20 maio 2009

concurso cronistas - 2º desafio

Desafio:
Prezado Cronista,
Diz o provérbio latino: "Ridendo castigat mores." Ou por outras palavras: "Rindo se corrigem os costumes." Peço-lhe hoje uma crônica que pretenda criticar os vícios , os erros, as atitudes, os comportamentos inconvenientes, enfim, de nossa sociedade contemporânea por meio do humor. Esteja livre para criar.
Aguardo ansioso
O Editor

Crónica:
O Senhor Humor
Provocar o riso sempre foi uma necessidade. Ninguém duvidará que todo o ser humano necessita, gosta, procura, ainda que ocasionalmente, a boa disposição através do humor. Para além disso, é mais ou menos consensual que o riso se apresenta como excelente meio pedagógico utilizado para reproduzir determinada visão do mundo e assim construir memória e a história dos vários tempos. Como tal, tem que ser lido, tem que ser entendido como um elemento relativo e subjectivo que permitirá, se quisermos, traduzir culturalmente as diferentes comunidades e sociedades, naquilo que se designa de identidades. A este propósito, trago-vos uma narrativa de uma memória que fala de um tempo moderno, que posso adjectivar de anacrónico ou mesmo arcaico. A personagem que aqui encontrarão não será propriamente um senhor e, também, não se tratará de alguém com particular humor, mas a recorrência humorística a episódios seus sobreviveram ao seu desaparecimento.
De estatura média e de corpo robusto, o Mâncio era um solteirão que entrara já na sexta década do seu tempo. Habitava um lar de humilde condição e parca arrumação. Tivera uma meninice difícil, sem o carinho de mãe ou o amparo de pai. Cedo veio viver para aquela aldeia transmontana, trazido por familiares preocupados com a sua triste sorte. Assim cresceu, mais ou menos abandonado, no seio de uma família alargada e com o estatuto de parente pobre. Bem reparava sua tia, a quem ele carinhosamente tratava por Mãe, que algo de estranho se passava com aquele rapaz. Mas nada que conseguisse perceber ou entender. À escola nunca ligou e ao trabalho só quando obrigado; o Mâncio gostava de vaguear pela aldeia e seu termo, andar atrás das perdizes, armar ratoeiras aos pássaros ou ir apanhar peixes, à mão, no ribeiro que por ali perto passava.
Mais tarde chegou o tempo de mancebo e do serviço militar. Partiu e afastou-se, pela primeira vez, do seu pequeno mundo. Ganhou asas, aprendeu e gostou de voar. Enquanto fazia a tropa viveu em Lisboa, de onde trouxe as histórias e as venturas da eterna mocidade. Nos tempos vazios viajou indigente pelo país e, depois de terminar a tropa, sem hesitar rumou para Paris, apenas com o contacto de um parente que o acolheu e orientou para um qualquer ofício, daqueles que os nativos se recusavam desempenhar, mas que os lusos emigrantes publicitavam serem especialistas. Por terras gaulesas viveu durante cerca de duas décadas até ao dia em que cansado e sentindo o corpo a ceder, resolve regressar à sua terra de adopção, onde já não encontra o lar de outrora, nem os bem queridos que sempre trouxera no coração. Como nunca casou ou teve mulher, enfrentava agora o desafio de viver uma velhice em solidão. Foi também depois desse seu regresso que Mâncio construiu a sua sui generis personagem e ganhou o eterno lugar na memória colectiva da comunidade.
Apesar de uma certa rudeza de aspecto e de uma certa esquizofrenia nos modos, era um indivíduo bem educado que usava uma linguagem fina, principalmente quando na presença do sexo feminino, a quem, com parcimónia, cumprimentava com um retirar da boina. Mâncio era aquilo que poderemos designar de mulherengo e fazia questão de se gabar do seu bom aspecto: - Se todos tibessem a minha finura!, e de todas as suas conquistas, de todos os seus romances, de todas as suas aventuras, afirmando: - Essa!?... Essa aí, foi porque eu não a quis!.. Episódios de um passado mais ou menos recente, que nunca ninguém conseguiu testemunhar ou verificar, deixando assim perceber que todos esses momentos não povoavam mais do que a sua mente. Mas a firmeza e o vigor com que manifestava a sua virilidade eram tais que, quando em ambientes embriagados pelo vinho ou aguardente que a taberna servia aos homens da terra, chegava mesmo a fazer apostas com os demais de como o seu equipamento sexual era o maior de todos.
Numa época engraçou-se por uma moça, de nome Maria. Então sismou que iria conquistá-la e sabendo que ela costumava ir com as vacas para os lameiros, resolveu impressioná-la com os seus dotes de caçador. Preparou a espingarda, foi buscar um coelho de criação e arranjou um baraço. Lá foi o Mâncio ao encontro da Maria, só que antes de se mostrar, prendeu o coelho que trazia dentro da jaqueta com o baraço a uma Carvalheira. Assim o coelho poderia movimentar-se e o Mâncio não o perderia de vista. Com o seu peculiar ar lá foi então o caçador em direcção à moça, que guardava as vacas. Quando chegou perto, a moça cumprimenta-o e pergunta-lhe:
– Então Mâncio, à caça?..
– Sim, vou ver se apanho alguma coisa…
– Não trazes nada?..
– Não. Ainda venho agora do povo…

E, de repente, olha para o sítio onde sabia estar o coelho preso, aponta a arma e dispara dois tiros. Assustada pelo forte ruído e intrigada, a moça pergunta:
– O que viste?
– Era um coelho… eu já venho… acho que o apanhei…
Apressado vai à procura da peça de caça, só que quando lá chega não viu nenhum coelho. A sua pontaria foi tal, que em vez de acertar no coelho, acertou no baraço que o prendia, podendo assim o assustado coelho fugir pelo monte. Desiludido, o Mâncio regressa para junto da moça, a quem pretendia impressionar, de mãos vazias.
– Então e o coelho? – Pergunta a moça ao Mâncio.
– Não sei! Mas que estava lá, estava!..
De regresso à aldeia lá contou a sua aventura na taberna e no dia seguinte, um vizinho lá foi saber do coelho, que acabou por ser apanhado.
Como homem solitário que era, gostava de conviver com os amigos e vizinhos. Assim e principalmente nas noites de Inverno, Mâncio ia para casa do tio Xenxo, taberneiro e seu vizinho, que o recebia junto dos tições que ardiam ao lume. Assim se aquecia e conversava com os demais, que ali se juntavam. Normalmente era um dos primeiros a chegar e, por isso, tinha sempre lugar garantido em frente ao lume. À medida que outros iam chegando, pediam-lhe: – Chega-te um pouco para lá Mâncio!.. Depois chegava outro e repetia: – Chega-te um pouco para lá Mâncio!.. Depois de uns tantos terem entrado, diz o Mâncio, já aborrecido: – Ora! Ando eu a aquecer o cu para todos!?...
Assim viveu Mâncio na sua anónima e simples condição até ao dia em que foi encontrado morto de vários dias e debaixo de sua cama. Por engano ou não antecipou-se à morte e as circunstâncias dessa tragédia permanecem envoltas em mistério, num nevoeiro de rumores incriminatórios sem culpa formalizada.

Avaliação e comentários: (até 10 valores por júri)
Lorenza Costa - Esperava que o cronista encerrasse o texto com um comentário seu. A narrativa ficou voando entre o primeiro parágrafo e uma conclusão inexistente. Nota: 8,0
Luci Afonso - Estória muito bem contada, mais para triste que para engraçada. Nota: 8,0
Marco Antunes - O autor (ou autora?) escreve muito bem, é muito saborosa a expressão, mas definitivamente também não conhece o segredos dessa alquimia de fazer humor, nem aquele mais ostensivo e franco, nem o que esperei encontrar aqui à moda machadiana, fino e demolidor! Ficou mesmo um quase conto de remoto teor humorístico. Nota: 8,0
Oswaldo P.Parente - Não é uma crônica. Nota: 6,5
total - 30,5

18 maio 2009

dia internacional dos museus

Calhando este dia comemorativo numa 2ª feira, dia de trabalho e dia em que, normalmente, os museus estão encerrados, registo a iniciativa da Câmara Municipal de Famalicão que promove um programa de comemorações até ao final do mês de Maio. Dez espaços museológicos deste concelho uniram-se para assinalar esta data sob o lema Museus e Turismo. Fica o cartaz da iniciativa. Se quiserem saber mais carreguem na imagem.

17 maio 2009

memórias em viagem

Ano após ano continuam a juntar-se, em alegres e festivos encontros, os sobreviventes da guerra portuguesa no ultramar. Recentemente, viajei bem perto de um desses grupos e, ao longo de toda a viagem entre Lisboa e o Porto, consegui ouvir perfeitamente aquilo que foram dizendo. Contaram uns aos outros, talvez pela enésima vez, histórias com 50 anos dessa extraordinária vivência que, na sua juventude, foram obrigados a partilhar e à qual a sorte lhes permitiu sobreviver.
Regressavam de mais um desses encontros. Vêem satisfeitos e bem dispostos, em amena cavaqueira que não consegue libertar-se dos ambientes africanos, das picadas e das emboscadas. Recordações carregadas de sentimentos, de nostalgias e de traumas que teimam em acompanhá-los e que, concerteza, os acompanhará pelo resto dos seus dias (senti que estes homens, na verdade, viveram a guerra toda a sua vida).
Ainda agora regressavam de um encontro e já só falavam do próximo, que só acontecerá daqui a um ano. Algo de muito forte uniu para a vida estes homens. Aquilo que irá acontecer, obrigatoriamente, é que o seu tempo findará e estes testemunhos, estas memórias e estes encontros deixarão de acontecer. Infelizmente, dirão eles e digo eu.

