17 março 2020

enclausurado VI

os meus pais

É sabido que este cabrão ataca com maior gravidade as pessoas mais velhas e que a maior incidência de vítimas mortais será nesses segmentos da população, pelo menos se mantiver as características que manifestou noutros países que nos antecederam.
Pois bem, as vésperas da chegada desta epidemia foram uma luta permanente com os meus pais para os convencer da gravidade e perigosidade deste vírus para as suas saúdes e vidas, uma vez que ambos têm tido problemas respiratórios e pulmonares nos últimos meses. Nem por nada quiseram resguardar-se e prescindir das suas rotinas de ir tomar café, comprar o jornal e o pão, ir ao hipermercado fazer compras semanais, ir à cabeleireira, multibanco, etc., etc.
Ando preocupado e assustado, principalmente, por causa deles. A preocupação é tanto maior porque, ainda agora, depois de já se terem mentalizado que têm que sossegar mais em casa, depois de eu lhes garantir que lhes levarei o que for necessário, teimam em relativizar o problema. O meu pai diz que estamos a exagerar, a minha mãe chora que não aguenta sentir-se fechada e isolada em casa. Não sabe o que fazer com a imensidão do tempo...
No meio desta pandemia eles são o meu desassossego.
[ escrito a 15 de Março ]

estado de excepção

Não me parece que dar sinais crescentes de alarme seja sempre o mais indicado. Se o povo consegue ser disciplinado, se não há motins, revoltas ou movimentos de desobediência às forças de autoridade, se não há greves e manifestações, se não há sequer a necessidade declarada de requisição dos hospitais privados, havendo total abertura de cooperação, se é possível limitar os movimentos das pessoas com a lei em vigor (que nem sequer esgotámos), porque precisamos que nos ponham na ordem? Merecia, quando isto passar, que nos deitássemos todos no divã. Outros povos resistem ao estado de exceção, nós desejamo-lo mesmo quando o poder não o pede.
Daniel Oliveira,  roubado  daqui...

enclausurado V

os miúdos

A Emília foi a primeira a saber que viria para casa, pois a sua faculdade fechou as portas dia 10 de Março por 15 dias, diziam eles. Regressou de Lisboa no dia 11 e desde então não mais saiu de casa. Teve alguma dificuldade em perceber a dimensão desta epidemia e, por isso, resistia à ideia de ficar fechada e dizia não entender o stress e o histerismo de toda a gente. Do alto dos seus dezoito anos, optimista e cheia de vontade de viver, parecia sentir-se imune a qualquer contágio. Entretanto, foi-se apercebendo e consciencializando da gravidade da situação em que estamos todos e agora é a primeira a não querer que se saia de casa. Está preocupada com a situação dos avós, ao mesmo tempo que é a primeira a dar os primeiros sinais de alguma saturação por estar confinada em casa.
O Rodrigo, como seria expectável, não percebe totalmente aquilo que está a acontecer. Para ele foi uma alegria imensa saber que não teria que ir à escola durante muitos dias, tantos que ele nem consegue alcançar. Ele é quem tem vivido melhor, pelo menos nestes primeiros dias, nestas condições... está nas suas sete quintas e não lhe falta ocupação e divertimento.
[ escrito a 15 de Março ]

nostalgia

Temos assistido, através da comunicação social e, principalmente, das redes sociais, ao comportamento dos indivíduos, não só em Portugal, como um pouco por todo o mundo, naquilo que é a habituação às novas rotinas que, ainda que em formas e intensidades variadas, a população mundial vai experimentando. Uma dessas formas de reagir ao isolamento social tem sido cantar, à janela ou varanda, a solo ou em coro, e uma das muitas imagens que nos chegou de Itália, talvez a primeira delas, foi esta. Comovido, fiquei logo agarrado a ela e tenho-a visto repetidamente, pois para além de todos os significados actuais e da força que manifesta, remete-me para a nostalgia de um tempo e lugar da minha infância e que, sei, não voltarei a experimentar... também na "minha" aldeia, em dias de grandes jeiras e depois do jantar reforçado, bem comidos e bebidos, os homens saíam para a rua escura e percorriam as canelhas e ruas cantando modas antigas, motivando quem estava em casa a vir à porta e, muitos, a juntarem-se ao grupo e à ronda.

enclausurado IV

organização

Os quatro fechados em casa quase há 48 horas e já se percebem algumas tensões e um ou outro problema que será preciso resolver. Tudo isto reforça aquilo que já antevia e que será urgente definir: uma organização ou um planeamento para os muitos dias que aí virão e em que estaremos nesta condição. Para além disso, é preciso construir um organigrama, para que cada um saiba aquilo que tem que fazer, como contributo para o bem-estar de todos e para manter uma relativa normalidade, disciplina e organização familiar.
Os miúdos já não saem de casa desde 11 de Março, a mãe deles desde dia 13 e eu, assim ficou estabelecido, sou o único com alforria deste aprisionamento, para os reabastecimentos necessários e para dar apoio aos meus pais que estão perto. Estamos a aprender a viver assim, 24 sobre 24 horas, juntos e confinados a estas paredes. Nunca nos acontecera, por isso, muito haverá para apreender e será, com certeza, um desafio para cada um de nós.
Mesmo a partir de casa, eu e a Andreia teremos tarefas e trabalho a realizar e, assim, poderemos ocupar parte das horas de cada dia nessas tarefas profissionais, mas ocupar as horas todas dos miúdos, já deu para perceber, será uma preocupação crescente e necessitaremos de alguma criatividade e imaginação para os mantermos saudáveis, equilibrados e tranquilos.
[ escrito a 15 de Março ]

16 março 2020

o naufrágio, uma metáfora

Na actual edição do Jornal de Letras, Amin Maalouf é entrevistado a propósito do seu ensaio mais recente: O Naufrágio das Civilizações. Entre muitas outras afirmações e ideias, transcrevo para aqui aquilo que mais me atraiu nesta conversa e que tem por motivação uma rica metáfora para os dias que hoje experimentamos.

A Humanidade metamorfoseia-se diante dos nossos olhos. Nunca a sua aventura foi tão promissora nem tão aleatória. Para o historiador, o espetáculo do mundo é fascinante. Ainda assim, temos de conseguir suportar o desespero dos nossos contemporâneos e as nossas próprias inquietudes.

O que caracteriza os tempos actuais não é uma tendência para grandes agrupamentos, mas a tendência para o desmoronamento e a desintegração.

O que mais me preocupa é a exortação a que sejam proibidas as notícias falsas. Porque, neste caso, temos de nos perguntar; quem tem a capacidade de determinar se uma notícia é verdadeira ou falsa? Os operadores das redes sociais? Os governos? Quem tem a requerida competência e a necessária integridade para distinguir, imediatamente, o verdadeiro do falso? Na minha opinião, a liberdade de expressão, mesmo que envolva riscos reais, continua a ser um mal menor do que a polícia do pensamento...

É verdade que o mundo não progrediu no sentido que o desejava. Por vezes, sinto que ele recuou, mas é uma sensação enganadora. Na História, nunca se volta bem ao passado. E mesmo quando temos a impressão de um retorno, temos de acreditar que enfrentamos uma situação nova, muito específica da nossa época, tendo a obrigação de a estudar cuidadosamente, para saber como "navegar" nas águas tumultuosas que atravessamos.

