20 dezembro 2024

novo desafio


É claro que é um desafio auto-imposto. Ninguém me obriga a ser idiota e andar sempre à procura de mais lenha para me chamuscar. Assim, assiná-lo aqui também o início, à data de ontem, 19 de Dezembro de 2024, das filmagens desta nova aventura pessoal. Criei um podcast ao qual dei o nome de "Novas Conversas Rurais", pretendendo que possa ser um espaço de conversa e reflexão sobre as alterações que as paisagens rurais têm sofrido nas últimas décadas. Os novos usos do e no rural, naquilo que são novos processos e rotinas, hábitos e consumos emergentes nesses territórios. Irei ao encontro daqueles que são os protagonistas e agentes dessa mudança na vida das comunidades, teórica e empiricamente perceptível.
Se tudo decorrer como previsto, a publicação nas plataformas habituais (YouTube, Facebook, etc.) do primeiro episódio, acontecerá no dia 1 de Janeiro de 2025 e à periodicidade de um episódio por mês.

16 dezembro 2024

pão

Posso começar por afirmar ou declarar que o pão foi, é e será o elemento mais elementar ou estrutural da dieta alimentar de qualquer povo, cultura ou comunidade. Bem sei que pode existir, num qualquer recanto deste mundo, alguma comunidade que não conheça pão, mas isso não diminui ou prejudica a minha afirmação.
Assim, eu me confesso: não existe nenhum outro alimento que me saiba tão bem como o pão. Pode ser pão e mais alguma coisa, mas também pode ser apenas pão. Sabe-me bem e sacia-me. Só que, para mal dos meus pecados, fui aconselhado a não o comer e ando, por estes dias, numa luta estapafúrdia para o evitar. Neste momento, só o abocanho ao pequeno-almoço: um molete fresco, ou torrado, com manteiga. Não sei quanto tempo aguentarei assim, pois apesar de teimoso, não há nada que saiba melhor e, de tão básico e simples que é o pão, é-me doloroso não o ingerir livremente, como sempre fiz.

primeira vez


Acabou de sair, pelo menos na sua versão desmaterializada, o novo número da revista Antropologia Portuguesa (nº 41), e nela, pela primeira vez, consta um texto meu. Ainda que sendo uma recensão a uma obra de Arjun Appadurai: Razão Agrícola à Sombra do Capitalismo de Subsistência - Uma Ontologia Rural da Índia Ocidental, publicado pela HAU Chicago, em Agosto de 2024, significou a minha primeira colaboração nesta revista.
Para quem possa estar interessado, deixo aqui o link para o pdf do meu texto
e o da revista completa

04 dezembro 2024

certezas necrológicas

Recordo o meu avô paterno, o avô João, a ler os jornais que lhe chegavam às mãos, trazidos pelos filhos, netos ou outros familiares. Com toda a calma e soletrando baixinho todas combinações frásicas, ele que apesar de quase analfabeto, sabia ler, devorava qualquer papel que encontrasse lá por casa. Se não fosse um jornal, poderia ser uma bula de um qualquer remédio, mas aquilo que mais o detinha eram secções de necrologia dos jornais e convém relembrar que, naquele tempo e ao contrário de hoje, essas secções ocupavam mais espaço e muita tinta.
Hoje, nas deambulações quotidianas, apercebi-me de um ajuntamento, talvez de três ou quatro senhoras de idade avançada, que olhavam e comentavam a fotografia de mais uma pessoa que deixou de respirar e, isso, fez-me reflectir de que é um facto que dou comigo, agora, a olhar com relativa atenção para esses anúncios e para os rostos e nomes daqueles que vão falecendo e são anunciados nos jornais e, principalmente, expostos nas montras do comércio local. Em cada localidade há sítios específicos, leia-se lojas, onde sabemos que iremos encontrar essas novidades. Para além do implícito e obrigatório voyeurismo, poderá isto ser um sintoma de idade e da consciência crescente de que um dia, cada vez mais próximo, será a vez da minha fotografia e nome aparecerem assim escarrapachados, desnudados e indefesos. Eu não quero e, se for feita a minha vontade, jamais se saberá que eu já cá não estou.

02 dezembro 2024

inacreditavelmente desconhecido

No mesmo texto que aqui citei, há dias, de Valter Hugo Mãe, encontrei referência a um livro de Julio Llamazares, autor perfeito desconhecido para mim, chamado "Trás-os-Montes - Uma Viagem Portuguesa". Valter Hugo Mãe, na sua crónica, escreveu: "Julio Llamazares, desaparecido há décadas das nossas livrarias. Llamazares, autor de um incrível Trás-os-Montes, sim, os nossos, pelos quais se apaixonou". Um sobressalto. Mas quem é este homem? Que livro será este? Como é possível existir um livro com este nome/título e eu nunca ter sabido? Nunca me ter cruzado com sua referência. Enfim.
Não tardei a pesquisar no todo poderoso Google e, para novo sobressalto, fico a saber que existe uma tradução da Difel. Pondo mãos ao teclado, começa a minha incessante busca por tal livro. A Difel já não existe, a tradutora não sei quem é, a solução parecia ser tentar a versão original em castelhano, mas eis então quando, insistindo na busca, me aparece o livro em português no OLX. Num clique mandei mensagem ao seu "dono" e logo manifestei o meu interesse. Paguei no mesmo dia os vinte euros que me solicitou, por transferência bancária, e depois foi só aguardar que o espécime chegasse. Último sobressalto, o livro estava como novo. Aliás, desconfio que nunca foi lido, sequer folheado.
Um achado, mas pensando bem, vou tentar encontrar o original em castelhano.

vamos LER

22 novembro 2024

pós-covid

Quando entrámos em regime de pandemia foram implementadas medidas coercivas e estruturais em cada sociedade, em cada país, que nos obrigaram a alterar rotinas e procedimentos. Também se verificou uma mudança de atitude, voluntária, por parte de muitos cidadãos naquilo que eram e são os pequenos nadas da vida quotidiana, como por exemplo, evitar maçanetas de portas e janelas, não colocar mãos nos corrimãos de escadas, proteger os dedos ao utilizar multibancos e outros gadgets públicos, entre outros. Pois bem, terminado o estado global de pandemia, rapidamente, a maioria das pessoas se esqueceu dela e retomou velhos hábitos, rotinas e procedimentos. Se há algo de bom que esse estado de excepção social me trouxe, para além da própria sobrevivência, foi um conjunto de pequenos gestos que mantive e, agora, já dificilmente os largarei. Falo do lenço de papel para teclar nos ATM's, não colocar as mãos em maçanetas, nem em corrimãos de escadas públicas (isto já não o fazia antes), proteger os dedos para carregar em teclados, ter sempre por perto um frasquinho de álcool gel para desinfectar as mãos quando há algum tipo de contacto com objectos ou pessoas. Olhando à minha volta, reconheço, talvez possa ser um pouco doentio, mas sinto-me mais confortável e, assim, neste pós-covid manterei tais gestos.

21 novembro 2024

a tristeza que aqui se fala

"O que se lamenta é que não exista mais ninguém. Ninguém para saber do que ali acontece nem ninguém para que continue a acontecer. O fim das aldeias é outra coisa que não a idade. É a perda de uma memória, de um tipo de vida que pode ser um tipo de humanidade. É o que me traz o calafrio. A hipótese de terminar a humanidade que até há pouco se definiu. Perdida na urbanidade que tudo mistura e impede a limpidez dos aldeões.
A tristeza de que aqui se fala tem que ver com esse requiem por uma universalidade. Um requiem pela morte de um certo mundo que jamais se vai recuperar. A aldeia que acaba é um povo extinto. Um povo cuja memória não trará mais nada. Desperdiçado de futuro e ternura. É só a morte."
Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1411, Novembro 2024.