14 maio 2009

instantes urbanos IV

De regresso a casa, no final de mais um dia longo e, gostaria de poder dizer, proveitoso, escolho mentalmente o percurso que julgo ser o mais rápido. Indeciso guio em direcção à VCI, para então aí optar por uma das pontes. Puro engano! VCI parada, os dois lados com uma densidade automobilistica impressionante. Já não estou habituado a estas andanças... as do engata, acelera, trava, desengata, pára... Engata, acelera, trava, desengata, pára... sem fim! A minha escolha é, quase sempre, atravessar o Douro a nascente pela ponte do Freixo e hoje não foi excepção. Ao ritmo a que circulam os dois sentidos da Via Circular Interna consigo sentir cada metro do alcatrão que me levará para a outra margem.
Entretanto, aproximo-me do viaduto da Av. Fernando Magalhães e, sempre no mesmo ritmo (sempre muito parado), enquanto vou pensando na morte da bezerra, ou seja, em nada, reparo num indivíduo que mais à frente, em cima de um outro viaduto que, da dita avenida, dá acesso a um conjunto de torres habitacionais. Àquela distância pude ver no rosto desse homem, que se debruçava ligeiramente sobre a VCI, uma mescla de intriga e prazer. E foi precisamente isso que terá despertado a minha curiosidade. Como bom miúpe, só à medida que me fui aproximando é que pude perceber o que de facto ali se passava.
Quando isso aconteceu, estupidamente ou não, mas desalmado comecei a buzinar e a bracejar com o braço esquerdo fora do carro, chamando a atenção, digámos assim, dos vizinhos que me acompanhavam naquele movimento. Como não tinham ainda visto aquele sujeito, esses vizinhos olharam-me desconfiados, uns de lado, outros pelos retrovisores, mas olharam. Eu para lhes comunicar aquilo que pretendia comecei a apontar no sentido do tal indivíduo. Logo de imediato o trânsito naquele sentido, o meu, susteve-se... e o coro de buzinas foi imediato. Então não é que o fulano estava, entretida e alegremente, a aliviar a bexiga para cima dos automóveis que passavam. Ele há cada um!?.. Impávido e sereno terminou o seu serviço e, recompondo-se, seguiu seu caminho, com aquele ar desiquilibrado, mas concerteza, ar de satisfação e realização. Eu e os outros prosseguimos viagem. A Sul, o destino.

13 maio 2009

concurso cronistas - 1º desafio

Desafio:
Prezado Cronista,
Por certo poderia solicitar o que vou pedir abaixo ao nosso correspondente aí em Jerusalém, mas é provável que o resultado fosse apenas uma reportagem fria e impessoal que não contemplaria o que agora precisamos aqui na redação.
Ocorreu-me que a sensibilidade, ou o lirismo, ou o humor, ou a ironia, ou a visão filosófica de um bom cronista (categoria em que o incluo) seriam mais esclarecedores desse surpreendente fato.
Chegam-nos desencontradas notícias dos incidentes dessa manhã aí na capital da Palestina. Dizem os poucos informantes esclarecidos que um certo nazareno teria feito uma notável entrada na cidade, aclamado pelo povo. Dizem que se trata de mais um desses profetas que às margens dessas estradas hebraicas crescem como a relva... Dizem, ainda, que um tal fato teria graves repercussões junto ao Sinédrio e, principalmente, entre os homens de Roma aí sediados.
Esses parecem fatos; outros, pelo exotismo e bizarrice, mais parecem exageros e boatos de quem ouviu o galo cantar e não sabe onde: dizem que ele teria entrado na cidade triunfalmente montado em um elefante à moda dos Marajás. Dizem que a multidão gritava eufórica o nome de uma certa Rosana da qual não temos nenhuma informação. Dizem, por fim, que as pessoas tiraram as próprias roupas para forrar-lhe o caminho com esse inusitado tapete.
Bem, como notícia é de pouco interesse para o público, mas como crônica pode render uma notável página para este periódico.
Mesmo considerando que, sob a pressão dos fatos e pela urgência da expressão, cronistas são impiedosamente desmentidos pela História, em se tratando de crônica, esse é o nome do jogo, e, mesmo assim, seu testemunho todo pessoal termina por ser mais uma feição do fato; porque o contraponto disso é que, quando acerta, trasveste-se o cronista de profeta e de inventor da História.
Escolha o viés que melhor lhe aprouver e envie-nos até dia 5 pelo e-mail que já conhece a crônica sobre os eventos que há de ter presenciado aí nessa cidade que ora o abriga.
Aguardo ansioso
O Editor

Crónica:
Jerusalém – refundação de uma teogonia
As notícias que iam chegando à grande cidade, através de viajantes, de comerciantes, de militares e de mensageiros enviados pelos governantes, não só iam alimentando a curiosidade e a agitação popular, como eram recebidas e percebidas pelo poder vigente como potenciais focos de desestabilização social e de ameaça real às instituições estabelecidas. Era com crescente agitação e ansiedade que Jerusalém recebia as novas vindas do lado de fora das suas muralhas e de geografias distantes. Nas adegas, nas tabernas e nos prostíbulos por onde eu deambulava não se falava de outra coisa, num misto de curiosidade e de assombramento, mas com o devido cuidado e desconfiança. Com facilidade percebi esse ambiente intimidatório e de censura, imposto por uma legião de detractores pagos a soldo. A custo de algumas canecas de vinho, fui conseguindo sussurrar com alguns viajantes que diariamente chegavam à cidade. Foi através deles que ouvi falar pela primeira vez de um messias, filho de Deus. Foi também assim que pude perceber que o seu caminho viria a cruzar-se, em breve, com a cidade que eu também visitava.
Os testemunhos desses nómadas, viajantes e negociantes, de carácter duvidoso e com discursos mais ou menos fantasiosos, com os quais fui falando ao longo das últimas semanas relatavam-me experiências formidáveis, nunca antes vistas: da cura de enfermos à promessa de um reino no céu, da ressurreição de mortos ao despojamento de bens terrenos, da simplicidade dos modos e do verbo ao convívio e defesa dos proscritos. Práticas e discursos que facilmente atraíam indigentes, foragidos, bandidos, miseráveis e todas as hordas de marginalizados pelas sociedades, que em tumulto e anarquia o recebiam, ouviam e seguiam. Tudo isto me parecia estranho, muito estranho e, por isso, a minha curiosidade inicial deu lugar a um entusiástico interesse. Praticamente abandonei aquilo que me trouxera a esta magnífica cidade e resolvi aguardar mais uns tempos na expectativa de poder conhecer tal personagem. Assim fui ficando, adiando sine die o meu regresso ao Norte e à rotina de meu ofício.
Neste tempo de espera pude conhecer uma cidade fervilhante, agitada e confusa. Ruas inundadas de rotinas seculares e impregnadas de panóplias de odores. O dia-a-dia de Jerusalém desenrolava-se assim e, condicionado pelo meu saber, em cada olhar, em cada gesto ou palavra descobria um entendimento que se assemelhava a uma grande conspiração na qual eu interessado participava. Mas se a rua assim vivia, quem governava a cidade não se reprimia ao manifestar o seu desconforto com a eminente chegada do profeta. Os rumores que chegavam à rua e a mim, vindos do Sinédrio, esse Olimpo dos senhores de Israel, onde se sentam os juízes a conversar, a discutir e a decidir sabiamente as leis para a cidade, eram de um ambiente radicalmente tenso e de afrontamento de opiniões e perspectivas. O consenso estava dali arredado e, sendo o coração do poder simbólico da cidade, naturalmente os seus guardiões tentavam reagir e proteger o seu poder, preparando-se para a chegada do auto-denominado filho de Deus. Foi com enorme repressão que a ordem foi mantida, tentando distrair o povo com festas e oferendas.
Enfim o grande dia. Ao contrário do que é meu hábito e sem sentir qualquer maleita, tivera uma noite agitada. Acordei ainda antes da aurora. Sem nenhum afazer resolvi sair das muralhas e passear sem destino pelos campos e pomares que rodeiam ao longe a grande muralha urbana. Estava uma manhã fresca, razão pela qual estendi por mais tempo o meu passeio matinal, afastando por completo da mente a turbulência que vivenciara nesses últimos dias. Num recanto do caminho, perto de um pequeno ribeiro, decidi parar para descansar um pouco e refrescar-me. Em tranquilo silêncio e debruçado sobre o fio de água fresca, sem me aperceber, ouço uma voz perto, muito perto, perto demais e que apesar de estranha logo reconheci. Num sobressalto levantei-me e dirigi o olhar na direcção dessa voz. Num calmo e claro tom aquele indivíduo, rodeado por uma dezena de homens e mulheres, perguntou-me se podiam beber daquela água e descansar um pouco perto de mim. Estremeci e a custo consegui reagir ao deslumbramento daquela visão. Não tive qualquer dúvida, logo percebi que estava perante o profeta, aquele de quem todos falavam e acerca de quem todos especulavam. Ali, à minha frente, e a pedir-me algo…
Estupefacto fiquei durante largos minutos a observá-los e a tentar refazer-me do espanto inicial. Instalaram-se confortavelmente na erva incerta, como quem se deita na melhor das camas e assim ficaram em silêncio. Depois, remexeram nas sacolas, retiraram delas pão que distribuíram, incluindo a mim e, mesmo antes de o ingerirem, puseram-se a olhar o céu e, num murmúrio, disseram várias palavras que não percebi. Enquanto comemos aquele saboroso pão, conversámos muito. Simpatizei com ele, com seus modos calmos e tranquilos, mas não tive coragem para o confrontar com as histórias que dele ouvira e que tanto me intrigavam.
Num movimento suave e calmo todos se levantaram e se prepararam para seguir viagem. Convidou-me para o acompanhar naquele pequeno percurso. Acedi e pusemo-nos a caminho. À medida que nos aproximávamos das portas da cidade consegui perceber que o grupo crescia. Eu seguia-o de perto, apenas à distância do perímetro dos seus fiéis acompanhantes. Mesmo antes de entrarmos na cidade, fui engolido pelo mar de gente que se abeirava nos caminhos e não mais consegui aproximar-me. Segui no mesmo sentido, atropelado, empurrado e comprimido pela força centrífuga daquele movimento, mas percebia que cada vez me afastava mais e regressava à minha condição inicial. Aquilo que se passou a seguir foi indescritível: a cidade em peso nas ruas, num completo caos e desordem. Por um lado, a vontade popular de chegar perto e tocar o profeta. Por outro, a repressão das forças militares que, sem pudor ou senso, maltratavam os seus concidadãos, numa desesperada tentativa de contrariar aquela genuína vontade e manter qualquer réstia de ordem.
Enquanto cronista que continuará a vaguear por este mundo, que a cada dia parece maior, tenho por desejo conseguir transmitir-vos aquilo que os meus sentidos, com veracidade, experimentaram. Espero eu, e que os deuses me auxiliem, que tudo aquilo que o meu olhar testemunhou, nestes dias, chegue até vós e que, através da minha humilde condição e arte, consigais ter uma pequena ideia da loucura que os dias de hoje viveram. Garanto-vos que, em vários momentos, cheguei a desconfiar da minha sanidade mental, pois estas experiências foram por demais intensas, eu diria mesmo, de pura excitação individual e exaltação colectiva. Os dias de amanhã não me pertencem, não os poderei inventar, mas gostava muito de os conseguir antever e de saber o que acontecerá a este “louco”, que em nome de um Deus único, tem revolvido os paradigmas instituídos e, acima de tudo, tem posto em causa os fundamentos éticos, morais e religiosos das comunidades por onde tem passado. Tal como esse filho de Deus tem ensinado a quem o segue e escuta: a partir de agora o futuro a Deus pertence, apenas e só.

