editorial

1
A Vírus é uma revista com edição semestral iniciada em junho de 2012. Tem tido, e continuará a ter, uma edição online consultável agora no site: www.esquerda.net/virus

2
A nova série da Vírus, agora em edição impressa, define-se como um espaço de debate de ideias e de intervenção direcionado para o entendimento crítico da realidade e para a construção de alternativas democráticas e socialistas à violência predatória do capitalismo e à deriva autoritária dos seus governos e do seu Estado.
Esse é o seu objetivo.

3
Com esse fim, a Vírus fomentará o concurso e o debate de todas as opiniões que, à esquerda, queiram contribuir para uma consistente corrente contra-hegemónica e para a superação da (des)ordem atual.
Esse é o seu campo.

4
A Vírus afirma-se como espaço de reflexão, discussão, formação e divulgação de apoio às e aos ativistas nos terrenos da política, dos movimentos sociais, da intervenção cultural, científica e cívica ou de uma cidadania informada e com opinião.
Simultaneamente, recebe do seu pulsar, das práticas sociais mais diversas, o influxo inspirador para o seu trabalho.
Esse é o seu compromisso.

5
A Vírus pretende fazer eco e participar ativamente nos grandes debates do internacionalismo, dar conta dos seus passos e desafios, uma vez que não há soluções puramente nacionais ou autárquicas para a ação emancipatória.
Esse é o seu âmbito.

metalinguagem...

As longas e solitárias viagens, ao volante pelas estradas, são espaços de apurada reflexão. A reflexão desta última viagem foi acerca destas serem tempos de reflexão apurada.

11 junho 2012

"onze por todos e todos por onze"

Deixa-me com urticária ouvir repetidamente este anuncio que, por estes dias, invade as estações de rádio e os canais de televisão. Como se esses onze "eleitos" me representassem nalgum sítio ou de alguma maneira. Bem sei que é Portugal que está a jogar e a disputar um campeonato europeu, e eu gosto que Portugal vença sempre, ou quase, mas daí até ao fanatismo que se pretende instalar vai um grande espaço. Ouvir da boca de alguns jogadores frases mal lidas em que o suposto orgulho nacional é colectivo é ofensivo para aqueles que realmente trabalham diariamente e procuram honrar sempre a sua profissão, o seu serviço, a sua empresa, a sua cidade, região e país. Não suporto a declarada intenção de nos projectarem, enquanto colectivo, naquele pequeno grupo de cidadãos nacionais, como se o presente e, principalmente, o futuro dependesse daquilo que eles conseguirem ou não conseguirem. Felizmente, a estúpida manifestação proposta pelo brasileiro estúpido, que em 2004 comandou esse grupo de "eleitos", de colocação de bandeiras portuguesas em tudo que fosse autoclismo e bidé, foi esquecida e os resquícios são residuais. Esperemos que seja qual for o trajecto desta selecção consigamos fazer a coisa com brio e elevação e que a vida, a de cada um em geral e a colectiva em particular, possa recuperar deste desgaste e deste ataque civilizacional. Sei que os onze não estão por todos e desconfio que nem todos estão pelos onze. Mas isso sou cá eu, retorcido.

08 junho 2012

a LER

07 junho 2012

Isaltino Morais dixit...

"Acham que o combate à corrupção deve ser feito com manifestações em praça pública, quando a corrupção deve ser combatida com leis claras e transparentes. E quando chega a absolvição muitas vezes já é tarde porque já foi causado muito sofrimento e as famílias já foram muito afetadas e mesmo quando chega a absolvição, não se dá importância a isso".
Havemos de rir ou havemos de chorar?!

06 junho 2012

cristas de razão...

