27 setembro 2009

descompressão

Em final de noite de eleições e para sair do assunto, começo a arrumar a carteira, onde encontro este cartãozinho. Diz respeito a um sítio simpático onde fui jantar com um grupo de amigos(as) no início do mês de Setembro. Sei apenas que ficava lá para os lados do Bairro Alto, em Lisboa.

26 setembro 2009

olho de Alá

(texto escrito a pedido de um amigo para um "panfleto" de apresentação de uma peça de teatro com o mesmo nome. O resultado não agrada, mas mesmo assim enviei-lho com a indicação de que se não gostasse não o utilizasse)

“a fé na capacidade humana de transcender limitações”
Ana Saldanha

A sociedade ocidental, fortemente influenciada pelo positivismo, ainda hoje vive agarrada à ciência convencional, que na sua pressa pelas descobertas e na sua voracidade pelo conhecimento, objectivo santo e sacro da “boa” ciência, esquece com facilidade tudo ou parte daquilo que a precedeu, fundou ou fundamentou e permitiu evoluir até ao estado presente. Vivemos um tempo complexo, de tal forma especializado que, sem reflexão, vamos reinventando os limites da nossa percepção. Um dos momentos primeiros desta nova ciência, foi como que um acaso, num encontro fortuito de culturas, a curiosidade pelo outro e pelo exótico levou até à velha Europa um estranho instrumento, levado da Península Ibérica nas alforges de um velho comerciante. Diz a lenda que foi o seu peculiar design que despertou o interesse. Já no centro do mundo de então terá chegado às mãos de um mestre, interessado nas ciências do oculto e que na clandestinidade praticava as suas manhas e patranhas. Como estava bem consciente do perigo da sua actividade, era com secretismo que aceitava partilhar os seus conhecimentos e mostrar a terceiros as suas estranhas descobertas. Foi este clandestino que baptizou o tal objecto de “olho de Alá”, pois percebera que este tinha poderes extraordinários, jamais vistos, sem humana explicação ou entendimento e que ultrapassava em muito os limites da percepção de então. Algo semelhante aos poderes divinos ou à visão de um Deus, daí a designação. Nessa pré-época moderna, os paradigmas vigentes estavam nas mãos de um poder instituído fortemente influenciado pela hierarquia da igreja, o que levava a uma atitude persecutória em relação a tudo o que pudesse por em questão essa mesma ordem. O olho de Alá foi o elemento que fundou a crítica e o movimento contestatário ao status quo desse tempo. Foi ele que permitiu conhecer todo um mundo novo, até aí desconhecido, que se nos apresentava através dessas lentes. Mundo esquivo de novas dimensões, que obrigava a uma nova abordagem e, consequentemente, a uma nova ciência que não dependesse sequer do poder da Igreja, mas da arte e engenho do Homem em rasgar com as velhas lógicas e agarrar a vanguarda da descoberta e do conhecimento.

dia de reflexão

Sempre no dia seguinte a um período de campanha eleitoral, este é o dia em que todos devemos reflectir sobre aquilo que queremos para o futuro do país, assim como é o dia de descanso para todos aqueles e aquelas que participaram activamente no trabalho das campanhas eleitorais. Esse período de cerca de 15 dias foi um tempo muito intenso e desgastante, no qual fizemos milhares de quilómetros e visitámos todas as sedes de concelho do distrito de Bragança. Se na generalidade podemos dizer que fomos bem recebidos em todo o lado, também é verdade que há localidades onde a nossa presença é mais notada e criticada. Mas em democracia é mesmo assim: Aplaudidos e/ou vaiados temos que saber continuar e sempre com um sorriso nos lábios. Enfim, foi uma experiência interessante e pessoalmente enriquecedora. Não sei se algum dia a voltarei a experimentar (pelo menos nestas condições e com esta responsabilidade), mas valeu a pena. As expectativas são elevados e a ansiedade pelo resultado de amanhã enorme. Estamos prontos.

20 setembro 2009

forwarded message

Caro sr. Luís Vale,
Gostei muito da sua proposta sobre a Regionalização, mas você parece-me estar sózinho em relação aos líderes nacionais do BE ou aparenta ser uma voz a pregar no deserto do BE. Parece-me que o BE continua a seguir o modelo burocrático, seguidista e desregionalizador da direita. É ser-se de esquerda propor ou concordar com a regionalização burocrática da regiões-plano artificiais e burocráticas como propõe o PS e os outros partidos de direita do do bloco central?
Então qual é a diferença em votar no BE ou nos partidos da direita incluindo PS?
Em termos de regionalização, NENHUMA!
Por causa da política oficial do BE em relação à Regionalização (não confundam a verdadeira regionalização ao serviço dos povos regionais de Portugal com a DESREGIONALIZAÇÃO que o PS e a direita agora propõem) este ano nas Legislativas de 27 Setembro, eu não voto BE! Não sei se vote CDU, POUS, PCTP-MRPP ou outro de esquerda que apareça, mas BE até proporem uma verdadeira Regionalização, não voto mais!
Então o BE e a esquerda portuguesa estão tão preocupados com a autonomia ou a liberdade dos povos regionais de outros países, galegos, bascos, chechenos, corsos, escoceses, morávios, etc, etc. mas não ligam nenhuma aos povos regionais de Portugal?
Os ribatejanos não existem? Os galaicos ou minhotos também não existem? Os estremenhos não existem? os lusitanos ou beirões também não existem?
Eu aconselhava era toda a Direcção Nacional do BE a darem uma olhadela no site de uma Associação regionalista lusitana que defende a distinção entre os portugueses e os outros povos regionais de Portugal e a regionalização de todas as regiões étnico-culturais e a provincialização das regiões históricas como entidades regionais secundárias, para ver se aprendiam alguma coisa sobre as culturas étnico-culturais dos povos regionais e nativos de Portugal e as tradições que ainda sobrevivem (embora ameaçadas) neste país atrofiado e ignorado até por alguns camaradas de esquerda.
Amigo e camarada Luís Vale , eu sempre fui um homem de esquerda (nunca votei PS nem direita), posso dizer-lhe que a sua proposta é a melhor que vi até agora (é quase perfeita), embora seja necessário, na minha humilde opinião pessoal, preservar a existência da região do Ribatejo e do Grande Porto independentes, e a região das Beiras poderia ser uma só embora subdividida em três ou quatro províncias também oficiais, e porque não devolver outra vez o nome original da BEira, que sempre foi Lusitânia e que ainda hoje é habitada no seu interior montanhoso por um povo com tradições culturais únicas que sempre se chamou de lusitano?
Obrigado pela sua atenção.
PS- Espero que este humilde cidadão português não seja alvo de censura, porque há dois meses +-, enviei uma carta semelhante a manifestar a minha preocupação em relação à posição oficial de alguns lideres nacionais do BE sobre a Regionalização e a denunciar a Desregionalização, mas a minha carta, não só não foi publicada na página do partido na internet como também não obtive até hoje resposta. Pelo Socialismo e o poder popular!
José Silva.

design inteligente

Andava eu entediado sem saber muito bem o que fazer. Tudo me aborrecia e não estava bem em lado nenhum. Passeava-me pelo cosmos sem destino, tropeçava num cometa aqui e numa estrela acolá, deambulava daqui para ali e de além para aqui sem qualquer destino ou propósito e, de vez em quando, para acrescentar adrenalina, lá me atirava para a centrifugação de um qualquer buraco negro. Mas tudo acontecia muito depressa e logo regressava à anterior monotonia. Acima de tudo, aquilo que mais me enfurecia era o facto de não precisar de qualquer esforço para conseguir o que pretendia. Um pensamento bastava para me transportar para essa realidade. Chatice. Algo novo e diferente precisava urgentemente.
A resposta veio em forma de mundo, imaginado, projectado e construído num tempo que precisei de organizar e chamei dias. Porque gostei e me deu imenso prazer, gastei sete desses tempos. Agora que o recordo, foram os melhores tempos da minha intangível existência. Tanto tempo já passou e tanto fiz depois, mas esse momento primeiro foi o mais belo e perfeito. O cuidado e a atenção a que me obriguei, permitiu-me desenhar tudo ao mais ínfimo pormenor, experimentar e testar antes de fazer e, depois de tudo montado, por a funcionar. Com omni-atenção consegui ir corrigindo alguns erros congénitos e pequenas falhas técnicas e assim, já no final do sexto tempo, pude com deleite apreciar o sublime. Ao sétimo momento, exausto descansei.