O mundo actual está à beira de um naufrágio, e podemos constatar isso em diversos domínios: uma nova corrida aos armamentos, o enfraquecimento das instituições democráticas, a crise de credibilidade de quase toda a gente, a nossa incapacidade de enfrentar os riscos climáticos - sem falar dos novos sustos que se apoderaram de nós nas últimas semanas... Face a estas ameaças, a nossa responsabilidade é permanecer lúcidos, não mentir e procurar soluções para sair do marasmo generalizado.

enclausurado III

o virus da globalização

Assistimos durante os últimos meses ao drama que este vírus provocou na China e nos outros países seus vizinhos, só que eram lá longe e chegava-nos através dos filtros das TVs e Jornais, por isso sentiamo-lo distante e nós, de alguma forma, salvaguardados. No íntimo existia a esperança de que a doença não chegaria cá. Mas não, a mancha silenciosa foi-se alastrando e aproximando, numa viagem rápida e impagável. Só quando percebemos que essa mancha invisível chegou e estava entre nós, resolvemos reagir. Ainda bem e a reacção deverá ser o mais radical e dramática, pois pelo que se sabe essa será a melhor forma de a combater e derrotar.
Agora que já cá está e já começou a escolher as suas vítimas entre os mais fracos, desprotegidos, aventureiros ou irresponsáveis, sabemos que mais dia menos dia vai começar a reclamar por vidas. Todos, ou quase todos, seremos suas potenciais vítimas. Saibamos protegermo-nos.
[ escrito a 14 de Março ]

lavar as mãos

Lavar bem as mãos (e a cara, já agora) é muito mais eficaz do que esfregar as mãos com um gel de álcool, mas as pessoas preferem os géis porque a verdade é que não gostam de lavar as mãos. (...) Porquê é que as pessoas não gostam de lavar as mãos?
Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público de 15 de Março de 2020

enclausurado II

de voluntário a compulsivo

Aquilo que começou por ser voluntário, resultado da percepção e reflexão sobre as notícias que nos chegavam e que davam conta da situação da epidemia, agora pandemia, e me levaram a impedir que o meu filho fosse à escola nos últimos dias antes do encerramento total das escolas em Portugal, depressa se transformou, para todos nós, num enclausuramento compulsivo e obrigatório. Estou, estaremos todos, alertados para a sua necessidade e urgência, para os seus propósitos e para as suas consequências, não sabemos é quanto tempo ele poderá durar, nem muito menos sabemos se alcançaremos o seu fim. Ao mesmo tempo, as dúvidas e as questões sobre que futuro podemos esperar, durante e depois desta crise global, também nos assaltam o espírito. Consciente de que as desgraças não acontecem só aos outros, aquilo que desejo é poder chegar ao fim da tormenta e conseguir preservar a saúde daqueles que dependem de mim e dos que me rodeiam. Espero poder reunir e celebrar o facto de estarmos vivos, saudáveis e disponíveis para recomeçar ou reiniciar a vida.
[ escrito a 14 de Março ]

enclausurado I

abertura

Agora que estou fechado em casa com toda a família para um retiro forçado de duração indeterminada, eis que me encontro numa encruzilhada de sentimentos. Desde há longa data desejo retirar-me, isolar-me dos rostos familiares e dos lugares quotidianos. Fui a espaços e a custo, conseguindo experimentar essa sensação, momentânea e em diferentes locais, mas sempre de forma voluntária. Agora, e ainda quando passam poucas horas desde que aqui e assim estamos, novas sensações e percepções, daquilo que é a ausência do convívio com outras pessoas, ganham espaço em mim. Assim, e porque tenho a consciência de que estamos a viver algo novo, desconhecido e com desfecho imprevisível, o porto seguro também será este: a escrita de alguns dos momentos destes enclausurados dias.
[ escrito a 14 de Março ]

inesperado e inusitado

Numa das últimas aulas presenciais, antes do recolher obrigatório, um aluno de Epistemologia, depois de um período de reflexão e debate sobre ciência, tecnologia e suas evoluções e sobre as influências de ambas nas vidas quotidianas dos indivíduos, perguntou-me se os antropólogos atendem pessoas (?)... pergunta que eu nem sequer percebi, o que o obrigou a reformular a questão. O que ele queria saber era se os antropólogos dão consultas. Ok, entendi, mas que eu tenha conhecimento isso nunca aconteceu. Não é que eu não tenha já pensado no assunto, na medida em que a percepção da realidade que alguns indivíduos manifestam é deficitária e prejudica gravemente a saúde pública, umas consultas de civilidade, de cultura, de comunidade, de pertença e afins, não lhes faria mal nenhum e todos beneficiaríamos.

jornal de letras


Com esta edição, a número 1290, o jornal de Letras celebra os seus quarenta anos de existência. É de facto um projecto impressionante se tivermos em conta que estamos a falar de uma publicação periódica e de cariz cultural. Eu conheço o jornal há muitos anos e compro-o assiduamente há alguns anos. É uma das leituras obrigatórias em formato jornal e é sempre com alguma ansiedade que o vou buscar ao quiosque.
Está de parabéns o jornal, todos os seus colaboradores e, principalmente, o seu director e fundador, José Carlos de Vasconcelos. Nesta edição são vários os testemunhos que assinalam esta efeméride...

O JL é todo o contrário (do "fast food" e do sensacionalismo), afirmando-se como uma publicação de "slow food for thought" que proporciona aos seus leitores um espectro largo de artigos numa clara ilustração do papel da cultura na construção de sociedades participadas e na formação de cidadãos livres e esclarecidos.
Jorge Sampaio

Somos um país bem frágil na divulgação artística - no velho e antigo papel sobretudo - e a função do JL é, neste particular, cada vez mais de resistência. Um jornal cultural que se agarra com as mãos, preciosidade boa. E o tempo passa.
Gonçalo M. Tavares

O JL entre com esta edição, nos 40 anos de publicação ininterrupta. Repito o adjectivo: ininterrupta. Não é, por certo, o mais importante destes 40 anos de vida inquieta do JL. O que nos alimenta, aos seus leitores, é a qualidade dos artigos, o cada vez mais raro espaço e tempo de reflexão que são o preço a pagar pelo pensamento livre, a tremenda diversidade dos autores que preencheram estas páginas durante quatro décadas. Ainda assim, a obstinação de um jornal que nos vem parar às mãos, no dia certo, durante 40 anos, é razão para celebrarmos. Essa constância é das qualidades que mais falta nos fazem nas artes e na área da Cultura em Portugal.
Tiago Rodrigues

No meio disto tudo, o JL a tudo resistiu, tudo fazendo para não envelhecer, para acompanhar Portugal e a Democracia Portuguesa. E conseguiu. Pela excelência de todos o que lhe deram 40 anos de auto-biografia de Portugal. Pela singularidade do percurso do seu director e "alma-mater". Ele próprio vivendo e contando muito do que importa a essa auto-biografia. Há muitas outras? Há. Há muitas outras como a do JL? Não há. Porque mais ninguém reuniu tantos tão bons, durante tanto tempo, a falarem-nos do seu mundo interior e exterior, assim falando de Portugal. E falando como só eles sabem falar.
Marcelo Rebelo de Sousa

Recordo apenas que a literatura, a arte e a cultura portuguesas, e em língua portuguesa, são o nosso grande tema e foco de atenção. Visando não só, ou não tanto, divulgar como fazer conhecer, compreender - e, mais ainda, quanto possível, gostar, ou mesmo amar. E por isto mesmo colocamos em primeiro plano a criação, a obra criada e os criadores, pretendendo que tenha tal primordial finalidade em vista o que sob várias formas se escreve e publica.
José Carlos de Vasconcelos

01 março 2020

ao jeito de lapantim

Os homens são animais e alguns fazem criação dos seus semelhantes.
(Peter Sloterdijk, in o aberto, de Giorgio Agamben)

Encontrei esta citação no livro referido e não pude segurar um sorriso. É que me apeteceu, instintivamente, trocar a palavra animais da equação e trocá-la por outros qualificativos que também poderiam significar correctamente o que o autor pretendia, ou então apenas e só aquilo que eu julgo adequar-se...
- os homens são bestas e...
- os homens são anémonas e...
- os homens são calhaus e...

27 fevereiro 2020

esbulho e abuso

A propósito da oportuna e necessária iniciativa dos partidos políticos, que se preparam para votar na Assembleia da República contra as exorbitantes comissões que os bancos cobram aos seus clientes, o editorial do jornal Público de hoje, assinado por Manuel Carvalho é elucidativo sobre esta realidade:

cortar o pêlo

Aproveitando o último dia de férias escolar, ontem foi dia de ir ao barbeiro cortar o pêlo ao meu filho e, já agora, o meu também. Estávamos os dois a ser atendidos, lado a lado, quando entraram mais dois clientes que se sentaram à espera de vez. Um deles, o mais velho, quando se apercebeu que eu seria o pai daquela criança, questionou:
- É seu filho?
- Sim. Respondi.
- Já não é fácil encontrar pai e filho juntos a cortar o cabelo.
Sorri e, lembrando-me da minha infância, disse-lhe:
- Eu lembro-me de ir com o meu pai quando era miúdo. E lembro-me que o barbeiro era em Gaia, ao lado do café Angola, no início da rua João de Deus, do lado esquerdo... Era aí que o meu pai ía e levava os dois filhos.
Boa memória esta, que me levou de imediato a reflectir: Será que o meu filho, um dia, se lembrará destas vindas ao "Cristal"? Espero que sim.

