04 fevereiro 2025

magnífico locus etnográfico


Não é novidade, nem surpresa. É algo sabido, previsível e até expectável, mas resulta sempre em algo novo, singular e peculiar.Vir a uma repartição pública, em especial à Segurança Social, logo pela manhã é uma experiência pela qual todo o cidadão deveria ser obrigado a passar. Eu, nestes meses entre Dezembro e Fevereiro, conto já cinco visitas e em todas elas fui obrigado a esperar mais de duas horas para ser atendido (hoje já estou à espera há cerca de uma hora e meia e ainda tenho 22 pessoas à minha frente), mas eu sou paciente e consigo, de alguma forma, transformar em útil e rentável este tempo "morto". Entre leituras, sublinhados e comentários, pequenas notas e apontamentos, o que mais gosto é estar atento à polifonia, nalguns momentos caótica, que existe sempre, como que uma música de fundo que não nos deixa dormir ou abstrair deste lugar, protagonizada muitas vezes por personagens caricaturais.
Hoje fui arrancado da leitura do jornal diário por uma voz grossa e estranha que, exaltada e proveniente das mesas de atendimento, se fez ouvir em todo o piso. Só pude ver o segurança a dirigir-se ao local e, a partir desse momento, uma discussão de tolos, entre alguém a falar numa língua estranha entremeada com algumas palavras em português e alguém a tentar acalmar a situação. Passados não mais de 10 minutos aparecem na sala de espera dois polícias acompanhados por um indivíduo que, pela aparência, terá proveniência, como agora se diz, no Indostão. Os polícias interrogavam-no, pediam identificação, documentos e ele, evasivo, não apresentava nada, apenas mexia no telemóvel querendo mostrar algo, pelos vistos sem qualquer interesse para a autoridade, que insistia em pedir-lhe identificação do país de origem (depois acabou por dizer que era indiano), e o papel da residência temporária. Não mostrou nada, nem houve sequer uma comunicação mínima entre eles. Os polícias, já fartos, pediram-lhe para os acompanhar para a rua e levaram-no não sei para onde.
Conto este episódio, porque este incidente foi motivo, de imediato, para uma intensa e animada discussão, em voz alta, entre alguns dos mais de quarenta utentes que, tal como eu, aguardavam na sala de espera a sua vez. Infelizmente, não registei a conversa e apenas me esforcei por reter aquilo que mais gostei.

Senhora A (meia-idade, diria eu com sessenta e poucos anos, que passou o tempo para trás e para a frente, a fazer e a receber chamadas, muito ocupada, com certeza): 
"- isto é uma pouca-vergonha! Vem esta gente de fora e chegam cá e têm tudo. Trabalho, casa, dinheiro, subsídios... e depois ninguém os consegue tirar de cá!"

[ fez-se silêncio na sala, algumas pessoas acenaram positivamente com a cabeça, outras assobiaram para o lado e eu, eu hesitei em pegar ou no telemóvel, ou no caderno, mas este dava muito nas vistas e com o telemóvel, seria só mais um... comecei a escrever estas linhas ]

Senhora A:
"- e digo-lhe mais (já a dirigir-se para uma outra senhora que lhe tinha dado atenção com a expressão corporal), dão tudo a essa gente que vem de fora, muitos deles nem querem trabalhar, e nós, e os nossos, não temos direito a nada."

[ mais silêncio e mais concordância ]

Senhora A:
"- Mas eu não tenho nada contra pessoas que venham para cá, coitados, para viver melhor, mas olhe... eu, se depender de mim, voto no Chega e no André Ventura que, vocês vão ver, manda logo esta escumalha para a sua terra. Acaba logo com esta pouca-vergonha."

[ aqui o silêncio incómodo transformou-se numa indignada e caótica altercação entre diferentes perspectivas sobre o assunto, com algumas vozes femininas e de travo exótico a insurgirem-se perante tais afirmações ]

Senhora B (jovem, negra, pelo timbre de origem africana, atrás de mim):
"- que conversa é essa?! Mas quem é que me manda embora?! Isto é seu? Isto é tanto seu como meu. Deixa de conversa!"

Senhora C (quase idosa, pelas vestes, cigana, que foi anuindo ao que a senhora A foi dizendo):
"- andam sempre atrás de nós, temos de andar sempre a correr para aqui e para ali, para conseguirmos aquilo que temos direito. Depois, chegam estes e não respeitam ninguém..."

Senhora D (jovem, negra, também de origem africana, que se levanta porque foi chamada, e ao passar pela senhora A, atira):
"- tu és muito inteligente caramba. Nunca vi ninguém como tu. Parabéns! Tem vergonha!..."

Senhor E (meia-idade, ou melhor, idade de reforma ou pré-reforma, baixa estatura, bigodaço russo, talvez pelo excesso do cigarro, e cara carcomida pelos consumos e pela vida, casaco de cabedal, brinco na orelha, cabelo raro escovado e molhado para trás - "cabelo à foda-se", portanto - que levantando-se e aproximando-se da senhora A, comenta):
"- não vale a pena... não são os portugueses, ou os chineses, ou os indianos, são alguns indianos, ou alguns chineses, ou alguns portugueses. A senhora não pode falar assim. Deixe lá essa merda."

[ enquanto estas falas aconteciam, várias outras pessoas entabularam conversas paralelas, o que fez vir o segurança espreitar e, sorrindo, pedir calma. Mas ninguém lhe ligou patavina e continuaram alegremente a desdizer-se, até que uma voz feminina, tranquila e com sabor do Brasil, sentada ao meu lado, disse: ]

"- Calma minha gente. Até Jesus emigrou!"

[ olhei de lado para ela e registei logo a frase, pois percebi de imediato o seu potencial para terminar este instante urbano ]

Post-Scriptum: são 11:15 horas, estou à espera há mais de duas horas para ser atendido e ainda tenho 10 pessoas à minha frente. Paciente e satisfeito pelo proveito da manhã, aguardarei a minha vez.

03 fevereiro 2025

espaço e coisas

Um dos dramas de muitos espécimes como eu é o espaço. Espaço que precisamos e não temos, não alcançamos e não conseguimos descobrir. No meu caso, não é de hoje, nem sequer de ontem, mas a situação tende a agravar-se e começa a ganhar dimensões inaceitáveis. Aquilo que seria suposto ser agradável e até uma decoração aceitável, transformou-se num tremendo amontoado de difícil gestão. Não tenho espaço suficiente para albergar tudo quanto tenho e, sabendo que vou continuar a ter mais, a situação será impossível. Há que encontrar uma solução antes que a casa, quase toda, se transforme num depósito de coisas minhas. Sem desespero, mas muito lá perto.

amor sem amor

Nas voltas da rotina matutina, ouço no noticiário que o presidente dos EUA pretende implementar taxas alfandegárias aos produtos oriundos da União Europeia, tal como já fez para produtos oriundos de outros países como a China, o Canadá ou o México. Pelos vistos isso é mau, mas para um leigo como eu, a coisa resolve-se parcialmente se a União Europeia fizer o mesmo, ou seja, agravem-se as taxas dos produtos importados dos EUA. Bem sei que quem se vai tramar é o "mexilhão", ou seja, o consumidor, mas para ímpetos amorosos como este, só com amor se deve retribuir.

01 fevereiro 2025

#02 NCR - "Neo Rurais"


Aí está o segundo episódio do podcast "Novas Conversas Rurais", gravado em Gondomar, com o Professor Paulo Castro Seixas. Conversa que partiu do conceito de "Neo-rurais" e alcançou várias dimensões das paisagens rurais actuais.

31 janeiro 2025

quinta conferência bienal internacional de antropologia do ambiente


Na sala Algarve, da Sociedade de Geografia de Lisboa, ao lado do gigante, meu homónimo, Luís Vaz de Camões.