13 setembro 2009

colecta no congresso da APA

Aproveitando os preços (incrivelmente) reduzidos dos livros à venda numa pequena feira do livro promovida pela organização do IV Congresso da APA, trouxe alguns títulos que estavam em falta, ou seja, que eu queria e precisava comprar. Mas só para que se perceba a grande redução de preços, comprei um livro por 8 euros, quando nas lojas custa 24 euros. Só podia aproveitar.
- Medeiros, António, 2006, Dois lados de um rio - nacionalismos e etnografias na Galiza e em Portugal, Lisboa, ICS;
- Guimarães, Ana Paula, 2008, Nós de Vozes, Lisboa, Edições Colibri;
- Revista Etnográfica, vol. 12 nº1, Maio 2008, Lisboa, Centro de Estudos de Antropologia Social;
- Espírito Santo, Moisés, 1989, Fontes Remotas da Cultura Portuguesa, Lisboa, Assírio & Alvim;
- Raposo, Paulo, 1991, Corpos, Arados e Romarias, Lisboa, Escher;
- Guimarães, Ana Paula e Barbosa, João e Fonseca, Luís (org.), 2004, Falas da Terra - natureza e ambiente na tradição popular portuguesa, Lisboa, Edições Colibri;
- Balsa, Casimiro (org.), 2006, Relações Sociais de Espaço, Lisboa, Edições Colibri;

06 setembro 2009

é como voltar a casa

Este último ano que passei na televisão não foi feliz, sem culpa nenhuma para Manuela Moura Guedes, que me tratou com inalterável generosidade. À parte a minha má imagem (um understatement), a minha má voz, geral incoerência e péssima dicção, sucede que escrever (um ofício em que me eduquei) é exactamente o contrário de falar. Quem fala improvisa; quem escreve calcula, planeia, emenda, substitui. Os dois processos são contrários. Pior, são incompatíveis. Verdade que a prosa acabou por me levar à televisão: um compreensível acidente. Só que "um homem de letras", mesmo medíocre, nunca, no fundo, se transforma. Voltar a este privilegiado canto é, para mim, como voltar a casa.
Vasco Pulido Valente, Jornal Público, 06/09/2009

04 setembro 2009

como eu gostava, como eu quero estar enganado

Bem sei que ainda falta algum tempo para o dia das eleições legislativas e que muita água turva e revoltada vai passar por baixo desta ponte, mas hoje foi o dia em que me apercebi, me convenci que o caso do Jornal Nacional da TVI e o afastamento de Manuela Moura Guedes e demais equipa foi a machada final nas hipóteses de José Sócrates e do PS ganhar essas eleições. Bem dizem que as eleições não se ganham, mas perdem-se e este será mais um exemplo desse lapidar sentimento. Se assim for, e eu não quero que seja, nos próximos anos ou décadas o "reinado" de Sócrates será um case study nas melhores academias (da gestão e administração pública, do direito, da criminologia e investigação judicial, da comunicação, da política, do marketing, etc.). O seu maior legado será esse, o de contribuir para o avanço da ciência em Portugal e, quiçá, no estrangeiro (seja isso onde for...).

31 agosto 2009

internacionalização

Dear Paulo Castro Seixas, Luís Vale, and Jorge Morais Sarmento,
The Scientific Committee of the I International Conference on Intercultural Studies is glad to inform that we have accepted your essay "Culture as Translation: An ethnographic exercise on dialogue" for publication in the collection "From Here to Diversity:Globalization and Intercultural Dialogues", with Cambridge Scholars Publishing, scheduled for 2010.
Soon we will be sending the respective contributor agreement and further instructions.
Congratulations for the quality of your essay.
With our very best regards,
The Scientific Committee of the I International Conference onIntercultural Studies

24 agosto 2009

dias de festa

Eram dias de nomeada na vila, recheados de festivas actividades e sacros momentos que terminavam, invariavelmente, madrugada dentro com aparatosos arraiais, repletos de luz e som que inundavam grande parte da vila. O palco da festa era sempre o mesmo, porque único com capacidade para acolher os milhares de foliões que vinham, ano após ano, de todos os recantos do concelho e redondezas. Nesse recinto não faltava qualquer ingrediente, daqueles que tradicionalmente animam os santos e seus fíeis: do algodão-doce aos carrinhos-de-choque, das farturas aos Rayban's magrebinos, sem esquecer, claro, a banda ou artista que animavam cada noite da festividade. E porque de uma grande festa se tratava e o dinheiro aparentava abundar, eram chamadas várias celebridades, tentando assim cuidar de todos os gostos. Por fim, um parágrafo para aquilo que nunca, mas nunca, faltou: a zaragata ou escaramuça que animavam aqueles, os pândegos, que se deixavam ficar por ali e para o fim da festa. Destes, havia aqueles que acabavam a noite na urgência do hospital local, enquanto que os outros, a grande maioria, acordavam no dia seguinte perdidos num qualquer lameiro ou num qualquer palheiro, esquecidos daquilo que acontecera e prontos para mais um dia de festa.

17 agosto 2009

rostos difíceis

As voltas que já dei para recuperar o teu rosto. O esforço que continuo a fazer para o localizar. Há rostos assim, difíceis de encontrar: seja pela sua beleza, pela sua singularidade, pela sua estranheza, pelo seu recorte, pelo seu exotismo, etc. De tão bem que os guardámos na memória, a custo os conseguimos resgatar. O teu foi um dos tais, mas finalmente consegui colocar-te num espaço e num tempo passados.
Conheci-te há uns anos atrás num café que nunca cheguei a saber o nome. Era final de Verão. Fui levado até ti num grupo de amigos que, ritualmente, saltavam de café em café, de consumo em consumo até à exaustão da madrugada. Concerteza, iríamos a caminho de outro lugar e essa foi apenas mais uma paragem para ingerir quantidades estúpidas de alcool…
Foi o estado ébrio de então e a posterior amnésia que me fez remeter o teu rosto para o fundo da memória O que sorrimos, o que dissemos, o que pensámos não guardei. Nem sequer o teu nome. Daí saímos para acabar a noite, essa noite, num qualquer bordel da cidade, enroscados em sabores vulgares vindos, a soldo, dos trópicos.
Encontrar-te passados todos estes anos, obrigou-me a suplementar diligência e, apesar de ainda ter procurado nas tuas expressões um sinal de que eu estaria algures na tua memória, também aí nada consegui. Esse instante passado nada mais foi do que um breve e bonito espaço-tempo da nossa vida.

12 agosto 2009

agora é oficial

Hoje, por volta das 15 horas fomos ao tribunal de Bragança oficializar a candidatura do Bloco de Esquerda às eleições legislativas. À entrada do tribunal conversámos com a Comunicação Social Regional, que aparentemente está também (e merecidamente, digo eu) na sua Silly Season. Fica o agradecimento ao amigo João Cunha que aceitou o meu convite para mandatário da lista, ao José Soeiro da Comissão Política do BE por ter vindo apoiar a nossa candidatura, aos jornalistas que estiveram presentes e a todos os restantes membros da jovem lista. De resto, enquanto cabeça desta lista, assumo todas as responsabilidades inerentes ao desafio e em relação àquilo que viermos a fazer e a conseguir.