A construção da barragem na foz do rio Tua foi, desde o seu início, uma guerra entre os defensores do meio ambiente e os exploradores dos recursos naturais. Por princípio e, depois, por responsabilidade cívica, sempre estive do lado dos defensores do meio ambiente e contra a construção desta barragem. Por tudo aquilo que estava em jogo, só um lobby muito forte conseguiria ter argumentos para essa construção e a EDP e o seu CEO, António Mexia, conseguiram a proeza. Contra todas as evidências e pareceres técnicos que demonstravam que essa construção não traria qualquer mais valia energética e que com ela todo um património natural e cultural desapareceria. Confesso que sempre achei que esta era uma batalha perdida e que a força do betão seria decisiva. Pois bem, enganei-me e ainda bem, bastou a UNESCO ameaçar com a perda do estatuto de património mundial do Douro vinhateiro, para novamente esse assunto regressar à ordem do dia e aquilo que era uma certeza deixar de o ser. A notícia do dia de ontem são as tristes palavras da ministra Assunção Cristas que admite que agora o problema é o Estado não ter dinheiro para mandar parar as obras. Como é possível?! Como é possível o Estado saber que a obra não terá qualquer serventia; saber que corre o risco de desqualificar toda uma região que é património da humanidade e, afinal, não agir porque os constrangimentos financeiros não permitem pagar qualquer tipo de indemnização. Ao ter conhecimento destas notícias, desanimado, questiono porque não se responsabiliza quem criminosamente actuou em nome do Estado? Mas afinal que país somos nós?

05 junho 2012

livros e livros

Em actualização da base de dados, aproveito para aqui registar os últimos livros a chegarem à colecção. 
De antes da feira do livro:
- Vaz das Neves, Dom Abílio (1946), Constituições do Bispado de Bragança e Miranda, Bragança, Diocese Bragança e Miranda;
- Comissão Executiva das Comemorações (1997), Páginas da História da Diocese Bragança-Miranda - actas de congresso, Bragança;
- Fernandes, Maria da Conceição Correia (2001), Uma História da Diocese de Bragança-Miranda, Lisboa, Diocese Bragança-Miranda;
- Pires, Padre Baltazar e Pires, Padre Francisco Videira (1950), A Virgem Peregrina na Diocese de Bragança,  Coimbra;
- Sousa, Fernando de (coord.) (2012), Memórias de Bragança, Bragança, Câmara Municipal de Bragança;
- Martins, Miguel Ferreira (2012), Direito e Interioridade - actas dos I, II e III Cursos de 2008, 2009 e 2010, Coimbra, Coimbra Editora;
- Teixeira, Padre Alfredo Augusto (org.) (2004), Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado - cinquenta anos de vida, Bragança;
Da feira do livro:
- Lopes Filho, João (2004), Agrupamentos de Folclore - ontem e hoje, Lisboa, Inatel;
- Ramos, Francisco Martins (2006), Breviário Alentejano, Vale de Cambra, Caleidoscópio;
- Valente, José Carlos (1999), Estado Novo e alegria no trabalho - uma história política da FNAT (1935-1958), Lisboa, Edições Colibri e Inatel;
- Cabral, António (1999), Tradições Populares I, Lisboa, Inatel;
- Cabral, António (1999), Tradições Populares II, Lisboa, Inatel;

31 maio 2012

começa hoje...


abertura...

Não sei em que Natal ou aniversário o tio mais novo da minha filha lhe ofereceu o jogo "The Beatles rockband" para a playstation 3. Sei que cada vez que ela joga e eu estou por perto, fico fascinado com o genérico inicial, que funciona como que uma abertura para o espectáculo que a seguir cada jogador poderá experimentar e ser o artista principal. Cada vez que ela joga, eu para além de aumentar estupidamente o som da televisão, repito uma ou mais vezes... Experimentem.