(até nisto sou parecido com o meu pai: somos clientes fidelizados)

chamada de comunicações


Encontro de antropólogos galegos, portugueses e afins. Eu vou lá estar e vou levar comigo os filigraneiros de Gondomar.

26 fevereiro 2020

o virus corona

Concordo com aqueles que manifestam alguma ponderação e senso em relação a esta epidemia: nem pessimismo alarmante, nem optimismo irresponsável, mas a verdade é que o vírus está a caminho de Portugal e vai-se aproximando a grande velocidade. Não sei qual será a dimensão do problema e se seremos capazes de responder eficientemente à doença e suas manifestações. Parece-me evidente que os mais desprotegidos e susceptíveis ao vírus serão os portugueses com maiores carências (de saúde e económicas) e, por isso, considero que, para minimizar estragos e contrariar contaminações, o primeiro e grande esforço do Estado e de seus intervenientes deverá ser junto destas populações. O receio que me assalta é a habitual atitude passiva das entidades nacionais, de actuações reactivas, em vez de pró-activas, em situações de alarme e eminente perigo social. Saibamos proteger-nos.

19 fevereiro 2020

direito a poder escolher morrer

É um direito que assiste a cada um de nós. A liberdade única e intransmissível de podermos escolher não viver mais. Acredito na racionalidade do ser humano e na sua capacidade e autonomia individual. Não posso aceitar que as crenças, os dogmas ou as morais de terceiros condicionem ou impeçam essa minha autonomia e direito a poder escolher. Não sei o que me espera no processo de envelhecimento, desejo nunca ter que tomar uma decisão dessas, mas não abdico de poder ter essa opção, caso algo de extraordinário e cruel me aconteça.
É por isto que nem hesito um segundo perante a discussão que decorre na sociedade portuguesa sobre a despenalização da eutanásia. E claro que a Assembleia da República tem toda a legitimidade para legislar sobre o assunto. Curiosa é a atitude daqueles que publicamente se manifestam contra tal iniciativa e recorrem aos mais inauditos meios para atingir os seus fins. Atenção, eu aceito que a questão é complexa e respeito todos aqueles que por constrangimentos morais ou religiosos são contra a iniciativa. Aquilo que não aceito é, por exemplo, os mesmos que em 2018 votaram contra as iniciativas legislativas e venceram essa votação na Assembleia República, sem exigirem qualquer referendo, agora, aqui del rei, que é necessário um referendo popular. Conversa, hipocrisia demonstrativa de que se servirão de qualquer meio para atingir os seus fins, ou seja, impedir este processo.
Em todo o caso, tenho por certo que em Portugal a eutanásia será uma realidade, se não amanhã, de certeza, depois de amanhã. Ainda bem.

livros, os meus livros, que não lerei

Tendo a consciência que não escreveria tão bem, logo, não conseguiria comunicar ou manifestar de melhor forma, transcrevo excertos de um texto de Arturo Pérez-Reverte, que aqui encontrei e gostei.

Soy viejo cazador de libros, con modales e instintos de serlo. Así que esta tarde, como siempre, me muevo por los puestos con el ojo atento y los dedos rápidos para llenar el zurrón, tan dispuesto como cuando hace cincuenta años llegué a Madrid y empecé, libro a libro, a construir la trinchera en la que vivo y sobrevivo: la biblioteca que creció poco a poco, primero para reconstruir la de mis abuelos y mi padre, y luego haciéndola más personal y propia. La que me permitió comprender el mundo complejo y violento por el que caminé desde muy joven, y que ahora, multiplicada en centenares de estantes y miles de libros, me permite digerir cuanto viví. La que, combinada con lo que recuerdo e imagino, me ayuda a contar historias e interpretar el mundo. Incluso, a soportarlo cuando no me gusta. Esa biblioteca que es lugar de trabajo, refugio y, como dije muchas veces, analgésico; de ésos que no eliminan las causas del dolor, pero ayudan a soportarlo.

(...)

A veces, alguien que ve mi biblioteca pregunta si he leído todos esos libros. Y la respuesta siempre es la misma: unos sí y otros no; pero necesito que estén todos ahí. Una biblioteca es memoria, compañía y proyecto de futuro, aunque ese proyecto no llegue a completarse nunca. Una biblioteca amuebla una vida, y la define. Raro es no advertir el corazón y la cabeza de un ser humano tras un repaso minucioso a los libros que tiene en casa, o que no tiene. Por eso no me lamento por los que no llegaré a leer. Cumplen su función incluso quietos, silenciosos, alineados con sus títulos en los lomos. Puedo abrirlos, hojearlos, recorrerlos despacio, meterlos en la mochila para un viaje. Y aunque muchos no llegue a leerlos jamás, habrán cumplido su misión. Su noble cometido. Cuando comprendí que nunca leería todos los libros que ansiaba leer, y acepté esa realidad con resignada melancolía, cambió mi vida lectora. Se hizo más plena y madura, del mismo modo que, en la primera guerra que conocí, asumir que yo también podía morir cambió mi forma de mirar el mundo. Los libros que nunca leeré me definen y me enriquecen tanto como los que he leído. Están ahí, y ellos saben que lo sé. Si sobreviven al tiempo, al fuego, al agua, al desastre, a la estupidez del ser humano, un día serán de otro. Y lo serán gracias a mí, que tuve el privilegio de rescatarlos de sus miles de naufragios y unirlos a mi vida.

a quem interessar...

17 fevereiro 2020

vergonha

O futebolista Marega enxofrou-se e levou com o cartão amarelo do árbitro. Marega pediu para sair do campo. Da bancada da claque: "Macaco!" Marega continuou enxofrado e a querer sair do campo. Daquela bancada da claque: "Chimpanzé!" Volto à minha tese: depois de tanto ano com os negros a demonstrar que são tão bons, tão maus e tão assim-assim quanto os brancos, houve, no estádio de Guimarães, ontem, uns sub-humanos a serem o que são.
Quanto aos homens vi-os de dois tipos. Árbitros de cabeça perdida, dirigentes e treinadores de cabeça perdida, adeptos (dos dois clubes) de cabeça perdida, comentadores televisivos de cabeça perdida, polícias de cabeça perdida e jogadores do Vitória e do FCP de cabeça perdida, isso de um lado. Do outro, vi o Marega, outra vez enganando-nos com as aparências, gesticulando e gritando, e serenamente fazendo o que havia para fazer: assim não jogo.
Ah, se Pinto da Costa se levantasse e se fosse embora da bancada de honra! Ah se o guarda-redes do Guimarães abandonasse o campo agarrado ao companheiro adversário! Ah se o árbitro Luís Godinho rasgasse o cartão amarelo e o vermelho também, e mostrasse a Marega o cartão branco, o de fair-play, como há dias outro árbitro mostrou a um jogador infantil e nobre, que o avisou ser falso um penálti contra o adversário! Ah se a multidão saísse do estádio quando o Marega entrou no balneário! Ah se o presidente do Guimarães chorasse! Ah se um radialista relatasse: "Marega saiu e eu calo-me"! Ah se os gestos claros e límpidos de Marega causassem a vaga que mereciam...

Ferreira Fernandes, roubado daqui.