Espelhos outros (em actualização):
- http://tinyurl.com/ntfb78

- http://tinyurl.com/lmyrqs

- http://tinyurl.com/m3ycwn

- http://tinyurl.com/lsva3x

instantes urbanos VII

Mal acabado de parar o carro em frente a casa, depois de uma noite inteira a ordenar listas, nomes e certidões para os processos eleitorais que se avizinham, estou à conversa com um amigo com quem a espaços convivo. Somos abordados por um casal de idosos que, num tom sofrego, nos questionam se algum de nós tem carro. Não alcançando desde logo aquela abordagem, com algum receio dizemos que sim. A explicação vem logo de seguida:
- Sabe, eu estou muito mal. Os senhores podiam levar-nos à urgência? É que não temos carro e eu não consigo chegar lá a pé... - diz-nos a senhora, visivelmente incomodada com uma qualquer dor.
- Concerteza, vamos lá. - Respondo eu, surpreso pelo pedido.
Durante o curto percurso e já quase a chegar ao hospital, resolvo aconselhá-los para, em situações semelhantes, chamarem uma ambulância. Só que a sua resposta foi completamente esclarecedora:
- Mas nós não temos telefone. Ainda tentamos ir ao café, mas já estava fechado.
- Pois. - Digo eu desarmado. - Assim é mais difícil.
Lá chegamos à porta da urgência e os deixámos. Agradeceram a amabilidade e já no regresso o meu amigo diz-me que acabáramos de fazer a nossa boa acção do dia (noite).
Despedimo-nos no mesmo sitio.
Na manhã seguinte, e tal como faço diariamente, abro a porta traseira do carro para pousar a pasta e dou de caras com um nota de 20 euros cuidadosamente pousada (mas visível) no chão do outro lado do carro. A boa acção da noite anterior afinal foi uma prestação de serviço e, por sinal, bem paga. Obrigado.

07 agosto 2009

04 agosto 2009

Novas Ruralidades

Nos passados dias 20, 21 e 22 de Julho estive em Ortigueira (na Corunha) – pequena e isolada localidade do norte da Galiza encostada ao oceano Atlântico, de onde (crê o povo) nos dias mais claros se consegue avistar a Inglaterra. Ortigueira é, principalmente, conhecida por aí se realizar, anualmente, o maior festival do mundo de música inter-céltica. Durante esses dias participei num encontro promovido pela Universidad Internacional Menéndez Pelayo, subordinado ao tema “Novas Ruralidades na Galiza”, onde técnicos e investigadores de várias áreas do saber reflectiram e discutiram os territórios rurais galegos, analisando a sua história, percebendo a sua actualidade e tentando perspectivar possíveis futuros. Regressado ao lado de cá, dou de caras com a notícia do “Estudo sobre a Pobreza na Região Norte de Portugal” elaborado pelo Centro de Estatística da Associação Nacional das PME e pela Universidade Fernando Pessoa para a Comissão Europeia, que indica Trás-os-Montes como a Sub-Região mais pobre dos 27 países da União Europeia.
Mais do que discutir este documento, gostaria de reflectir acerca da ruralidade que sempre vivemos, da ruralidade que actualmente existe e daquela que nos querem impor. Devemos partir do princípio que o rural se distingue do urbano (espaços, lugares, tempos, espaço-tempos e modos de vida) e que a questão principal será determinar os limites de uma e outra realidade. Esta limitação permitirá perceber as diferentes construções imaginárias de identidades, nomeadamente: a ideia de prestígio associado à vida nas cidades, o fascínio das luzes da cidade, o prestígio de ser migrante: comodidades, dinheiro e aparência, o atraso e a estática rural por oposição à dinâmica da cidade. Portanto, para podermos falar de ruralidade(s) teremos que ter sempre em consideração os processos de urbanização e, mais recentemente, os de metropolização – enquanto capacidade de atracção de indivíduos (rotinas, hábitos e consumos) por parte das cidades e suas regiões. Em Portugal e segundo João Ferrão e Duarte Vala (2002), existirão 4 cidades/regiões com potencial de metropolização – Lisboa, grande Porto, Algarve e região triangular entre Viseu, Aveiro e Coimbra, o que remeterá o restante território para uma existência sem grande capacidade de atrair novos indivíduos e novas actividades. No que a Trás-os-Montes diz respeito, todos já sabemos, por experiência própria e pelos constrangimentos históricos, a situação de extrema periferia em que vivemos e que agora o PROT N vem relembrar e, acima de tudo, legitimar e prolongar por mais algumas décadas.
Falar do mundo rural na actualidade é falar de um mundo em profundas mutações, cujas actividades económicas, dinâmicas sociais e valorizações materiais e simbólicas têm evoluído em vários sentidos. Para além disto, assistimos nos últimos anos a um crescente consumo dos símbolos rurais: a explosão do turismo rural foi o expoente máximo desse consumo; a “descoberta” dos certames temáticos de cariz local (feiras de fumeiro, de caça, de pesca, de produtos da terra, etc) que valorizam aspectos e produtos tradicionais locais; a folclorização de certas actividades agrícolas (matanças, ciclos de produção, etc) e recreativas (grupos de caretos e grupos de gaiteiros, ressurgimento de tradições sagradas e/ou profanas) revivalistas de tempos idos; a destradicionalização, ou seja, a procura de novas formas de expressão em cada momento/actividade (alheiras de Bacalhau, grupo de pauliteiras ou experiências gourmet com o fumeiro) que ao mesmo tempo que mantêm a referência cultural procuram a inovação e a diferenciação; a agricultura biológica que se vende à custa de uma imagem vegetariana, naturalista e saudável; o turismo da natureza (normalmente associado à prática de desportos de aventura e de conhecimento); a preservação e reconstrução de património construído – arqueológico (castros, fornos de telha).
Para um melhor entendimento do imaginário rural será preciso também ter em conta os actores sociais que permitem este novo cenário. Hoje em dia podemos identificar diferentes tipos de indivíduos no espaço rural, que se caracterizam por interesses divergentes, mas que se manifestam num mesmo território. Utilizando uma classificação de Paulo Castro Seixas, diria que temos: a) os sobreviventes – aqueles que apesar de tudo permaneceram e trabalham no rural (…que nos remetem para o conceito de resistência); b) novos pendulares – aqueles que apesar de trabalharem no sector secundário e terciário e num espaço urbano, optaram por viver no espaço rural e no seu dia-a-dia viajam entre os dois “mundos”; c) os regressados – aqueles que depois de uma vida de trabalho noutras geografias e noutros contextos laborais, regressam à comunidade rural de origem; d) consumidores rurais – todos aqueles que, tal como vimos atrás, procuram os símbolos rurais como divertimento, férias, descanso, aventura, etc; e) investidores rurais – aqueles que apesar de urbanitas procuram o rural e adquirem um espaço, que adoptam como sendo “seu”. Uma casa, uma quinta, uma propriedade, etc. Muitas vezes trata-se de puro investimento; f) novos rurais – a chegada de estrangeiros que no país de origem tinham um modo de vida urbanizado e cá optam por se estabelecer numa comunidade rural. Outro exemplo são os novos povoadores que saem das cidades e procuram novas oportunidades no interior rural do país (até existe uma empresa que fomenta e incentiva essa movimentação).
Os habitantes das comunidades rurais, ao contrário do que possam pensar, não têm o poder e a influência de decisão na construção dos seus futuros. Por muito que se inventem novos programas e incentivos para o desenvolvimento local, por muito que se venda o discurso da valorização dos recursos naturais e culturais, serão sempre interesses exógenos a ditar o presente e possíveis futuros. Interesses que não são mais do que respostas procedentes de certas classes urbanas e grupos sociais que, utilizando diversas estratégias, se sentem legitimadas para decidir o futuro das comunidades rurais, sem ter em conta, normalmente, a opinião dos locais do mundo rural.
Por último, assumir que os dados aqui apresentados mais do que certezas serão dúvidas e, por isso, mais do que afirmações, devem ser entendidas como meras hipóteses que importa estudar e/ou explorar. Serão ou não novas ruralidades? Serão ou não, sequer, ruralidades? Não creio. O rural está na moda, vende-se e por isso, actualmente, valoriza-se. Apenas.
(texto enviado para o Jornal Nordeste e publicado hoje, dia 4 de Agosto)

29 julho 2009

a conta do tempo do patrão da barca

É por textos como este (Terra Alta) que eu admiro J. Rentes de Carvalho e acompanho diariamente o seu blogue pessoal (Tempo Contado), onde assiduamente deposita a sua prosa, sempre bem escrita. Nada mais dele conheço, mas vou conhecer, isso eu sei. Já recolhí o que importa. Fica o compromisso. Certo.