14 novembro 2024

"tocar piano"

A expressão ouvi-a a um professor e antropólogo, conhecido meu, em ambiente de conversa de café e a propósito de haver sempre quem tem que assumir a tarefa de escrever. Referia-se ao facto de ser porreiro ter um espírito participativo e colaborativo, mas depois na hora da verdade, são sempre os mesmos (ele) a ter que "tocar piano", ou seja, a escrever. Nos últimos meses tenho sentido essa responsabilidade e, tendo em consideração os interesses heterogéneos em que me envolvo, a sensação é precisamente essa. Calha-me sempre a mim sentar em frente ao piano. Cansado e sem descanso à vista.

10 novembro 2024

Santorini

Já decorreram vários meses desde a minha estadia nessa ilha do mar Egeu e para a qual viagem acompanhado pela Andreia, para assinalarmos os vinte e cinco anos de caminhada a par. A nossa relação teve início em 1990 e ao longo de todos estes anos temos viajado sempre que possível. Esta viagem foi planeada apenas por mim e sem conhecimento dela, tipo viagem surpresa, pelo menos em relação ao destino.
Eu já tinha viajado sozinho de barco pelas ilhas gregas, num circuito turístico a partir do porto de Pireu, em Atenas. Foi aí que decidi que um dia iria regressar com a Andreia. Aconteceu este ano e julgo que a Andreia, não só gostou da surpresa, como adorou o ambiente e a paisagem da ilha. Eu não posso dizer que não gostei, até porque sou amante da gastronomia, das paisagens e, acima de tudo, da capital grega, mas provavelmente não regressarei àquelas paisagens insulares. Com esta viagem alcancei um antigo objectivo de vida. Naquilo que é a minha condição nómada, outros destinos chama agora por mim, de entre os quais, alguns, serão obrigatórios: para além do "eterno" retorno à verde e fresca Galiza, pela qual me sinto sempre atraído e da qual ainda tenho muito para conhecer, quero ir à Islândia, a Edimburgo, a Roma e a Viena de Austria. Depois, quererei sempre regressar a Paris, a Londres e a Atenas. Espero, em 2025, poder ir à capital italiana e para tal já estou a "trabalhar".

(escrito em 7 Outubro 2024)

05 novembro 2024

Kamala Harris for President

Quando os dados estão mais do que lançados e estamos a poucas horas de conhecer o novo presidente dos EUA, não quero deixar passar este momento sem manifestar a minha preferência, mas mais do que isso, a confiança no senso dos americanos em decidirem eleger, pela primeira vez na sua história, uma mulher para a cadeira mais poderosa do mundo. Percepcionado deste lado do Atlântico, não deveria existir qualquer dúvida ou disputa entre a manutenção de um Estado de Direito democrático e o desconhecido das trevas e do caos de um despota, egocêntrico e anti-democrático. O problema é que este tem muitos seguidores e apoiantes, não só na terra do Tio Sam, como um pouco por todo o mundo, nomeadamente, aqueles que ambicionam um retrocesso civilizacional e no qual todas as pretensões imperialistas e de violação do direito internacional e dos direitos humanos serão tolerados e até incentivados.

01 novembro 2024

ao espelho

Ontem, dia 31 de Outubro, na biblioteca municipal Eduardo Lourenço, na Guarda, na cerimónia de entrega dos prémios CEI - Investigação, Inovação & Território (CEI - IIT|2024), que distingue trabalhos, projectos de investigação e outras iniciativas com dimensão inovadora, contribuam para divulgar estudos, experiências e boas práticas que concorram para reforçar a coesão, a cooperação e a competitividade dos territórios fronteiriços e de baixa densidade.



e a notícia em...


11 outubro 2024

"I Wanna Be Adored"

Não, eu não quero ser adorado. Nunca o quis. Sirvo-me apenas do título de uma música dos velhos Stone Roses como mote para partilhar aquela que há muito será verdadeira ambição ontológica. Ser recordado. Por outras palavras, sobreviver ou ir além da minha própria existência física. Sim, desde muito novo me sinto impelido para essa ambição. Não a sei explicar, talvez não passe de um receio inconsciente, mas à medida que a vida vai decorrendo e o tempo que me resta diminui, a vontade e o desejo de fazer mais, de estar e ir, de registar e recordar, vai crescendo e o tanto que ainda tenho para realizar. Jamais saberei se o conseguirei ou não, mas que algumas coisas tenho feito com esse fito, isso é verdade. Siga a vida.

09 outubro 2024

15 Julho 2024

Foi um dia, ou melhor, um final de tarde e noite muito bonito. Daqueles momentos que, tenho a certeza, quem o partilhou jamais esquecerá. Eu não vou esquecer e sinto-me feliz por ter contribuído para o tornar possível.
A simplicidade, a amizade e o recato do ambiente foram fundamentais para o sucesso da iniciativa, pois aquilo que se disse e cantou, os abraços que se deram e as lágrimas que se choraram, não terão sido mais do que verdadeiros sentimentos de alegria, amor e gratidão. Eu saí de lá com a alma repleta de felicidade e demorei alguns dias até processar completamente o que acontecera e, no fim, aquilo que guardei foi a sensação de que naquele momento condensámos toda a nossa existência [e neste momento soltam-se-me as lágrimas pelo rosto] desde a memória daqueles que já cá não estão, até à percepção da convivência entre as várias gerações e o bom que isso é. Porque sei que, mais tarde ou mais cedo, irei sentir saudade e um tremendo vazio, aquilo que verdadeiramente gostaria era poder cristalizar aquele dia e tudo aquilo que lá se viveu.

07 outubro 2024

jornadas culturais em Balsamão

(João Alberto Correia, Eduardo Novo, Luís Vale)

Regressando de Balsamão, de mais umas Jornadas Culturais, a caminho da Invicta, aproveitei para registar as percepções daquilo que aconteceu por lá, nestes dias de partilha e intensa reflexão. O tema deste ano foi: "Migrações: inquietações e desafios" e procurámos reunir um conjunto de comunicações que pudessem reflectir a realidade, muitas vezes dramática, dessas vidas em trânsito e sem futuro. Não posso deixar de admitir que, aquando da escolha deste tema, o que acontece sempre nas Jornadas anteriores e através de um processo deliberativo democrático, no qual todos os participantes contribuem com as suas sugestões e opiniões, não fiquei convencido e as minhas expectativas não eram grandes. Pois bem, enganei-me e a verdade é que não só essas expectativas foram largamente superadas, como tivemos o prazer de assistir a intervenções magníficas por parte de pessoas com larga experiência neste universo: académicos e investigadores, voluntários, empresários e instituições acolhedoras, instituições reguladoras ou coordenadoras, autarcas e até testemunhos de migrantes. Para além disto, o programa cultural foi excelente e a visita a Freixo de Numão, sem dúvida, um bela surpresa.
O tema para as próximas Jornadas Culturais foi escolhido ontem de manhã, pelos presentes na última sessão do programa, que de entre outras propostas, tiveram que deliberar entre duas mais consensuais: "A urgência da Paz" ou "À Mesa Transmontana". Saiu vencedora a segunda hipótese e, portanto, no próximo ano iremos sentar-nos à mesa e tentar conhecer todas as dimensões daquilo que foi e é a mesa transmontana.
Ao alto, a minha participação nestas jornadas, moderando a sessão da manhã do dia 4 de Outubro.