26 maio 2012

"...entas"

Entrei hoje, oficialmente, no última ano dos trintas. Esse facto foi assinalado por aqueles que me rodeiam e que, de uma forma ou de outra, de mim gostam; fui agraciado e presenteado; estive com o pequeno núcleo familiar que, diga-se a propósito e como podem constatar na fotografia, está a crescer e de pequeno tem cada vez menos... Passei assim um bom dia, tranquilo e farto de coisas boas. Muito obrigado a todos e a todas que hoje estiveram comigo. Apesar de considerar que, tecnicamente, experimento já o quadragésimo ano da minha ontologia, houve hoje uma recorrente e transversal afirmação que guardei com especial cuidado: - Estás quase a entrar nos "entas"... E de lá não sais mais... Pois é verdade e tenho perfeita consciência desse facto. Consigo encará-lo com tranquilidade, apesar de sentir todos dias o peso do tempo que passa e com ele a minha vida. Venham então esses próximos 365 dias que serão, concerteza, um instante desse tempo maior que é a vida. O resto não sei, nem vivo muito preocupado com o que poderá vir a ser. Agora, venham esses "entas" com força e, já agora, que sejam pelo menos alguns e bons. Tenho dito.

22 maio 2012

sem pré-aviso...

A notícia chega sempre num sobressalto e apanha-nos sempre e irremediavelmente impreparados e surpresos. Tudo começa por ser não mais do que um boato, sujeito a novas e outras informações e confirmações, mas desde logo anunciam uma tragédia. Principalmente quando se sabe que a vida ainda poderia ser vida e, por mote próprio, se antecipa esse fim. É triste, sempre e muito triste, mas compreensível quando essa vida degenera e se torna insuportável e inviável. Aceito esse livre-arbítrio.

Revista Brigantia

(capa revista nº 0 de 1981)

Não percebo porque é que deixaram de publicar a Revista Brigantia. É que já desde 2008-2009 não sai nenhum número e, por mais que questione e procure respostas, ninguém me dá qualquer justificação minimamente razoável para este longo interregno. Desapareceu, extinguiu-se, ou melhor, extinguiram-na, desistiram dela?!...
Nos últimos meses tenho conversado e questionado alguns dos intervenientes que julgo terem alguma responsabilidade pela sua existência e publicação e aquilo que tenho conseguido são não-respostas, ou seja, a negação da sua extinção, por um lado, e a desresponsabilização, por outro lado. Inaceitável e a dúvida persiste: Porquê?
Numa destas últimas semanas, o Jornal Nordeste trazia-nos uma pequena notícia, assinada por Marisa Santos, acerca de uma reunião da Assembleia Distrital de Bragança (ADB), proprietária da revista, e da vontade desta em manter a Brigantia. Muito bem, terão pensado muitos dos leitores e diria eu, se me limitasse às letras gordas, mas a verdade é que a actual ADB parece não compreender a importância e o valor de uma publicação como a Brigantia e, ao contrário do que afirma o presidente da ADB, não “é preciso prestigiar a Brigantia”, pois ela sempre foi uma revista com prestígio e reconhecida, não só pelas comunidades da região, como por inúmeros investigadores, estudantes e estudiosos, em Portugal e no estrangeiro, que a ela recorriam não só como fonte de informação e conhecimento, como também enquanto acervo de um saber multidisciplinar acerca da região, e também como espaço para publicação da produção académica ou outra. Mesmo em tempos mais recentes, com uma edição muito intermitente e sem qualquer regularidade, a revista mereceu a referência em inúmeros estudos, investigações e publicações. Não saber ou não ter