27 julho 2009

costa norte e rias altas na semana passada






frase, pensamento e raciocínio de um ser menor

"Nenhum dos figurantes sai bem nesta ópera bufa: Sócrates jurou e toda a gente duvidou, Louçã fez escarcéu a mais e JAD [Joana Amaral Dias] deveria saber que há convites que não devem ser vozeados para a praça pública".
Carlos Abreu Amorim, jurista, "Correio da Manhã", 27-07-2009

Não lí o Correio da Manhã deste dia, aliás, nunca lí esse jornal. No entanto, esta frase destacada pelo jornal Público online é reveladora da construção mental de seu autor. Tenho tido a oportunidade de ouvir este senhor no programa da RTPN, se não me engano, chamado "directo ao assunto" no qual interage com Rui Tavares e Emídio Rangel. Diga-se de passagem que o seu discurso é, normalmente, neo-liberal e fascizante, portanto, nada ou quase de novo há a registar. Contudo, este estado mental implicito na última parte da frase - a que diz respeito ao que Joana Amaral Dias deveria saber, é bem revelador do sistema imundo, conhecido e mantido por todos os seus intervenientes, que não gostam de que estas "coisas" se comentem na Comunicação Social, pois só perturbam o normal funcionamento do núcleo central de interesses estabelecidos. Este senhor jurista personifica bem, também através desta frase (ainda que retirada do seu contexto), o que de pior a nossa democracia produziu. O lixo tecnocrata e burocrata que reina pelo esgoto do poder em Portugal.

24 julho 2009

os dos últimos tempos

Mais alguns livros que foram chegando:
- Barthes, Roland, 2006, O Grau Zero da Escrita, Lisboa, Edições 70;
- Barthes, Roland, 2009, O Prazer do Texto, Lisboa, Edições 70;
- Barthes, Roland, 2009, Ensaios Críticos, Lisboa, Edições 70;
- Revista Antropológicas (nº 11), 2009, Porto, Universidade Fernando Pessoa;
- de Rota, José Antonio Fernández, 1987, Gallegos ante um espejo, A Corunha, Ediciós do Castro;

20 julho 2009

aquilo que disse na apresentação da candidatura aos órgãos autárquicos do concelho de Bragança no dia 18 de Julho

Desde 2005, quando elegemos pela primeira vez um membro para a Assembleia Municipal de Bragança, que temos procurado intervir, dar resposta e contrapor aquilo que consideramos ser uma política e uma gestão errada da cidade e do concelho de Bragança.
Conscientes estamos que a nossa intervenção poderia e deveria ter sido mais consistente e, por vezes, mais incisiva, no entanto, o balanço dessa intervenção neste mandato é francamente positiva. Face ao cenário e ao desequilíbrio representativo nos órgãos autárquicos do nosso concelho, resultantes das eleições autárquicas de 2005, dificilmente a oposição conseguiu marcar a agenda política municipal, mas isso não nos impediu de marcar posição face a essa mesma agenda do PSD, partido que detém larga maioria nesses mesmos órgãos...
Alguns exemplos:
· Parque natural de Montesinho e a teimosia deste executivo em viver de costas para esse imenso património que deveria ser uma aposta.
· Gestão da água e seu abastecimento – cuja política ou estratégia não existe, enquanto se insiste em Veiguinhas e no entretanto, se entrega a exploração e a distribuição ao sector privado. Somos liminarmente contra a privatização da água.
· Impostos municipais directos e indirectos – apesar de considerarmos que a propriedade e a sua posse devem ser tributadas, não concordamos com as percentagens aplicadas pelo município, que penalizam a fixação das famílias.
· Tantas são as parandongas em relação às conquistas e à atribuição do conceito de eco-cidade, mas o que se alterou nas rotinas dos cidadãos de Bragança? Só por exemplo, continua a haver um défice de eco-pontos na cidade, actualmente e segundo informação fornecida pelos serviços da CM o rácio destes é de 1/358 habitantes.
. Requalificação urbana – para nós o maior erro deste executivo, que persiste em apostar na expansão da cidade e vai abandonando o seu centro e zona histórica. Não somos nós a dizê-lo. É a realidade que todos podem verificar não muito longe daqui…
. Numa cidade como Bragança, inserida numa paisagem como esta, a aposta na construção habitacional vertical é um erro. Erro esse que serão as gerações que hão-de vir quem vai ter que suportar.
. A difícil situação do pequeno comércio e a indústria inexistente.
A candidatura do BE em Bragança assenta, tal como no resto das autarquias, num programa que procura dar respostas à urgência da crise social. É um programa que tem por base o conceito de Justiça: justiça económica, justiça social, justiça financeira, justiça no acesso à saúde, justiça no acesso à educação, justiça no acesso à justiça.
A candidatura do BE em Bragança protagoniza essa justiça e levará até aos cidadãos um programa intencional e pragmático de respostas concretas aos problemas do dia-a-dia em Bragança.
É preciso defender o emprego – através da criação de gabinetes municipais de apoio à criação de emprego local.
São necessárias infra-estruturas básicas – dar prioridade aos investimentos em infra-estruturas e serviços públicos destinados às nossas populações no âmbito do QREN 2007/2013.
É urgente cuidar da pobreza e da exclusão social, principalmente agora: por exemplo, a criação de um gabinete municipal que sinalize e acompanhe os casos graves, ou mais graves, em parceria com a Segurança Social e IPSSs locais.
É fácil aliviar a pobreza real das pessoas:
- Isenção das tarifas sociais nos serviços básicos e transportes,
- Rendas apoiadas ou habitação social,
- Equipamentos sociais como cantinas públicas,
Garantir a reabilitação do património arquitectónico construído: nas aldeias e no centro histórico da cidade.
É preciso responder à crise cuidando do lado social da cidade, do lado que é tantas vezes o lado invisível – onde não se fazem inaugurações, nem corta-fitas, nem beija-mãos!..
É por isso que aqui estamos, é por tudo isto que lançamos desde já o desafio aos Bragançanos. Se querem um outro futuro, vamos todos colaborar para que possa ser possível e possa acontecer. Para evitar mais do mesmo, vamos apostar forte no reforço da nossa representação política no concelho de Bragança. Por Bragança e em Bragança uma esquerda socialista, alternativa e de futuro está presente.
alguns reflexos:

16 julho 2009

etnografar-te

Várias vezes reparei em ti. Há muito te conheço e contigo me cruzo no mesmo lugar de sempre e arredores. Apesar dos imensos olhares nunca as palavras cruzámos. Nem sequer o teu nome sei. Não importa. Conheço-te a voz nos outros e sei-te mais nova, bem mais nova. Afirmas-te quando chegas e partes, quando entras e sais, marcando tua presença com esse ar esguio e altivo, afirmativo de quem tem um mundo à espera. Houve até o momento em que te vi, de tal modo, que o perpetuei e para mim guardei. Foi o nosso momento. Sem mais, dizer apenas que se sente, nos dias todos, esta permanente tensão de possíveis narrativas que não acontecem. A vertigem da proximidade é real. E se?.. A mim, a ti, a nós… um toque, uma palavra. Tudo ou nada e a etnografia seria outra.

15 julho 2009

a não perder


14 julho 2009

por falar em orgulhos...