12 fevereiro 2020

sindicalizados

Encontrei no blogue Entre as brumas da memória um texto (julgo que um artigo), do economista Ricardo Paes Mamede (RPM), sobre a evolução do sindicalismo em Portugal e o seu estado actual. Ao contrário do que aconteceu nas últimas décadas em Portugal e demais países desenvolvidos, tem vindo a merecer uma crescente atenção e que merecerá toda a nossa preocupação. Escreve RPM que um relatório recente da OCDE afirma que a proporção de trabalhadores sindicalizados em Portugal caiu de 60,8% em 1978 para 15,3% em 2016, o que representará uma das maiores quedas entre os países analisados. Contudo, segundo esse mesmo relatório, a taxa de sindicalização em Portugal mantém-se próxima da média da OCDE e só passou a ser inferior a partir de 2014. É certo que o mundo, as sociedades e as relações de trabalho mudaram muito desde a década de setenta do século vinte, mas isso não justifica na totalidade as percentagens apresentadas, ainda que possamos encontrar várias causas para tal evolução, tal como descreve RPM:

Há várias tendências internacionais que ajudam a explicar a queda nas taxas de sindicalização nas economias mais avançadas: a desindustrialização, o crescimento das formas atípicas de trabalho, a desregulamentação das relações laborais, ou a pressão concorrencial de países com níveis reduzidos de salários e protecção dos trabalhadores. Todos estes e outros factores dificultam a capacidade de organização e de mobilização dos sindicatos, ao mesmo tempo que reduzem o seu poder negocial.


É minha opinião que a percepção generalizada que os portugueses, trabalhadores ou não, têm dos sindicatos nacionais é negativa, corporativista e anacrónica. Sem querer ser simplista ou minimalista na análise, tendo a concordar com esta percepção, pois é aquilo que, muitas vezes, nos chega desse universo: dirigentes envelhecidos que se perpetuam nos cargos, com discursos repetidos e gastos, sem aparente ou perceptível ligação com a realidade dos cidadãos e dos trabalhadores.
As sociedades, em geral e as relações laborais, em particular, precisam da existência dos sindicatos, enquanto representantes com voz activa e poder negocial naquilo que são a contratação colectiva e a concertação social. Ao contrário do que muitos pretendem, eu quero a sua presença nos centros de negociação e decisão, mas sindicatos com rostos e discursos novos, actualizados e que adequem a sua intervenção e sua comunicação ao presente e ao futuro das novas gerações de trabalhadores.

07 fevereiro 2020

tormenta

Dias difíceis estes. Acabo de sair do campo de batalha derrotado, física e psicologicamente, sem ânimo ou vontade de seguir caminho. Desistir seria sempre mais fácil e cómodo. Desta vez o tombo foi grande e doeu (está a doer). Gostava que estes dias passassem céleres, pois sei que serão bons conselheiros e que me irão fazer arrebitar. Esfarrapado, mantenho que o meu caminho é escrever. Continuar a escrever será o porto de abrigo para a tormenta que atravesso.

aprovado

Está aprovado o Orçamento de Estado, o primeiro deste governo minoritário do PS de António Costa e companhia ilimitada. Pela atitude arrogante, sobranceira e chantagista do Primeiro Ministro e demais Ministros nas negociações, debates e até ao momento da votação final, este orçamento nunca deveria ter sido aprovado. Principais culpados, toda a esquerda que se acobardou e teve medo de provocar a queda do governo. Bastaria a questão do IVA na electricidade para não o aprovar. O PS esticou a corda e venceu, derrotou todas as oposições. Ficamos todos a perder.

apaguem a luz

Corrijam-me se eu escrever asneira ou mentira: então o sr. Primeiro Ministro afirmou que a melhor forma de conter a factura da electricidade era não ligar tanto a luz, não aquecer tanto as casas e não baixar o IVA da electricidade de 23% para 6%. Foi mais ou menos isto, certo?
Muito bem, concordo. Acho até que a grande maioria dos portugueses nem deveria ter acesso a esse bem, luxuoso e supérfluo, que é a electricidade. Essa coisa deveria estar disponível apenas para alguns, aqueles poucos, os mesmos de sempre, que dão provas de poderem pagar o que for por esse luxo.
Hipócritas! Como é que aceitamos que a electricidade não seja considerada um bem essencial? Poder acender luzes, poder aquecer casas não é um luxo, é uma necessidade e deveria ser acessível para todos nós.
Sim, o IVA da electricidade deveria ser 6% e não 23%, independentemente, do prejuízo em sede de orçamento de Estado.
Não, o IVA da electricidade não vai descer. Houve uma maioria de deputados que consideram que está bem assim e que quem não pode pagar deve manter-se no escuro e com frio. Bem hajam.

Galiza, a cervejaria


Pela primeira vez na vida fui comer ao Galiza, no Porto. Aproveitando um jantar-reunião, foi sugerido lá irmos em solidariedade com os seus funcionários que, como é sabido, estão numa situação complicada e assumiram a gestão da empresa, substituindo os donos que pretendiam encerrar a casa. Muito bem, gostei da iniciativa e senti-me confortável com a atitude solidária. O jantar correu bem, trabalhámos e confraternizámos. Todos pediram francesinha com cerveja. Esta era muito boa (de Leça), mas a dita francesinha não era especial, não me convenceu. Lamento, mas não volto a repetir. Gostei do atendimento simpático e prestável e a sala, apesar da decoração antiga, é aprazível.

mediascape: desinformação

Então a ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) aceitou e registou como "informativo" um site de propaganda e fake-news?!... Pelos vistos! Assim se promove a desinformação generalizada do país e seus cidadãos. Muito bem feito, sim senhores!

05 fevereiro 2020

aproximações e afinidades

A correspondência é um monólogo a dois; o diário uma correspondência a várias vozes. Ambos apresentam, contudo, um traço comum: são formas diferenciadas de autobiografia, porquanto a procura que lhes subjaz obedece a uma autêntica demanda de identidade.
(Marcello Duarte Mathias, in Colóquio Letras nº 202 - Setembro/Dezembro 2019)

04 fevereiro 2020

"we have no more beginnings"


Morreu ontem com 90 anos George Steiner. Pensador, filósofo e crítico literário, foi e é um dos maiores sábios da contemporaneidade. Conheço parte considerável da sua obra - ensaios, reflexões e literatura, e tenho a maior admiração pelo seu conhecimento e pelo seu percurso académico. Com o seu desaparecimento, desaparece também uma geração de pensadores que percorreram todo o século XX e as duas primeiras décadas do XXI.
Eu sei em que contexto ele um dia escreveu: we have no more beginnings, mas prefiro continuar a acreditar que nós (cada um de nós e nós enquanto comunidade ou espécie) teremos sempre a possibilidade de novos começos. Assim possa ser.

31 janeiro 2020

a opção pelo ódio

Valter Hugo Mãe escreve no actual número do Jornal de Letras e na sua coluna habitual de última página, sobre um pequeno episódio que lhe aconteceu há cerca de 14 ou 15 anos, aquando uma visita a uma escola e o seu encontro com um aluno que, tímido e solitário, quis falar a sós com ele...
- querias falar comigo?
- vou matar-me porque o meu pai diz que sou maricas e bate-me muito.
Era um mocinho de 12 ou 13 anos, sem sobressalto, apenas entregando a declaração sincera. Uma notícia de dor insuportável.
(...)
Abracei o menino e disse-lhe: - não vais nada. Vais ser meu amigo e vais falar sempre comigo e, se for preciso, sais da tua casa para um lugar seguro.
Fiquei imediatamente comovido. O menino, habituado à ideia de morrer, estava como sem sentir. E disse-me: - Eu acho que não sou. Detesto os rapazes, mas também não gosto das raparigas. Não tenho ninguém de quem gostar.
(...)
Expliquei à professora que aquele aluno era meu amigo. Ia ser meu amigo. Estávamos a contar segredos. (...) Naquela noite, diante do pai e da mãe, aquele menino explicou que ser sozinho não era gostar de outros meninos. Era sozinho. Não tinha amigos. A solidão não é um género e não é um modo de amar. Muito ao contrário. É o contrário do amor.
Um dia muito mais tarde, mandou mensagem a dizer:
- Valter, agora acho que gosto de raparigas. Já conheço uma que é minha amiga.
Houve um tempo em que falámos mais. (...) Vi-o com a companheira, sei que têm, hoje, dois filhos. Se que o menino, agora um adulto ainda jovem, se afastou do próprio pai, porque alguns pais preferem o ódio.