A comunicação que apresentei com o meu irmão Ricardo, nesta conferência. O outro autor, o irmão Daniel, não conseguiu estar presente.


Os manos vieram à capital do Império...

30 janeiro 2025

29 janeiro 2025

carácter, deslumbramento ou ganância?

Devo começar por dizer o seguinte:
Conheço pessoalmente Hernâni Dias, o agora ex-Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território. Conheci-o algures durante a década de noventa, eu enquanto presidente de uma associação cultural aldeã do concelho de Vinhais, ele enquanto presidente da delegação regional do IPJ - Instituto Português da Juventude, em Bragança. Depois, mais tarde, entre 2005 e 2013, voltei a cruzar-me com ele nos meandros da actividade política no concelho de Bragança. Se a memória não me atraiçoa, entre 2005 e 2009, aquando do meu primeiro mandato na Assembleia Municipal de Bragança, ele era presidente da Junta de Freguesia da sua aldeia natal - Sendas (concelho de Bragança), e também chefe de gabinete do então presidente da Câmara Municipal, o Eng. Jorge Nunes. No meu segundo mandato, entre 2009 e 2013, ele foi Vereador do último executivo camarário de Jorge Nunes. Depois disso, ele foi o escolhido para candidato do PSD à Câmara Municipal e venceu as eleições de 2013 e aí permaneceu até um pouco antes de ter sido eleito deputado nas últimas eleições legislativas, em Março de 2024. Durante esse período, enquanto presidente da autarquia bragançana, e porque eu não fui mais eleito, pouco contacto tive com ele, mas sempre que nos encontrávamos saudávamo-nos cordialmente. Para além das discordâncias políticas, tenho Hernâni Dias como uma pessoa séria e competente.
Dito isto, esta sua demissão é inacreditável. Vou tentar apresentar aquilo que é a minha percepção desta situação e outras semelhantes. Começando por conceder ao Prof. Hernâni Dias toda a presunção de inocência, aquilo que tem vindo a público não abona muito a seu favor. Caramba, o que passará na cabeça de alguém que já tem poder, que fez um percurso político e uma ascensão rápida até este lugar executivo, que é inteligente e conhece a lei, sendo Secretário de Estado que tutela a Administração Local e o Ordenamento do Território e esteve envolvido na recente e polémica Lei dos Solos (Decreto-Lei 117/2024, de 30 de Dezembro), um dia acordar e pensar: - Vou montar um, talvez dois negócio(s) no ramo da imobiliária!
Sinto-me muito incomodado por situações como esta, e por constatar que ela é recorrente envolvendo pessoas que são oriundas de Trás-os-Montes. Claro que não poderei, nem deverei generalizar, nem será um fenómeno exclusivo desta região, mas não é a primeira, nem a segunda vez que isto acontece. O que se passa com esta gente?!... De repente, lembro-me dos casos de Carla Alves (PS) e Secretária de Estado por menos de 24 horas, de Armando Vara (PS) com inúmeros problemas com a justiça decorrentes da sua acção governativa, de Isaltino Morais (PSD), também condenado pela justiça, de Duarte Lima (PSD), envolvido em tanta porcaria e crimes que nem é bom lembrar, entre outros.
Tanta recorrência, leva-me a questionar: Será deslumbramento? Será ganância? Ou será mesmo uma questão de carácter?, mas leva-me também a concluir: Estes são os verdadeiros espécimes que representam o espertismo e o provincianismo que tanto grassa pelo país e suas instituições.
Onde há fumo, normalmente há fogo e, ao mesmo tempo, à mulher de César não basta sê-lo, tem que o parecer. Estes serão dois ditos que se encaixam nesta situação em que, no mínimo, a ética no desempenho das funções em questão não foi salvaguardada. Mais tarde saberemos da culpa ou inocência de Hernâni Dias, mas no entretanto a mancha já marcou e entranhou.

27 janeiro 2025

a travessia


Série que vai estrear hoje na RTP (a seguir ao telejornal), de seis episódios, e que contará a história da primeira travessia aérea atlântica de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, em 1922. Estou curioso, vou espreitar.

a preguiça

"A preguiça, aliás, é uma das soluções mais inteligentes que há: é uma tentativa de fazer o menos possível sem pôr em causa a nossa sobrevivência - ou mesmo a nossa qualidade de vida."
Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público, 27 Janeiro 2025.

24 janeiro 2025

maioridade

Assinalam-se hoje dezoito anos da criação deste meu recanto de escrita e pantomina. Não sei se estou de parabéns, mas sei que continua a fazer sentido regressar aqui e registar aquilo que me apetece. Por necessidade, por prazer e, por vezes, por imposições várias, vou aqui depositando tudo aquilo que, para mim, faz sentido e é merecedor. A jornada já vai longa, cada vez menos crítica ou reactiva e cada vez mais contemplativa e tranquila, mas nunca resignada, a intenção é permanecer e seguir viagem. Um obrigado àqueles, cada vez menos, que me visitam.

20 janeiro 2025

estertor, sempre e mais



Mais e mais centralismo. A sangria não estanca e isto só terminará quando já não houver vivalma nestas paisagens rurais e interiores do país. Triste, muito triste.

eu vou lá estar


Vou participar com uma comunicação em co-autoria com os meus irmãos, Daniel e Ricardo. Pela primeira vez e porque estamos atentos e preocupados com determinada realidade, decidimos participar num evento académico para partilhar e denunciar aquilo que está, neste momento, a acontecer e que não é mais do que o anúncio de um desastre ecológico e ambiental em potência. A nossa comunicação tem por título: "Extrativismo e resistências, imaginários e memória: estudo de caso de um desastre anunciado". Deixo o link para a página da Conferência: https://antropologiadoambiente.com/

humanidades canceladas

Neste último Sábado, Carlos Ceia, Professor Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, escreveu no jornal Público um texto importante sobre aquilo que ele considera ser a crescente perseguição e cancelamento institucional e político ao ensino das humanidades em Portugal. O paradigma vigente impõe e privilegia as áreas científicas ligadas ou relacionadas com o crescimento económico e isso traduz-se num reforço orçamental dessas áreas em detrimento das áreas das humanidades, deixando perceber que estas contam muito pouco nas urnas e que os "saberes" humanistas, naquilo que a "ciência pode trazer à formação cultural de cada cidadão" é cada vez mais negligenciado. Na verdade, esta situação não é propriamente uma novidade, pois ao longo das últimas décadas, ao olharmos para os currículos do ensinos secundários e superiores, temos vindo a verificar um desaparecimento dos conteúdos e das disciplinas das humanidades e das ciências sociais.
Na impossibilidade de transcrever para aqui todo o artigo, deixo dois parágrafos que, de alguma forma, traduzem a opinião do seu autor...

"A marginalização das humanidades comprometerá sempre as oportunidades trabalho interdisciplinar, que é essencial para enfrentar desafios sociais complexos. Não é possível compreender esses desafios sem as humanidades. Não será nunca possível compreender a raiz da maior parte dos problemas que tanto preocupam os políticos sem uma forte formação humanista. E nem sequer é possível compreender a importância de todas as ciências sem o pensamento humanista que as fundou.
Se querem mais pensamento crítico nas ciências, devem apostar numa maior consciência cultural e numa melhor capacidade para compreender aquilo que conseguimos fazer enquanto pensadores. Esta é a base de todas as ciências e as humanidades permitem que essa base comece a ser construída. Se as cancelarmos, se as asfixiarmos nas suas oportunidades de financiamento para que também possam produzir conhecimento novo, são todas as ciências que perdem e jamais poderemos ser o país desenvolvido que ambicionamos ser."