Ainda hoje de manhã me indignava com a alegria e o orgulho das palavras da ministra da educação, relativas aos resultados dos exames de Português e Matemática do 9º ano, quando recebo por email um exemplo claro daquilo que é a mediocridade da produção do referido ministério.
A imagem reproduzida diz respeito ao exame de Geografia A do ensino secundário - 2ª fase, exame que os alunos realizaram na manhã de hoje. Convirá referir que, apesar de parecer um pequeno ou insignificante erro, estes exames foram feitos com muita antecedência e por equipas especializadas de professores. Tanto tempo, tanto esforço, tanta reforma dedicada à educação das nossas crianças e jovens para, ao fim e ao cabo, ser o próprio sistema a insistir no ERRO - e aqui não há a desculpa do software de uma qualquer empresa vir de uma qualquer Espanha... Vergonha.

(agradeço a quem teve a gentileza de me enviar esta imagem)

10 julho 2009

imagens que não se esquecem


(no dia em que o BPP foi comprado por um euro (!?), relembro o momento de João Rendeiro) - sei que há melhores perspectivas deste momento - agradeço o seu envio.

em busca de uma identidade (perdida) que nos permita encontrar o norte, ou tenaz crítica ao desnorte da governação socialista


Acutilante ensaio de José Gil que, através de uma linguagem impaciente, mas simples e acessível, desconstrói os esquemas da governação socialista e faz um retrato da actualidade nacional. Aconselhado para quem ainda tenha alguma dúvida sobre o desgoverno que reina em Portugal, ou para quem ainda esteja indeciso em relação ao sentido de voto nas próximas eleições legislativas.
A leitura rápida porque fácil da excelente narrativa, levou-me a sublinhar quase todo o texto, por isso em vez de estar a citar qualquer uma dessas passagens, transcrevo o resumo ou apresentação da contracapa.

o desnorte
José Gil prossegue neste livro a sua investigação sobre os processos individuais e colectivos de subjectivação em Portugal. Quais são esses processos neste período marcado pela globalização, a crise económica e a hegemonia política do PS? Que formas assume essa subjectivação quando «a falha de sentido que as promessas por cumprir do 25 de Abril não conseguiram colmatar» foi suprida por antigos hábitos e «mentalidades»?
Reinventando conceitos de Frenczi e Foucault no sentido de uma abordagem original, José Gil mostra como os portugueses tentaram conquistar «formas de subjectivação individuais em desfasamento ou inadequação aos quadros de vida colectiva que se iam edificando progressivamente».
O autor de Portugal Hoje: O Medo de Existir considera que «fizemos da identidade o território da subjectividade» e «esforçamo-nos por resistir ao "fora" que aí vem, do exterior ou do interior, que ameaça destruir as nossas velhas subjectividades». Em sua opinião, a única maneira de remover o obstáculo da "identidade" é «deixarmos de ser primeiro portugueses para poder existir primeiro como homens».
É à luz dessa preocupação que se analisa o discurso dos actuais governantes que consideram que Portugal entrou «num processo irreversível de modernização», um discurso «anti-ideológico e de via única» em que a avaliação «surge como método universal de formação de identidades».
José Gil aborda em particular o «chico-espertismo" enquanto fenómeno que atravessa todo o «tipo de subjectividade da nossa sociedade, sendo transversal a todas as classes, grupos, géneros e gerações».

08 julho 2009

B:MAG

Nova publicação online gratuita acerca dos livros, da escrita e da publicação. Projecto da Booktailors e coordenado por Nuno Seabra Lopes e Paulo Ferreira. Com uma vasto leque de colaboradores implicados, de alguma forma, com a edição e a escrita em Portugal. Já desfolhei e já acrescentei o link para a edição um, em pdf, aqui ao lado direito na secção "para que se saiba".

07 julho 2009

lida está

Não raras vezes apetece dizer que este número foi, para mim, o melhor número da revista LER. O problema dessa vontade é o seu carácter efémero, pois a cada novo número existe essa possibilidade. Contudo, posso afirmar que a revista nº 82 tem muita qualidade. Surpresa desagradável foi a entrevista de fundo de Carlos Vaz Marques a Vasco Pulido Valente, que muito prometia, mas que não passa de um exercício de permanente recalcamento do ego e do seu alter... Comprada e lida numa fracção pequena de tempo, deixo alguns apontamentos ou excertos daquilo que gostei:
"...pelas novas tecnologias, que tanto facilitam a vida como a morte." (Francisco José Viegas, in Editorial)
"O bom leitor é o que valoriza o livro que não lerá, bem mais do que o livro conhecido: e valorizando-o, quer possuí-lo!" (Abel Barros Baptista)
"Ler por ler é um erro crasso. Para ler coisas que nos fazem mal mais vale tomar um Ben-U-Ron e sentarmo-nos a ver os jogos do Sporting..." (Jorge Reis-Sá)
"O nosso, aqui, e homens assumidamente de esquerda democrática, num tempo de aparência pouco propício, é o de lembrar que esse espaço de diálogo intra-humano é o da esperança, não apenas meramente conjectural e política, mas de uma esperança histórica, de uma solução plausível para um mundo de paz armado até às estrelas, para uma humanidade dividida em duas pela presença numa delas dos espectros medievais da fome, da ignorância e da repressão, e na outra pelo triunfo de uma Disneylândia de pacotilha, onde já não distinguimos com um mínimo de senso o que nos perde e o que nos salva." (Eduardo Lourenço)

06 julho 2009

carimbar, carimbar, carimbar

Toca a campainha do escritório. Não estando à espera de ninguém, estranho. Abro a porta e do lado de fora, uma jovem (não muito jovem) pergunta-me se pode deixar ficar um Curriculum Vitae. De imediato anuí e ela, agradecendo, saca de imediato de uma folha solta que me entrega e me pede para carimbar com a identificação da empresa e a assinatura do(a) responsável. Tendo-se apercebido da minha manifesta estranheza, logo acrescentou que era uma exigência do Centro de Emprego. Peguei na folha e recolhi-me para um outro espaço, enquanto carimbava e assinava, pude verificar que aquela folha era um layout modelo, concebido pelo Centro de Emprego e que trazia já uma data de carimbos empresariais. Regressei com o formulário devidamente assinado e carimbado para entregar à jovem, que então me entregou o seu Curriculum Vitae, devidamente normalizado pelas regras europeias. Não fez qualquer outra pergunta, nem mostrou qualquer interesse em saber o que fazemos e se precisamos de gente... agradeceu uma vez mais e, alegre e satisfeita por mais um carimbo recolhido, virou costas, quiçã em busca de novo carimbo.
Assim vai o nosso país. Os desempregados, circunstância já de si bastante humilhante e que atira os indivíduos para a condição de proscritos, em vez de procurarem emprego e, proactivamente, fazerem a sua pesquisa e prospecção, andam freneticamente de porta em porta, numa suposta procura de emprego, a entregar CVs mas só se as empresas carimbarem. Suplicam pela carimbadela que lhes garante a réstia de dignidade que é o fundo de desemprego. Até isso o Estado português lhes quer retirar. Justiça esta!

02 julho 2009

elegia

Ao "desfolhar" o jornal Expresso online, dei logo de caras com a noticia acerca do filme "Elegia" realizado pela espanhola Isabel Coixet e que conta com Ben Kingsley e Penélope Cruz nos principais papeis. Para surpresa minha, este filme vai hoje estrear em Portugal. Digo surpresa porque como já vi o filme há três ou quatro meses atrás, pensei que já tivesse passado nos cinemas. Bem, mas aquilo que gostava de referir com alguma consistência é a qualidade e a intensidade desta narrativa e o excelente desempenho dos dois principais actores, que apesar do registo eminentemente intimista, demonstram bem os seus atributos. Para mim, sem dúvida, um dos melhores filmes que tive a oportunidade de ver nos últimos meses (anos!?...). Não percam.