Vejo, com horror, a eleição de políticos eufóricos contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que fazem é do foro do homicídio. Machões convictos, querem saber nada sobre crianças que crescem em pânico mesmo antes de saberem o que são. Tolerar não é tolerar ideias assassinas. Não tolero ofensas a direitos fundamentais. Não tolero agressões à liberdade de amar. Políticos com opções pelo ódio que se fodam. Vão-se foder. Não poderei estar no abraço a todas as crianças desesperadas em todas as escolas do país ou do mundo, mas vou sempre expressar o nojo por quem destrói a liberdade dos outros, o direito que os outros têm a serem felizes em algo tão sagrado quanto é o amor.

(Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1287, Janeiro 2020)

antes é que era...


Neste pequeno manifesto (cem páginas de letra folgada e espaçada) Michel Serres, com ironia, sarcasmo e metafórico, faz uma viagem pela sua já longa vida, confrontando as suas experiências de vida e como foi testemunha dos progressos inimagináveis que a espécie humana alcançou durante o século XX e, em particular, nas últimas décadas. Um progresso permanente, assíduo e em potência, que, contudo, não deixou de ser um progresso em causalidade circular, ou seja, que se trava e boicota a si próprio.
Afinal não, antes não era bom. É mentira. Michel Serres considera que agora é que é bom, que nunca foi tão bom como o é na actualidade.

Entrem na roda: Melhor depois produz os antes era melhor que põem em risco o melhor depois.(página 99).

28 janeiro 2020

cuidados de irmão


Ainda que à distância, a milhares de quilómetros, a preocupação com os que ficaram e são a sua gente não desaparecia. Impressiona o detalhe do destino a dar ao dinheiro. Nem um centavo a mais, nem um tostão mal gasto. Apenas garantir o importante e essencial. Estávamos na década de cinquenta do século XX e este pedaço de missiva passou-me agora pelos olhos e eu não fiquei indiferente.

27 janeiro 2020

mediascape: consórcio internacional?

Deixem-nos rir!
Diziam eles que o caso Luanda Leaks era fruto e resultado do trabalho e investigação de um consórcio internacional de jornalistas, do qual faziam parte jornalistas do Jornal Expresso, quando agora se veio a saber que afinal quem forneceu toda a informação foi Rui Pinto - the Portuguese dead man walking. Que grande embuste. Eu até acho que poderão ter sido dois embustes acumulados: 1º os jornalistas já sabiam que não foi preciso investigação qualquer, pois receberam já tudo detalhado e bem documentado e quiseram armar-se em arautos da verdade informativa e da justiça; e, ou 2º os jornalistas não faziam a mínima ideia de onde proviera tamanha informação, nunca imaginaram que pudesse ter sido de Rui Pinto, atravessaram-se e foram desmascarados pelo próprio informador exclusivo. O que ele se deve estar a rir...
Não deixa de ser caricato e, ao mesmo tempo, assustador, um só indivíduo conseguir brincar, denunciar e humilhar tanta gente com real poder. Como se costuma dizer, andará a brincar com o fogo, mas não entendo como é que as autoridades policiais e judiciais portuguesas não se servem do enorme manancial de informação que esse indivíduo possui para levar a bom porto o seu trabalho... investigar, denunciar, incriminar e condenar corruptos e demais criminosos, sejam eles quem forem.
Agora, e regressando aos jornalistas... aos tais que foram a Paris e tudo, reunir e trabalhar muito, muito, muito, nesta investigação do Luanda Leaks.
Ainda me estou a rir do "Consórcio Internacional de Jornalistas", cambada (estou na dúvida se) de pacóvios ou de parolos. Escolham.

património cultural


Como continuo às voltas com estas superlativas questões culturais é sempre com prazer que se vê chegar às prateleiras das livrarias mais um contributo sobre o assunto. Guilherme d'Oliveira Martins fala-nos do património cultural enquanto realidade viva que nos apela a todos e projecta-se para um futuro.
Neste pequeno ensaio de cerca de 100 páginas (e centésimo da colecção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos), o autor remete o património cultural para uma dimensão diacrónica, baseada na existência do real presente e socorrendo-se das faculdades humanas como a memória para aceder e recordar o passado, assim como a imaginação para projectar ou antecipar esse futuro possível e ambicionado.

aniversário

Completou no passado dia 24 de Janeiro treze anos de vida. Está de parabéns o Apurriar, eu, que aqui vou debitando as curvas e contra-curvas da minha existência e todos (os poucos) que por aqui vão passando e acompanhando a viagem. Obrigado.

20 janeiro 2020

indiferente, não consigo

Bem sei que não me diz respeito a vida interna de outros partidos que não o meu. Contudo, considero que o PSD e seu futuro interessam a todos os cidadãos e ainda mais àqueles que vão estando atentos ao que se passa à sua volta. Não gosto particularmente de Rui Rio e não digo que será o líder ideal para o PSD, mas em todo o caso, enquanto democrata, fico satisfeito e mais tranquilo sabendo que é ele o líder, pois a oposição que agora se apresentou a eleições não me mereciam o mínimo de respeito político - figuras associadas a Passos Coelho, figuras associadas aos interesses rentistas do Estado como Eduardo Catroga, Dias Loureiro, António Mexia, Zeinal Bava e afins, figuras associadas ao pior que este país já produziu, como Miguel Relvas, Marco António Costa, Hugo Soares e outros que tais. Penso que a vitória de Rui Rio significará uma maior possibilidade de impedir um crescimento incontrolável da direita radical e fundamentalista. Aliás, muitos dos agora derrotados poderão, deverão, migrar para essa direita do Chega e da Iniciativa Liberal, onde encontrarão o seu espaço ideológico natural e onde poderão dar largas às suas masturbações liberais e fascizóides.
Não consigo ficar ou estar indiferente.

mediascape:ladra

Bom dia e boas festas para todos aqueles que ainda acreditam; quer dizer, acreditavam até este fim-de-semana no Pai Natal.
Qual foi a novidade desta "notícia bombástica" que o consórcio de jornalistas internacional agora revelou sobre Isabel dos Santos? Eu, tu, ele(a), nós, vós, eles(as) já sabíamos há muito tempo que essa senhora conseguiu o que conseguiu às custas do roubo do erário público angolano. Portanto, nada de novo debaixo deste céu.
Não deixa é de ser muito interessante, agora, olhar para todos aqueles - advogados, jornalistas, políticos e opinares portugueses - que desde sempre lamberam o cu à cleptocracia angolana, sempre com a expectativa das benesses e de uns kwanzas transferidos para um paraíso fiscal qualquer. Vergonha na cara era o que deveriam sentir. Ainda recordo os tempos em que, indignados pela atitude do BE em não reconhecer o poder instituído em Angola, barafustavam e maldiziam bloquistas. Pois é, tinham e têm razão. Aquilo que o MPLA sempre fez foi esbulhar o erário público. Era agora tempo de o Estado angolano, reivindicar posse de todos os bens do clã "dos Santos" em Angola e no estrangeiro.
Grande e corajosa, uma vez mais, Ana Gomes, a chamar os bóis pelos nomes. "Isabel dos Santos é uma grande ladra".

18 janeiro 2020

dos mais belos...

Parafraseando um verso de um poema de George Oppen, alguns dos mais belos lugares do mundo estão no corpo da tua mulher.
(Paul Auster, in Diário de Inverno, página 131)

14 janeiro 2020

a senhora dança

Esguia sem ser alta, é figura frágil, apresenta-se regularmente bem vestida, apesar dos tons garridos das vestes e das maquilhagens, às tantas porque julga que consegue esconder, ou pelo menos disfarçar, as rugas que lhe invadem o rosto. Estará algures na sua sexta década de existência. O olhar atento a todos os movimentos no café denotam alguma intranquilidade, mas quem a vir assim sentada e sossegada, numa aparente normalidade, jamais adivinhará o desarranjo que, em intervalos de minutos, lhe assalta o ser e a faz saltar e dançar no espaço disponível, ao ritmo de um qualquer som que só ela consegue alcançar e tendo por par alguém que só ela sente. Indiferente ao resto que a rodeia, rodopia até ao fim dessa música imaginada e perante os olhares esquivos, alguns surpreendidos, outros envergonhados, de todos nós que julgamos impossível alguém manifestar assim a sua condição, senta-se tranquilamente e regressa à condição de igual aos demais.

13 janeiro 2020

one idea of heaven

Eu não conheço a obra de Roger Scruton's, pensador e filósofo, conservador inglês especialista em estética. Faleceu por estes dias e eu encontrei no Twitter esta linda fotografia que roubei de Rod Dreher.