Avaliação e comentários: (até 10 valores por júri)
Betty Vidigal - Nota 6,5;
Marco Antunes - Bem escrito e interessante, pude perceber o homem de imprensa em cada palavra do cronista, construir um tal retrato e prcorrer com segurança as armadilhas do enredo proposto é tarefa para raros. Nota: 10
Lorenza Costa – É um texto correto, mas falha na transmissão daquilo que, segundo o cronista no último parágrafo, teria sido seu desejo transmitir. O encontro casual com Jesus num ambiente campestre, fora das muralhas, depois de uma noite anormal, lembra demais os clichês da literatura romântica. Nota: 8
Luci Afonso – Texto irretocável, narrativa envolvente. Nota: 9,5
Oswaldo Pullen Parente - Bem escrito e bem desenvolvido, talvez com uma erudição desnecessária para o gênero. Nota:9

total - 43

3º concurso de cronistas organizado pela Câmara dos Deputados de Brasília

Tendo tido conhecimento, através da revista LER, da abertura deste concurso para cronistas, resolvi dar uma espreitadela e inscrever-me. Nunca participei em qualquer concurso literário, ou melhor, nunca tinha colocado a minha escrita à consideração de qualquer avaliação. Fi-lo agora e estou, neste momento, a participar neste concurso. É um concurso constituido por dez etapas semanais e eliminatórias, sendo que em cada etapa é lançado um tema e um desafio aos cronistas. Neste momento estamos na segunda etapa e o resultado da primeira semana já foi conhecido. Enquanto estiver em competição, irei colocando aqui, aquilo que for produzindo e sua avaliação.

09 maio 2009

07 maio 2009

em Maio a LER

06 maio 2009

máscaras de mim

Toda a nossa vida vestimos uma máscara, ou mais. Podemos até ir mudando de máscara ao longo do nosso tempo, uma vez, duas vezes, ou ainda mais vezes. As vezes que quisermos ou pudermos. Vezes levadas por imperativos circunstânciais ou por imposições conjunturais. Parece-me quase com toda a minha certeza que, acima de tudo, vamos substituindo as nossas máscaras por razões bem mais comezinhas: os humores e amores da alma ou as dores e os vigores do coração. Enfim, as alegrias e as paciências de cada idade. Todos e em cada um dos nossos dias saímos à rua mascarados, com elas nos apresentamos e somos apresentados ao mundo. Através delas nos escondemos desse mesmo mundo e protegemos aquilo que pensamos e acreditamos ser.
A(s) minha(s) conheço-a(s) bem, muito bem. Também já as troquei algumas vezes. Aquilo que faço, digo ou escrevo, poderá não ser mais do que máscaras que me servem na perfeição para guardar para mim aquilo que sou, ou acredito ser.

05 maio 2009

sanitário do mundo

Assaltado fui, recentemente, com a notícia em forma de boato que a Cerâmica de Valadares se encontra com várias e sérias dificuldades que, a curto prazo, poderão mesmo pôr em risco a sua viabilidade futura. Foi igualmente com enorme surpresa e tristeza que ouvi dizer que, face a essas dificuldades, a administração da Cerâmica tenciona vender as actuais instalações e deslocalizar a empresa para outro local (!?).
Como valadarense que sou (assim me considero), também me vejo parte interessada no bem-estar e na qualidade da vida da comunidade. Esta situação da Cerâmica de Valadares e o seu putativo encerramento, pelo menos em Valadares, é algo que prejudicaria por demais a comunidade, não só para no que diz respeito à economia local - pelos postos de trabalho, pelas dinâmicas inerentes, pelos consumos anexos e práticas adjacentes, como também para o nome de Valadares, pelo conhecimento e, principalmente, pelo reconhecimento que a marca proporciona à Vila de Valadares.
Se podemos considerar natural quando deambulamos pelo país, e de lés a lés, dar de caras (e com outras partes do corpo) com a etiqueta de Valadares, o que, aliás, nos permite com propriedade sentir em casa… já não será tão natural depois de meia volta ao mundo continuar a encontrar, aqui, ali e acolá, essa mesma etiqueta. Não sendo um individuo muito viajado, tenho tido a oportunidade de conhecer outras geografias, umas mais, outras menos longínquas e o que me tem acontecido, frequentemente, nessas ocasiões e sempre que necessito de experimentar uma casa-de-banho é sentir-me projectado, ainda que temporária e momentaneamente, de regresso ao aconchego e conforto do lar. Não estarei a exagerar se vos disser que não me lembro de uma única viagem pelo mundo – da Jordânia a Londres, de Marrocos a Atenas ou de Paris a Moçambique, que não tivesse contacto visual ou sensorial com um qualquer utilitário oriundo, tal como eu, de Valadares.
Desconheço por completo os canais de escoamento e os mercados actuais, passados ou futuros da marca Cerâmica de Valadares. Contudo, é nesses momentos de afastamento que mais me apercebo do valor e potencial da marca e da real dimensão da globalização, naquilo que compreende a projecção de algo local para uma dimensão ou nível mundial e as implicações e repercussões que essa dinâmica globalizante provocam nas lógicas locais.
Poderão alguns até ficar ofendidos e desagradados com esta associação do nome de Valadares a essa parafernália de utensílios ou utilitários privados e públicos, normalmente entendidos como os fiéis depositários daquilo que são os excessos repugnantes que o próprio organismo humano rejeita. Mas, no que a mim me diz respeito, nada nisso me incomoda e, dignamente e com orgulho, aceito que Valadares possa ser o sanitário do mundo.
O terrível cenário de encerramento da Cerâmica traz-me também à consciência outros factos, que por (de)formação técnica me assaltam e me deixam preocupado. Sendo esta uma instituição com várias dezenas de anos de existência e com uma capacidade empregadora significativa, foram muitas as gerações de trabalhadores que por lá passaram e lá fizeram a sua vida. Foi, concerteza, lá o momento primeiro de muitas vidas a dois; muitas terão sido as famílias que de lá tiraram o seu ganha-pão, muitas vezes, a única fonte de rendimentos para famílias inteiras. Foi um espaço testemunha de muitos e diferentes tempos, foi e é, um espaço-tempo. Por lá e lá viveram-se muitas vidas e essas histórias de vida associadas a essa manufactura mereceriam um outro fim. Por outro lado, como é que a comunidade de Valadares conviveu com esta grande indústria? Qual a relação e o envolvimento da instituição na comunidade? Qual foi o papel da Cerâmica para o desenvolvimento económico, social, cultural e demográfico da comunidade? Estas seriam algumas das questões que importava colocar na busca de respostas que contribuíssem para um melhor e maior conhecimento da história da empresa e da história da própria comunidade.
Como podem imaginar haveria tanto e tanto para fazer, para dizer, para escrever acerca destes longos anos da Cerâmica. E tantas seriam as possibilidades de trabalho que tamanha empresa implicaria muito tempo e disponibilidade. Deixo-vos um só exemplo daquilo que poderia ser feito: Na década de oitenta um antropólogo estrangeiro chega a Portugal. Anonimamente radica-se numa determinada comunidade e emprega-se como operário numa grande unidade industrial. O seu objectivo é estudar essa indústria, não como elemento estranho ou exógeno, mas como parte integrante e activa de todo o processo produtivo. Ninguém da estrutura dessa empresa soube das suas reais intenções e durante o período de tempo que necessitou para fazer o seu trabalho de campo, viveu e trabalhou como qualquer outro funcionário da dita empresa. No fim, despediu-se e regressou ao seu país para aí apresentar à academia o seu trabalho.
A dúvida que me assalta neste momento, e isto porque não conheço nem tenho qualquer contacto ou acesso à administração é saber se alguém, algum dia, estudou esta grande unidade de produção!? Terá alguém recolhido e registado os inúmeros testemunhos de tantas e tantas histórias de vida daqueles que contribuíram definitivamente para o sucesso da marca e da organização!?...Não sei, mas gostava de saber. Aliás, gostava de conhecer tais trabalhos. Mais, pretendi com este texto alertar publicamente para o risco da perda de um incomensurável património material e, acima de tudo, imaterial.
(texto enviado para o Jornal Valadares & a Cidade em Foco)

04 maio 2009

o triunfo dos porcos

A seriedade do problema impõe um tom grave e preocupado, no entanto, esta pandemia provocada pela febre suína com origem no México traz consigo algo que nos remete para um sarcástico imaginário: Será que os suínos - essa espécie maldita estigmatizada por uma nomeada injusta e não verdadeira atribuída, sem consulta prévia, pelos humanos - depois de humilhações de séculos, de imundos trabalhos e extermínios em massa, terão finalmente encontrado a fórmula certa para a sua vingança final!? Irão eles, por fim, triunfar!?...

29 abril 2009

terá que ser sempre assim!?...

Um homem fuma e bebe, não chora nem pede. PAga as contas e verifica o dinheiro. Fecha a porta da casa de banho. Sempre. Compra roupa uma vez por ano. Usa o mesmo tipo de sapatos. Arranja as coisas em casa. Ela procura não pensar em cenários alternativos. Nada de sonhos, nada de fantasias.
Ela sonha com as extensões de cabelo da apresentadora do concurso da televisão; ente as dores da outra que foi trocada pelo marido seis meses depois de um casamento majestoso numa quinta qualquer; comove-se com o nascimento da filha da top-model; tenta imitar a actriz da telenovela da noite; gostaria de vestir, uma vez que fosse, uma peça de lingerie de seda muito fina. Tudo isto acontece na sua cabeça antes de fazer o jantar, as revistas escondidas do olhar dele.
A mesa está posta e ele arrasta-se com o copo na mão até ao sofá gasto.
Excerto de "Fúria" de Patrícia Reis, in O Prazer da Leitura.

o mesmo recreio que eu um dia frequentei


Independentemente de tudo aquilo que poderá estar a correr mal, dos efeitos perversos e de todos os problemas que há para resolver.

23 abril 2009

dos livros e dos direitos de autor é o dia

Apesar de hoje ser notícia que Portugal é o segundo país da Europa onde se lê menos livros e que os dados do último Eurobarómetro indicarem que cerca de 63 por cento dos adultos afirmam que no último mês não pegaram num livro. E os livreiros lusos admitirem que os livros são caros, mas porque não há leitores, hoje é o dia mundial do livro e dos direitos de autor.
Dia este do tamanho do mundo.

Adenda:
Sob o pretexto de poder estar a contribuir para a AMI fui à Fnac buscar

E uma Bertrand estava repleta de crianças, numa qualquer actividade...