consciência disto é não merecer o legado recebido daqueles que, concerteza, com maior dificuldade conseguiram construir este projecto. Relembro as palavras iniciais, escritas pelo seu mentor e dinamizador, o Dr. Belarmino Afonso, no volume I - No 0 de 1981: "Brigantia é uma revista nova. (...) Tentará veicular tudo o que é reflexo do trabalho criador do homem das terras nordestinas. O social ou o económico, o religioso e o artístico, o arqueológico e o etnográfico, bem como outros campos da cultura regional, são aspectos complementares da realidade cultural humana que é necessário analisar. (...) Mais do que um simples registo documental, pretende criar um espaço de vida e reflexão." A triste realidade da revista, nos seus últimos anos de publicação e por responsabilidade desta ADB, é que perdeu essa vivacidade - veja-se a diminuição de números de revistas publicadas por ano - e adquiriu um carácter eminentemente monográfico e dedicado à efeméride.
É por ter consciência dessa sua condição precária e considerar que, apesar de tudo, não só há espaço editorial, como haverá sempre conteúdos e receptividade por parte de diferentes "públicos" e "autores", que considero inaceitável que se deixe desaparecer a única publicação cultural, digna desse nome e com cerca de trinta anos de existência. Importa aqui uma referência aos vários projectos editoriais que foram surgindo na região e que, numa outra dimensão e num outro universo, foram, são e serão sempre mais-valias para o reconhecimento da região transmontana.
É lamentável e triste que a ADB, enquanto sua proprietária, constituída pelos autarcas eleitos na região e que tanto investem anualmente em iniciativas de caracter etnográfico, recreativo e cultural, muitas vezes iniciativas de valor duvidoso, não consiga dispender a verba relativamente pequena necessária para a regularidade editorial da Brigantia.
Olhando para a história desta revista podemos verificar como durante muito tempo foram editados entre dois a quatro números por ano e que, à medida que nos aproximamos do presente, esse número passou a um único anual. O último volume correspondeu a dois anos (2008 e 2009). Mas a questão central, quanto a mim, não é o número de revistas publicadas, mas sim o formato e o modelo de gestão, ou se preferirem, de propriedade da mesma. Concerteza, na época em que foi lançada a revista - 1981, faria todo o sentido a proprietária da mesma ser a ADB, mas actualmente não me parece que esse seja o melhor modelo de gestão, pois, parafraseando o actual presidente da ADB, não será a revista, mas sim a própria ADB quem precisa de credibilidade; não será a revista Brigantia mas sim a ADB quem sofre de anacronismos...
Não se percebe o desinteresse dos ilustres membros da ADB pela revista. Não se percebe porque deixaram de contribuir com a sua parte para a sua edição. Assim como não se percebe que, tendo havido financiamento para a publicação, ela não se concretizasse.
Mais do que ficar calado ou proferir gratuitas criticas, importa-me alertar as consciências e contribuir positivamente para que a revista ressurja. Assim sendo e tal como já sugeri anteriormente, há que procurar novas formas de financiamento, novas parcerias, novas colaborações, novos formatos de edição. Uma segunda vida para a Brigantia precisa-se para que possa "ser um encontro de pessoas com perspectivas diferentes, mas enriquecedoras de uma única realidade cultural de que somos portadores conscientes." (Belarmino Afonso em 1981).
(texto enviado para o Jornal Nordeste)