17 janeiro 2025

desagregação

Até que enfim!
A conhecida por "Lei Relvas" de 2013, vai ser hoje derrubada, exterminada, caducada, com a votação na Assembleia da República da desagregação de 135 uniões de freguesia, que resultarão em 302 novas (velhas) freguesias. Já nesse tempo, 2013, a percepção foi de que a maioria das populações não queria essa união e ela foi imposta por um poder, no mínimo, sem legitimidade para o fazer. Agora, e passados cerca de doze anos, finalmente, vai ser reposta uma realidade territorial que jamais deveria ter sido alterada. Dos 188 processos de pedido de desagregação, foram aceites 135 e serão estes os votados hoje - também aqui, pela expressividade do número de processos pedidos, se percebe a vontade popular e a impopularidade da referida lei de 2013. Claro que depois de hoje, a reversão da "Lei Relvas" continuará e nada impedirá essa pretensão das freguesias. Ainda que esta desagregação traga alguns problemas financeiros e, principalmente, logísticos, hoje será sempre um dia bom para a organização e estruturação do nosso território.

há muito desaparecido das livrarias


Leio no jornal Público de hoje, num texto assinado por Gonçalo Frota, que vai a (sub)-palco no Teatro São Luiz, o monólogo "Libertino", interpretado por André Louro e dirigido por António Olaio. Leitura do texto "O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor", escrito em 1961 por Luiz Pacheco. Nesta peça jornalística, para além da notícia deste monólogo, importa-me a constatação da relevância da escrita de Luiz Pacheco, "uma figura à margem", do seu "radical apego à verdade" e que, incompreensivelmente, está há muito desaparecido das livrarias, a não ser a preços especulativos em alfarrabistas, apesar da sua obra "perdurar e daqui a 200 anos será ainda actual".
Não posso ir ao São Luiz assistir, por isso espero e desejo que este monólogo possa viajar pelo país, pelo menos venha à Invicta, pois sou um admirador confesso do grande, do enorme Luiz Pacheco.

o melhor de? não me parece


Sou um leitor e admirador de Philip Roth e foi com surpresa que, em Dezembro, dei de caras com este livro à venda. Trouxe-o comigo e ontem foi o dia em que, num fôlego só, o li. O psicanalista paranóico da condição norte-americana e, principalmente, do devir judaico, mantém o seu registo e essência no universo e ambientes das suas ficções. Em todo o caso, agora que já o li, não percebo porque foi apresentado como "Escabroso, ousado e mordaz" (The Times) e "obscenamente chocante" (Harold Bloom, in The New York Times Book Review), quando na realidade nada de extraordinário é contado ou descrito e de orgias, pouco ou nada. Enfim, marketing editorial.

16 janeiro 2025

percepções

"Quando não há factos, o radicalismo populista encontra sempre forma alternativa de os substituir. Foi assim que entrámos no domínio da percepção, uma forma ardilosa de se alterar os mecanismos da discussão civilizada e construtiva, baseados na inteligência e da lucidez aplicada aos factos, para os enterrar nas meras indignações do dia tão típicas das redes sociais. Se não há um aumento de crimes provocados pelos imigrantes, pouco interessa, porque há sim, dizem os arautos da extrema-direita, a sensação de que eles existem."
Manuel Carvalho, in Jornal Público, 16 Janeiro 2025.

15 janeiro 2025

o que se quer é digitalizados

Mais do mesmo.
Até a Caixa Geral de Depósitos abandona o território nacional, nomeadamente as zonas interiores e as ilhas. Contudo, podemos ficar tranquilos porque o seu presidente, Paulo Macedo, garantiu que as seis dezenas de agências que deixarão de possibilitar depositar ou levantar dinheiro aos balcões, terão um funcionário que apoiará os clientes a lidar com as máquinas. Diz que não está a desistir dos territórios, mas sim, na sua missão pedagógica, "dar às pessoas a inclusão digital... o que se quer é que as pessoas se digitalizem", afirmou Paulo Macedo sem se rir.
O que é isso das "pessoas se digitalizarem? - Pergunto eu que, pelos vistos, sou digitalizado.

é como tapar buracos...


[ Hoje, no jornal Público ] 

quiosques

Sempre gostei de quiosques, sejam de rua ou em formato loja. Sei que neles há sempre alguma (muita) coisa com interesse e onde é um prazer gastar dinheiro. Aliás, seria um dos poucos negócios em que me imagino, quero dizer, logo depois de uma livraria (de fundos bibliográficos), seria num quiosque que eu arriscaria investir e onde eu, penso, não me importaria de estar e ficar.
Acontece que, para lamento meu, nos últimos tempos, temos vindo a assistir ao seu desaparecimento das paisagens urbanas e, principalmente, seus arrabaldes. Serão várias as razões para tal fenómeno, desde logo, a mais do que reconhecida quebra de vendas de jornais em formato papel, mas eu continuo a precisar deles na minha existência quotidiana e tem sido crescente a dificuldade de encontrar aquilo que procuro. Mais uma "arte" urbana em vias de extinção.

12 janeiro 2025

ao espelho (de outros)


Na página do meu Professor, orientador, Gonçalo Duro dos Santos. 

likes, views, follows, friends

Apesar de estar presente e existir nestes ambientes digitais e desmaterializados há cerca de duas décadas, é sempre um problema para mim quando me tentam alertar ou explicar para a importância do número de visualizações, de seguidores, de amigos, de gostos e o diabo a quatro, daquilo que publico online, pois serão sempre esses os critérios de qualidade e de sucesso do que aqui partilho.
Criei este blogue há quase vinte anos e nunca foi preocupação saber se alguém vem cá espreitar, ler-me ou até conhecer-me. Claro que gosto de ser lido, visto e ouvido, mas não é essa a razão que me faz publicar e criar conteúdos, nunca foi. Agora que inicio um novo projecto de comunicação, com o podcast "Novas Conversas Rurais", volto a ser assediado e confrontado pelo marketing digital com a inevitabilidade desses medidores de sucesso. Tudo bem, mas no fundo, no fundo, não me importam, irei continuar a produzir conteúdos porque quero, me dá prazer e porque me obriga a procurar e descobrir novas realidades e conhecimentos.

10 janeiro 2025

desconstruindo, desmantelando, desequilibrando, assim vamos

Nestes últimos dias instalou-se um debate público em Portugal a propósito de uma iniciativa legislativa deste governo. Trata-se de uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) que, a se efectivar, alterará por completo o território nacional. O Decreto-lei, já promulgado pelo Presidente da República, mas que será ainda levado ao Parlamento e entrará em vigor no final deste mês de Janeiro, permitirá que as câmaras municipais ou as assembleias municipais, que é como quem diz, os presidentes e executivos camarários reclassifiquem solos rústicos em solos urbanos e assim, possibilitarem a urbanização, a construção e a especulação imobiliária em territórios que até agora estavam protegidos dessas agressões.
Segundo o ministro Manuel Castro Almeida, a intenção do Governo é promover "uma mudança estrutural" ao "aumentar a oferta de terrenos para construir habitação como forma de baixar o preço das casas". Acontece que o problema da habitação é sentido, na sua esmagadora maioria, nos grandes centros urbanos e aí os solos rústicos são praticamente inexistentes. Portanto, não é verdade que a preocupação deste Governo, e com esta iniciativa, seja a habitação e sua oferta a custos controlados. E nos solos urbanos há tanta disponibilidade para construir e reconstruir, que não se percebe esta iniciativa legislativa, os seus propósitos ou sequer o seu interesse ou necessidade.
Até hoje, ou melhor, até este Decreto-lei, mesmo com um instrumento anteriormente criado de seu nome "simplex urbanístico" que permitia algumas excepções, não era possível edificar ou urbanizar em solos rústicos ou solos classificados como Reserva Ecológica (REN) ou Reserva Agrícola (RAN), mas ao alterar desta forma o Regime Jurídico e ao capacitar os municípios desse poder de reconversão dos solos, aquilo que o governo está a fazer, na verdade, é mais um ataque ao património natural protegido em benefício de uns quantos especuladores imobiliários, que não olharão a meios para atingir os seus inquestionáveis fins. Ao mesmo tempo, esta alteração não fará mais do que potenciar e até legitimar os esquemas do clientelismo e as promiscuidades entre o poder autárquico e o sector imobiliário. Escancara-se a porta de acesso para a avidez insaciável dos capitais aos solos e territórios que deveriam permanecer salvaguardados e imunes a essa voragem.
A percepção que fica e se instala é que para este governo não haverá limites para a desconstrução ou desmantelamento do Estado e do que é público. Mais um crime lesa-pátria que esta a ser "legalmente" cometido, mas pelo qual ninguém, jamais em tempo algum, será responsabilizado.
Senhores, não é por acaso que existe a classificação de "solo rústico" e este assim deve permanecer, pois é aí que os equilíbrios do território, do ambiente e da biodiversidade acontecem. Imperativo.