22 abril 2009

clara como a água...

É lugar comum falar-se no clientelismo, no compadrio e no caciquismo que enferma as instituições nacionais, nomeadamente as autarquias e demais organismos de dimensão local ou regional. Hoje, ao "desfolhar" os médias regionais transmontanos online, encontrei a prova desse mundo que existe e é bem real, só que nada nem ninguém o consegue destruir ou combater. Como poderão ler nesse texto, os personagens agem impunemente e, ainda por cima, têm a distinta lata de publicamente afirmar que tudo é "transparente", ou seja, o roubo e a trafulhice fazem-ze descontraidamente e sem reservas. Já para mim, trata-se de um caso que de tão caricato roça a pornografia e é, sem qualquer dúvida, um caso de polícia. Vou transcrever a notícia para aqui e sublinhar (a azul) as pérolas...

PSD de Vinhais contra Provedor da Santa Casa
O PSD de Vinhais não está satisfeito com a gestão da Santa Casa da Misericórdia da vila e ameaça mesmo recorrer aos tribunais.
São seis as alegadas irregularidades da Santa Casa da Misericórdia de Vinhais que a concelhia do PSD aponta, num comunicado divulgado ontem.
Carlos Costa, o líder da concelhia laranja em Vinhais, diz mesmo que irá ser apresentada uma “queixa ao ministério público de Vinhais”, que será também enviada ao “secretário de Estado da Segurança Social, que tutela a Misericórdia”.
Carlos Costa aponta “vários factos”, que o PSD “considera ilegalidades. “Há perto de duas décadas que o actual provedor é o mesmo. Eles não aceitam a entrada de novos irmãos. Eu próprio já tentei tornar-me irmão, pagando a tal jóia de 500 euros, aumentada já por eles próprios para evitar que outras pessoas entrassem e lhe retirassem a gestão da Misericórdia”, acusa o presidente da Concelhia do PSD. Mas as críticas de Carlos Costa não se ficam por aqui. “Outra das irregularidades – e no nosso entender uma grande ilegalidade – é o facto de serem os próprios elementos da direcção a fornecer a Santa Casa. Há muitos anos que é assim e nunca ninguém teve a coragem de o denunciar mas entendemos que isto não é correcto”, acrescenta o líder do PSD no concelho.
No mesmo comunicado, a Concelhia do PSD de Vinhais critica ainda aquilo que diz ser “o reduzido número de irmãos” da instituição, a “falta de transparência nos concursos e negócios da Santa Casa e a alegada “desmotivação por parte dos recursos humanos da instituição”. Críticas desvalorizadas e rebatidas por António Alberto, provedor da Santa Casa de Vinhais e, curiosamente, também ele do PSD.
A Misericórdia só está aberta há 18 anos e eu só estou aqui há 14. Não é proibido, desde que os irmãos, em Assembleia Geral, votem em favor disso”, explica, confirmando que membros da Mesa da Assembleia fornecem a Santa Casa, mas “por coincidência”. “São os únicos armazéns de mercearia que há em Vinhais. Não vamos deixar que venham de Mirandela, Bragança ou Chaves fornecer a Misericórdia, se há aqui um armazém que pode fazer isso. As facturas são transparentes”, defende António Alberto.
Sobre a tentativa de se fazer membro da instituição, António Alberto revela uma conversa tida com o presidente da concelhia de Vinhais, na segunda-feira seguinte à Páscoa, onde lhe terá explicado o procedimento. “É inscrever-se, tem de pagar uma jóia e depois será ou não aprovado em direcção. Veio cá na terça-feira, falou com um funcionário que lhe explicou isso mas não se inscreveu”, garante o Provedor.
O presidente da Concelhia de Vinhais do PSD lança ainda um ataque a Américo Pereira, presidente da Câmara, a quem acusa de andar a “oferecer os empregos que serão criados com a Unidade de Cuidados Continuados”, a ser implantada brevemente no concelho.
Em resposta, Américo Pereira confirma parte dessa acusação. “De facto, a Câmara promete que vão ser criados na UCC em Vinhais uma série de empregos, mas nada mais do que isso. E temos muito orgulho em termos conseguido para a vila uma UCC que, para além de satisfazer as necessidades das pessoas, vai criar uma série de postos de trabalho”, explica Américo Pereira, que lamenta, considerando mesmo “um escândalo e uma vergonha”, que Carlos Costa se tenha dirigido “ao Provedor, e tentar negociar com ele determinado número de empregos, querendo uma cota para determinado partido político”.
Já António Alberto diz que estas acusações resultam de algumas dificuldades do PSD em conseguir preencher as listas nalgumas freguesias.

20 abril 2009

colecção formiguinha

Neste fim-de-semana a criança teve trabalhos-de-casa suplementares. Depois de muita insistência da mãe, ela lá acabou por admitir que de um castigo da professora se tratava. Passou o Domingo a fazer uma cópia de uma história completa e nós, como pais e responsáveis, não querendo desautorizar a professora, reforçamos a necessidade de cumprir o castigo. Assim, passámos o dito dia numa luta com a criança para que continuasse a escrever. Um (pai) e outra (mãe) íamos acompanhando a leitura e a cópia, mas acima de tudo estávamos ali para não a deixar desistir. Não que a história fosse longa, mas para uma 2ª classe... Foi penoso até às 23 horas. Hoje, confirmámos junto da Professora o castigo...
Mas o que motivou estas palavras foi a recuperação de algo que estava perdido no báu das minhas memórias, pois a história que a criança teve que copiar para um caderno pertencia à colecção formiguinha da Majora. Mini-Livros que eu quando era criança também tive, li e coleccionei. Naquele tempo adorava essas histórias e, apesar de não me recordar se algum dia as juntei todas, lembro-me de as coleccionar com avidez. Neste tempo e porque fui "obrigado" a ler, não lhe achei grande piada! Mais, utilizam uma linguagem completamente desactualizada, sendo a minha filha um óptimo filtro, pois a cada parágrafo me questionava sobre o significado de alguma palavra. Enfim, fica o registo de mais uma pedaço de tempo recuperado e para aqueles que podem não se recordar, mas que, concerteza, por lá passaram, aqui fica uma imagem e a colecção, entretanto, reeditada:
1 As Três Maçãzinhas de Oiro
2 As Caras Trocadas
3 O Rapaz do Cavalinho Branco
4 O Peixinho Encantado
5 As Três Irmãs e 0 Corvo
6 A Menina e 0 Coelhinho Branco
7 As Três Mentoras do Avozinha
8 O Príncipe com Orelhas de Burro
9 A Menina e 0 Figueira
10 A Noiva do Príncipe Sério
11 0 Príncipe do Mar
12 A Menina dos Cabelos de Oiro
13 Os Três Vestidos
14 Os Três Irmãos e os Três Pretos
15 João Adivinhão
16 O Tesouro do Ceguinho
17 A Riqueza e a Fortuna
18 O Menino Grão de Milho
19 O Porqueiro ladino
20 O Sapateiro e o Brilhante
21 A Menina Mudo
22 Canta, Surrão
23 O Rapaz do Anel
24 O Rei e os Sablch6es
25 Os Sete Encantados
26 O Velho Querecas
27 O Dez Anõezinhos
28 O Menino Abandonados
29 Os Dois Corcundinhas
30 Maria da Silva
31 O Gigante Egoísta
32 Os Sapatinho Vermelhos
33 Os Três Cães Encantados
34 Os Fósforos de Oiro
35 O Rouxinol e o Imperador
36 A Rainha de Coração de pedra
37 O Sonho do Jovem Rei
38 A Princesa da Ervilha
39 O Príncipe e a Andorinha
40 O Coraçãozinho de Chumbo
41 A Pata Real
42 O Pinheirinho
43 A Vara Seca
44 A Menina e o Dragão
45 Gulliver ou o Homem Montanha
46 Gulliver ou o Homem Migalha
47 João e a Gata Princesa
48 O Poço Encantado
49 Bonifácio e as suas Ambições
50 Bela-Feia e Feia-Bela
51 Os Três Anõezinhos da Floresta
52 O Papagaio do Capitão Corneta
53 O Príncipe Envergonhado
54 Aventuras de um Frango Pedrês
55 O Gigante Sôfrego e 0 Anão Comedido
56 A Menina Vestida de Estrelas
57 O Pescador e a Sereiazinha
58 O Traio Novo do Rei
59 O Lobo e a Escada
60 Um Valentão

17 abril 2009

antropologia, eu e o lobby

Hoje no suplemento de economia do jornal Público vem publicada uma peça sobre os Antropólogos como armas secretas dos negócios. Algo que eu já sabia ser a realidade de grandes empresas multi-nacionais e noutros países, mas que por cá ainda não fez escola - ensinamentos de uma sala de aulas de antropologia económica e de outra de antropologia do desenvolvimento. O que desconheço é(são) o(os) motivo(s) e estranho o destaque merecido. Pode ser que assim deixemos de ser olhados como estranhos e considerados anormais que gostam é de andar no meio da selva e das tribos a estudar como vivem e se comportam. De facto, a Antropologia é abrangente e emparelha com qualquer outra área do saber. Aquilo que vem hoje no Público será importante para que também cá, em Portugal, se abram novas perspectivas para aqueles que a praticam. Como sabem sou santo em causa própria e por isso tudo isto implicaria uma declaração de interesses, mas o importante seria mesmo que houvesse essa mudança. E já agora que eu possa participar.
Podem (excepcionalmente) ler os textos aqui e aqui.

16 abril 2009

dupla dose


15 abril 2009

principio de desacordo!?...

Afinal já não vamos ter acordo ortográfico em Maio. E quem nos informa é o Ministro da Cultura, mas o de Cabo Verde, porque concerteza o de Portugal ainda deve andar por aí a dizer que nada se alterou e que as datas são para cumprir, e tal e coisa....
Segundo diz Manuel Veiga (ministro da cultura de Cabo Verde) teremos que aguardar pelo segundo semestre de 2009 para, talvez, ver esse acordo efectivado. Mas reparem bem nos subterfúgios linguísticos utilizados para justificar o absurdo e para esconder aquilo que será o principio do desacordo ortográfico:
. Alguns Estados membros acreditam que há necessidade de reunir "mais consensos e discussões" à volta do projecto.
. Ainda há necessidade de discutir mais e conseguir maior consenso, não só em Cabo Verde mas também noutros países, como Portugal, Angola e Moçambique.
. Possivelmente o acordo deverá entrar em vigor no segundo semestre deste ano.
. O acordo ortográfico também não vai entrar em vigor naquela data em Portugal, uma vez que as autoridades portuguesas entendem que precisam aprofundar o debate.