15 maio 2012

"ocupar o comum"


Na edição do mês de Maio do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa, Sandra Monteiro escreve um excelente artigo que entendo como explicação para tudo aquilo que tem sido o discurso da "crise" enquanto agenda de uma lógica neoliberal e de perseguição à dimensão pública dos estados e das sociedades ocidentais. Já o li no início do mês, mas para o referir precisava de escrever algumas citações e por isso aguardei até estar disponível na sua integridade. Aqui fica, ou então na sua versão original:

Para os defensores do neoliberalismo, não faz mal acabar com serviços e actividades reconhecidamente eficientes, de qualidade e utilidade social, desde que estejam reunidas pelo menos uma destas condições: que seja um modo de transferir para a esfera do privado recursos que antes pertenciam ao público, promovendo oportunidades de negócio; que seja um modo de eliminar do campo das experiências dos cidadãos formas de fazer em comum que possam favorecer o seu apego a instituições públicas, a finalidades não-lucrativas, a lógicas cooperativas e participativas.
É nesta engenharia de reconfiguração da sociedade que se enquadram o anunciado encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, ou o despejo da Es.Col.A. da Fontinha, no Porto. Por muito que a violência demolidora da vida em sociedade a que estamos a assistir o possa sugerir, o que está em causa não é, para o projecto neoliberal, acabar com o Estado, mas antes desviá-lo das suas funções sociais e redimensioná-lo à medida da avidez de mercados instáveis e de interesses privados. Não está também em causa acabar com toda e qualquer iniciativa de cidadãos que se mobilizem autonomamente para intervir na sociedade, mas tão-somente a daqueles que o fazem, até em regime de voluntariado, associando a supressão das falhas dos poderes públicos a propostas transformadoras das comunidades que não sejam redutíveis aos valores do pensamento único, à forma económica da troca mercantil e do lucro, ao formato de gestão do «empreendedorismo social».
O neoliberalismo nada tem contra haver Estado suficiente para parcerias público-privadas desastrosas para o erário público; para tráficos de influências e garantias de proveitosas carreiras; para salvamentos de bancos nacionais impostos por um sistema financeiro internacional que confisca a democracia; para sistemas educativos que formem elites ou para sistemas de saúde que se ocupem dos doentes que não são rentáveis para a medicina privada. O neoliberalismo nada tem contra haver na sociedade autonomia suficiente canalizada para o assistencialismo ou a caridade, desde que essa acção não questione intelectualmente, nem abale através de práticas, o imobilismo trágico das desigualdades socioeconómicas e a irracionalidade de um modelo económico iníquo.
Valores, práticas e finalidades são o que distingue os projectos em confronto nas sociedades. São eles que separam, por um lado, os que concebem uma comunidade como organização em que se afere, de acordo com modalidades democráticas e participadas, quais os bens comuns a prosseguir; e, por outro, os que nela vêem um somatório de interesses individuais e privados em que os mecanismos da competição farão emergir os mais fortes e, supletivamente, obrigarão a encontrar as formas de assistência aos mais fracos que eternizarão a rigidez dos lugares sociais. É neste antagonismo quanto a valores, práticas e finalidades que reside o essencial das escolhas de sociedade. Tudo o mais diz respeito aos actores que dão corpo a essas escolhas e às alianças e contágios entre as diferentes esferas em que os actores se movem; no quadro das relações de força em cada momento existentes, essas alianças e contágios podem ser potenciados ou impedidos.
Se os efeitos que se quer alcançar forem a densificação da democracia, a restauração dos serviços públicos e do Estado social e a reconstrução de comunidades de bem-estar, será que mantém utilidade e capacidade explicativa uma grelha de análise que encerre nos vértices de um triângulo três pólos que não se sobrepõem nem têm afinidades a aproximá-los ou separá-los? Com efeito, a imagem que nos habita tende a ser a de um triângulo − mesmo que o possamos ver equilátero, isósceles ou escaleno. Ele representa três sectores da sociedade separados e estanques: o público, o privado e o terceiro sector (ou economia social). A mesma figura geométrica ressurge se pensarmos em termos de três esferas de actividade traduzidas no Estado, no mercado e na actividade cooperativa ou solidária. Dada a correlação de forças, esta imagem tem estado revestida por uma capa de naturalidade e fixidez, quando ela traduz uma visão que não é neutral, mas política. E tem servido, sobretudo, para permitir que ocorram longe da visibilidade do debate público todas as formas de disputa e de captura que o poder, cada vez mais forte, dos mercados (isto é, dos interesses privados que estes representam) tem vindo a operar em relação aos sectores público e cooperativo.
Há por isso vantagem em encontrar arranjos e parcerias alternativas que estilhacem estas lógicas que se encontram em acção e que, mantendo a noção de que todos estes três pólos são construções em aberto, desloque a aliança estratégica para o lado do público e do cooperativo. As modalidades dessa redefinição de alianças podem ir da simples cedência de espaços públicos até outras mais entrosadas, como por exemplo a extensão dos âmbitos de actividade em que se ensaiam formas económicas não-mercantis e em que se beneficia mutuamente de economias de escala.
A constituição desta aliança, mais ou menos formal, fará com que o campo do público e da cidadania tenha mais condições para disputar ao privado o conjunto de valores, práticas e finalidades que projecta para a sociedade. Talvez seja dos contágios entre racionalidades de serviço público, participação democrática, organização cooperativa, não desbaratamento de recursos com a exploração e o lucro, e prossecução de objectivos de sustentabilidade ecológica e de bem-estar social que possam vir a surgir alianças duradouras entre o Estado e as organizações de cidadãos − movimentos, associativismo, economia social − que fortaleçam ambos em detrimento dos interesses privados. Ocupar este espaço do comum é uma forma de romper com o consenso neoliberal assente no pensamento único, na prática única. É, certamente, uma forma de reapropriação do futuro.