01 janeiro 2025

#01 NCR - "O Novo Rural"


O primeiro episódio do meu podcast. Todos os meses uma nova conversa sobre o que de novo tem acontecido nas paisagens rurais.
É com enorme prazer que vos apresento a minha mais recente aventura. Criei um podcast ao qual dei o nome de "Novas Conversas Rurais" e, com ele, pretendo viajar pelo universo rural português, em especial, o transmontano, conversar e reflectir sobre tudo aquilo que de novo tem acontecido nessas paisagens.
Este é o primeiro episódio mensal, ao qual se seguirão outros com outros convidados e temas diversificados. Sendo o primeiro episódio, num projecto pessoal e quase solitário, as falhas, problemas e falta de experiência, são por demais evidentes, pelo que solicito a vossa tolerância. O compromisso será melhorar nas próximas conversas.

29 dezembro 2024

por terras de Miranda


Hoje, numa maratona de ida e volta com mais de 500 quilómetros, fui a Genísio, Miranda do Douro, ao lançamento deste livro, de autoria do amigo Basileu Pires, natural dessa pequena aldeia do planalto mirandês, e no qual participei escrevendo o prefácio, texto ao qual dei o título de "construir comunidade". Cheguei a tempo de participar no almoço "de la Matância de l Cuchino", encontrei amigos de longa data que só a espaços encontro, participei no lançamento e fiz-me à estrada de regresso à Invicta. Para memória futura, fica esta selfie junto da fogueira que arde desde o Natal e vai assim permanecer até aos Reis, quando já estávamos de saída.

(Da esquerda para a direita) Luis Vale, Henrique Manuel Pereira, Carlos d'Abreu e Pe. Alfredo Soares

28 dezembro 2024

Palestina?

 

Este artigo encontrei-o no número actual do jornal de Letras. Por considerar que, não só está bem escrito, de forma clara e acessível, como é pedagógico na sua letra e finalidade. Ainda que possa ser considerada "apenas uma perspectiva sobre o assunto", parece-me bastante lúcido e equidistante de qualquer fundamentalismo ou favorecimento de qualquer parte envolvida no processo. Por isso o digitalizei (da forma possível...) e aqui partilho. Para ler e guardar.

27 dezembro 2024

disforia e avatar

"A mitologia irrealista que sempre tem alimentado as representações identitárias nacionais, celeremente se transferiu para outros horizontes externos, embora mais próximos. A nossa integração europeia foi feita soba mesma fantasia de excecionalidade, antes associada aos sonhos imperiais, revestindo agora a camisola do "bom aluno" europeu. O nosso "europeísmo" revelou um excesso de paixão e um défice de reflexão estratégica. Quisemos fazer parte do "pelotão da frente" do euro, sem discutir as regras do jogo.
E aqui nos encontramos, talvez no período mais crítico desde o Ultimato britânico (1890), em estado de permanentes espera e expectativa. Continuando sem incluir organicamente o nosso território como parte essencial dessa liberdade mínima, sem a qual um povo perde o direito a existir como realidade histórica.
Essa disforia nacional, em que a própria noção de identidade se dispersa para um exterior distante, agravou-se com a passagem hodierna a um processo de auto-identificação alucinadamente simbólico. A actual elite considera-se hoje forte por ter representantes em lugares chave das Nações Unidas ou da União Europeia, mas perante o perigo de uma guerra que poderá destruir existencialmentne o país, limita-se a seguir aquilo que as ordens alheias ditam, sem um pingo de hesitação e ainda menos de reflexão.
No passado, a nossa disporia era física e real. Durante mais de meio milénio lutámos por uma dimensão imperial, enfraquecendo, por vezes, a retaguarda. Hoje, a nossa disforia é da ordem da febre digital. Portugal transformou-se num avatar, que oferece descuidadamente o seu corpo físico às balas, ao serviço do crepuscular império dos outros."
Viriato Soromenho-Marques, in jornal de Letras nº 1414, Dezembro 2024.

20 dezembro 2024

novo desafio


É claro que é um desafio auto-imposto. Ninguém me obriga a ser idiota e andar sempre à procura de mais lenha para me chamuscar. Assim, assiná-lo aqui também o início, à data de ontem, 19 de Dezembro de 2024, das filmagens desta nova aventura pessoal. Criei um podcast ao qual dei o nome de "Novas Conversas Rurais", pretendendo que possa ser um espaço de conversa e reflexão sobre as alterações que as paisagens rurais têm sofrido nas últimas décadas. Os novos usos do e no rural, naquilo que são novos processos e rotinas, hábitos e consumos emergentes nesses territórios. Irei ao encontro daqueles que são os protagonistas e agentes dessa mudança na vida das comunidades, teórica e empiricamente perceptível.
Se tudo decorrer como previsto, a publicação nas plataformas habituais (YouTube, Facebook, etc.) do primeiro episódio, acontecerá no dia 1 de Janeiro de 2025 e à periodicidade de um episódio por mês.

16 dezembro 2024

pão

Posso começar por afirmar ou declarar que o pão foi, é e será o elemento mais elementar ou estrutural da dieta alimentar de qualquer povo, cultura ou comunidade. Bem sei que pode existir, num qualquer recanto deste mundo, alguma comunidade que não conheça pão, mas isso não diminui ou prejudica a minha afirmação.
Assim, eu me confesso: não existe nenhum outro alimento que me saiba tão bem como o pão. Pode ser pão e mais alguma coisa, mas também pode ser apenas pão. Sabe-me bem e sacia-me. Só que, para mal dos meus pecados, fui aconselhado a não o comer e ando, por estes dias, numa luta estapafúrdia para o evitar. Neste momento, só o abocanho ao pequeno-almoço: um molete fresco, ou torrado, com manteiga. Não sei quanto tempo aguentarei assim, pois apesar de teimoso, não há nada que saiba melhor e, de tão básico e simples que é o pão, é-me doloroso não o ingerir livremente, como sempre fiz.

primeira vez


Acabou de sair, pelo menos na sua versão desmaterializada, o novo número da revista Antropologia Portuguesa (nº 41), e nela, pela primeira vez, consta um texto meu. Ainda que sendo uma recensão a uma obra de Arjun Appadurai: Razão Agrícola à Sombra do Capitalismo de Subsistência - Uma Ontologia Rural da Índia Ocidental, publicado pela HAU Chicago, em Agosto de 2024, significou a minha primeira colaboração nesta revista.
Para quem possa estar interessado, deixo aqui o link para o pdf do meu texto
e o da revista completa