14 abril 2009

contra tudo e contra todos...

Toca o telefone, atendo, do outro lado e num tom soturno, voz amiga diz-me:
- Então não é que o Porto vai jogar amanhã contra o Manchester e a UEFA decide castigar o treinador do Porto com um jogo de suspensão!... Cabrões!...
- Pois foi. Li agora no Expresso Online... - respondo eu, um tanto ou quanto indiferente.
- Já pensaste no que isso significa!?... Vamos ter o José Gomes a comandar a equipa num jogo dos quartos de final da Liga dos Campeões...
- Eh pá!... ainda não tinha pensado nisso! Um José Gomes...
- Pois é! Esses gajos da UEFA... Isto é o Platini que ao ver que o Porto pode até passar para as meias-finais. Pega lá um castigo... para ver se destabiliza!...
- Achas que foi premeditado?
- Tens dúvidas!?... Isto são merdas à Ricardo Costa... Se não é na Liga é na Federação, se não é na Federação é na UEFA.
- Deixa lá pá... vais ver, agora mais do que nunca o Porto vai ganhar. Isto é o que dá força ao Dragão. Contra tudo e contra todos...

o tempo imaginário

O tempo imaginário não pode ser distinguido do espaço em termos de direcção. Se uma pessoa pode ir para norte, pode também dar meia volta e dirigir-se para sul. Da mesma forma, se uma pessoa pode avançar no tempo imaginário, pode também dar meia volta e voltar para trás. Isto significa que, no tempo imaginário, não existe diferença significativa entre avançar e recuar. Por outro lado, quando olhamos para o tempo "real", existe uma enorme diferença entre avançar e recuar, como todos sabemos. Donde vem esta diferença entre passado e futuro? Por que razão recordamos o passado, mas não o futuro?
(Stephen W. Hawking, A Brief History of Time, in Anthony Giddens - As Consequências da Modernidade)

10 abril 2009

Mr. Nail Cutter

A personagem central desta narrativa é alguém que me tem acompanhado nos últimos tempos. Posso até considerar que se trata já de um velho conhecido, de quem não sei o nome, nem sequer alguma vez lhe dirigi uma única palavra. Mas a sua presença é permanente e persistente, o que fará com que nos reconheçamos mutuamente. A qualquer hora do dia, seja manhã, tarde ou princípio da noite, durante a semana ou ao fim-de-semana, lá está ele, ou então está para aparecer. Carregando consigo os anos da idade, uma negligente aparência e uma solitária disponibilidade, característica de quem não tem com quem segredar o tempo, nem com quem partilhar o espaço. Ansioso e disponível para qualquer tipo de contacto, chega à fala com quem quer que seja, preferencialmente, com o sexo feminino, a quem dedica especial atenção no contacto visual. A quem, educadamente, dá preferência e prioridade nos esporádicos momentos de proximidade. Quem connosco partilha estes momentos sabe-o: este homem não perde uma oportunidade de meter conversa com uma senhora - mais ou menos jovem, tanto lhe dá… essa atitude chega a impressionar alguns de nós, que por si nutrem tamanha admiração e inveja. Interessante observação é vê-lo actuar, natural e descontraidamente, sob um qualquer pretexto, a interpelar pedindo um pedaço de jornal ou a pedir licença para se sentar na mesa de quem considera capaz de o aceitar. Por vezes, como não poderia deixar de acontecer, acaba por se expor ao ridículo, como quando tenta abordar algumas raparigas ou senhoras, que pura e simplesmente o desprezam ou o deixam a falar sozinho. Outras vezes podemos vê-lo em atitudes menos próprias, tais como deixar-se adormecer, a limpar olimpicamente os orifícios nasais ou cavidades auriculares, a fazer estranhos ruídos, em suculento palitar de dentes, entre outras. Mas ele lá está, sempre e regressando sempre. Com o mesmo sorriso, com o mesmo jeito e com a mesma vontade. Leitor compulsivo, desloca-se pelos espaços sempre acompanhado por uma qualquer fonte de leitura. E não é daqueles que passeia os livros, isso percebe-se. Ele lê. Reconheço a sua voz, o seu jeito andrajoso de bolsa à bandoleira, o seu olhar caído mas atento, o seu discreto mas bom carro, as suas sandálias devidamente forradas com meias precavendo correntes de ar, o som do seu corta-unhas, utensílio que o acompanha e que, orgulhosamente, exibe e utiliza sem pudor em qualquer circunstância, aproveitando a melhor luz possível. Este é o retrato de alguém que apesar de, por vezes, ser inconveniente faz parte do mobiliário do lugar e, concerteza, de outros. Estranharemos o dia em que não regressar.

clientelismos

A assídua frequência de determinados lugares traz consigo a habituação, o reconhecimento e a rotina. Muita gente não gosta de ser cliente, de frequentar sempre os mesmo lugares e espaços, mas cá para mim, não há melhor do que ser considerado e ter o estatuto de cliente. Claro é que de ocasionais e anónimos clientes passamos a frequentadores, cuja presença e/ou ausência se faz sentir. Uma ou outra situação, um ou outro estatuto carregam consigo circunstâncias díspares e apesar do conforto de um certo anonimato, ser reconhecido pode, esporadicamente, trazer algumas comodidades, tais como: não ter que ir para a infindável fila de pré-pagamento, pagar apenas no fim do consumo, ser servido à mesa, ter direito à melhor ou maior fatia do bolo, uma sopita mais quente ou uma tosta-mista mais bem recheada, entre outras pequenas minudências, quase imperceptíveis para os demais. O reverso da medalha, que é como quem diz, o lado negativo desta circunstância é a rotina dos sons, dos cheiros e dos olhares, pois como nós há mais quem goste de ser cliente e repetir trajectos. Os habituês, apesar de perfeitos desconhecidos e estranhos, reconhecem-se nestes lugares. Com o passar do tempo e da partilha dos espaços, acabamos por nos habituar a esses rostos, a essas outras formas de estar e de ser. Assim, reconhecemo-nos sem sequer nos termos conhecido. No meio deste espaço-tempo tanto aconteceu, tanto acontece e vai continuar a acontecer. Quando vamos a caminho sabemos já, ainda que inconscientemente, quem vamos encontrar e com quem nos vamos cruzar. Este exercício é recíproco e, concerteza, qualquer outro poderá saber que nos encontrará por lá… isto por si tem, para mim, alguma piada e se a esta lhe adicionarmos os rasgos de beleza que, de quando em vez e com prazer, nos olhos caem, só poderemos continuar... clientes.

instantes urbanos III

soltas da LER

o anjo não lhe mostra o que teria sido a sua vida se tivesse podido realizar os seus desejos e projectos, dá-lhe a ver o que seria a vida dos outros se ele não tivesse vivido como viveu.
. Abel Barros Baptista, Abril 2009

somos nós que procuramos a lógica entre um segmento e outro da vida.
. António Tabuchi, Abril 2009

Numa sóbria manifestação de carácter, a entrevista ao escritor José Rentes de Carvalho. Através dela conheci o seu blogue Tempo Contado. Tal como o próprio afirma, trata-se de um espaço de partilha com respeito, muito respeito pelas pessoas que vão lá ler-me. Sim é verdade, eu li e fui respeitado.

recorte para meu conforto e bem estar

04 abril 2009

quem das ervas nasce, pelas ervas pasce

Participarei esta tarde nas primeiras jornadas da cultura popular em Viana do Castelo, organizadas pela Ronda Típica da Meadela, a minha intervenção será acerca da Encomendação das Almas inserida num painel dedicado às tradições e aos rituais. Mas a grande expectativa diz respeito ao jantar temático que, pela apresentação do cardápio, me deixa curioso. Vamos lá experimentar.

03 abril 2009

chega mais logo...

02 abril 2009

atentado à democracia

Soube-se há dois ou três dias que Domingos Névoa, administrador da empresa Bragaparque, recentemente condenado em tribunal por tentar subornar o vereador da Câmara Municipal de Lisboa, José Sá Fernandes, foi nomeado para a presidência da Braval, empresa inter-municipal responsável pela recolha de lixos na região de Braga. De imediato se levantaram várias vozes de indignação - João Cravinho, Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa e Manuel Alegre foram os rostos visíveis desse sentimento de revolta e de indignação. Entretanto, o Bloco de Esquerda de Braga lançou, no dia 31 de Março, uma petição online para contestar tamanha indignidade. Eu já subscrevi e incentivo todos os que me lêem a fazê-lo.
É verdade!... Estranhamente o partido socialista e seus dirigentes nacionais nada ainda disseram.

30 março 2009

ecos e egos

"PONTO 3 – PERÍODO DE ANTES DA ORDEM DO DIA.
Vamos receber inscrições para intervenções no Período de Antes da Ordem do Dia.
Senhor Membro da Assembleia, Júlio de Carvalho, tem a palavra, faz favor.
Júlio de Carvalho – Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Municipal e Senhores Secretários, Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal e Excelentíssimos Senhores Vereadores, Excelentíssimos membros da Comunicação Social, Senhores Presidentes dos Grupos Municipais e caros companheiros e Membros desta Assembleia.
O momento que nós vivemos actualmente, não nos pode obviamente deixar escondidos perante ele, não obstante saber que é um assunto bem complexo o momento que vivemos de crise reconhecida a nível nacional e internacional, não podia o PSD, embora sabendo da tarefa difícil que lhe cabe, aproveitar esta oportunidade para dele dar uma visão e leitura como é exigível de todos nós que queremos no futuro de Bragança, de Trás-os-Montes e de Portugal.
Embora conscientes de que a nossa voz … do cimo de Portugal, como dizia Miguel Torga, ou usando uma terminologia bem bonita, de um Membro desta Assembleia, Dr. Luís Vale, “bem perto do céu “ que foi titulo de uma das obras mais completas, uma das obras mais perfeitas, das obras mais curiosas que tenho visto publicadas em Bragança nos últimos anos e de interesse não só de Rebordãos, porque o tema é Nossa Senhora da Serra, como também para todos nós que veneramos e que sentimos a presença e a protecção de Nossa Senhora da Serra ou da Nossa Senhora das Neves. Parabéns ao Dr. Luís Vale.
E aproveitei e não queria deixar passar esta oportunidade, de facto, publicamente fazer em meu nome pessoal, obviamente, uma apreciação crítica, positiva e boa, desta grande obra que publicou para interesse de todos nós. E mesmo que chegasse, creio, que a nossa voz, a Lisboa, sempre haveria, como nós sabemos, algumas vozes, normalmente os costumeiros é que habitualmente, medíocres, as gostam de abafar."