b de bom e de bonito...

processo civilizacional

Quando apareci em casa com o Ipad, deu-me a sensação que nem tive tempo de por os dois pés dentro de casa e já estava a ser interrogado: - Mas para que precisas tu disso?!... De facto, na altura a utilização do verbo "precisar", desarmou-me e deixou-me sem capacidade de resposta. Mas também não foi preciso passarem muitos dias até alguém, que não eu, ter descoberto uma função bastante útil para o meu desnecessário gadget. Pois claro, nada melhor do que um Ipad para colocar em frente à criança para a distrair enquanto come a sopa e o demais... Muito bem. Assim tem sido e, de facto, a sua utilidade deixou de ser questionada. Essa rotina de visitar o "Tubo" à procura de temas apropriados para uma criança de um ano, levou-me a (re)descobrir esta música do Sebastião.


A letra desta curta versão da música diz o seguinte:

“Sebastião come tudo, tudo, tudo
Sebastião come tudo sem colher,
Sebastião fica todo barrigudo,
Chega a casa e dá beijinhos na mulher”

Mas algo me soava mal, pois aquilo que recordo do meu tempo - sim, quando eu era criança já cantávamos isto - era uma letra ligeiramente diferente e dizia assim:

“Sebastião come tudo, tudo, tudo 
Sebastião come tudo sem colher, 
Sebastião fica todo barrigudo, 
Chega a casa e dá porrada na mulher”

Pois muito bem, a conclusão a que se chega é que no espaço de cerca de 30 anos, o processo civilizacional pôs o Sebastião a dar beijinhos à mulher em vez de porrada, apesar de continuar a comer sem colher, ou seja, com as mãos. Quantos mais anos serão precisos para esse processo obrigar o Sebastião a comer com talheres?!...

13 maio 2012

instante urbano xx

Para ser justo, este instante não deveria ser urbano, mas tentemos encaixá-lo numa certa e determinada urbanidade...
Em noite de festa e num café de nome desconhecido, mas com publicidade da marca Delta, encosto-me ao balcão para tomar café. Do lado de dentro do balcão quatro moças que com destreza e sincronia vão dando resposta às inúmeras solicitações a ao aparente caos instalado. Enquanto observo os seus modos e os seus desempenhos, um outro freguês, mesmo ao meu lado, encosta-se ao balcão e chama uma das moças pelo nome e pede-lhe dois gigantes. Ela, enquanto avia outro pedido, olha de relance para ele. Eu não percebi aquele pedido e fiquei curioso para ver o que lhe iria servir. Logo a seguir, ela abre uma gaveta e saca de lá um maço de cigarros, retira dois e estende-lhos para a mão, recebendo em troca um valor em moedas que, infelizmente, não pude quantificar e que não teve troco. Quando se virou para mim, simpática, tive mesmo vontade de lhe pedir um café e um gigante, pois não tinha presente que, ainda hoje, era possível comprar tabaco assim.