04 dezembro 2024

certezas necrológicas

Recordo o meu avô paterno, o avô João, a ler os jornais que lhe chegavam às mãos, trazidos pelos filhos, netos ou outros familiares. Com toda a calma e soletrando baixinho todas combinações frásicas, ele que apesar de quase analfabeto, sabia ler, devorava qualquer papel que encontrasse lá por casa. Se não fosse um jornal, poderia ser uma bula de um qualquer remédio, mas aquilo que mais o detinha eram secções de necrologia dos jornais e convém relembrar que, naquele tempo e ao contrário de hoje, essas secções ocupavam mais espaço e muita tinta.
Hoje, nas deambulações quotidianas, apercebi-me de um ajuntamento, talvez de três ou quatro senhoras de idade avançada, que olhavam e comentavam a fotografia de mais uma pessoa que deixou de respirar e, isso, fez-me reflectir de que é um facto que dou comigo, agora, a olhar com relativa atenção para esses anúncios e para os rostos e nomes daqueles que vão falecendo e são anunciados nos jornais e, principalmente, expostos nas montras do comércio local. Em cada localidade há sítios específicos, leia-se lojas, onde sabemos que iremos encontrar essas novidades. Para além do implícito e obrigatório voyeurismo, poderá isto ser um sintoma de idade e da consciência crescente de que um dia, cada vez mais próximo, será a vez da minha fotografia e nome aparecerem assim escarrapachados, desnudados e indefesos. Eu não quero e, se for feita a minha vontade, jamais se saberá que eu já cá não estou.

02 dezembro 2024

inacreditavelmente desconhecido

No mesmo texto que aqui citei, há dias, de Valter Hugo Mãe, encontrei referência a um livro de Julio Llamazares, autor perfeito desconhecido para mim, chamado "Trás-os-Montes - Uma Viagem Portuguesa". Valter Hugo Mãe, na sua crónica, escreveu: "Julio Llamazares, desaparecido há décadas das nossas livrarias. Llamazares, autor de um incrível Trás-os-Montes, sim, os nossos, pelos quais se apaixonou". Um sobressalto. Mas quem é este homem? Que livro será este? Como é possível existir um livro com este nome/título e eu nunca ter sabido? Nunca me ter cruzado com sua referência. Enfim.
Não tardei a pesquisar no todo poderoso Google e, para novo sobressalto, fico a saber que existe uma tradução da Difel. Pondo mãos ao teclado, começa a minha incessante busca por tal livro. A Difel já não existe, a tradutora não sei quem é, a solução parecia ser tentar a versão original em castelhano, mas eis então quando, insistindo na busca, me aparece o livro em português no OLX. Num clique mandei mensagem ao seu "dono" e logo manifestei o meu interesse. Paguei no mesmo dia os vinte euros que me solicitou, por transferência bancária, e depois foi só aguardar que o espécime chegasse. Último sobressalto, o livro estava como novo. Aliás, desconfio que nunca foi lido, sequer folheado.
Um achado, mas pensando bem, vou tentar encontrar o original em castelhano.

vamos LER

22 novembro 2024

pós-covid

Quando entrámos em regime de pandemia foram implementadas medidas coercivas e estruturais em cada sociedade, em cada país, que nos obrigaram a alterar rotinas e procedimentos. Também se verificou uma mudança de atitude, voluntária, por parte de muitos cidadãos naquilo que eram e são os pequenos nadas da vida quotidiana, como por exemplo, evitar maçanetas de portas e janelas, não colocar mãos nos corrimãos de escadas, proteger os dedos ao utilizar multibancos e outros gadgets públicos, entre outros. Pois bem, terminado o estado global de pandemia, rapidamente, a maioria das pessoas se esqueceu dela e retomou velhos hábitos, rotinas e procedimentos. Se há algo de bom que esse estado de excepção social me trouxe, para além da própria sobrevivência, foi um conjunto de pequenos gestos que mantive e, agora, já dificilmente os largarei. Falo do lenço de papel para teclar nos ATM's, não colocar as mãos em maçanetas, nem em corrimãos de escadas públicas (isto já não o fazia antes), proteger os dedos para carregar em teclados, ter sempre por perto um frasquinho de álcool gel para desinfectar as mãos quando há algum tipo de contacto com objectos ou pessoas. Olhando à minha volta, reconheço, talvez possa ser um pouco doentio, mas sinto-me mais confortável e, assim, neste pós-covid manterei tais gestos.

21 novembro 2024

a tristeza que aqui se fala

"O que se lamenta é que não exista mais ninguém. Ninguém para saber do que ali acontece nem ninguém para que continue a acontecer. O fim das aldeias é outra coisa que não a idade. É a perda de uma memória, de um tipo de vida que pode ser um tipo de humanidade. É o que me traz o calafrio. A hipótese de terminar a humanidade que até há pouco se definiu. Perdida na urbanidade que tudo mistura e impede a limpidez dos aldeões.
A tristeza de que aqui se fala tem que ver com esse requiem por uma universalidade. Um requiem pela morte de um certo mundo que jamais se vai recuperar. A aldeia que acaba é um povo extinto. Um povo cuja memória não trará mais nada. Desperdiçado de futuro e ternura. É só a morte."
Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1411, Novembro 2024.

14 novembro 2024

"tocar piano"

A expressão ouvi-a a um professor e antropólogo, conhecido meu, em ambiente de conversa de café e a propósito de haver sempre quem tem que assumir a tarefa de escrever. Referia-se ao facto de ser porreiro ter um espírito participativo e colaborativo, mas depois na hora da verdade, são sempre os mesmos (ele) a ter que "tocar piano", ou seja, a escrever. Nos últimos meses tenho sentido essa responsabilidade e, tendo em consideração os interesses heterogéneos em que me envolvo, a sensação é precisamente essa. Calha-me sempre a mim sentar em frente ao piano. Cansado e sem descanso à vista.

10 novembro 2024

Santorini

Já decorreram vários meses desde a minha estadia nessa ilha do mar Egeu e para a qual viagem acompanhado pela Andreia, para assinalarmos os vinte e cinco anos de caminhada a par. A nossa relação teve início em 1990 e ao longo de todos estes anos temos viajado sempre que possível. Esta viagem foi planeada apenas por mim e sem conhecimento dela, tipo viagem surpresa, pelo menos em relação ao destino.
Eu já tinha viajado sozinho de barco pelas ilhas gregas, num circuito turístico a partir do porto de Pireu, em Atenas. Foi aí que decidi que um dia iria regressar com a Andreia. Aconteceu este ano e julgo que a Andreia, não só gostou da surpresa, como adorou o ambiente e a paisagem da ilha. Eu não posso dizer que não gostei, até porque sou amante da gastronomia, das paisagens e, acima de tudo, da capital grega, mas provavelmente não regressarei àquelas paisagens insulares. Com esta viagem alcancei um antigo objectivo de vida. Naquilo que é a minha condição nómada, outros destinos chama agora por mim, de entre os quais, alguns, serão obrigatórios: para além do "eterno" retorno à verde e fresca Galiza, pela qual me sinto sempre atraído e da qual ainda tenho muito para conhecer, quero ir à Islândia, a Edimburgo, a Roma e a Viena de Austria. Depois, quererei sempre regressar a Paris, a Londres e a Atenas. Espero, em 2025, poder ir à capital italiana e para tal já estou a "trabalhar".