A photo I took of Roger Scruton's office in his Wiltshire farmhouse. This is one idea of heaven.

08 janeiro 2020

ignomínia humana

As últimas imagens que vi antes de desligar a TV foram as de um ataque do Irão a uma base americana no Iraque, como retaliação pelo assassinato do seu dirigente militar. Previsível, diziam uns e outros dirão. Não se sabem pormenores, apenas a vertigem das Tvs com as suas "última hora", os seus comentadores especialistas e encartados e os directos de parte incerta, nos fazem expectantes face à loucura dos cenários que se adivinham. Vim deitar-me para ler um pouco, mas estes acontecimentos no Médio Oriente ocupam-me por demais o espírito e desconcentram-me da leitura. Preocupado, paro para reflectir sobre o que se passa, sobre esta escalada de violência e o ambiente que se percebe de vésperas de conflito descontrolado, se não total.
Não entendo, nem compreendo a necessidade da guerra. Não por ingenuidade ou ignorância, mas por um essencialismo humanista, fico sempre estarrecido e paralisado com as imagens e sons desses espectáculos televisionados em directo, porque não sei para que servem... Para que servem? Alguém beneficiará com isto? Não aprendemos já todos com a memória e o trauma de eventos passados? Que merda.
Raios partam o Trump e os seus lacaios analfabetos, fanáticos religiosos e belicistas. Como é que os Estados Unidos da América colocaram no seu altar-mor uma bestas destas?

06 janeiro 2020

mediascape: esbulho de Estado

as vítimas “não dizem que é agressão porque ao entrar na urgência (do hospital) têm de pagar logo 200 euros”.
A lei obriga a este procedimento nestes casos, cabendo depois aos tribunais decidir quem vai pagar as despesas e ressarcir a vítima, se for caso disso.
“Para evitar pagar os 200 euros e envolver as autoridades, chegam lá e dizem que foi uma queda”, sustentou.
(Carlos Martins, in Diário de trás-os-Montes)

A propósito do bárbara agressão e consequente morte do jovem cabo-verdiano em Bragança, li as declarações do segundo-comandante dos Bombeiros Voluntários locais, Carlos Martins, e custa a acreditar que assim seja. Eu desconhecia por completo essa obrigação de pagamento de 200 euros nas urgências dos hospitais públicos. Quer dizer, se alguém é agredido violentamente, como foi este caso, e fica inconsciente ou em muito mau estado, só é atendido se pagar esse valor? Há muito gente que pode não ter esse dinheiro para adiantar pela assistência. Não faz qualquer sentido. E assim de repente, até pelas afirmações deste profissional, as estatísticas nacionais relativas à violência poderão estar viciadas ou adulteradas, logo incorrectas. Às tantas, não seremos um país assim tão seguro e o nosso terceiro lugar no ranking poderá estar comprometido. Olha o André Ventura a ganhar credibilidade... (ironia)

confusões cronológicas

Com o início deste ano de 2020 temos ouvido por toda a parte que entramos numa nova década e que estamos "nos loucos anos 20", numa clara alusão ao que aconteceu na década homóloga do século passado. Mas trata-se de um erro, pois o ano de 2020 ainda pertence à década anterior. Esta confusão tão comum, que contraria todo o senso, deve-se ao facto de na convenção da contagem do tempo não existir ano zero, ou seja, quem instituiu o calendário que hoje utilizamos - calendário cristão - começou a contagem do tempo no ano 1. O responsável por esta milenar confusão foi Dionísio, o Exíguo (cognome), monge do século VI, que se celebrizou por ter criado umas tabelas para calcular a data da Páscoa, levando-o a criar o conceito de anno Domini(ano do Senhor) - a contagem dos anos a partir do nascimento de Cristo, ainda em uso e conhecida pela expressão "Era Comum" ou "Era Cristã".
Pode parecer estranho, mas também nós contamos assim a nossa idade. Vejamos: só no final do primeiro ano de vida dizemos que temos um ano, no final do segundo aniversário dizemos que temos dois anos, etc. Se uma década tem dez anos, só no final do décimo ano, essa década ficará concluída e esse último ano, o décimo, pertence à primeira década. Seguindo este raciocínio, 2020 será o último ano da década de 10 (segunda do século). No início de 2021, aí sim, estaremos numa nova década. Venha então toda a loucura dos anos vinte.

04 janeiro 2020

envelhecimento cultural

Servindo-se do exemplo da "famosa revolução digital" Manuel Frias Martins (MFM) reflecte, no último Jornal de Letras (nº 1285, Janeiro 2020), sobre o que é ser velho e como se envelhece... a gentil certeza da morte ao fim do caminho, com certeza, mas o modo de ser velho tem mais a ver, afinal, com o indivíduo do que com o tempo de vida de cada um. Partindo desta premissa, MFM questiona o envelhecimento cultural.
Começa por afirmar que o envelhecimento é percepcionado através do envelhecimento dos outros e que esse confronto entre o envelhecimentos (dos outros e o nosso) permite-nos entender o processo de envelhecimento cultural. Refere também a resistência, consciente ou não, à diferença e às mutações da cultura (sistemas de signos que actuam no interior de uma comunidade) como factor determinante.
Define o processo de envelhecimento cultural como um indivíduo ser obediente a si próprio e ao princípio regulador do seu conforto existêncial. Isto é algo que tem menos a ver com a idade do que com a atitude que cada um de nós tem ao longo da vida perante os desafios das ideias, das novidades tecnológicas, das práticas sociais e políticas no seu todo, nelas incluindo as práticas artísticas. Se essa atitude for pautada por uma busca do paraíso solitário onde só os valores individuais persistem, (...) então estamos a eliminar a interrogação, a dúvida, a contradição, o desassossego, a transformação. (...) Então somos protagonistas do do envelhecimento cultural que nos afasta do mundo e nos encerra no ilusório paraíso de nós próprios.
MFM considera, assim, que esse envelhecimento cultural é uma questão de carácter ou temperamento pessoal e não consequência de qualquer idade. Afirma-o como uma construção individual, ao contrário dos estudos culturais que o consideram uma construção social. Ao mesmo tempo, reconhece que todos nós, por mais disponíveis que estejamos para a novidade e para a diferença, acabámos nalgum ponto por revelar o nosso envelhecimento cultural, seja através das normas de vestuário, linguagem, gostos musicais e artísticos, etc.
Relativamente às tais tecnologias digitais que vieram revolucionar a nossa vida, MFM levanta as seguintes questões:
estarei eu a ser objecto de envelhecimento cultural se recusar este novo mundo digital?
Até onde é que eu posso ir na aceitação desta nova realidade sem contradizer a minha própria identidade, a qual se formou através da leitura em profundidade de livros diversos?
Poderei eu abdicar do enriquecimento propiciado por essa leitura e da promoção social e cultural da respectiva capacidade crítica?
Se eu privilegiar o espírito crítico daí recorrente, será que estarei num processo de envelhecimento cultural se afirmar (recusando) que no novo mundo digital há perdas irreparáveis no que respeita à leitura?
Consciente de que as respostas a estas questões não são simples, afirma que o importante é manter uma disponibilidade crítica, tão convicta quanto possível, para com as novas solicitações da cultura digital em todas as suas manifestações.
__ __ __

EU:
Estou mais do que disponível para a novidade, considero-me até um privilegiado por a minha existência coincidir com este tempo magnífico de desenvolvimento tecnológico e científico. Poder testemunhar essa evolução, procurar acompanhar aquilo que é novidade e ser capaz de me servir dela, será sempre uma sorte e um prazer. Contudo, reconheço com humildade que estarei aprisionado ao meu envelhecimento e que à medida que esse processo evolui, consciente estou de que cada vez me escaparão mais "novidades" e que o meu interesse tenderá a decrescer. Dito de outro modo, cada vez mais casmurro e teimoso.

02 janeiro 2020

o último dos moicanos

A notícia chegou-me através de email da APA (Associação Portuguesa de Antropologia). Faleceu ontem, dia 1 de Janeiro de 2020, Benjamim Pereira aos 91 anos, figura maior e incontornável da Antropologia portuguesa. Fundador do Museu Nacional de Etnologia, foi um dos membros da tutelar equipa composta por Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano. Benjamim Pereira dedicou-se especialmente ao mundo rural português. Ficamos mais pobres.