(subtraído da acta da reunião ordinária da Assembleia Municipal de Bragança do dia 23 de Fevereiro de 2009)

29 março 2009

26 março 2009

instantes urbanos II

Caminhavam à minha frente num qualquer passeio de Vila Nova, agora cidade de Gaia, duas senhoras que pela aparência vivem entre a quarta e a quinta década das suas vidas. Deslocavam-se ao ritmo de um empolgado diálogo, que o meu andar não conseguiu mais do que acompanhar. Não pude saber o início da conversa, mas a partir do momento em que privei com a sua cumplicidade, logo percebi que se tratava de conversa de professoras. Poderei até ser acusado de violação de alguma privacidade, pois não estava mandatado para ouvir o que fosse, mas o que ouvi foi mais ou menos isto:
Professora A - Não dá mais! É por demais!...
Professora B - Tens razão. Não me lembro de semelhante em tantos anos de escola.
Professora A - O que estes fulanos andam a fazer, não sei onde se foram inspirar!?...
Professora B - Viste as imagens da Ministra no parlamento?
Professora A - Quando!?
Professora B - Ontem. Ela foi lá com os Secretários de Estado responder aos partidos...
Professora A - Não, não vi. Nem sabia disso. O que se passou?
Professora B - Eu não sei, mas daquilo que mostraram só falaram os Secretários de Estado e muito arrogantes. A Ministra quase não disse nada.
Professora A - Mas quem são esses fulanos!?... Alguma vez terão entrado numa escola e numa sala de aulas!?... Não me parece.
Professora B - Podes crer.
Professora A - Sabes!? Eu há mais de 20 anos que não voto em nenhuma das eleições. Nunca me interessei muito por política.
Professora B - Nem eu. Mas costumo votar.
Professora A - Pois. Mas este ano vou votar e nas eleições todas. Não sei em quem, mas nem que seja no CDS ou no BE. Não me interessa. O que não quero é que estes sujeitos continuem no poder. Não prestam!... Mas é que não prestam mesmo!

25 março 2009

português correcto

Bem sei que sou dos poucos que perde o seu tempo a pensar neste assunto e serei dos raríssimos que se apurria quando ouve, lê ou fala disso. Contudo e novamente, trago a terreiro a questão do acordo ortográfico. Encontrei este blog intitulado BLOG PORTUGUÊS EM DIA, onde pude verificar, uma vez mais, o enorme crime e a enorme estupidez que o nosso governo está prestes a cometer com um património que é de todos nós, que somos nós - a nossa língua. Visitem e comprovem.

novos e velhos, mas só agora adquiridos

Assim vou contribuindo para aumentar a falta de espaço do meu cada vez mais pequeno lugar:
- Bachelard, Gaston, 2008, A Poética do Espaço, São Paulo - Brasil, Martins Fontes Editora;
- Saukko, Paula, 2006, Doing Research in Cultural Studies, London, Sage Publication;
- Giddens, Anthony, 2005, As Consequências da Modernidade, Oeiras, Celta Editora;
- Hall, Stuart, 2006, Da Diáspora - Identidades e Mediações Culturais, Belo Horizonte, Editora UFMG;
- Foucault, Michel, 1997, A Ordem do Discurso, Lisboa, Relógio d'Água;

23 março 2009

Mais do que tomar a palavra, eu teria querido ser envolvido por ela e levado muito para além de todo o começo possível. Teria gostado de me aperceber que, no momento de falar, uma voz sem nome me precedia há muito. (...) É preciso continuar, eu não posso continuar, é preciso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as houver, é preciso dizê-las até que elas me encontrem, até que elas me digam... (na Ordem do Discurso de Michel Foucault)

21 março 2009

massagem e intimidade

Desde sempre me lembro de ver lá por casa dos meus pais revistas/catálogos de roupa e afins: dos Marques Soares, passando pelo Corte Inglês (espanhol), até à Maconde e outras marcas que entretanto esqueci. Mas nunca lhe dei real valor. Aliás, nunca percebi como é que se pode olhar para uma fotografia de uma peça de roupa vestida por uma simpática e escultural manequim e só por isso comprá-la. O certo é que muito recentemente começou a circular pelos cantos cá da casa um catálogo da La Redoute. Estranhei, mas sem qualquer curiosidade deixei-o em paz e não o desfolhei sequer. Até hoje.
Excelentíssimos(as)!!! Só hoje percebi porque é que muitas mulheres perdem horas a fio a desfolhar tal literatura!... Elas bem dizem que gostam muito de ir às compras e tal, que gostam de ver... São 875 páginas de um prazer visual considerável. E como se não bastasse, quase no fim do catálogo, como quem não quer dar nas vistas, encontramos uma pequena secção dedicada a massagens e à intimidade feminina. Curioso!?... Aqui está o grande segredo do sucesso destes catálogos e destas empresas que levam para dentro da casa das pessoas, discretamente, produtos que de outra forma não seriam facilmente vendáveis, nem compráveis... Para verem a qualidade e o pormenor da informação disponibilizada, deixo-vos com a imagem dessa página do catálogo.

Aquilo que podem aqui encontrar é uma amostra do catálogo completo que só está disponível na internet. Avisado por uma amiga resolvi visitar o site - desfolhem aqui - e constatar pessoalmente o vasto leque daquilo que um amigo terá chamado de brikàbreke da parafernália doméstica.

20 março 2009

para um agitado fim-de-semana

ainda notícias...


(recortes dos Jornais Mensageiro Notícias e A Voz do nordeste, respectivamente)

agendamento

19 março 2009

dia do pai - também o meu dia

Fui ao longo do dia presenteado pela minha criança que, a cada momento que esteve comigo, me mimou com a sua arte e dedicação:

18 março 2009

despojamentos

Neste último ano da legislatura de um governo socialista e em vésperas de novo período de eleições vivemos um tempo particularmente difícil a nível mundial, nacional e, como não poderia deixar de acontecer, a nível local. Estamos já habituados a ter e a ser menos que os outros – leia-se, outras regiões do país, e por isso mesmo, maior tolerância temos à miséria e ao despojamento que nos infligem. Infelizmente, ontem, hoje e, desconfio, amanhã Lisboa e suas instituições continuarão a ter sobre o território nacional uma visão holística, na qual o todo se impõe ao particular e/ou às partes, esquecendo-se que são as partes que constituem esse todo e que há diferentes partes. Também seria importante que essa visão torpe e distante do país das pessoas que o habitam implicasse que o “todo” ultrapassasse as periferias das grandes urbes litorais.
A distância que nos separa desse outro Portugal faz com que sejamos vistos como algo que está a definhar e que em breve desaparecerá e, como tal, é desperdício nacional investir nestas geografias marginais. Aquilo que temos assistido nas últimas décadas – curiosamente, ditas democráticas, e em particular mais recentemente, sob o (des)governo socialista é um incessante e continuo desinvestimento na região transmontana, despojando as comunidades dos parcos bens e serviços que ainda sobravam. E não adianta os eleitos locais e nacionais pelo partido socialista virem a terreiro dizer que nada foi retirado ou subtraído aos transmontanos, pois estes bem sentem na sua vivência quotidiana as crescentes dificuldades. Mas esta reflexão teria que ir mais além e numa viagem sem sair do lugar, percorro os trilhos dessa áspera realidade:
- Centralizam-se serviços administrativos, impondo uma racionalidade financeira e consequentemente afastando-os dos cidadãos;
- As infra-estruturas básicas, em pleno século XXI, continuam por cumprir. Na região ainda há comunidades sem direito à água, em qualidade e quantidade mínimas e suficientes. Ainda há muitas comunidades sem direito a um saneamento básico salubre e higiénico;
- As vias de comunicação regionais e locais encontram-se num estado lastimoso e, por isso, situações como a da aldeia de Macedo do Mato, que recentemente foi notícia nacional pelo caricato e pela evidência dos interesses pequeninos da gestão autárquica em Portugal;
- Transportes públicos deficientes, sendo negócio para um mercado privado que não respeita nem defende os interesses dos utentes;
- Transformam-se aldeias em centros de dia e/ou lares de 3ª e 4ª idade – essas instituições totais entendidas pela sociedade em geral como uma antecâmara da morte e dos cemitérios;
- Abandona-se ostensivamente a agricultura e a agro-pecuária, sobrando por todo o distrito a pequena agricultura que não mais serve do que para alimentar os próprios e afins;
- Indústria não há;
- Um sector terciário minimalista, reduzido que está (salvo raras excepções, dos franchisados…) ao próprio negociante atrás do balcão;
- Trocam-se valências hospitalares por helicópteros (que por acaso e só, ainda não chegaram!?...);
- Trocam-se SAPs por VMERs;
- Prometem-nos ICs e auto-estradas como eu prometo rebuçados à minha criança, mas só se ela se portar bem… (seja lá o que isso for!?)
E a tudo isto assistimos nós e assistem, impávidos e serenos, os senhores investidos nas nossas autarquias pelos cidadãos da região, lavando da culpa as suas mãos e focando a sua atenção e o seu esforço nas amarras dos seus quintais, preocupados com a eminente hipótese sacrílega de uma invasão de vacas ou gados dos vizinhos às suas propriedades – quais guardadores de quintais… E assim somos (des)governados. Haverá alguma evolução positiva para a nossa região nos últimos anos!?... Não creio e, inclusive, temo que esta situação não só se mantenha como se degrade até ao dia do despojamento final.
Por tudo isto, este ano de 2009 é um excelente ano para nós, transmontanos, demonstrarmos através do voto, o nosso descontentamento e a nossa revolta pela imensa e manifesta incompetência daqueles que têm exercido o poder local e nacional. O Bloco de Esquerda ao reunir agora e assim também em Bragança percebe o reforço, a legitimação e o ânimo, simbólicos e efectivos, que a sociedade portuguesa deposita na sua capacidade e no seu projecto político. Sim, porque o BE não ambiciona uma sociedade imaginada, mas sim uma sociedade realizada e, em todos os momentos, procura transmiti-la aos portugues@s, se quiserem teimosamente, mas sempre dizendo no que acredita e ao que vem. O desafio do BE em Bragança é enorme, pois se há quatro anos éramos vistos como “aves raras” ou “despenteados mentais”, hoje percebemos a enorme expectativa na nossa acção de esquerda, a enorme expectativa em relação às nossas propostas socialistas. Porque é Esquerda, porque é Bloco, é Bloco de Esquerda.
(publicado no jornal Nordeste do dia 17/03/2009)
__________________________________________
fotonovela
(no mesmo jornal)
E tudo isto num jantar de aniversário (10º) do BE em Bragança no passado dia 14 de Março, assim relatado pelo Jornal Nordeste:

e o povo pá?