um arraial minhoto



Num ambiente que quando muito poderia considerar-se rurbano, que é como quem diz, um ambiente rural de aproximação a um espaço urbano, pude experimentar uma noite de sexta-feira diferente...
Largo da Igreja e centro cívico da localidade apinhado de gente vinda de todas as redondezas, coreto e torre sineira devidamente iluminados e decorados, por todo lado barracas de farturas, pipocas e outras doçarias, ao longe e num campo que se estende em frente à igreja, a luz e o som dos carrinhos de choque, carrocéis e afins. À medida que a noite cai, este espaço vai ganhando cada vez mais vida e a concentração da gente em frente a um enorme palco, indica que o momento grande do arraial ainda está por vir. A curiosidade e a ansiedade, e para alguns a impaciência, vão crescendo. É perceptível. Os mais velhos, que chegaram primeiro vão-se encostando onde podem ou escolhendo os lugares estratégicos para uma observação não-participante. Os mais novos, aos pares ou em grupos maiores, também se vão aproximando, constituindo uma massa crescente de festeiros. Ao olhar com mais atenção também posso perceber o cuidado e o preparo para vir à festa. A sua festa.
A noite promete. Do lugar onde me encontro a observar, sinto-me igualmente observado e um corpo estranho a todo o ambiente. O cheirinho a farturas que permanentemente o vento me traz ao nariz, associado ao desconforto do estômago, leva-me a querer ir lá busca uma. Não posso, ainda.
Finalmente, os artistas chegam e num aparato, algures entre o pimba e o xunga, sentados num carocha descapotável que rasga pelo meio da "multidão" e acenando ao público, que não retribui os cumprimentos... A apresentadora não cala uma elegia ao grande sucesso da dupla -Marcelo e Alex - e tudo é feito com grande sonoridade, mas sem grande entusiasmo ou adesão do público que permanece estranho ao que assiste. Pelo meio de uma enorme neblina colorida e com um estridente som exótico, a dupla certaneja entra em palco, precedida por um potente trio de bailarinas brasileiras que de imediato se desnudam e, assim, chamam a atenção ao que se passa no palco. O que se passou a seguir foi mau demais para aqui ser relatado e recordado. Um espectáculo muito mau, sem qualidade e acima de tudo desonesto, pois tudo era playback e aquela gente pagou um valor, independentemente de elevado ou não, por uma farsa e, ainda por cima, sem qualquer qualidade. Por exemplo, a determinado momento, perto do fim da actuação, quiseram apresentar os membros da banda. Ao nome de cada um, respondiam com um pequeno solo. Que desastre... Instrumentos desligados, outros desafinados, outros não sabiam tocar e, para cúmulo, o líder da banda nem o nome de alguns dos seus músicos sabia... Ficou tudo registado e eu incomodado por saber esta gente aldrabada.
Estamos no mês de Maio, mas aquilo que presenciei remeteu-me de imediato para os meus ambientes rurais do mês de Agosto, mês, por excelência, de todas as festas e arraias. É verdade, não cheguei a comer nenhuma fartura.

11 maio 2012

instante urbano xix

Foi no início da tarde que, acompanhando um amigo, entrei pela primeira vez num espaço gourmet. Não andando à procura de nada e para me entreter enquanto ele procurava o que queria, pude contemplar ao pormenor muitos dos produtos expostos. Desde logo reparei que quase todos os produtos se apresentam em pequenas quantidades ou doses, depois todos, sem excepção, apresentam-se de uma forma cuidada e apelativa - nas cores, nos materiais utilizados para embalagem e nos textos ou simples marcas. Como não podia deixar de ser, reparei nos preços e devo dizer que me confundiu ver pacotes de batatas fritas a 6, 7 e 8 euros... ou latas de atum em conserva a 3 e 4 euros... ou pacotes com 4 bolachas a 12 euros... Pude também constatar que não haverá um produto ao qual não seja possível inventar a sua versão gourmet. Por motivação académica procurei produtos certificados (DOP's ou IGP's), mas não encontrei nenhum. Enfim, tudo muito giro e apelativo, concerteza até saboroso, mas desconfio, muito vulnerável às modas dos tempos; e como os tempos de agora são propícios a modas minimalistas e económicas, não se adivinham fáceis para a produção e importação de tais especialidades. É verdade, se calhar apenas uma coincidência, mas não estava mais nenhum cliente na loja...

10 maio 2012

polikuchka

De novo ao encontro do "Leão" Tolstoi e de uma sua novela de cariz popular, que retrata o ambiente quotidiano dos indivíduos e comunidades russas em pleno século XIX. Somos levados pela impressionante e expressiva escrita a conhecer as aventuras e desventuras do pobre Polikuchka. Não conhecia este conto de Tolstoi e fui encontrá-lo numa velha (1972) edição de bolso das Edições Europa-América, em casa do meu pai.

novo sítio...