Nestas fotografias, que eu dato de Dezembro de 2000 ou 2001 (não tenho a certeza), Benjamim Pereira visita a festa de Santo Estevão, conhecidas por Galhofas, em Ousilhão, concelho de Vinhais. Foi aí que o conheci e com ele pude trocar algumas palavras sobre a festa e suas simbologias. Na última fotografia, em que Benjamim Pereira está meio encoberto, estão também duas figuras importantes para a minha formação: Álvaro Campelo (ao centro) e Francisco Queiroga (à direita).

"estar presente"


Esta é a mensagem que se pode ler nos portais, pelo menos, das auto-estradas portuguesas por estes dias de festividades. Não sei quem foi o autor da frase, mas está de parabéns, pois não me recordo de slogan tão simples, acertivo e de tamanha profilaxia. De facto, importa é estar presente. Sempre.

retiro

Foi a sensação com que fiquei, agora que regressei à velocidade das coisas do dia-a-dia, das horas e dias que passei em Trás-os-Montes. Duas semanas de autêntico retiro familiar: sem a necessidade de sair à rua para mais nada a não ser para a maldita cafeína, vivi esses dias fechado entre paredes aquecidas, a ler, a escrever e a brincar (quando a isso era obrigado) com a criança. Soube-me pela vida.

(entre outras pequenas loisas e apontamentos, eis o que li por esses dias)

01 janeiro 2020

acontece

Primeira madrugada de Janeiro e eu não consigo dormir. Depois de alguma hesitação, acendo a luz e sento-me na cama, vejo as horas e pego no telemóvel para espreitar o Twitter. Só mais do mesmo. Na mesinha de cabeceira estão os livros que trouxe para estas duas semanas de retiro transmontano e no cimo deles está o "Diário de Inverno" (memórias) de Paul Auster. Não conheço nada deste autor e, confesso, comprei este livro porque me atraiu a capa e o título. Abro-o com curiosidade e, logo na primeira página e parágrafo, leio:

Pensas que nunca te vai acontecer, que não te pode acontecer, que és a única pessoa no mundo a quem essas coisas nunca irão acontecer, e depois, uma a uma, todas elas começam a acontecer-te, como acontecem a toda a gente.

Não foi preciso ler mais para saltar da cama e sentar-me aqui em frente ao pc com vontade de escrever. No entretanto, espreito pela janela, que escorre água do lado interior, e percebo que lá fora está uma tremenda geada. Está tudo esbranquiçado e a brilhar. Não é só bonito, é aconchegante e tranquilizador.
Tratando-se de um livro de memórias não imagino melhor forma de dar início a um exercício retrospectivo e, muito provavelmente, auto-biográfico. Não sei o que se segue, mas estas primeiras linhas agarraram-me para poder chegar ao seu fim, até porque se reflectirmos sobre o que aí está dito, às tantas, poderemos subscrever o seu raciocício.

Ainda quero regressar à cama e ao sono, pois mais logo, está prevista viagem para a grande cidade e o retorno às rotinas de sempre.
Que possa acontecer um bom ano.

29 dezembro 2019

the goal

I can't leave my house
or answer the phone
I'm going down again
but I'm not alone
settling at last
accounts of the soul
this for the trash
that paid in full
as for the fall - it began long ago
can't stop the rain
can't stop the snow
I sit in my chair
I look at the street
the neighbor returns my smile of defeat
I move with the leaves
I shine with the chrome
I'm almost alive
I'm almost at home
no one to follow
and nothing to teach
except that the goal
fall short of the reach.

(Leonard Cohen, in "Thanks for the dance", 2019)

26 dezembro 2019

gosto

Chegou-me através da minha filha que, estando apaixonada pela Alemanha e sua língua, descobriu este jovem de voz rouca a cantar, normalmente, em alemão. Não percebo uma palavra, mas o rapaz canta bem e a música dele é agradável. Neste vídeo, um cover de Kylie Minogue. Gosto do original e gosto deste cover.


23 dezembro 2019

de tão óbvio...

O problema da esquerda contemporânea é o das particulares formas de identidade que têm crescentemente escolhido celebrar. Em vez de construir solidariedade em torno de grandes colectividades como a classe operária ou os explorados economicamente, tem-se focado em grupos cada vez mais pequenos que são marginalizados de maneiras específicas. Isto é parte de uma história mais ampla do destino do progressivo moderno, em que o princípio do reconhecimento universal e igual se transformou no especial reconhecimento de certos grupos.
(Francis Fukuyama, in IDENTIDADES, 2018:114)

rica metáfora

Tantos capadores há no mundo e quanta porca fica por capar...

mal regresse, vou comprar

pré-Natal

Todos os anos é a mesma conversa, o mesmo ritual. Já não adianta repetir o enfado em que se transformou o Natal. Por estes dias de pré-coiso, numa das frenéticas visitas a um espaço comercial, ouviu-se o seguinte diálogo entre duas lojistas:
- Eu não entendo. As pessoas andam todas agitadas, stressadas e carrancudas, em vez de andarem alegres e descontraídas por ser Natal.
- Pois é. Mesmo. Não sei porquê.
(silêncio)
Pois bem. Eu entendo. Retirem a obrigatoriedade de comprar presentes no Natal e a agitação e o stress terminariam. A disposição das pessoas seria logo outra. Não tenho dúvidas.
Um dia hei-de conseguir.

entre paredes

- Porque não sais comigo?
- Eu não saio com ninguém.
- Em cinco anos, só te conheço entre estas paredes...
- São as minhas paredes, não há mais para conhecer.

inundados ou submersos

Esteve, ainda está, o país debaixo de um dilúvio de água e vento. A Comunicação Social não fala de outra coisa e o circo é o mesmo de sempre, o de uma catástrofe nacional. Eu estarei sempre solidário com os cidadãos que sofrem directamente com estas intempéries, mas não percebo este alarido todo por causa da água. Então não estávamos (estamos?) a sofrer com uma seca severa há vários meses ou anos? Agora que veio a água e com abundância, já estamos a reclamar porque há água a mais... nunca estamos satisfeito com o que temos.
Depois, ainda levamos com este frenesim (des)informativo, parecendo que o país se vai afundar. Não, não vai e para além disso, as populações que sempre viveram em zonas ribeirinhas estão habituadas a este tipo de fenómenos. Eu, que apesar de ainda não ser propriamente sénior, lembro-me de, ciclicamente, ver os rios transbordarem e inundarem as lezírias e zonas baixas. Onde está o espanto agora?
Mais, ainda alguém me irá explicar o(s) critério(s) para se afirmar que um dia de Sol e de calor corresponde a "bom tempo" e um dia de chuva e de vento significa "mau tempo". É que para a minha amígdala o bom tempo é este, o de frio, chuva, nevoeiro, gelo ou neve. Portanto, onde e quando se instituiu esses parâmetros de qualidade do clima? Eu contesto-os.
Por fim, "a bem da nação" como se dizia no velho tempo, e já agora, para bem de todos nós, deixem chover, deixem a terra ficar coberta de água. Mais tarde, todos agradeceremos.

11 dezembro 2019

ainda e sempre, a luta

Eu já tinha feito referência ao livro, já o comprei, mas só hoje conheci este momento. Agradeço ao mano mais novo ter-me feito chegar este par de horas de verdade e saber.

PIRRALHA

Certo, justo e pedagógico.

a fábrica do braço de prata

Já tinha ouvido falar dela, do espaço eclético e multicultural que ocupa este edifício onde esteve instalada a fábrica de material de guerra, depois esteve meio abandonado e agora é ocupado por uma associação cultural... a fábrica é uma história que se faz com pessoas, atitudes, projectos e muitos sonhos.
Estive lá no Domingo, dia 8 de Dezembro, e o deslumbre foi total. Lugar bonito, desarrumado e anárquico, mas com sentido, ou melhor, apelando aos sentidos. Ainda que a razão de lá ter ido esteja a léguas da essência do espaço, foi um prazer respirar o ambiente e percorrer devagar e com atenção cada prateleira recheada de velhos e gastos livros. Pena não ter encontrado nada do meu interesse. Adorei. Com toda a certeza irei regressar.