01 outubro 2024

eu, investigador e financiado

Naquilo que é, em teoria ou no papel, o meu primeiro dia de investigador financiado pelo Estado português, através da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), as horas passaram e tudo quanto fiz nada se relacionou com o referido projecto. Por entre as rotinas desgastantes, os compromissos caseiros e os horários dos dependentes, ainda fui surpreendido por uma avaria estrutural, o que me obrigou a deambular pela Invicta à procura de uma solução, precisamente hoje, dia de chuva e com um trânsito caótico. Este foi o primeiro dia de um projecto que durará, pelo menos, trinta e seis meses e, admito, com ganas estou e com várias ideias para implementar ou pôr em acção. Em breve darei notícias. Vamos lá.

29 setembro 2024

esculpir a existência

"Em pleno século XXI, parece que o ser humano tende, mais do que nunca, para a barbárie, para um inusitado regresso à pré-história, a um tempo de grunhidos e guinchos, anterior a uma linguagem articulada. Referiu o médico italiano Lamberto Maffei, em Elogio da Palavra, que 'o milagre da evolução gerou as palavras para que o homem possa narrar, para que na sucessão das gerações não se perca o património das experiências vividas. Que seria do homem sem palavras?' E pergunto, se fomos feitos de palavras, sem elas passaremos a ser feitos de quê? De que matéria se esculpirá a nossa existência para além da carne e dos ossos, convertidos depois em pó e cinza?"
Dora Gago, in jornal de Letras nº 1408, Setembro 2024.

27 setembro 2024

a quem possa interessar...


Eu vou tentar participar. Para mais informações, programa e afins: https://tinyurl.com/fv4szhn5

prova, mastiga e deita fora, sem demora

O mote para este quase-desabafo é o verso da mais que conhecida música "Chiclete" (1981) dos Táxi, que, diga-se, teima permanecer actual. E aqui encontramos logo uma curiosidade, pois a crítica social desta letra musical, do consumismo e do efémero, acabou ela mesmo por se perpetuar no tempo. "Mastigar e deitar fora" funciona como metáfora perfeita para aquilo que caracteriza, e muito, a nossa sociedade: Comprar, consumir, adquirir e depressa largar, abandonar, estragar ou simplesmente deitar ao lixo, para depois voltar a comprar, consumir e adquirir, para depressa voltar a largar, abandonar, estragar ou deitar ao lixo, numa lógica e dinâmica impossíveis de deter ou interromper.
Duas situações distintas, num passado recente, reavivaram-me esta ideia da intolerância da sociedade e das lógicas mercantilizadoras das "coisas", para com, digamos, objectos com alguns anos de existência. A primeira diz respeito ao meu automóvel, que desde que é minha propriedade tem direito a manutenção e assistência na própria marca. É que gato escaldado da água fria tem medo e eu, para não repetir dramas passados, prefiro ser espoliado com garantia de marca. O meu carro tem 14 anos e cerca de 250 mil quilómetros e na última factura-recibo de revisão feita, na marca, a designação do serviço prestado era: "revisão sénior"; A segunda situação, mais recente e, digo eu, ainda mais caricata, diz respeito ao meu computador portátil. Tenho-o desde 2015, portanto é um computador com cerca de nove anos. Nunca tive um problema com ele, nunca deu um erro, nem nunca foi preciso ir com ele à "oficina", até aqui há dias em que o teclado e esta coisa que substitui o rato, mas eu não sei como se designa, deixou de funcionar. Ligeiramente preocupado, a primeira coisa que fiz na manhã seguinte foi ir à "oficina" da respectiva marca, instalada numa requintada loja de um centro comercial da periferia. A conversa de quem me atendeu e já depois de eu mostrar o computador e explicar o sucedido, foi mais ou menos assim:
- Pois, eu compreendo, o seu computador é de 2015... e eu acho que, mas deixe-me confirmar, já não damos assistência técnica (material), porque ele já é vintage...
- Como?! Vintage com nove anos?! - questionei eu, espantado com aquela adjectivação classificatória.
- Pois é, eu sei, mas não poderemos fazer nada. Vamos fazer um diagnóstico à máquina para ver se há algum problema que possa ser resolvido aqui e agora. Se não, talvez seja melhor ponderar adquirir um computador novo...
Não vou registar aqui os impropérios que mentalmente e de imediato proferi, mas naquele momento ficou decidido que essa não seria a solução imediata, até porque no final de tudo isto e depois de mais de uma hora à espera, o computador foi-te entregue com o problema resolvido.
Vivemos num mundo que não quer/aceita/tolera coisas velhas e a ideia ou possibilidade de alguma perenidade é um pesadelo para a tal sociedade de consumo imediato. Há quem conviva bem com esta realidade, há quem não queira saber, nem sequer pensa no assunto e há quem, como eu, não se conforma com tamanha estupidez.

17 setembro 2024

outra, outra e outra vez

Mais do mesmo, uma e outra vez, já ninguém se espanta com a calamidade dos brutais incêndios que, ciclicamente, nos destroem o país. E vai continuar a acontecer até que alguém (leia-se Governo/Estado) tenha a vontade e a coragem de olhar para o território rural e florestal e decida investir verdadeiramente, estruturando, gerindo e rentabilizando a heterogeneidade de recursos naturais e culturais que são autóctones desses territórios. Não adiantará muito, nem resolve o problema continuar a apostar no combate aos incêndios e despejar dinheiro em cima de dinheiro que não faz mais do que alimentar o cluster da industria dos incêndios. Também não é solução criar comissões ad-hoc ou improvisar grupos de acompanhamento que se deslocam pelo país consoante os fogos, pois uma vez mais essa é uma atitude reactiva e não activa, como se pretende, de prevenção e de estruturação da floresta.
Cabe ao Estado, de uma vez por todas, olhar para o território nacional e promover uma "revolução" naquilo que são o património e valor naturais. Alocando meios financeiros às organizações públicas que intervêm nesses territórios, reforçando meios humanos e materiais. Só assim, talvez um dia, o paradigma mude. No entretanto, continuaremos a ser bombardeados com discursos pífios e patéticos dos mais altos cargos políticos e de comando do país, que sem terem a mais ínfima ideia do problema, também não conseguem alcançar qualquer solução. Não há pachorra.

15 setembro 2024

resistência

"Ler é um acto de resistência ao barulho de opiniões num mundo em que não se cruzam nem se deixam tocar e onde apenas existe a ilusão - outra ilusão - de que estamos todos a conversar uns com os outros".
Isabel Lucas, in revista LER nº 171 - Verão 2024, pág. 66.