26 junho 2009

antes do botox, lifting a Rosita

(Vila Praia de Âncora, 25 de Junho de 2009)

epitáfio do tamanho do mundo

Serei concerteza o último a referir-me à morte de Michael Jackson. Não que nutrisse por ele grande simpatia, ou admirasse superlativamente a sua obra. Não. Muito pelo contrário, há muito o considerava desiquilibrado a vários níveis. A sua morte não é redentora. Também, não percebo a histeria colectiva que se instala, junto dos fãs e/ou admiradores e na comunicação social, sempre que alguma figura pública morre, é morta, suicida, ou desaparece. Mas tal como sempre aconteceu e Deus é misericordioso, depois da morte todos éramos boa gente. Enfim, aqui estão esparrachadas as consequências da globalização...
A razão que me leva a dedicar algum espaço a Michael Jackson e ao seu desaparecimento, é que a visualização de alguns dos seus grandes êxitos musicais remeteram-me para o início da década de oitenta (1982 ou 1983), quando ainda muito jovem fui a uma festa de aniversário de uma coleguinha da escola. Nessa festa estavam miúdos mais velhos (14, 15 e 16 anos, talvez mais até...) que dançavam agarradinhos como eu nunca vira... fiquei intrigado!... O som que se ouviu durante toda a tarde, ou grande parte dela, foi o disco Thriller que acabara de ser editado. Lembro-me bem do impacto do som e do ritmo da música que dá nome ao disco e, muito mais impressionado fiquei depois quando vi o teledisco. Muito bom (ainda hoje). Thriller, Billie Jean e Bad são algumas das músicas que recordo e que, realmente, (me) marcaram.

18 junho 2009

15 junho 2009

vi isto hoje e...

13 junho 2009

instantes urbanos VI

Um não-lugar. Alguns e, principalmente, algumas transformaram-no num lugar, e um lugar bem vivido e bem experimentado. Ponto de encontro para os habitantes do bairro da Estação, a sala de espera do terminal rodoviário de Bragança é uma autêntica sala-de-estar para esses moradores, que de Verão ou de Inverno, de manhã, à tarde ou à noite, aproveitam o conforto gratuíto do ar adequado a cada temperatura. Ainda se queixam da funcionalidade do espaço!?...

12 junho 2009

corpo de deus

A festa da aldeia que ano após ano vai sobrevivendo à modernidade, com tudo aquilo que sempre teve (apesar da nova parafernália técnica) - do litúrgico ao lúdico. Termina com grandioso arraial abrilhantado pela banda Sindikato, que inicia sua actuação com o mítico e desafinado "It's a Final Countdown" instrumental, dos Europe. Afinal de contas, há festa na aldeia e voltar cá ainda é igual.

09 junho 2009

concurso cronistas - fim

Pois é. Fui eliminado na 5ª semana. Restam agora apenas 20 concorrentes. Foi uma experiência interessante e nova para mim, nunca antes tinha sujeitado o meu escrever a qualquer avaliação. Este era um concurso para cronistas e face ao que pude perceber através, principalmente, dos comentários dos elementos do júri e mesmo relativizando as enormes diferenças que nos separam (Portugal e Brasil) eu não serei cronista. Poderei até ser outra coisa qualquer, mas definitivamente cronista não sou. Sobra a participação e o gosto pela escrita.

concurso cronistas - 5º desafio

Desafio:
Prezado Cronista,
Nem só de grandes fatos se faz a crônica do nosso tempo, aliás, os pequenos acontecimentos têm o condão de simbolizarem melhor o homem e seus impasses nestes nossos conturbados dias que as grandes manchetes dos jornais,
Gosto de dizer que a crônica expressa o que foi manchete na alma do cronista naquele dia,
Pois bem... Abaixo relacionei 32 acontecimentos dos nossos tempos. Qual deles daria uma boa manchete em sua alma?
Escolha um dos temas e envie como de costume para esta redação!
Aguardo ansioso!
O Editor

Escolhi:
Idosos acusados de feitiçaria estão a ser "enterrados vivos" na província angolana da Lunda-Norte, denunciou esta terça-feira o bispo D. José Imbamba .
Em declarações à Lusa, o bispo da Lunda-Norte disse que o número de casos envolvendo estas práticas não é ainda "alarmante", mas é "muito preocupante", adiantando que "em alguns casos", estas pessoas são enterradas "com os cadáveres daqueles a quem acusam de ter morto por feitiço". "O último caso ocorreu há 15 dias, mas graças à intervenção de um grupo de catequistas, o velho, que já se encontrava preso e a caminho do cemitério, foi salvo", informou o prelado.

Crónica:
áxis mundi
A sociedade ocidental, fortemente influenciada pelo positivismo, ainda hoje vive agarrada à ciência convencional, que na sua pressa pelas descobertas e na sua voracidade pelo conhecimento, objectivo santo e sacro da “boa” ciência, esquece com facilidade tudo ou parte daquilo que a precedeu, fundou ou fundamentou e permitiu evoluir até ao estado presente.
Quando somos confrontados com notícias como esta vinda do coração de África, normalmente apresentadas em notas de rodapé jornalístico e consideradas, pelos órgãos de comunicação social, bizarrias de um outro e imaginário mundo, o nosso primeiro impulso emotivo, mas acima de tudo racional (porque somos formatados positivamente) é rejeitar liminarmente tais ritos. Logo somos obrigados a adjectivá-los e a remetê-los para tempos depositados nos negros anais da nossa história e/ou a enquadrá-los com outras e estranhas civilizações que habitam geografias distantes e as quais remetemos para um estado como que pré-moderno – naquilo que é entendido por estádios de desenvolvimento civilizacional experimentamos já três paradigmas diferentes: a pré-modernidade que contempla todo o tempo anterior à revolução industrial, ao iluminismo e ao positivismo; a modernidade, que surgiu nessa época e nos acompanhou até meados do século XX; e a pós-modernidade, que supostamente experimentamos desde então e até aos dias de hoje.
Nessas civilizações ou culturas tradicionais pré-modernas, resistentes e sobreviventes, que coabitam connosco o mesmo espaço (mundo) e o mesmo tempo (contemporaneidade), o passado é respeitado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. É a tradição que lhes permite, reflexivamente, compreender a sua própria organização e comunidade, como é o meio ideal para lidar com o tempo e o espaço, onde se insere cada actividade ou experiência na continuidade de passado, presente e futuro. Nestas comunidades, mormente organizadas em tribos e chefados, o conhecimento e o domínio das suas técnicas estão concentradas e são monopólio de poucos, normalmente, oligarcas, chefes, xamãs ou feiticeiros, homens mais velhos e experimentados, que assim e com esses equipamentos exercem o seu poder e a sua magistratura, mantendo os demais vitaliciamente dependentes da sua influência e existência.
Aspecto importante e que convém ter em consideração quando ouvimos ou lemos histórias destas é o conceito de sagrado e de profano, dicotomia bem presente na organização dos espaços e dos lugares, como por exemplo o caos profano associado ao exterior da aldeia ou comunidade e à selva, e a sacralidade da própria aldeia, no centro da qual estará o áxis mundi, exprimido pela casa do chefe, ou pela presença de uma grande vara, que simbolicamente une o mundo dos deuses, o dos homens e o das trevas. Por outro lado, os detentores do poder imbuem-se da sacralidade necessária para manterem e protegerem o seu status e importância no seio da comunidade ou grupo.
Neste ambiente “naturalista” a Terra é sempre transparente, como se se oferecesse continuamente como mãe nutridora universal com os seus ritmos cósmicos geradores da ordem e da harmonia, que permitem a fertilidade e a permanência. Mas para estes indivíduos e comunidades também é verdade que a Natureza é sagrada e na sua convivência com esse sagrado existe, intrinsecamente, o elemento sobrenatural, que será o factor derradeiro de esperança e de garantia de tudo aquilo que os seus conhecimentos empíricos não conseguem explicar. Porque, a jeito de foice, uma Natureza dessacralizada é algo recente, típica de uma vivência moderna e, tendencialmente, ocidental, na qual os homens da ciência no referido e abismal percurso se perderam.
A morte é, por excelência, um dos momentos cuja compreensão será inatingível para todos os seres humanos. A cada experiência de morte está associada um ritual, uma moral e um preceito. Podemos encontrar por esse mundo fora mil e uma manifestações diferentes, mas a verdade é que não há uma única cultura ou civilização conhecida que não tenha o seu culto aos mortos. É algo de universal. Nestas comunidades tradicionais, mesmo os “carismáticos” e os “eleitos” não conseguem controlar e perceber a morte, portanto será sempre importante para a sua condição encontrar uma justificação, ainda que através de um bode expiatório ou tendo por base uma falsidade. A recorrência a práticas de magia negra e vodun são comuns nesta África Ocidental. Vividas como autênticas religiões, arrastam consigo a crença e a consciência social destas comunidades.
Da leitura que faço, este caso não será mais do que a procura de justificação para algo que ultrapassa em muito o entendimento desses indivíduos e, por isso nada melhor para empolgar e manter a fidelidade das multidões do que construir uma culpa, por mais absurda que pareça ou seja. E aí, quando essa culpa é formalizada e pronunciada, no seio da comunidade, não há lei civil nem religiosa, ainda que impostas pela diplomacia, pela força ou pela guerra da ocidental civilidade dos colonialismos, dos pós-colonialismos e dos neo-colonialismos, que consiga calar essa secular vivência e contrariar essa mundivisão.Sem querer de alguma forma desculpabilizar ou justificar tais práticas, que em nada dignificam o ser humano, considero importante e pedagógica uma leitura e uma atitude relativistas, no sentido de conhecer, perceber e traduzir correctamente as diferentes expressões culturais com as quais, inevitavelmente, continuaremos a partilhar este mundo. A estratégia para se erradicar de vez este tipo de ritos passará obrigatoriamente pela educação e formação, o que requer tempo e disponibilidade. Mais do que agir através da força e da imposição de normas e padrões estranhos aos indígenas, importa implicá-los num processo de reflexão e reavaliação sobre as suas próprias tradições. Talvez assim, possam manter as suas práticas e rituais fidedignos à sua herança cultural e, ao mesmo tempo, preservar os mais básicos e fundamentais valores da vida humana.