(escrito em 7 Outubro 2024)

05 novembro 2024

Kamala Harris for President

Quando os dados estão mais do que lançados e estamos a poucas horas de conhecer o novo presidente dos EUA, não quero deixar passar este momento sem manifestar a minha preferência, mas mais do que isso, a confiança no senso dos americanos em decidirem eleger, pela primeira vez na sua história, uma mulher para a cadeira mais poderosa do mundo. Percepcionado deste lado do Atlântico, não deveria existir qualquer dúvida ou disputa entre a manutenção de um Estado de Direito democrático e o desconhecido das trevas e do caos de um despota, egocêntrico e anti-democrático. O problema é que este tem muitos seguidores e apoiantes, não só na terra do Tio Sam, como um pouco por todo o mundo, nomeadamente, aqueles que ambicionam um retrocesso civilizacional e no qual todas as pretensões imperialistas e de violação do direito internacional e dos direitos humanos serão tolerados e até incentivados.

01 novembro 2024

ao espelho

Ontem, dia 31 de Outubro, na biblioteca municipal Eduardo Lourenço, na Guarda, na cerimónia de entrega dos prémios CEI - Investigação, Inovação & Território (CEI - IIT|2024), que distingue trabalhos, projectos de investigação e outras iniciativas com dimensão inovadora, contribuam para divulgar estudos, experiências e boas práticas que concorram para reforçar a coesão, a cooperação e a competitividade dos territórios fronteiriços e de baixa densidade.



e a notícia em...


11 outubro 2024

"I Wanna Be Adored"

Não, eu não quero ser adorado. Nunca o quis. Sirvo-me apenas do título de uma música dos velhos Stone Roses como mote para partilhar aquela que há muito será verdadeira ambição ontológica. Ser recordado. Por outras palavras, sobreviver ou ir além da minha própria existência física. Sim, desde muito novo me sinto impelido para essa ambição. Não a sei explicar, talvez não passe de um receio inconsciente, mas à medida que a vida vai decorrendo e o tempo que me resta diminui, a vontade e o desejo de fazer mais, de estar e ir, de registar e recordar, vai crescendo e o tanto que ainda tenho para realizar. Jamais saberei se o conseguirei ou não, mas que algumas coisas tenho feito com esse fito, isso é verdade. Siga a vida.

09 outubro 2024

15 Julho 2024

Foi um dia, ou melhor, um final de tarde e noite muito bonito. Daqueles momentos que, tenho a certeza, quem o partilhou jamais esquecerá. Eu não vou esquecer e sinto-me feliz por ter contribuído para o tornar possível.
A simplicidade, a amizade e o recato do ambiente foram fundamentais para o sucesso da iniciativa, pois aquilo que se disse e cantou, os abraços que se deram e as lágrimas que se choraram, não terão sido mais do que verdadeiros sentimentos de alegria, amor e gratidão. Eu saí de lá com a alma repleta de felicidade e demorei alguns dias até processar completamente o que acontecera e, no fim, aquilo que guardei foi a sensação de que naquele momento condensámos toda a nossa existência [e neste momento soltam-se-me as lágrimas pelo rosto] desde a memória daqueles que já cá não estão, até à percepção da convivência entre as várias gerações e o bom que isso é. Porque sei que, mais tarde ou mais cedo, irei sentir saudade e um tremendo vazio, aquilo que verdadeiramente gostaria era poder cristalizar aquele dia e tudo aquilo que lá se viveu.

07 outubro 2024

jornadas culturais em Balsamão

(João Alberto Correia, Eduardo Novo, Luís Vale)

Regressando de Balsamão, de mais umas Jornadas Culturais, a caminho da Invicta, aproveitei para registar as percepções daquilo que aconteceu por lá, nestes dias de partilha e intensa reflexão. O tema deste ano foi: "Migrações: inquietações e desafios" e procurámos reunir um conjunto de comunicações que pudessem reflectir a realidade, muitas vezes dramática, dessas vidas em trânsito e sem futuro. Não posso deixar de admitir que, aquando da escolha deste tema, o que acontece sempre nas Jornadas anteriores e através de um processo deliberativo democrático, no qual todos os participantes contribuem com as suas sugestões e opiniões, não fiquei convencido e as minhas expectativas não eram grandes. Pois bem, enganei-me e a verdade é que não só essas expectativas foram largamente superadas, como tivemos o prazer de assistir a intervenções magníficas por parte de pessoas com larga experiência neste universo: académicos e investigadores, voluntários, empresários e instituições acolhedoras, instituições reguladoras ou coordenadoras, autarcas e até testemunhos de migrantes. Para além disto, o programa cultural foi excelente e a visita a Freixo de Numão, sem dúvida, um bela surpresa.
O tema para as próximas Jornadas Culturais foi escolhido ontem de manhã, pelos presentes na última sessão do programa, que de entre outras propostas, tiveram que deliberar entre duas mais consensuais: "A urgência da Paz" ou "À Mesa Transmontana". Saiu vencedora a segunda hipótese e, portanto, no próximo ano iremos sentar-nos à mesa e tentar conhecer todas as dimensões daquilo que foi e é a mesa transmontana.
Ao alto, a minha participação nestas jornadas, moderando a sessão da manhã do dia 4 de Outubro.

01 outubro 2024

eu, investigador e financiado

Naquilo que é, em teoria ou no papel, o meu primeiro dia de investigador financiado pelo Estado português, através da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), as horas passaram e tudo quanto fiz nada se relacionou com o referido projecto. Por entre as rotinas desgastantes, os compromissos caseiros e os horários dos dependentes, ainda fui surpreendido por uma avaria estrutural, o que me obrigou a deambular pela Invicta à procura de uma solução, precisamente hoje, dia de chuva e com um trânsito caótico. Este foi o primeiro dia de um projecto que durará, pelo menos, trinta e seis meses e, admito, com ganas estou e com várias ideias para implementar ou pôr em acção. Em breve darei notícias. Vamos lá.

29 setembro 2024

esculpir a existência

"Em pleno século XXI, parece que o ser humano tende, mais do que nunca, para a barbárie, para um inusitado regresso à pré-história, a um tempo de grunhidos e guinchos, anterior a uma linguagem articulada. Referiu o médico italiano Lamberto Maffei, em Elogio da Palavra, que 'o milagre da evolução gerou as palavras para que o homem possa narrar, para que na sucessão das gerações não se perca o património das experiências vividas. Que seria do homem sem palavras?' E pergunto, se fomos feitos de palavras, sem elas passaremos a ser feitos de quê? De que matéria se esculpirá a nossa existência para além da carne e dos ossos, convertidos depois em pó e cinza?"
Dora Gago, in jornal de Letras nº 1408, Setembro 2024.

27 setembro 2024

a quem possa interessar...


Eu vou tentar participar. Para mais informações, programa e afins: https://tinyurl.com/fv4szhn5