vida malvada

Assisti ontem à noite ao concerto que encerrou a digressão de celebração dos quarenta e cinco anos de vida dos Xutos & Pontapés, no Queimódromo do Porto. Não sei quantos milhares de pessoas estiveram na plateia (esperei pelas notícias de hoje para conhecer esse número, mas ainda não o encontrei), mas dos oito aos oitenta, impressiona a empatia que a banda tem com a generalidade da população portuguesa. Avós, pais e filhos a cantar as músicas de sempre, a dançar e a pular, numa autêntica festa nacional. E nem a idade dos músicos impede ou prejudica a sua qualidade musical, nem a evidente e perene falta de jeito do vocalista, o Tim, para comunicar com o seu público ofusca a atitude dos seus parceiros em palco... o Kalu continua a ser um "animal" na bateria e o Cabeleira, de cigarro na boca, mantém os decibéis eléctricos bem à frente, enquanto sustenta todas as amplitudes melódicas. Sempre bom. Do alinhamento há a destacar o facto de terem tocado temas de todos os álbuns, num total de 29 músicas. Entraram com a "Vida Malvada", homenagearam Zé Pedro (que completaria por estes dias 68 anos) com a projecção de um vídeo dele a cantar "Submissão" e terminaram em acústico com o "Homem do leme", pelos vistos porque quiseram assinalar um momento importante na carreira, que foi um concerto acústico na Antena 3. Pessoalmente, gostando muito mais dos primeiros álbuns do que dos mais recentes, faltaram alguns temas mais antigos, como "Barcos gregos" ou "Torres da Cinciberlândia". Um dos primeiros vinis que comprei foi o "Circo de Feras" e, por isso, será o meu disco de referência deles, pois para além de ainda hoje saber todas as letras quase de cor, muitas delas transformaram-se em verdadeiros hinos... contentores, saí p'rá rua, pensão, desemprego, esta cidade, não sou o único, n'América, vida malvada e circo de feras.
Ontem fui acompanhado por um grupo de queridos amigos com os quais partilhei a festa... cantámos, pulámos e dançámos, mas também levei a família e até o imberbe gosta, conhece e canta algumas das músicas. Xutos & Pontapés é este encontro inter-geracional, o tal dos 8 aos 80, e por isso são especiais, peculiares e, sem qualquer dúvida, património nacional.
Quarenta e cinco anos e continua a ser à maneira deles.

(da esquerda para a direita e para memória futura: Rodrigo, eu, Andreia, Sandra, Bruno, João, Zé, Décio, Cristina, Sílvia, Filipe, Luzia, Sónia e um desconhecido emplastro...)

11 setembro 2024

como o ar


Um dos livros que adquiri no início do mês de Agosto e que levei comigo para os dias de férias, foi este sobre a natureza da cultura. Partindo da sua condição de professor, filósofo e especialista, entre outras áreas, em políticas culturais, e aproveitando os dias de retiro forçado da pandemia, Antonio Monegal constrói um autêntico compêndio, em jeito de ensaio, sobre cultura. Procurando responder a questões como: é a cultura um bem comum? É um direito? É um dever do Estado Social? É mesmo importante?, ao longo de 15 capítulos socorre-se de vários exemplos e de vários autores, incluindo alguns clássicos da literatura, para nos apresentar uma ideia de cultura, descomplexificada, desempoeirada e heterogénea, isto é, liberta de qualquer amarra ideológica ou económica. Sem qualquer dúvida ou hesitação, se neste momento tivesse que construir uma bibliografia para uma qualquer cadeira relacionada com cultura, este seria o livro de leitura obrigatória. Completo, abrangente e pedagógico.
Agora, falta-me apenas fazer a sua ficha de leitura.

07 agosto 2024

condição símia

Comprei e li, recentemente, o livro de contos de Franz Kafka, intitulado "o Abutre e outras histórias". Uma dessas histórias remeteu-me, por analogia, para a nossa contemporaneidade, ou se preferirem, para a nossa actualidade. É que ao olhar à minha volta e a circunstância em que o nosso planeta está, fico convencido que algo na nossa filogénese está muito mal e, em vez de evoluirmos, estamos a regredir ou a degenerar a grande velocidade.
Kafka, que faleceu precisamente há um século (3 de Junho de 1924), sem o poder saber, escreveu sobre esta nossa condição. No conto "exposição para uma academia", escreve:

"Excelentíssimos Senhores da Academia!
Foi uma honra que me concederam ao desafiarem-me para entregar à Academia uma exposição sobre a minha anterior vida de símio.
Neste sentido, tenho de admitir que, lamentavelmente, não me é possível satisfazer essa exigência. Entretanto, já quase me separam cinco anos da minha existência simiesca, um período de tempo que, muito embora possa ser breve quando o medimos no calendário, é no entanto infinitamente longo quando através dele galopamos como eu o fiz, [...] por certo que eu nem sequer a insignificância que se irá seguir ousaria comunicar, se não estivesse absolutamente seguro de mim próprio, e se a minha posição em todos os grandes palcos de variedades do mundo civilizado não se tivesse consolidado, até se tornar praticamente inabalável. [...] Como macaco, pode ser que o tenha experimentado, e conheci pessoas que sentiam por ele uma vaga nostalgia. Mas no que a mim diz respeito, eu nunca aspirei à liberdade, nem nessa altura nem agora. A propósito: é recorrendo à liberdade que as pessoas passam a vida a enganar-se umas às outras. E tal como a liberdade se conta entre os sentimentos mais sublimes, também o logro correspondente se conta entre os mais sublimes. [...] Ao reflectir na minha evolução e no objectivo que até agora a norteou, não me queixo nem me sinto satisfeito."

06 agosto 2024

falemos de migrações




Será em Balsamão e eu vou lá estar. Apareçam.

26 julho 2024

calafetado

"Regresso de Lisboa ao Porto, no comboio, calafetado em leitura. Ai, esta forma de analfabetismo da vida que consiste em ter sempre o nariz enfiado num livro!"
Mário Cláudio, in Diário incontínuo, Jornal de Letras nº 1403, Julho 2024.

15 julho 2024

grande questão existencialista

"Perto do final, Paulo Furtado desceu do palco. A multidão de admiradores aproximou-se, como é natural, querendo fotografar-se ao seu lado. Só que Tigerman pediu-lhe que recolhessem os telemóveis: 'Vamos guardar este momento só entre mim e ti'.
Tocou aqui numa das grandes questões da assistência a grandes concertos nos últimos anos: a indecisão entre filmar e viver o momento. Parte do público parece preferir assistir ao concerto através do telemóvel, para assim guardar uma memória, ou partilhar a experiência na rede social, do que verdadeiramente desfrutar daquele momento. A virtualidade sempre a ganhar pontos ao real."
Manuel Halpern in Jornal de Letras nº 1402, Junho 2024.

10 julho 2024

viajar no tempo

Muitas vezes, ou pelo menos algumas, damos por nós a pensar como, caso fosse possível, alteraríamos algumas atitudes, comportamentos ou escolhas feitas, algures no nosso passado. Se pudéssemos viajar no tempo alteraríamos alguma coisa? Pois bem, a verdade é que esta questão e as possíveis respostas a ela comportam uma incompatibilidade fenomelógica insanável, logo, jamais será possível tal viagem.

05 julho 2024

ao espelho


01 julho 2024

"o barco vai de saída"


Normalmente é pela rádio que sei destas notícias. Morreu o Fausto Bordalo Dias, reconhecido apenas por Fausto. Há muito seu admirador, sempre o apresentei como o melhor de entre aqueles que gosto e ouço. Assisti a dois concertos dele, um no Porto e outro em Bragança, e ao concerto dos Três Cantos (Fausto, Sérgio Godinho e José Mário Branco), no Coliseu do Porto. Lamento o seu desaparecimento e tenho a certeza de que continuará por muito tempo a ser uma referência incontornável da nossa música. O barco enfim saiu.

29 junho 2024

as Nomeadas Colectivas em Bragança

Hoje, na Fundação Os Nossos Livros, um pedaço da tarde a falar das Nomeadas Colectivas. Obrigado a todos aqueles que estiveram connosco.





25 junho 2024

daqui a uns dias...

18 junho 2024

tão eu, mas para melhor...