A partir de hoje também estarei disponível para ser "visitado" e "conhecido" em www.valedovale.net O atalho para este sítio estará sempre disponível nos "atalhos partilhados" e no "meu perfil". Visitem-me e, já agora, conheçam meu ego-centrismo... O aspecto da coisa é este:

02 maio 2012

França e o resto dos dias desta europa...

Confesso que em condições normais, e ao longo de toda a minha vida, pouco ou nada liguei às eleições em França: a quem eram os candidatos, a quem ganhava, a quem perdia e a quais eram as consequências dessas vitórias e dessas derrotas. Contudo, a conjuntura mundial e, principalmente europeia, obriga-me a uma maior atenção e preocupação com aquilo que se passa nos quintais dos vizinhos, pois tenho bem a consciência de que nada adianta o meu quintal estar florido ou viçoso e os demais secos, pois mais tarde ou mais cedo, o destino do meu será idêntico aos demais. Portanto, acompanhei, ou pelo menos, monitorizei este acto eleitoral. À partido nenhum destes dois finalistas seria o meu candidato favorito, mas numa circunstância de 2ª volta, não hesito em afirmar o meu desejo que seja o candidato socialista, o candidato de uma pretensa esquerda a ganhar e a ser eleito para presidente da republica francesa. E isto por uma razão muito simples e fácil de aqui apresentar. É que, mesmo não sendo francês e não tendo voto na matéria, enquanto cidadão desta Europa não gostei de ver, ouvir e perceber, ao longo destes últimos tempos, a atitude completamente subserviente e submissa do presidente Sarkosi em relação ao poder da economia alemã e ao domínio da sua chanceler. Por outro lado, também não acredito verdadeiramente que caso Hollande vença consiga uma alteração significativa de paradigma. Contudo, decisiva é a percepção de que se Sarkosi vencer tudo continuará na mesma, senão pior, enquanto que a vitória de Hollande poderá ser a esperança, ainda que ínfima, de uma qualquer alteração de políticas e de paradigma não só em França, como para todo o espaço euro e toda a Europa. Por isto, simplesmente, o meu apoio tende para o candidato que agora se apresenta como "de esquerda".

coisas simples...

Ele: O que vamos comer ao jantar?
Ela: Estava a pensar fazer grão-de-bico com atum e ovo cozido. Porquê?
Ele: Por nada. Ok, muito bem. E não é preciso ir comprar nada?
Ela: Não. Temos o grão e temos o bico...
Ele: Ah, então está bem...

01 maio 2012

degradação social e, sobretudo, humana...

O conhecimento e as imagens que nos chegaram da cadeia de lojas do Pingo Doce, um pouco por todo o país, é algo que nos deverá merecer a maior das reflexões. Não sei quais serão as consequências, mas confesso que jamais imaginei ser possível, assistir em Portugal a uma luta física por um produto à venda num supermercado. Para além da tristeza, fiquei alarmado pelas manifestações dos instintos mais básicos do ser humano e pelos significados de tais comportamentos. Do ponto de vista subjectivo, eu posso compreender a necessidade de cada uma daquelas pessoas, pois é algo substantivo, na conjuntura actual, para muitas famílias poder levar o dobro dos víveres por um mesmo preço. Mas todos nós teremos que reflectir acerca de tudo aquilo que está subjacente a esta corrida louca às prateleiras de supermercados. Por outro lado, a responsabilização das instituições e nesse aspecto, a estratégia do Pingo Doce é de todo irresponsável, pois para além das consequências no próprio mercado e da própria (i)legalidade da iniciativa, introduziu um factor de provocação sociológica, na medida em que a escolha do dia 1 de Maio, feriado internacional e dia do Trabalhador, não foi inocente. Com uma campanha tão agressiva, esta marca conseguiu provar que a generalidade dos indivíduos, económica e socialmente fragilizados, troca facilmente a sua cidadania pela condição de consumidor. Pouco dignificante para a cidadania, para a democracia e para a própria civilização. Sinal dos tempos degradados que vivemos e experimentaremos...
Aproveitando uma saída precária de casa, fui ao quiosque buscá-la. Não sei, mas algo me diz que não vou gostar muito. Sem grande expectativa em relação a este número da LER.