Avaliação e comentários: (até 10 valores por júri)
Betty Vidigal - Artigo acadêmico até o último parágrafo, quando adquire tom de sermão. Não é crônica.
Não diz a que fato ou notícia se refere. O leitor que não tiver lido a lista de “fatos” não tem como adivinhar o que motivou as considerações do autor. Nota: 6,0
Cida Sepúlveda - Mini ensaio. Nota: 6,0
Lorenza Costa - Duas menções a uma "história" e um "caso" que não são ventilados no texto. O cronista esquece que a crônica é dirigida aos que leram e aos que não leram o noticiário inteiro dos dias precedentes. Algumas passagens são exageradamente explicativas e, no final, temos a opinião de alguém pisando em ovos: um autor que não se decide entre o relativismo moral e a necessidade de defender valores "básicos e fundamentais" (usar outras palavras para "universais" já denuncia seu pouco à-vontade). Da minha parte pode ser excesso de rigor; mas rigor é o que o próprio cronista se impôs ao adotar o estilo didático. Nota: 8,5
Luci Afonso - Muito bem escrito. Nota: 8,5
Marco Antunes - Trata-se de um ensaio, um ensaio arrastado e pouco interessante em que o autor não sai de cima do muro, mas um ensaio. Nota: 6,0
Oswaldo P. Parente - “Desculpabilizar”? O parágrafo que contém esta preciosidade é antológico. Nota: 7,0
Total - 42

06 junho 2009

ler de Verão

Naquilo que aparenta ser uma revista catálogo para o tempo que se avizinha e que, normalmente, é (talvez por essa razão) uma das edições mais pobres, para minha surpresa pude encontrar bons apontamentos. Desde logo, um bom editorial, depois José Gil e o xico-espertismo português, ainda Rogério Casanova que nos tráz à memória a saudosa revista Kapa (lembram-se!?...) cuja efémera existência - entre 1990 e 1993, queimou combustível emocional suficiente para ter deixado órfãos e impulsionado alguns ricochetes menores, como a blogosfera; é difícil encontrar um blogger que não tenha uns exemplares guardados - no armário ou na cabeça. Também a diáspora de Onésimo Teotónio de Almeida e, por fim, o omnipresente Eduardo Lourenço com a dificil pergunta: O que é um europeu?

03 junho 2009

metodologia de investigação antropológica

(ainda que desfocado e com pouca qualidade)

instantes urbanos V

Pouco passava das nove horas da manhã quando entro no café para a dose matinal de cafeína obrigatória. Não mais de três ou quatro pessoas para além da funcionária atrás do balcão. Enquanto aguardo a minha dose, ouço animada conversa entre algumas das pessoas presentes, sobre o trágico acidente aéreo da passada segunda-feira no Brasil. Num tom bem português, macabro voyeurista, fazem-se comentários piedéticos em género de rescaldo final de acontecimento:
- Coitados. O que vale é que nem sentiram nada. Foi tudo tão rápido... até dizem que o avião se partiu em dois...
- Já viram, Deus me livre e guarde!.. assim no meio do mar, sem poderem ser ajudados. Deus queira que tenham morrido logo.
- Pois foi, no meio do mar a não sei quantos quilómetros. O avião caiu logo, nem deu tempo de avisar ninguém... as pessoas devem ter morrido na descida... mas também se não morreram disso, morreram logo afogadas!...
- Ai minha santinha!.. Já viram cair assim no meio do oceano Atlântico... ou foi no Pacífico!?...
- Óh senhora!... foi no Pacífico!

02 junho 2009

concurso cronistas - 4º desafio

Desafio:
Prezado cronista,
Os grandes acontecimentos também podem render belas crônicas, nesse caso, cronista, há que redobrar o cuidado para que no espaço que este periódico lhe reserva não apareça um artigo ou um pequeno ensaio, o que vai diferenciar um gênero do outro é que, para fazer uma crônica o acontecimento tem que focalizar mais de perto, até ser capaz de mostrar a pele humana, seu arrepio de emoção, sua contração de dor, seu tremer de riso ou felicidade, sua vida, enfim, explícita em cor, calor e cheiro.
Se puder filtrar os fatos por essa perspectiva, certamente valorizará seu espaço neste jornal com uma página que há de transpirar humanidade e verdade.
Posso aguardar sua tentativa?
O Editor

Sorteado:
Inquérito denuncia abuso sexual 'endêmico' de meninos na Irlanda
Mais de 2 mil crianças disseram ter sofrido abusos sexuais e violência física ao longo de 60 anos.
Da BBC


Um inquérito realizado na Irlanda revelou que mais de duas mil crianças sofreram agressões em abrigos infantis, reformatórios e orfanatos católicos do país ao longo de 60 anos e que, em instituições para meninos, o abuso sexual foi "endêmico" no período.
Segundo a Comissão de Inquérito sobre Abuso Infantil, os menores sofreram violência física e abuso sexual em locais que chegaram a abrigar cerca de 35 mil crianças até os anos 80, quando foram fechadas. O relatório, que aborda a situação de mais de cem instituições religiosas investigadas ao longo dos últimos nove anos, concluiu que os líderes da Igreja sabiam sobre os abusos sexuais de meninos. Além disso, segundo os depoimentos citados no documento, meninos e meninas das instituições apanhavam com tiras de couro por conversar durante as refeições ou por escreverem com a mão esquerda. "As escolas eram administradas de forma severa, impondo uma disciplina opressiva e não razoável às crianças e funcionários", diz o relatório. A comissão foi criada em 2000 pelo então primeiro-ministro irlandês Bertie Ahern, que pediu desculpas em nome do Estado às vítimas de abuso infantil. Um esquema de compensações do governo também foi estabelecido na época e, desde então, já pagou quase 1 bilhão de euros a 12,5 mil pessoas.
Abusos "chocantes"
Milhares de vítimas prestaram depoimento à comissão, que surgiu depois que uma série televisiva revelou a escala dos abusos. A jornalista Mary Raftery, que realizou os programas, disse que a extensão dos abusos era "profundamente chocante". Segundo a jornalista, as crianças eram levadas para "casas de terror" e ficavam confinadas até completarem 16 anos. "Elas saíam de lá completamente perturbadas e muitas deixaram o país em seguida", conta. "Elas sentiam que seu país as havia abandonado, assim como todo o resto, inclusive a religião." O relatório propõe 21 formas de o governo se redimir dos erros cometidos no passado, incluindo a construção de um memorial, um serviço de acompanhamento psicológico para as vítimas, muitas já aos 50 anos, e a melhoria dos serviços de proteção à criança na Irlanda. No mês que vem será divulgado um outro relatório sobre supostos abusos de padres católicos em paróquias perto de Dublin, capital da Irlanda.