17 março 2009

andrajoso

Acabei de passar por uma menina que à porta de uma grande perfumaria (reparei ao longe) oferecia amostras de um perfume qualquer às mulheres e aos homens que passavam. Sim, ia oferecendo a uns e a outras numa tal velocidade que não conseguia antecipar quem se aproximava. À medida que me aproximo, pensando que ela me iria oferecer procurava já uma desculpa e um agradecimento, mas eis que, quando passo perto, ela olha para mim e resolve não me oferecer a tal tirinha de papel "bem" cheiroso... segui impávido e sereno, mas de certa forma chateado, pois não percebi porque é que aquela miuda, declaradamente, não me quis dar uma amostra!?... Enquanto caminhava pelo shopping fui a mascar este pensamento e então relembrei vários outros episódios semelhantes que me levaram à hipótese de um determinado comportamento padrão face à minha pessoa: ou eu não tenho cara de consumidor, ou eu não tenho ar de quem tem dinheiro, ou eu tenho aparência alienada, ou eu tenho aspecto deslavado, ou eu tenho mau cheiro, ou afinal, eu tenho é muito mau aspecto e afasto qualquer tentativa de marketing directo ou mais agressivo!?... sim, deve ser isso ( "- que sorte!..." estarão muitos a dizer). E as poucas vezes que alguém se aproximou assim de mim deve tê-lo feito em total desespero comercial...
Recordo um momento vivido ao qual não dei importância, e que como consequência maior teve a indignação da minha própria mãe, que ofendida desancou uma comerciante, por acaso sua conhecida: isto ter-se-á passado mais ou menos há 5 ou 6 anos numa loja de roupa onde a minha mãe ainda hoje é cliente. Deixei-a à porta desse estabelecimento e fui procurar estacionamento, passados uns minutos aproximei-me da loja e, como a montra teria peças interessantes, parei por uns instantes, com este meu aspecto de sempre, em contemplação, só depois fiz o movimento de entrar na loja, mas logo fui empedido pela comerciante que num tom afirmativo me disse: "- ... aqui não há nada, vai-te lá embora que não te dou dinheiro!"

16 março 2009

arqueológicas

obra-prima vitima de banalização

O Português é uma "obra-prima" vítima de "um processo de banalização gravíssimo" e a parcela de palavras empregues é "ínfima" face às possibilidades, afirma o filólogo Artur Anselmo, presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.
Para Artur Anselmo, o Português está a ser vítima de uma banalização que faz com que, cada vez mais, "as pessoas falem todas da mesma maneira", empregando "uma parcela ínfima" dos vocábulos ao seu dispor.
"Nós temos 110 mil palavras dicionarizadas - e não falo nas locuções, que aí iríamos para as 300 mil - e o Português básico está reduzido a menos de mil palavras, o que é péssimo", declarou, criticando "esta falta de variedade, esta uniformidade em que caímos". Ler o resto da notícia aqui.

mais e mais notícias...

http://www.rba.pt/comment.php?comment.news.2946

http://www.brigantia.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=1822&Itemid=43

11 março 2009

reflexos tardios na imprensa regional

A propósito da última reunião da Assembleia Municipal de Bragança, o Jornal Nordeste faz na edição de ontem (dia 10 de Março) uma peça acerca da minha intervenção sobre a política municipal para o ambiente - ler aqui. Estranhei na altura não haver repercussões nos média regionais, mas tal como se costuma dizer, também aqui mais vale tarde do que nunca....

10 março 2009

nem Jesus Cristo teria soluções

Mário Crespo entrevistou Medina Carreira, ontem à noite. Não tive oportunidade de ver e só agora, recorrendo ao arquivo online da SIC, a pude visionar. O que para muitos será uma visão cinzenta e salazarenta de Portugal, para mim é uma excelente e corajosa opinião da realidade nacional.
Tentei colocar aqui o video mas com pena não consegui. É que este é mais um grande momento de reflexão nacional e por isso deixo aqui o sitio onde a podem ver - imperdível. Tal como o entrevistado diz, pena é que mesmo que um milhão de portugueses estejam a ver e ouvir esta conversa, ainda restam cerca de nove milhões que continuarão na ignorância...

08 março 2009

dia mundial da mulher

Cada mulher
o tempo
de se viver numa ilha

Cada mulher
o templo
que se constrói numa ilha

Cada mulher
o tempo
do vento sobre uma ilha

Cada mulher
o tempo
que o vento destruiria

Esta mulher
no centro
do corpo traz uma ilha

Esta mulher
um templo
no centro da sua ilha

Esta mulher
o centro
já do templo não da ilha

Esta mulher
oh templo
de tudo na minha vida
(David Mourão-Ferreira)

Quase no final do dia, não posso deixar de assinalar este facto. Apesar de ter algumas reservas quanto à necessidade de tal ser "comemorado" - o género não deveria ser, não pode ser, condição de qualquer distinção ou descriminação e, por isso, dias mundiais, quotas ou paridades são conceitos com os quais convivo mal. Mas ok... aceita-se, pois sabemos a diferente condição a que a Mulher é votada por esses "mundos" fora...

californication - já cá canta....



07 março 2009

as novas tecnologias e António Barreto

Ainda ontem fiz aqui, nesta esquina de espelhos, referência à nova revista Ler que acabara de chegar às bancas e, consequentemente, à minha mão e aos destaques que os meus olhos encontraram numa primeira olhadela... Pois bem, tendo tido uma manhã de tranquila leitura, li parte substancial da mesma. A entrevista a António Barreto desde logo me chamou a atenção e, agora, depois de lida re-confirmo a elevação da atitude e a qualidade do seu pensamento. Entre vários assuntos abordados, quero referir a sua perspectiva das novas tecnologias. Não que concorde totalmente com ele, mas porque surge num momento em que, academicamente, tenho partipado em algumas acesas e aguerridas discussões acerca da evolução dessas novas tecnologias e sua importância para os individuos e sociedades. Aconselho vivamente e com insistência para que leiam esta entrevista. No entretanto e para vos abrir o apetite, reproduzo aqui uma pequena parcela da mesma:

Considera a força da imagem uma ameaça ao livro?
Considero. Não sou capaz de lhe dizer: o livro vai desaparecer.
Até já disse o contrário. Numa conferência para editores, em 2001, dizia textualmente: «O livro é eterno.»
É verdade. Creio que é eterno mas creio que o consumo do que lá está dentro vai ser cada vez maior por outros meios. O livro como objecto, tal como o conhecemos hoje, vai ter tiragens menores, vai ter uma menor propagação. Dizem que há agora uns ecrãzinhos onde se põem lá dentro 50 livros.
Ainda não experimentou essas novas tecnologias de leitura?
Ainda não. Já vi fotografias. O que está em maior perigo imediato são os jornais e as revistas. Haverá sempre qualquer coisa que se pareça mas creio que nós vamos assistir, nos próximos 10 anos, à morte de um grande número de jornais no mundo inteiro.
A ameaça é a Internet?
É. O online substitui-os. Podemos sempre argumentar que o online pode dar coisas que os jornais não dão, nalguns casos pode ser melhor do que os jornais são. Muitos juízos podem ser feitos. Eu estou à espera da prova, não tenho uma visão definitiva sobre isso. Agora, o modo de leitura, a pausa, o sossego, a ponderação, a moderação, a reflexão, a nota, a posição pessoal, geográfica, física com que você lê jornais e lê livros, tudo isso está em vias de extinção, a benefício dessas novas formas que são mais rápidas, que seguramente proporcionam menos reflexão...
(...)
Sendo a Internet uma ameaça à leitura, como diz, o esforço para criar uma literacia computacional desde cedo será um erro?
A literacia computacional não é um erro. Eu tive que aprender, já tarde. De facto, o computador, a informática, a Internet podem transformar-se num instrumento de trabalho, de conhecimento e de comunicação importantes. Acho que todas as pessoas devem aprender a usar essas coisas.
Pergunto-lhe isto porque o Governo aposta, com o Magalhães, em criar essa literacia desde cedo.
De maneira como o Governo aposta na informática, sem qualquer espécie de visão crítica das coisas, se gastasse um quinto do que gasta, em tempo e em recursos, com a leitura, talvez houvesse em Portugal um bocadinho mais de progresso. O Magalhães, nesse sentido, é o maior assassino da leitura em Portugal. Chegou-se ao ponto de criticar aquilo a que chamaram "cultura livresca". O que é terrivel. É a condenação do livro. Quando o livro é a melhor maneira de transmitir cultura. Ainda é a melhor maneira. A coroa de todo este novo aparelho ideológico que está a governar a escola portuguesa - e noutras partes do mundo - é o Magalhães. Ele foi transformado numa espécie de bezerro de ouro da nova ciência e de uma nova cultura, que, em certo sentido, é a destruição da leitura.

aquisições

Espaçados por algumas semanas, deram entrada no acervo estes três novos títulos:
- Tuan, Yi-Fu, 2008, Space and Place, London, University of Minnesota Press;
- Carmo, Renato Miguel do, 2006, Contributos para uma Sociologia do Espaço-Tempo, Oeiras, Celta Editora;
-Vermeulen, Hans e Govers, Cora (org.), 2003, Antropologia da Etnicidade - para além de "Ethnic Groups and Boundaries", Lisboa, Fim de Século Edições;

06 março 2009

Ler, com prazer

Deste número 78 da revista Ler quero destacar a entrevista de Carlos Vaz Marques a António Barreto, agora presidente da nova fundação Francisco Manuel dos Santos, na qual reflecte sobre o papel da Escola na educação e na leitura. Depois, a questão "Privacidade e Bom Senso" parece-me interessante. Terei um fim-de-semana bem recheado!

interesses, hipócritas e vice-versa

Hoje, na Assembleia da República, foi votado um projecto do partido Os Verdes que propunha a classificação da Linha do Tua como património de interesse nacional. A proposta foi rejeitada pela maioria socialista, tendo o PSD e o CDS-PP optado pela abstenção. BE e CDU votaram a favor, assim como os dois deputados do MPT que integram a bancada do PSD.
Na discussão que antecedeu a votação, realizada 5ª feira, o PS acusou o partido ecologista de querer impedir a construção da barragem da Foz do Tua, tendo o deputado do PS Mota Andrade, eleito pelo distrito de Bragança, dito: "tem um só objectivo: ser mais uma impossibilidade à construção da barragem da Foz do Tua, apoiada pelas populações (de Trás-os-Montes) e pela maioria das autarquias".
Não sei como referir-me a esta afirmação! Mas como pode o ilustre parlamentar afirmar que a maioria da população de Trás-os-Montes apoia a construção de tal barragem!?... Que dados suportam tal afirmação!?... (só se for o resultado das eleições legislativas de 2005) Onde está escrito que a construção da barragem defende os interesses das populações transmontanas!?...
Por outro lado, esta atitude do PS leva-me a prever que, quando estivermos a discutir a regionalização, este mesmo deputado e toda a sua tropa regional, irá apoiar a proposta agora falada das 5 regiões, isto apesar de sempre terem jurado que, como transmontanos, defenderiam em primeiro lugar os interesses da região - ainda na última Assembleia Municipal de Bragança um ilustre deputado da nação afirmou publicamente a defesa da região de Trás-os-Montes e Alto Douro. A ver vamos se outros interesses maiores não se levantarão!!!...
"Não estamos a toda a hora a dizer que nos amamos. Mas cada vez que ele o diz sem eu contar ainda me arrepio..." Clepsydra, ainda agora.

há dias assim...