De vez em quando, cada vez mais espaçado, vou visitando a barca de J. Rentes de Carvalho. Mantenho o gosto e o prazer da sua escrita e permanece como meu eleito na literatura contemporânea portuguesa. Para além disto, muito do que escreve é-me familiar e tendo a concordar amiúde com as suas opiniões. Hoje, dei de caras com esta pérola estival:

"Traques e arrotos
Teria quatro anos, deve ter sido a primeira vez, e se bem recordo levaram-me à praia de Lavadores. Foi mesmo terror, aquelas gigantescas massas de água a rebolar e ameaçadoras, dando a impressão que nos viriam engolir. E assim nunca fui de beira-mar ou praias, não só pelo marulhar constante, a inquietude das ondas, o vento, a areia, mas ainda e sobretudo pelo espectáculo da humanidade em pêlo.
É grande o respeito que me merece o semelhante, e desde há vidas considero o vestuário um dos atributos que muito tem contribuído para a harmonia da sociedade e a paz dos olhares. Daí que a praia se me afigure a versão moderna de uma Cour des Miracles medieval. Os corpos que não ferem os olhos ou os alegram, são gota de água naquele Oceano Pacífico da exposição praticamente nua de adiposidades, fealdades e porcalhice, de modo que uma passagem pela praia – as minhas são poucas, em maioria por razões de ofício ou obrigado pela companhia – tem consequências graves para o sossego da alma, o sono da noite, o respeito que devo ao próximo.
Nessas ocasiões, involuntariamente obrigado a presenciar, incomoda-me a passividade daquela massa de gente que, espichada ao sol, involuntariamente provoca a imaginação de horrendas cópulas, hábitos vis, atitudes indecentes, satisfações alvares, traques e arrotos. 
Para paz de espírito e sossego com o semelhante, dêem-me a rua e a roupa."


J. Rentes de Carvalho, in blogue Tempo Contado, 16 Junho 2024.

https://tempocontado.blogspot.com/2024/06/traques-e-arrotos.html

10 junho 2024

perigos avulsos

Aqui há dias, estando eu a acompanhar alunos em trabalho de campo, desloquei-me a Vilar de Andorinho, onde uma equipa de catorze alunos se encontrava. Ao atravessar uma passadeira, bem no centro da localidade, e depois de ter verificado que não se aproximava nenhum veículo, sou surpreendido por uma longa buzinadela, de alguém que se aproximava do meu lado direito a grande velocidade. Quando levanto o olhar é uma trotinete eléctrica que passa por mim a grande velocidade, sem sequer esboçar qualquer travagem. Há medida que se afastava, eu gritei e repeti que estava na passadeira. O indivíduo (jovem adulto) não terá gostado do meu reparo e, afastado cerca de 100 a 200 metros, trava a fundo, atira a trotinete para o meio da rua e vem na minha direcção, vociferando ameaças e impropérios. Eu acabei de atravessar a rua e fiquei imóvel à espera dele, repetindo sempre que estava numa passadeira. Ele quando chega a quatro ou cinco metros de distância detém o passo e fica como que a medir-me. Eu mantive-me quieto e sem tirar os olhos do palerma, repeti o meu argumento. Ele, depois de me ameaçar com umas lambadas ou algo do género, vira-me as costas e vai à vida dele.
Moral da história: será sempre melhor ignorar estes e outros inaptos sociais, pois as consequências serão sempre imprevisíveis. Há muito que eu sei isto e normalmente até sou tranquilo e nada conflituoso no trânsito e fora dele. Aconteceu e serviu de alerta.

(escrito a 1 de Junho de 2024)

Sérgio Conceição


Eu sempre tive uma predilecção por jogadores raçudos e que, independentemente do seu clubismo, dão o corpo e alma durante os jogos. Aqueles que sofrem com as derrotas e vibram com os sucessos e vitórias das suas equipas. O Sérgio Conceição sempre foi assim: enquanto jogador deixava tudo no campo e enquanto treinador só não conseguiu entrar no campo e dar aquilo - lutar, marcar, sofrer - que ainda saberia dar pela sua equipa.
Para o meu Porto eu quero sempre jogadores e treinadores assim. Independentemente daquilo que ganhou, ou não ganhou, sempre gostei do Sérgio Conceição como treinador do meu clube. Lamento, mas percebo a sua saída depois de sete anos de tremendas lutas e algumas vitórias. Ao contrário do que muitos "doutos" do futebol que por aí andam, para mim futebol não é razão, mas sim e sempre emoção. O Sérgio Conceição representa essa essência do futebol. Por mim, ele poderia ter continuado como treinador do Futebol Clube do Porto, mas também poderia vir a ser o que ele entendesse dentro do clube. Por mim e para ele haverá sempre lugar. Obrigado Sérgio Conceição.

(escrito a 31 de Maio de 2024)

31 maio 2024

vintage


Passo todos os dias e várias vezes ao dia por esta montra. É no centro de Valadares e tem este aspecto, sei lá, há cinquenta anos?! Olho sempre para ela e os seus elementos são sempre os mesmos. Já não existem lugares assim e, fazendo uma leitura semiótica daquilo que a constitui, na verdade, apenas se vendem "grilos cantadores" e as suas gaiolas, o resto parece decoração. Não sei quanto mais tempo esta montra irá existir, mas é um regalo para os meus olhos e um aditivo de nostalgia da minha infância, em que também eu quis comprar gaiolas de grilos, apanhava-os nos campos e alimentava-os com folhas de alface.

26 maio 2024

na UNICEPE, alguns momentos











novo livro, velho projecto


Foi ontem, Sábado, dia 25 de Maio, apresentado pela primeira vez o meu trabalho sobre as nomeadas colectivas. Sala da livraria UNICEPE, no Porto, cheia de amigos e conhecidos para partilharem comigo este momento. Obrigado a todos.

17 maio 2024

ao espelho


Painel do último debate da revista Ecossocialismo, dia 15 de Maio, no Gato Vádio: Luís Vale, Wladimir Brito, Marcel Borges e Lurdes Gomes.

13 maio 2024

07 maio 2024

leve, relaxado e rejuvenescido

É assim que me sinto há meia-dúzia de dias. Consultei um novo reumatologista e foi-me prescrito um medicamento diferente. Logo a partir da primeira toma senti a sua acção. Que maravilha, acordar de manhã, sair da cama e quase não sentir o corpo. Sair da cama sem ter dores e sem me sentir derrotado. Com capacidade de movimentos nas articulações, até sinto que rejuvenesci uns anitos e, apesar da dor crónica permanecer, estou mais leve e solto para movimentos que até aqui não me eram possíveis. Bendita droga.

a LER desta Primavera

Laurent Sakura


Em breve, dia 16 de Maio, estará disponível o segundo álbum de Laurent Sakura. Serenety traz-nos mais 8 temas [1.⁠ ⁠Hope, 2.⁠ ⁠Alright, 3.⁠ ⁠Anne Frank's Lullaby, 4.⁠ ⁠Someplace, 5.⁠ ⁠Home, 6.⁠ ⁠In your eyes, 7.⁠ ⁠Close to you, 8.⁠ ⁠Walk with me] deste novo interprete. Ainda desconhecido de muitos, tem-se vindo a afirmar na cena internacional dos ambientes do Neo Clássico. Já tive a oportunidade e o privilégio de ouvir Serenety e gostei muito, o seu piano Felt é excelente companhia para horas de trabalho, seja leitura ou escrita, e também para nos embalar quilómetros nas estradas. Sequência clara de Whispering Keys, o seu anterior trabalho, Serenety, tal como o próprio nome indica, traz-nos tranquilidade, paz e aconchego.
Na impossibilidade (desconhecimento técnico) de como partilhar aqui um ou outro tema, deixo-vos o atalho para o primeiro álbum.

casa do artista amador


Que agradável surpresa. Convidado (desafiado), no próprio dia, para assistir a um concerto de música dos Silly Boy Blue, em Louro, Vila Nova de Famalicão, foi com espanto que descobri a Casa do Artista Amador, instalada numa antiga escola primária, entretanto desactivada. Não conhecia, nem conheço, nada mais sobre este espaço, sua programação e actividades, não conheço ninguém de Louro ou responsáveis pelo espaço, mas adorei a ideia, a reconversão do espaço e a possibilidade de haver uma programação cultural variada e assídua ao serviço desta comunidade. Aqui está um belo exemplo daquilo que deveria existir por todo o território, principalmente nas comunidades mais afastadas dos grandes centros urbanos e dos grandes eventos. Tal como aqui, espaços onde "o palco possa ser de todos".