prova, mastiga e deita fora, sem demora

O mote para este quase-desabafo é o verso da mais que conhecida música "Chiclete" (1981) dos Táxi, que, diga-se, teima permanecer actual. E aqui encontramos logo uma curiosidade, pois a crítica social desta letra musical, do consumismo e do efémero, acabou ela mesmo por se perpetuar no tempo. "Mastigar e deitar fora" funciona como metáfora perfeita para aquilo que caracteriza, e muito, a nossa sociedade: Comprar, consumir, adquirir e depressa largar, abandonar, estragar ou simplesmente deitar ao lixo, para depois voltar a comprar, consumir e adquirir, para depressa voltar a largar, abandonar, estragar ou deitar ao lixo, numa lógica e dinâmica impossíveis de deter ou interromper.
Duas situações distintas, num passado recente, reavivaram-me esta ideia da intolerância da sociedade e das lógicas mercantilizadoras das "coisas", para com, digamos, objectos com alguns anos de existência. A primeira diz respeito ao meu automóvel, que desde que é minha propriedade tem direito a manutenção e assistência na própria marca. É que gato escaldado da água fria tem medo e eu, para não repetir dramas passados, prefiro ser espoliado com garantia de marca. O meu carro tem 14 anos e cerca de 250 mil quilómetros e na última factura-recibo de revisão feita, na marca, a designação do serviço prestado era: "revisão sénior"; A segunda situação, mais recente e, digo eu, ainda mais caricata, diz respeito ao meu computador portátil. Tenho-o desde 2015, portanto é um computador com cerca de nove anos. Nunca tive um problema com ele, nunca deu um erro, nem nunca foi preciso ir com ele à "oficina", até aqui há dias em que o teclado e esta coisa que substitui o rato, mas eu não sei como se designa, deixou de funcionar. Ligeiramente preocupado, a primeira coisa que fiz na manhã seguinte foi ir à "oficina" da respectiva marca, instalada numa requintada loja de um centro comercial da periferia. A conversa de quem me atendeu e já depois de eu mostrar o computador e explicar o sucedido, foi mais ou menos assim:
- Pois, eu compreendo, o seu computador é de 2015... e eu acho que, mas deixe-me confirmar, já não damos assistência técnica (material), porque ele já é vintage...
- Como?! Vintage com nove anos?! - questionei eu, espantado com aquela adjectivação classificatória.
- Pois é, eu sei, mas não poderemos fazer nada. Vamos fazer um diagnóstico à máquina para ver se há algum problema que possa ser resolvido aqui e agora. Se não, talvez seja melhor ponderar adquirir um computador novo...
Não vou registar aqui os impropérios que mentalmente e de imediato proferi, mas naquele momento ficou decidido que essa não seria a solução imediata, até porque no final de tudo isto e depois de mais de uma hora à espera, o computador foi-te entregue com o problema resolvido.
Vivemos num mundo que não quer/aceita/tolera coisas velhas e a ideia ou possibilidade de alguma perenidade é um pesadelo para a tal sociedade de consumo imediato. Há quem conviva bem com esta realidade, há quem não queira saber, nem sequer pensa no assunto e há quem, como eu, não se conforma com tamanha estupidez.

17 setembro 2024

outra, outra e outra vez

Mais do mesmo, uma e outra vez, já ninguém se espanta com a calamidade dos brutais incêndios que, ciclicamente, nos destroem o país. E vai continuar a acontecer até que alguém (leia-se Governo/Estado) tenha a vontade e a coragem de olhar para o território rural e florestal e decida investir verdadeiramente, estruturando, gerindo e rentabilizando a heterogeneidade de recursos naturais e culturais que são autóctones desses territórios. Não adiantará muito, nem resolve o problema continuar a apostar no combate aos incêndios e despejar dinheiro em cima de dinheiro que não faz mais do que alimentar o cluster da industria dos incêndios. Também não é solução criar comissões ad-hoc ou improvisar grupos de acompanhamento que se deslocam pelo país consoante os fogos, pois uma vez mais essa é uma atitude reactiva e não activa, como se pretende, de prevenção e de estruturação da floresta.
Cabe ao Estado, de uma vez por todas, olhar para o território nacional e promover uma "revolução" naquilo que são o património e valor naturais. Alocando meios financeiros às organizações públicas que intervêm nesses territórios, reforçando meios humanos e materiais. Só assim, talvez um dia, o paradigma mude. No entretanto, continuaremos a ser bombardeados com discursos pífios e patéticos dos mais altos cargos políticos e de comando do país, que sem terem a mais ínfima ideia do problema, também não conseguem alcançar qualquer solução. Não há pachorra.

15 setembro 2024

resistência

"Ler é um acto de resistência ao barulho de opiniões num mundo em que não se cruzam nem se deixam tocar e onde apenas existe a ilusão - outra ilusão - de que estamos todos a conversar uns com os outros".
Isabel Lucas, in revista LER nº 171 - Verão 2024, pág. 66.

vida malvada

Assisti ontem à noite ao concerto que encerrou a digressão de celebração dos quarenta e cinco anos de vida dos Xutos & Pontapés, no Queimódromo do Porto. Não sei quantos milhares de pessoas estiveram na plateia (esperei pelas notícias de hoje para conhecer esse número, mas ainda não o encontrei), mas dos oito aos oitenta, impressiona a empatia que a banda tem com a generalidade da população portuguesa. Avós, pais e filhos a cantar as músicas de sempre, a dançar e a pular, numa autêntica festa nacional. E nem a idade dos músicos impede ou prejudica a sua qualidade musical, nem a evidente e perene falta de jeito do vocalista, o Tim, para comunicar com o seu público ofusca a atitude dos seus parceiros em palco... o Kalu continua a ser um "animal" na bateria e o Cabeleira, de cigarro na boca, mantém os decibéis eléctricos bem à frente, enquanto sustenta todas as amplitudes melódicas. Sempre bom. Do alinhamento há a destacar o facto de terem tocado temas de todos os álbuns, num total de 29 músicas. Entraram com a "Vida Malvada", homenagearam Zé Pedro (que completaria por estes dias 68 anos) com a projecção de um vídeo dele a cantar "Submissão" e terminaram em acústico com o "Homem do leme", pelos vistos porque quiseram assinalar um momento importante na carreira, que foi um concerto acústico na Antena 3. Pessoalmente, gostando muito mais dos primeiros álbuns do que dos mais recentes, faltaram alguns temas mais antigos, como "Barcos gregos" ou "Torres da Cinciberlândia". Um dos primeiros vinis que comprei foi o "Circo de Feras" e, por isso, será o meu disco de referência deles, pois para além de ainda hoje saber todas as letras quase de cor, muitas delas transformaram-se em verdadeiros hinos... contentores, saí p'rá rua, pensão, desemprego, esta cidade, não sou o único, n'América, vida malvada e circo de feras.
Ontem fui acompanhado por um grupo de queridos amigos com os quais partilhei a festa... cantámos, pulámos e dançámos, mas também levei a família e até o imberbe gosta, conhece e canta algumas das músicas. Xutos & Pontapés é este encontro inter-geracional, o tal dos 8 aos 80, e por isso são especiais, peculiares e, sem qualquer dúvida, património nacional.
Quarenta e cinco anos e continua a ser à maneira deles.

(da esquerda para a direita e para memória futura: Rodrigo, eu, Andreia, Sandra, Bruno, João, Zé, Décio, Cristina, Sílvia, Filipe, Luzia, Sónia e um desconhecido emplastro...)

11 setembro 2024

como o ar


Um dos livros que adquiri no início do mês de Agosto e que levei comigo para os dias de férias, foi este sobre a natureza da cultura. Partindo da sua condição de professor, filósofo e especialista, entre outras áreas, em políticas culturais, e aproveitando os dias de retiro forçado da pandemia, Antonio Monegal constrói um autêntico compêndio, em jeito de ensaio, sobre cultura. Procurando responder a questões como: é a cultura um bem comum? É um direito? É um dever do Estado Social? É mesmo importante?, ao longo de 15 capítulos socorre-se de vários exemplos e de vários autores, incluindo alguns clássicos da literatura, para nos apresentar uma ideia de cultura, descomplexificada, desempoeirada e heterogénea, isto é, liberta de qualquer amarra ideológica ou económica. Sem qualquer dúvida ou hesitação, se neste momento tivesse que construir uma bibliografia para uma qualquer cadeira relacionada com cultura, este seria o livro de leitura obrigatória. Completo, abrangente e pedagógico.
Agora, falta-me apenas fazer a sua ficha de leitura.