[ La reproduction interdite - 1937, René Magritte]

05 março 2009

mistifória jactância

Exmo. Sr. Vale,
Na prossecução de e-mail anterior (abaixo transcrito) e que desde já agradecemos o seu envio, compelimo-nos a solicitar o favor de nos enviarem a documentação, que entretanto foi remetida, mas com a alteração atinente ao cabeçalho, ou seja, que daí conste inserção física do nome do fornecedor de serviços. Obrigado.
Sem mais de momento e ficando a aguardar o prezado envio de V.Exas., subscrevemo-nos com a mais elevada estima e consideração.
Atentamente,
(sic)

poesia urbana

Fado dos Contentores

Já ninguém parte do Tejo
Para dobrar bojadores
Agora olho e só vejo
Contentores contentores.

E do Martinho Pessoa
Já não veria o vapor
Veria a sua Lisboa
Fechada num contentor.

Por mais que busques defronte
Nem ilhas praias ou flores
Não há mar nem horizonte
Só contentores contentores.

Lisboa não tem paisagem
Já não há navegadores
Nem sol nem sul nem viagem
Só contentores contentores.

Entre o passado e o futuro
Em Lisboa de mil cores
O sonho bate num muro
De contentores contentores.

Por isso vamos cantar
O fado das nossas dores
E com ele derrubar
O muro dos contentores.

Manuel Alegre, 04.03.2009

03 março 2009

um bom dia

Hoje foi um daqueles dias que se podem considerar Bons. Apesar de, ao rair do primeiro Sol e quando ensonado saí da cama, não parecer mais do que mais um dia... igual a ontem e ao provável amanhã, o certo é que agora, já bem depois de o último Sol ter desaparecido, posso afirmar a minha satisfação pelo dia que agora acaba. Não queiram saber porquê!... Aliás, será algo que nem eu sei muito bem, mas como e porque o sinto, digo-o. Certinho! Boa noite.

os meus livros todos

Não sei quantos são... um ou dois milhares no máximo. Sempre quis ter o meu acervo bibliográfico organizado, mas por várias razões das quais destaco a preguiça e o comodismo, nunca me empenhei em tal empresa... Mas, ao longo do tempo, fui manifestanto (também aqui) a minha vontade e o meu interesse em conseguir o suporte ideal para tal organização. O primeiro passo, algo que herdei de meu pai, foi o de rubricar todos os livros - na página do título e numa outra qualquer, seleccionada aleatoriamente, a meio do livro. Todos eles, ou quase todos têm a data de aquisição ou oferta nas primeiras páginas. O segundo passo, foi mandar fazer um carimbo com a minha identificação e um espaço para o número do livro... todos estão já carimbados, mas sem o respectivo número, algo que acontecerá quando todo o acervo estiver organizado. Por fim, um software próprio e que apesar de não ser gratuito, apenas custou um valor inicial pela licença de utilização. O seu nome é allmybooks e já está instalado e experimentado. Gostei. É básico, intuitivo e de fácil manuseamento. Agora só falta o tempo e a vontade para começar a introduzir toda a informação...

27 fevereiro 2009

porque é fim-de-semana...

Sem nunca o ter esquecido, recordo-o amiúde, particularmente e sem saber porquê, nestes últimos tempos. A sua presença fazia-se sentir pela figura altiva, bem posta, respeitosa e pelo seu temperamento paternalista e afectuoso. De tez morena e modos lentos, mas acertivos e vigorosos, destacava-se no seu comportamento, a incessante preocupação em agradar aos demais, pelo menos àqueles que consigo conviviam - recordo a abundância e generosidade com que nos recebia em sua casa...
Conheci-o apenas no final de Outono da sua vida, quando o corpo e, principalmente, a memória davam já os primeiros sinais de falência. São muitas as memórias de momentos partilhados e ainda hoje guardo comigo a segurança do seu cuidado, o aconchego e o cheiro do seu abraço e o macio de seu rosto.
Nascido em 1915 no termo de Vinhais pôde completar a 4ª classe, casou cedo e percebendo que a escravidão da lavoura de então não lhe daria muito mais do que quase nada, partiu para o Brasil em busca de uma outra condição, deixando para trás a mulher e seis filhos. Terá corrido bem a vida em terras de Vera Cruz o que lhe permitiu, não só sustentar a família em Portugal, como regressar passados alguns anos a Portugal e à sua terra natal. Com a morte prematura da mulher, deambula pelo país e, em 1973, ano zero da minha existência, casa em segundas núpcias com uma viúva de Famalicão. Aí, numa pequena mas viva comunidade industrial, estabelece-se e vive o resto dos seus dias. Homem empreendedor, investe na pequena indústria transformadora, na construção civil e na compra e venda de propriedades.
Tratava-me carinhosamente por Miguel e a última vez que estive com ele foi em 1996, por ocasião do seu 81º aniversário e poucos dias antes do seu fim, que chegou numa qualquer manhã e depois de assistir à missa. No passado dia 18 de Fevereiro completaria 94 anos e por isso estas palavras estarão atrasadas. Ainda assim, fica o registo de uma memória que teima em conviver comigo. O seu nome era José Marcelino e era Avô.

26 fevereiro 2009

origem do mundo

Reflectindo sobre o recente e triste episódio de uma feira de livros em Braga, em que a polícia apreendeu cautelarmente um livro, por suposta expressa pornografia, argumentando que tal exposição e comercialização atentava contra a moral e os bons costumes das gentes locais que, incautos tropessariam com o seu olhar na capa desse livro, que apresentava uma imagem de um sexo feminino exposto. Imagem imortalizada pelo pintor Gustave Courbet (um dos pais do realismo), em 1866, obra controversa à época e que recebeu o nome de "Origem do Mundo".
Mais do que discutir a hipotética pornografia ou putativa indecência da mesma, procurei as causas e significados de tal episódio.
Numa primeira reacção, mesmo sendo um lugar comum e por demais referido, este é um caso típico de censura, hábito que sabemos de outro tempo, mas com o qual não estamos habituados a conviver, pelo menos de uma forma tão declarada. Depois, é um exemplo que demonstra bem o estado da civilidade da sociedade portuguesa naquilo que é, sincronicamente, a manifesta ignorância endógena portuguesa - ignorância cultural e estética, mas acima de tudo (e mais grave e triste) uma ignorância biológica e anatómica. Em pleno século XXI, preâmbulo de um novo milénio, seria expectável uma outra atitude, um outro comportamento cidadão, manifestando e reclamando uma outra informação e formação que toleraria a difusão de manifestações artísticas e culturais.
No entanto, se tentarmos uma leitura diacrónica na busca de explicações para tal comportamento, talvez consigámos perceber como tudo isto pôde suceder, em 2009 e em Braga - Portugal. Perceberemos a forte castração mental, a hipócrita castidade e o falso pudor de voyeur que nos caracteriza. Para tal, vou ao encontro de Marc Bloch que, já em meados do século XX, chama a atenção para o facto de nas sociedades mais rurais e tradicionais a educação da geração mais nova estar, geralmente, a cargo da geração mais velha. Em tais sociedades, dado as condições de trabalho manterem a mãe e o pai afastados durante grande parte dos dias, as crianças eram criadas pelos avós. Este processo iniciava-se muito cedo na vida da criança, que juntando-se ao grupo de parentes e outras crianças, é educada pela avó, que era a senhora da casa, preparava as refeições e, sozinha, tratava das crianças. Era tarefa sua ensinar a linguagem do grupo às crianças - já quando os antigos gregos chamavam às histórias "geroia" e quando Cícero as denominava "fabulae aniles", não estavam mais do que a registar a importância da avó na actividade da narrativa do grupo. Assim, a mediação dos pais que permitiria a mudança (social) não se verifica e esta forma de transmitir a memória, sugere Bloch, deve ter contribuido, em grau muito substancial, para o tradicionalismo e conservadorismo inerentes a tantas sociedades camponesas.
Por considerar e aceitar tais fenómenos como uma falha educacional e geracional - de berço, de tabu familiar, de carteira de escola e de saúde pública, pedagogicamente recomendo a leitura de CUNNUS - Repressão e insubmissões do sexo feminino, de Alberto Hernando, publicado pela Antígona em 1998, esperando que quem me visita e lê aquilo que eu escrevo não considere pornográfica esta capa e não me denuncie...

Da Antropologia ao Direito, passando pela literatura e a arte, todas as lógicas sociais tentaram reduzir o sexo feminino a estigmas originários, a ritos de sociedade, a cânones, moralidades, estéticas, ficções literárias ou metáforas derivadas do seu nome próprio. Toda esta encenação confunde e visa distrair da mais intensa forma repressiva, matriz de todas as violentações: o domínio do homem sobre a mulher. Para a ordem masculina, o homem é cultura, não passando a mulher de um trânsito entre a natureza e cultura, sempre se justificando o domínio do homem sobre a mulher pela necessidade de regular a parte irredutível de natureza inata da mulher - a parte animal quintessenciada na cona. Pródigo no seu desconhecimento do sexo feminino, o homem pretendeu que o convexo dos seus órgãos genitais é superior ao côncavo do sexo da mulher, argumentando que este seria uma bainha daqueles ou um complemento, mas nunca um sexo específico. Ignorância esta, convém notar, decorrente de temores inconfessados. De facto, não se desprende qualquer ameaça real da natureza da cona que justifique toda a virulenta repressão de que é alvo. O deus ex machina que provoca a violência e a perseguição contra a cona é o medo masculino resultante da precariedade do seu próprio sexo face ao feminino. Medo esse traduzido em misoginias ou exarcebado em machismos, mas sempre inseparável do fascínio que ao mesmo tempo a cona suscita. (HERNANDO, 1998)