01 maio 2024

25 abril 2024

a nossa liberdade

[cartaz feito pela minha filha e que vai levar consigo, hoje à tarde, para as ruas de Lisboa]

Não há como não registar o dia de hoje. Cinquenta anos passaram desde esse primeiro dia do resto das nossas vidas. O 25 de Abril de 1974 é, sem qualquer hesitação ou contestação, o dia mais importante da nossa existência enquanto comunidade ou sociedade, só que, passados todos estes anos, e à medida que o tempo vai passando, importa não deixar esquecer e continuar a assinalar, a relembrar e a celebrar. Os perigos e as ameaças serão crescentes. Logo, ocupemos as ruas das cidades. Eu, nós, vamos caminhar e celebrar nas ruas do Porto.

16 abril 2024

catraio maravilhado

"A senhora Gordon [Kim Gordon] está com 70 anos de idade, este mês de Abril, a 28, fará 71. Quando, com 16 anos, comecei a ouvir a sua música e me convenci de descobrir a melhor banda do mundo, pensei que uma avó nunca suportaria aquilo. O cansaço da vida, o desgosto de já se ter perdido gente, a dificuldade maior do corpo, tudo me parecia contribuir para não se resistir à intensidade de um som assim. Hoje, tanto tempo depois, a maravilha está em entender que a própria avó não só suporta um som assim como subiu o volume. O que me traz a impressão de que, afinal, a ordem está mantida, posso seguir sentindo que sou um catraio a curtir a maravilha que fazem aqueles que já são adultos. Isso conforta-me. Dá-me a esperança de ainda estarmos a seguir alguém."
Valter Hugo Mãe, in jornal de Letras nº 1396, Abril 2024.

05 abril 2024

descomplicar

"A única coisa que sei fazer é pôr as coisas por escrito para as compreender. Se não puser uma coisa por escrito, não a compreendo. Não a compreendo. Não a vivo. E não consigo. Não posso. É demasiado complicado."
Karina Sainz Borgo, in revista LER Inverno 2023 (nº 169)

03 abril 2024

há a vida

"O mais célebre talvez seja o de Octavio Paz: 'Os grandes poetas não têm biografia, têm destino'. É bonito, mas é uma treta. O destino, se é que há destino, está dentro da biografia. E dentro desta a escrita. Por causa desta frase de Octavio Paz, disse uma vez, numa entrevista, que era 'um poeta com biografia a mais'. Outra treta. Não há biografia a mais nem a menos. Há a vida. Que por vezes ultrapassa a ficção. Assim são todos os livros. Linguagem de linguagem. Ficção de ficção. Além da vida. E quase sempre aquém. Palavras de puro nada a puxarem umas pelas outras, sem factos, sem memórias, apenas elas, palavras, puro nada.Talvez só assim fosse possível contar a vida."
Manuel Alegre, in jornal de Letras nº 1395, Março 2024.

02 abril 2024

outra vez, sempre, Atenas


Passados dezoito anos regresso ao berço da nossa civilização. A primeira vez que aqui estive, sem nunca ter previsto cá vir, vim sozinho e foi uma surpreendente e agradável surpresa. Sempre disse que gostaria de voltar. Assim foi, ainda que desta vez seja uma visita muito breve. Terei o dia de amanhã para tentar ir lá cima e visitar a Acrópole. Gosto verdadeiramente de Atenas, pelo menos desta Atenas - arqueológica, gastronómica e da Plaka. Espero e quero cá voltar mais vezes.

31 março 2024

o chapéu: a catarse

Por ter uma cabeça descomunalmente grande e para grande tristeza minha, nunca pude ser um usador de chapéus, boinas e outros acessórios para a cabeça. Sim, há sempre a possibilidade de usar gorros, mas curiosamente nunca lhes achei piada, nem gosto de os usar, apesar de muitas vezes o fazer por verdadeira necessidade física.
Pois bem, eu tenho um chapéu, quero dizer, eu tinha um chapéu, um único chapéu e acabei de ficar sem ele. Não sei quantos anos o tive e usei, mas sei que já o tinha há mais de vinte e cinco anos. E sei porque tenho fotografias com ele na cabeça e ainda não era casado. Faz precisamente hoje vinte e cinco anos que casei e foi hoje também o dia em que o perdi. Irreparável dano.

from the army

[ Dialogue in English with the restaurant owner, in the middle of the meal, yesterday, March, 30th, in Fira ]

"- Sir, is everything all right here?
- Yes, everything is fine, thank you.
- Sorry, can I ask you where you come from?
- We come from Portugal.
- From Portugal?! Ok, very well. And may I ask you what you do for a living?
- I'm an anthropologist.
- Anthropologist?! Ok, I thought it was something else...
- Yes? What did you think?
- Well, You are very serious. In a good way, of course. I thought it was something in the army, but I was wrong. Sorry.
- Yes, completely. I never belonged and have always been very far from this universe.
- Sorry for the abuse.
- No problem."

---- tradução ----

[ diálogo em inglês com o dono de restaurante, a meio da refeição, ontem, 30 de Março, em Fira ]

"- Senhor, está tudo bem aqui?
- Sim, obrigado.
- Desculpe, posso perguntar-lhe de onde vêem?
- De Portugal.
- Ok. muito bem. E posso perguntar-lhe o que faz na vida?
- Sou antropólogo.
- Antropólogo!? Ok. Pensei que fosse outra coisa...
- Sim? O que pensou?
- Bem, o senhor é muito sério. No bom sentido, claro. Pensei que fosse algo nas forças armadas, mas enganei-me.
- Sim, completamente. Nunca pertenci e sempre estive muito longe desse universo.
- Desculpe o abuso.
- Não tem problema."

29 março 2024

voar

A ansiedade em que tenho vivido nestes últimos dias é devida, tenho a certeza, ao facto de saber que hoje irei viajar de avião. Há catorze anos que não o faço e permanece para mim como uma aventura desnecessária. Tremendo receio e desconforto em tirar os pés do chão. Mas vou.