07 agosto 2024

condição símia

Comprei e li, recentemente, o livro de contos de Franz Kafka, intitulado "o Abutre e outras histórias". Uma dessas histórias remeteu-me, por analogia, para a nossa contemporaneidade, ou se preferirem, para a nossa actualidade. É que ao olhar à minha volta e a circunstância em que o nosso planeta está, fico convencido que algo na nossa filogénese está muito mal e, em vez de evoluirmos, estamos a regredir ou a degenerar a grande velocidade.
Kafka, que faleceu precisamente há um século (3 de Junho de 1924), sem o poder saber, escreveu sobre esta nossa condição. No conto "exposição para uma academia", escreve:

"Excelentíssimos Senhores da Academia!
Foi uma honra que me concederam ao desafiarem-me para entregar à Academia uma exposição sobre a minha anterior vida de símio.
Neste sentido, tenho de admitir que, lamentavelmente, não me é possível satisfazer essa exigência. Entretanto, já quase me separam cinco anos da minha existência simiesca, um período de tempo que, muito embora possa ser breve quando o medimos no calendário, é no entanto infinitamente longo quando através dele galopamos como eu o fiz, [...] por certo que eu nem sequer a insignificância que se irá seguir ousaria comunicar, se não estivesse absolutamente seguro de mim próprio, e se a minha posição em todos os grandes palcos de variedades do mundo civilizado não se tivesse consolidado, até se tornar praticamente inabalável. [...] Como macaco, pode ser que o tenha experimentado, e conheci pessoas que sentiam por ele uma vaga nostalgia. Mas no que a mim diz respeito, eu nunca aspirei à liberdade, nem nessa altura nem agora. A propósito: é recorrendo à liberdade que as pessoas passam a vida a enganar-se umas às outras. E tal como a liberdade se conta entre os sentimentos mais sublimes, também o logro correspondente se conta entre os mais sublimes. [...] Ao reflectir na minha evolução e no objectivo que até agora a norteou, não me queixo nem me sinto satisfeito."

06 agosto 2024

falemos de migrações




Será em Balsamão e eu vou lá estar. Apareçam.

26 julho 2024

calafetado

"Regresso de Lisboa ao Porto, no comboio, calafetado em leitura. Ai, esta forma de analfabetismo da vida que consiste em ter sempre o nariz enfiado num livro!"
Mário Cláudio, in Diário incontínuo, Jornal de Letras nº 1403, Julho 2024.

15 julho 2024

grande questão existencialista

"Perto do final, Paulo Furtado desceu do palco. A multidão de admiradores aproximou-se, como é natural, querendo fotografar-se ao seu lado. Só que Tigerman pediu-lhe que recolhessem os telemóveis: 'Vamos guardar este momento só entre mim e ti'.
Tocou aqui numa das grandes questões da assistência a grandes concertos nos últimos anos: a indecisão entre filmar e viver o momento. Parte do público parece preferir assistir ao concerto através do telemóvel, para assim guardar uma memória, ou partilhar a experiência na rede social, do que verdadeiramente desfrutar daquele momento. A virtualidade sempre a ganhar pontos ao real."
Manuel Halpern in Jornal de Letras nº 1402, Junho 2024.

10 julho 2024

viajar no tempo

Muitas vezes, ou pelo menos algumas, damos por nós a pensar como, caso fosse possível, alteraríamos algumas atitudes, comportamentos ou escolhas feitas, algures no nosso passado. Se pudéssemos viajar no tempo alteraríamos alguma coisa? Pois bem, a verdade é que esta questão e as possíveis respostas a ela comportam uma incompatibilidade fenomelógica insanável, logo, jamais será possível tal viagem.

05 julho 2024

ao espelho


01 julho 2024

"o barco vai de saída"


Normalmente é pela rádio que sei destas notícias. Morreu o Fausto Bordalo Dias, reconhecido apenas por Fausto. Há muito seu admirador, sempre o apresentei como o melhor de entre aqueles que gosto e ouço. Assisti a dois concertos dele, um no Porto e outro em Bragança, e ao concerto dos Três Cantos (Fausto, Sérgio Godinho e José Mário Branco), no Coliseu do Porto. Lamento o seu desaparecimento e tenho a certeza de que continuará por muito tempo a ser uma referência incontornável da nossa música. O barco enfim saiu.

29 junho 2024

as Nomeadas Colectivas em Bragança

Hoje, na Fundação Os Nossos Livros, um pedaço da tarde a falar das Nomeadas Colectivas. Obrigado a todos aqueles que estiveram connosco.





25 junho 2024

daqui a uns dias...

18 junho 2024

tão eu, mas para melhor...

De vez em quando, cada vez mais espaçado, vou visitando a barca de J. Rentes de Carvalho. Mantenho o gosto e o prazer da sua escrita e permanece como meu eleito na literatura contemporânea portuguesa. Para além disto, muito do que escreve é-me familiar e tendo a concordar amiúde com as suas opiniões. Hoje, dei de caras com esta pérola estival:

"Traques e arrotos
Teria quatro anos, deve ter sido a primeira vez, e se bem recordo levaram-me à praia de Lavadores. Foi mesmo terror, aquelas gigantescas massas de água a rebolar e ameaçadoras, dando a impressão que nos viriam engolir. E assim nunca fui de beira-mar ou praias, não só pelo marulhar constante, a inquietude das ondas, o vento, a areia, mas ainda e sobretudo pelo espectáculo da humanidade em pêlo.
É grande o respeito que me merece o semelhante, e desde há vidas considero o vestuário um dos atributos que muito tem contribuído para a harmonia da sociedade e a paz dos olhares. Daí que a praia se me afigure a versão moderna de uma Cour des Miracles medieval. Os corpos que não ferem os olhos ou os alegram, são gota de água naquele Oceano Pacífico da exposição praticamente nua de adiposidades, fealdades e porcalhice, de modo que uma passagem pela praia – as minhas são poucas, em maioria por razões de ofício ou obrigado pela companhia – tem consequências graves para o sossego da alma, o sono da noite, o respeito que devo ao próximo.
Nessas ocasiões, involuntariamente obrigado a presenciar, incomoda-me a passividade daquela massa de gente que, espichada ao sol, involuntariamente provoca a imaginação de horrendas cópulas, hábitos vis, atitudes indecentes, satisfações alvares, traques e arrotos. 
Para paz de espírito e sossego com o semelhante, dêem-me a rua e a roupa."


J. Rentes de Carvalho, in blogue Tempo Contado, 16 Junho 2024.

https://tempocontado.blogspot.com/2024/06/traques-e-arrotos.html

10 junho 2024

perigos avulsos

Aqui há dias, estando eu a acompanhar alunos em trabalho de campo, desloquei-me a Vilar de Andorinho, onde uma equipa de catorze alunos se encontrava. Ao atravessar uma passadeira, bem no centro da localidade, e depois de ter verificado que não se aproximava nenhum veículo, sou surpreendido por uma longa buzinadela, de alguém que se aproximava do meu lado direito a grande velocidade. Quando levanto o olhar é uma trotinete eléctrica que passa por mim a grande velocidade, sem sequer esboçar qualquer travagem. Há medida que se afastava, eu gritei e repeti que estava na passadeira. O indivíduo (jovem adulto) não terá gostado do meu reparo e, afastado cerca de 100 a 200 metros, trava a fundo, atira a trotinete para o meio da rua e vem na minha direcção, vociferando ameaças e impropérios. Eu acabei de atravessar a rua e fiquei imóvel à espera dele, repetindo sempre que estava numa passadeira. Ele quando chega a quatro ou cinco metros de distância detém o passo e fica como que a medir-me. Eu mantive-me quieto e sem tirar os olhos do palerma, repeti o meu argumento. Ele, depois de me ameaçar com umas lambadas ou algo do género, vira-me as costas e vai à vida dele.
Moral da história: será sempre melhor ignorar estes e outros inaptos sociais, pois as consequências serão sempre imprevisíveis. Há muito que eu sei isto e normalmente até sou tranquilo e nada conflituoso no trânsito e fora dele. Aconteceu e serviu de alerta.

(escrito a 1 de Junho de 2024)