(enquanto deambulava por algumas das salas, fiz este pequeno vídeo)

congresso de estudos rurais


Participei, de 5 a 7 deste mês de Dezembro, no VIII Congresso de Estudos Rurais, organizado pela SPER (Sociedade de Estudos Rurais) e pelo RuralReport, que se realizou na Escola Superior Agrária do Politécnico de Viana do Castelo, em Refóios do Lima. Esta escola está instalada no antigo Convento de Santa Maria, inicialmente Beneditino e depois da Ordem do Cónegos Regrantes de Santo Agostinho até à extinção das ordens religiosas em Portugal, no século XIX. A Escola foi aí instalada depois de uma remodelação assinada pelo arquitecto Fernando Távora.
Depois de alguns anos ausente destes encontros, nomeadamente, da RuralReport, regresso para conhecer novos investigadores e rever algumas caras já conhecidas. Com um conjunto de intervenções - painéis e sessões plenárias - diversificadas, percebe-se a preponderância das engenharias agrárias e da produção, assim como da abordagem histórica. Em todo o caso, é bom perceber como o olhar, a atenção e a preocupação com o espaço rural continua a motivar e a reunir tanta gente. Se dúvidas houvesse, este é um momento de afirmação desse universo e suas dimensões. Eu, tal como já aqui tinha referido, levei comigo as Nomeadas em Trás-os-Montes, enquanto metáforas de identidade, alteridade e tradução cultural.
De lá e desses dias trouxe uma gripe que, com custo, ainda tento debelar.






(fotografias de alguns pormenores do edifício onde está instalada a ESA)

a sabedoria

A sabedoria é a única ciência livre pois a sabedoria não está voltada para um tema em particular, mas para si mesma e para a forma mais perfeita de se existir. A sabedoria quer simplesmente saber, de uma forma livre; o conhecimento é o seu objecto; um conhecimento sem disciplina; indisciplinado, mas em forma de curva, regressa para si mesmo.
(Gonçalo M. Tavares, in Jornal de Letras nº 1283, Dezembro 2019)

03 dezembro 2019

mediascape: patavina

A propósito do jornal Público noticiar o seu abandono da plataforma Nónio, li o seguinte parágrafo e não percebi nadinha. Raio de linguagem! Complexa-hermética-estupidificante. Traduzam-ma p.f., pois sinto-me o mais analfabeto que possa existir. Ainda assim uma boa notícia.

"Até ao final deste ano, de acordo com a Plataforma de Media Privados, o Nónio entrará numa nova fase em que adopta uma plataforma tecnológica comum, a AppNexus, que permitirá disponibilizar um novo marketplace com segmentações de audiências transversais e simplificar o processo de compra para anunciantes e agências."

29 novembro 2019

a cultura da arrogância

A cultura de trabalho de Joacine Katar Moreira é uma cultura de descanso, no sentido intelectual do termo...

A propósito de mais um lamentável episódio protagonizado pela deputada do Livre na Assembleia da República, foram estas as palavras do seu assessor para justificar o pedido de segurança para a proteger dos jornalistas dentro da própria Assembleia da República. Inacreditável o episódio e palerma o comentário do assessor, armado em intelectual - o que raio é uma cultura de descanso?... qual é o sentido intelectual do termo?... Pela santa amígdala!
Passaram poucas semanas desde que foi eleita, mas desde o primeiro momento se percebeu o seu perfil e a atitude, que coadjuvada pelo seu peculiar assessor, mais parecem duas avantesmas pelos passos perdidos da Assembleia. Joacine Katar Moreira é arrogante, vaidosa e racista. E não é no sentido intelectual dos termos, mas sim nos sentidos literais dos vocábulos. Digo-o de boca cheia e sem pudor.

[eu ensino aos meus alunos a diferença entre as atitudes etnocêntricas e relativistas em cultura (faz parte do programa de uma das cadeiras que lecciono) e costumo apresentar vários exemplos ou situações para que percebam as diferenças e consigam identificar no quotidiano essas atitudes. Quando explico que o relativismo levado a um extremo se pode transformar num certo etnocentrismo invertido, procuro exemplos actuais. Este ano já tenho um excelente exemplo para esta situação: a deputada Joacine Katar Moreira e o seu comportamento fundamentalista e racista]

Lamento que o Livre esteja nesta circunstância, refém de uma agenda pessoal da sua única deputada, sem sentido e sem enquadramento político no programa do seu partido. Não será por acaso que vários dos seus membros fundadores e militantes têm abandonado o projecto.
Enfim, esperemos pelas próximas pérolas de suas excelências.

27 novembro 2019

mediascape: o seguro morreu de velho?

Este é o título da notícia no Jornal de Notícias online que eu não pude ler porque o "nónio" não me deixa. E como eu me recuso a aderir a essa coisa, fico impossibilitado de conhecer a notícia em pormenor. Em todo o caso, esse facto não me impede de reflectir sobre o noticiado.
Num primeiro momento seremos tentados a estranhar tal situação, como é que são os cidadãos que menor capacidade financeira têm, quem contratualiza mais seguros de saúde privados? Pois bem, parte da resposta estará na insuficiência declarada e atestada do Serviço Nacional de Saúde e as pessoas, fartas desse sistema e da sua incapacidade crónica, fazem o esforço financeiro para garantirem algum conforto e segurança na sua saúde. De imediato surge nova questão: Então e os cidadãos das chamadas classes altas, como garantem a sua saúde? Pagam do seu bolso a totalidade da factura, ou têm acesso privilegiado (vá-se lá saber por que meios) aos cuidados do Serviço Nacional de Saúde?
Eu, que nesta topologia imposta de hierarquização social, só a custo me consigo auto-considerar de uma classe média (daquela baixa, baixinha), possuo seguro de saúde privado há muitos anos e só quando, por ter dado aulas na escola pública tive acesso à ADSE, interrompi esse seguro. Portanto, se por um lado, o meu caso confirma a notícia, por outro lado, fico preocupado pela falência do serviço público e fico muito curioso para saber como fazem esses, os tais privilegiados deste país...

vamos LER

24 novembro 2019

thanks for the dance

23 novembro 2019

mediascape: isto, isto e isto

Sascha Baron Cohen faz o discurso da sua, da nossa, vida! Ouçam.


22 novembro 2019

beautiful day


Dia de compras.
Horas felizes se adivinham.

21 novembro 2019

o mito, o símbolo e o trabalho inútil


Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança. (Camus, in O Mito de Sísifo)

Através desta metáfora, Albert Camus desenvolve neste seu livro uma reflexão sobre o absurdo e a negação da morte. Através de Sísifo, que nega os Deuses e aceita o seu destino, vivendo até à exaustão, Camus escreve sobre o desejo de esgotamento da vida, de conhecimento profundo da existência humana, consciente de todos os riscos, liberdade suprema de encarar o absurdo (morte) sem nostalgia e sem reservas.
A leitura deste ensaio filosófico não é fácil e obriga a uma atenção suplementar. Depois de alguma resistência inicial, consegui terminar a sua leitura. A determinado momento a reflexão dedica-se ao símbolo, enquanto elemento existêncial. Sem qualquer conhecimento prévio, eu diria até com alguma surpresa, essa sua reflexão encaixa na perfeição naquilo que ando a maturar, há algum tempo, sobre estas questões simbólicas. Transcrevo duas passagens em particular, cuja leitura me vai obrigar a reflectir e a reescrever, ou seja, trabalho acrescido para os próximos dias...

Um símbolo pertence sempre ao domínio do gerado, por mais precisa que seja a sua tradução, nenhum artista é capaz de lhe restituir mais do que o movimento: nunca pode ser traduzido palavra por palavra. De resto, não é mais difícil de compreender do que uma obra simbólica.
(...)
Um símbolo, com efeito, supõe dois planos, dois mundos de ideais e de sensações, e um dicionário de correspondências entre um e outro. É o léxico mais difícil de estabelecer. Mas tomarmos consciência desses dois mundos postos em contacto é situarmos-nos no caminho das suas relações secretas.
(Albert Camus, 2016:119 e 121)