20 março 2024

a casa do fogo e a fidalga


Ganhou contornos de lenda, ou pelo menos de estória fantasiada, mas que faz parte da memória familiar e até da comunidade local e que tenderá a desaparecer com o tempo e com a renovação das gerações, o que me leva a querer registar. É a história de Maria Ricardina Fernandes, minha tia-bisavó, natural de Vilarinho do Monte - Macedo de Cavaleiros, que casou em Vila Boa, no dia 7 de Julho de 1890, com João Manuel Fernandes do Vale, filho primeiro de José Marcelino Fernandes do Vale e de Maria Joaquina Pires Pousa. O casal, João Manuel e Maria Ricardina, ficou a viver em Vila Boa e tiveram três filhos. Consta que a Maria Ricardina, ainda com os filhos pequenos, ficou doente e muito tempo entrevada, confinada num quarto da casa e necessitando de muita assistência e cuidados, o que lhe valeu a nomeada de "fidalga". Pois bem, um dia deu-se um incêndio nessa casa que provocou a explosão de várias vasilhas de azeite, o que assustou de tal forma a "fidalga" que, sem qualquer ajuda, conseguiu fugir das labaredas e pôr-se a salvo na rua. Essa parte da casa ficou até hoje conhecida como a casa do fogo e a "fidalga" morreu não muito tempo depois (ainda no século XIX). O viúvo, João Manuel, com o desgosto da morte da mulher, ficou muito deprimido e recusava-se a aceitar o seu destino, não queria saber da vida, passava o tempo na cama e nem queria comer. Valeu-lhe o conforto e consolo de uma criada que tinha a seu serviço e para cuidar das crianças. O consolo foi tanto que um dia a criada apareceu grávida. A este propósito, muito mais tarde, um neto do João Manuel comentou: "a criada tanto insistiu... coma Sr. João, coma Sr. João... que ele comeu-a mesmo...". A verdade é que, por pressão familiar, principalmente do seu irmão António que era padre, o João Manuel casou em segundas núpcias com essa criada, de seu nome Benigma Ramos, natural de Alimonde, mas o ambiente ter-lhe-á sido tão hostil em Vila Boa que foi com a família, primeiro para Vilarinho do Monte, terra da primeira mulher e onde não terá sido bem recebido e, depois, para Nuzedo de Baixo. Certo é que nunca mais terá regressado a Vila Boa. Deste seu segundo casamento o João Manuel teve mais sete filhos. A casa do fogo manteve-se sempre na família e actualmente, desde há cerca de uma década, é propriedade do meu irmão Daniel, que comprou as sortes dos vários herdeiros.

(adaptação de um pequeno texto escrito e dactilografado pelo meu pai sobre a vida do seu tio-avô João Manuel Fernandes do Vale. Texto que me entregou em Janeiro de 2024)

19 março 2024

que eu fosse

"E agora, chegado quase ao fim da vida, o futuro que eu fosse já está quase todo consumido no passado".
Helder Macedo, in Jornal de Letras nº 1394, Março 2024.

18 março 2024

15 março 2024

Cara de Espelho


Amanhã, dia 16 de Março, na Casa da Música. Novo projecto nacional e é com enorme expectativa que vou assistir a este concerto.

faculdade inventar

"Tal como os surrealistas tantas vezes defenderam: é necessário ser cego para imaginar, é necessário impedir o aparecimento de imagens exteriores, reais, para que o delírio, a alucinação e o imaginário surjam com força, não do exterior, mas da parte mais interior da cabeça, daquela parte humana que pode inventar."
Gonçalo M. Tavares, in Jornal de Letras nº 1394, Março 2024.

13 março 2024

grisalho

Não restam dúvidas, faço já parte do crescente batalhão de grisalhos. Não que seja uma novidade, ou que hoje tenha acordado e ao ver-me reflectido no espelho isso tenha acontecido. Não, já há algum tempo que efectivei nesse contingente, mas esta mescla de tonalidades deixa-me perfeitamente pardo.

vamos LER

08 março 2024

mulher

"A mulher que se diz no singular refere-se a um destino que é sempre no plural".
Maria de Lurdes Pintasilgo

01 março 2024

(des)campanha eleitoral

Quando está a chegar ao fim a primeira semana da campanha eleitoral para as eleições legislativas de 10 de Março, permaneço ausente e sem qualquer contacto com o seu quotidiano, os seus casos, os seus protagonistas. Aquilo que vou apanhando é a espuma dos dias e aquilo que me chega por vias travessas... já ouvi falar das cuecas nacionalistas do André Ventura, da cabeça verde do Luís Montenegro, da Avó, do pai e do Piriquito da Mariana Mortágua, do garanhão Gonçalo da Câmara Pereira e pouco mais. Manter-me-ei afastado, ausente e desconhecedor. É também uma questão de preservação da minha sanidade. Tenho sido contactado para participar nas iniciativas do Bloco, mas não o irei fazer por discordâncias severas nos processos de democracia interna e nas escolhas dos candidatos. Em todo o caso, a percepção que tenho da aceitação e empatia do BE junto das populações não é a melhor e desconfio que se avizinha mais uma derrota eleitoral. Veremos.

29 fevereiro 2024

condenados à sobrevivência

Ontem, dia 28 de Fevereiro, pelas 18 horas, na livraria Gato Vadio, no Porto.

(Mário Tomé, Alcídio Torres e Luís Vale)

(a minha intervenção)

O livro que nos chega agora às mãos é, tal como o seu autor refere logo na introdução da obra, uma veemente denúncia do modo de produção capitalista e da sua avidez, sem olhar a meios, pelo lucro... nas palavras de Alcídio, “um libelo acusatório”.
Mas só à medida que vamos lendo este trabalho e conhecendo a amplitude, a abrangência e a densidade das consequências da precariedade do trabalho na vida dos trabalhadores é que percepcionamos e alcançamos a razão de o autor utilizar o qualificativo da veemência. Estamos, de facto, perante um trabalho aturado e apurado de desconstrução das narrativas hegemónicas da nossa contemporaneidade.
Bem, mas antes de mais...
Agradecendo o convite para aqui estar e me pronunciar sobre este livro, importa desde já fazer a minha declaração de interesses, isto para evitar qualquer mal entendido, ou qualquer incompreensão daquilo que vier a dizer. Este trabalho é, sem dúvida, de cariz social e aí sinto-me confortável; depois, naquilo que é a sua mais que declarada perspectiva marxista, também não me causa qualquer desconforto, mas sendo também um texto em que a economia e a finança são o fio condutor, não só da narrativa, como também das inúmeras etnografias – casos, dados, estatística, projecções, estimativas e afins – devo admitir a minha manifesta incompetência técnica e o meu ontogénico desinteresse por aquilo que, para mim, permanecerão ad eternum ocultas ciências e insondáveis saberes. Claro que a minha sensibilidade, a minha consciência e interesses cidadãos permitem-me perceber a sua relevância social e, assim, outorgar-me vir aqui pronunciar-me sobre tais matérias.
Dito isto...
Numa conferência dada em 22 de Fevereiro de 1969, no Collége de France, Michel Foucault reflectia sobre a questão: “O que é um autor?”, afirmando que este não está morto, constrói-se enquanto tal, enquanto persona, sujeito vivo que está constantemente presente através dos processos objectivos de subjectivação que o constituem e dos dispositivos que o captam e inscrevem nos mecanismos de poder. Alcídio Torres, enquanto autor, partilha de forma assertiva e sem contemplações ou hesitações, a sua visão do mundo, o seu lugar de fala e, tal como eu e, provavelmente, muitos dos aqui presentes, a sua ambição por uma outra existência para a condição humana, que obrigatoriamente se traduziria num mundo mais livre, mais justo e menos desigual. Enfim, num mundo em que se viveria e não se sobreviveria.
Mas olhemos com mais atenção para “Condenados à sobrevivência”. É, nos dias de hoje, um documento importante, pertinente e até seminal, pois não só permitirá conhecer em detalhes muitos aspectos que até agora eram desconhecidos da maioria dos cidadãos, ou então estavam disseminados espacial e temporalmente por diferentes e variados suportes e publicações, o que dificultava a sua leitura e interpretação. Uma das mais-valias e grandes méritos desta obra é esse esforço de reunião de informações, dados, factos e diferentes perspectivas sobre o neoliberalismo, sua história e suas características. Constitui-se ainda como fecunda fonte de informações e conhecimentos para posteriores estudos ou investigações.
Ao longo dos dez capítulos que compreendem esta obra, encontramos um mundo em acelerada transformação e percebemos as metamorfoses que o capital fez ao longo da sua história e, nesta última roupagem do neoliberalismo, vai realizando, sempre com o fito de não perder um centímetro do seu espaço e, se possível, até alargá-lo, que é como quem diz, não só não perder um cêntimo do seu lucro, como sempre que possível maximizar esse seu proveito.
Para uma leitura e compreensão mais eficazes, o autor socorre-se de uma panóplia daquilo que, por (de)formação académica, denomino de etnografias. Aqui, impressiona o conhecimento, a memória e os recursos de pesquisa a que Alcídio Torres se socorre, pois ao referir-se aos diferentes temas ou assuntos, ao longo de todo o texto, ilustra com factos e acontecimentos de geografias variadas e diacronicamente diversos, o que lhe permite, não só ter uma visão geral/macro, como incorporar cada etnografia nessa dimensão mais holística, como ainda apresentar os contraditórios que considera úteis e necessários para sustentar a sua perspectiva ou opinião.
Relembrando, uma vez mais, a minha iliteracia económica e financeira, em vez de debater dialeticamente, anuindo ou contrariando o autor, considero mais seguro e até mais interessante para quem me possa estar a ouvir (ler), referir-me a algumas dimensões da nossa existência a que a leitura deste livro me remeteu.
a) O neoliberalismo – altar sagrado do capitalismo contemporâneo, acessível apenas aos Super-Homens, aqueles que, nas palavras de Nietzshe, “realizam conscientemente a religião capitalista”, ou ao “bando soberano” da parábola Kafkiana. Um modelo sagrado de exercício de poder, que no seu radicalismo se propõe criar um “absolutamente improfanável” (Agamben, 2006) para o comum “Homem-Massa”, conceito criado por Ortega Y Gasset na sua reflexão sobre a “Rebelião de Massas” e o poder do anonimato, referindo-se ao “Homem-Massa” como alguém que em civismo deixava muito a desejar. Pois bem, o verbo necessário é então “profanar”, desactivar esses dispositivos de poder e restituir ao uso comum todos os espaços, todos os lugares e todos os tempos;
b) O Estado de Excepção – em que vivemos é agora, e desde há algum tempo, a regra permanente, que coacta ou elimina, de forma temporária, mas preferencialmente em definitivo, os direitos e a dignidade política aos cidadãos. É um tempo e espaço de anomia (suspensão ou fim da ordem social), ideal para a imposição das vontades e interesses dos mais fortes...;
c) A Persona – através da qual o indivíduo adquire um papel e uma identidade social, ou seja, uma capacidade jurídica e a dignidade política do homem livre (Agamben, 2010). Não esquecer que a luta pelo reconhecimento é uma luta por uma Persona, pois só existo se a “Grande Máquina me reconhece” no desempenho dos meus papeis sociais (Goffman, 1973);
d) A Biopolítica – implicação crescente da vida natural (biológica) do homem nos mecanismos e nos cálculos do poder (Foucault). Num mundo global, profundamente desigual, onde o Norte Global, paternalista, hipócrita, oportunista e usurpador, teima em perpetuar as dinâmicas e as narrativas de controlo e poder sobre o Sul Global, nunca como nas últimas décadas assistimos a tantas calamidades e catástrofes naturais e humanitárias, que, para além de toda a miséria, dor e morte, provocaram a deslocação de massas, milhões de seres humanos numa fuga e busca por uma condição de vida minimamente digna. Essa massa de indivíduos – refugiados, deslocados, apátridas, prisioneiros, migrantes religiosos e económicos – habitam uma terra de ninguém, sem lei nem roque, e sem qualquer cobertura do direito internacional. Nunca como na nossa contemporaneidade, os indivíduos foram tão despidos da sua condição humana e, reduzidos à sua vida nua, habitam uma zona indeterminada, um limbo existêncial;
e) Objectivação Participante – conceito de Pierre Bourdieu (2011), no seu trabalho sobre o Poder Simbólico, que se refere à implicação sobre um objecto de estudo muito particular, neste caso, a condição da precariedade do proletariado mundial, universo no qual se encontram alguns dos mais poderosos determinantes sociais da história das sociedades modernas e dos indivíduos que as constituem. Fala-se, entre outros, do sistema simbólico de poder, que é intrinsecamente hierarquizante, criando categorias de percepção de distinção social;
f) Determinismo Social - poderemos também ficar com uma ideia de que afinal estamos sujeitos, enquanto espécie, enquanto seres humanos e, depois, enquanto cidadãos e trabalhadores, a uma espécie de determinismo social, como que condenados a um destino sobre o qual não temos qualquer poder de influência ou decisão. Estamos presos espacial e temporalmente a um determinado contexto social e cultural, do qual não nos conseguimos livrar. O próprio Marx, numa das citações aqui presentes, se refere a algo deste género, quando afirma: “Os homens não são livres para escolher as suas forças produtivas, pois estas são adquiridas , produtos de uma actividade anterior.” E ainda: “O facto de cada geração posterior se deparar com forças produtivas adquiridas pela geração precedente [...] cria na história dos homens uma conexão, cria uma história da humanidade”.
Ainda uma última nota para os três documentos que são partilhados em anexos. Heterogéneos no formato, no propósito e até na idade, todos eles contribuem informando e complementando a essência do texto e, julgo eu, do pensamento do autor. No anexo um, a entrevista de Julian Assange, em 2014, pelo jornalista Eric Schmidt, é um excelente testemunho acerca da hegemonia tecnologia e digital e do seu poder simbólico e efectivo sobre a informação, a formação e até a condução e doutrinação das massas anónimas, nas diferentes dimensões da sua existência social. É também um alerta para os reais perigos e ameaças destes poderes desmaterializados e despersonificados sobre as liberdades de pensamento, de expressão, de denuncia e de contraditório. Mas é também uma landmark de esperança para um futuro mais transparente, mas consciente e mais livre, no qual se ambiciona que a evolução tecnológica permaneça como resultado ou consequência dos valores humanos então existentes e mais ou menos consensualizados, e não o seu contrário, ou seja, que o futuro da humanidade seja determinado pela evolução tecnológica.
O anexo dois é um relatório resultado de um estudo do governo chinês sobre as hegemonias ocidentais e, em particular, as dos EUA. Esse documento refere-se a cinco hegemonias: a política, a militar, a económica, a tecnológica e a cultural, o que resulta ainda num predomínio efectivo na geo-política à escala global dos EUA. Será este o diagnóstico que importará à China combater e, de alguma forma, tentar relativizar e equilibrar a influência e o estabelecimento de políticas que defendam os seus interesses no xadrez das relações e da diplomacia internacionais. 
No anexo três podemos encontrar um trabalho teórico de Andrés Piqueras, no qual sistematiza a sua perspectiva de análise sobre a actualidade do capitalismo neoliberal à escala global em vinte pontos estruturantes. Aqui podemos encontrar o poder hegemónico do paradigma capitalista, que ainda que possa estar em crise, mantém-se como o grande sistema ideológico e político na organização dos Estados e das sociedades humanas.
Tão longe já de Abril e tão perto da sua quinquagésima celebração, importa não esquecer que a democracia não é, nem nunca será um destino, é e será sempre uma viagem, um processo em construção, um compromisso. E mentem aqueles que afirmam que os ideais de Abril estão já alcançados e cumpridos. Não, não estão.
Caro Alcídio, termino regressando e parafraseando Michel Foucault (1997: 8):
“Eu teria gostado que existisse por trás de mim (tendo tomado a palavra há muito tempo) uma voz que dissesse: - É preciso continuar, eu não posso continuar, é preciso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as houver, é preciso dizê-las até que elas [nos] encontrem, até que elas [nos] digam.”
Parabéns Alcídio e muito obrigado pelo teu trabalho e dedicação.