Crónica:
Ignomínia Social
Vivemos, de facto, num mundo hiper-mediatizado, no qual tudo é informação. Com a massificação das novas tecnologias, a toda a hora, a todo o segundo, somos bombardeados com soundbytes provenientes de toda a parte e arredores, tornando a comunicação algo caótica e humanamente impossível de absorver na sua totalidade. Quem produz toda essa informação sabe que aquilo que faz se destina a um consumo self-service, ou seja, a uma auto-gestão do consumo dessa oferta informativa. A velocidade e a quantidade destes processos de comunicação é tal que somos obrigados a criar filtros para aquilo que nos importa e queremos saber, através de critérios de relativização. Uma outra consequência desta massificação dos processos de comunicação foi a redução simbólica do planeta Terra, pois com tal volume de informações disponíveis, provenientes de todos os confins do mundo, é-nos permitido conhecer, ainda que virtualmente, esses mesmos recantos, que de outra forma nunca conheceríamos. É-nos possível ver em nossa casa, confortavelmente instalados, os horrores e as desgraças das vidas alheias, que numa sequência abismal desfilam diante dos nossos olhos. Este fenómeno permite-nos afirmar, com alguma razoabilidade, que habitamos um lar do tamanho do mundo inteiro.
Foi nesse conforto do lar que, nos últimos dias, fomos assaltados pelas chocantes notícias que nos chegaram da Irlanda, a propósito dos sistemáticos abusos sexuais que as crianças e jovens, institucionalizados em organizações religiosas, foram vítimas ao longo das últimas seis décadas. Mais do que o próprio abuso, o que impressiona e nos deixa completamente desarmados é a descrença e a insegurança que sentimos nas instituições, que à partida, mereciam todo o nosso respeito, a nossa solidariedade e a nossa confiança. Afinal, em quem podemos confiar os nossos filhos, as nossas crianças!?... Esta será a questão ou a dúvida que assaltou a consciência de toda a gente, que de uma forma ou de outra, sente também seu este drama. Impressiona como foi possível, durante anos e anos, décadas e décadas, gerações e gerações de crianças indefesas e abandonadas, terem sido abusadas psicológica e fisicamente sem nunca ninguém as ter defendido, sem nunca ninguém ter denunciado tal situação.
Bem sabemos que nada de novo aconteceu e, tendo em conta o conhecimento de outras situações similares que vão acontecendo e são notícia, um pouco por todo o mundo, aprendemos já a relativizar e desprezar tudo aquilo que não nos diz directamente respeito. Bem sabemos que não foi a primeira vez, nem será a última que tal sucederá, mas importa enfatizar estes factos, pois nunca será demais nem o suficiente para os evitar. Também porque considero que esta traumática existência não diz só respeito àqueles que a sentiram na sua pele, mas sim a todos nós que nos preocupamos e pretendemos construir um mundo melhor e assim o legar às gerações futuras.
Diz-se que o melhor do mundo são as crianças. Algo que eu, particularmente, acredito piamente. Chamem-me inocente ou ingénuo, não me importo!.. Não poderei é ficar impávido e sereno perante tal horror. Lutarei o que puder para o combater. Como progenitor sei que tenho como responsabilidade cuidar, proteger e educar os meus filhos; como cidadão sei que tenho como responsabilidade contribuir para o cuido, a protecção e a educação daqueles e daquelas que, infelizmente, não tiveram, não têm ou terão acesso a um lar e a uma família. Perante tamanha agressão aos nossos valores civilizacionais teremos que rever, urgentemente, a nossa posição perante determinados comportamentos e perante determinadas instituições. Não importa aqui quem são os criminosos – se professores, se monitores, se guardas, se padres, ou mesmo bispos. Não importa se o palco desses horrores são instituições religiosas, associativas ou seculares. Não poderemos tolerar mais que aqueles que deveriam ser a guarda e o seguro dos mais desprotegidos, sejam os seus mais terríveis predadores e, assim, destruam de vez a vida de tanta gente, que acabem com os cândidos sonhos de criança, transformando-os em horrendos pesadelos.
E ninguém cuidou de todas estas vidas esfrangalhadas?!.
Muitos deles e delas só agora, que chegam ao fim das suas (possíveis) vidas, quebraram o silêncio, só agora conseguiram admitir e partilhar essas terríveis experiências. Tantas e tantas vidas destruídas, tantas vidas adiadas para nunca mais, tantos e tantos traumas que terão resultado em errâncias, em violência e em desgraça. Quem se responsabilizará agora por todos esses danos causados!?...
Não podemos aceitar que o carácter totalizante de tais instituições sirva pervertidamente as taras e desvios de alguns. Revolta-me as entranhas o atroz silêncio imposto por essas organizações religiosas que durante tanto tempo promoveu estas pérfidas parafilias. Basta. É o Estado através dos nossos impostos que tem a responsabilidade última de garantir uma existência digna a todos os carenciados e, por isso, está na hora de exigir a verdade e a moralização do sistema; é o tempo de uma justiça que puna exemplarmente a depravação e a ignomínia social. Quero que o Estado, tal como promove, e bem, a existência das instituições de acolhimento para crianças, jovens, doentes e idosos, promova também a existência de instituições que acolham compulsivamente todos os indivíduos que sejam condenados por tais actos. Sinceramente, mesmo sabendo que nenhum passado seria recuperado, nem que nenhuma experiência seria modificada, sem excepção ou atenuantes e sem dó nem piedade, gostava de ver sofrer dos mesmos horrores todos aqueles e aquelas (que gostaria de adjectivar, mas que a falta de vocabulário próprio me impede), que um dia assim se comportaram. Para meu bel-prazer, lenta, sádica e violentamente.

Avaliação e comentários: (até 10 valores por júri)
Betty Vidigal - Não é crônica: é um discurso para político em campanha, criticando os outros e exaltando as próprias qualidades morais (“Não poderei é ficar impávido e sereno perante tal horror. Lutarei o que puder para o combater”, etc.). Nota: 6,0
Cida Sepúlveda - Linguagem excessivamente formal. Nota: 8,0
Lorenza Costa - (falta comentário...). Nota: 9,0
Luci Afonso - Bem escrito, próximo do ensaio, mas ainda com características de crônica. Nota: 8,0
Marco Antunes - Diante do padrão português tenho alguma dúvidas para julgar, uma vez que não domino a expressão popular de Portugal, pois, as cinco vezes em que estive lá foi sempre na condição de Turista. Por isso não sei se formas como “é-nos” são de domínio popular ou erudito (como seria aqui no Brasil) pois, se não for popular, é estranho ao ambiente da crônica! O autor é piedoso e, em determinados momentos, é tanta piedade e bom-mocismo que acaba por soar para quem lê a mais legítima prática de um vício chamado cabotinismo, que, como costumo dizer, ninguém consegue, a um só tempo, dele fazer uso e ser discreto quanto a isso! Nota: 7,5
Oswaldo P.Parente - Texto pesado, de difícil leitura. Nota: 7,5
total - 46

01 junho 2009

31 maio 2009

29 maio 2009

elementos distractivos

Dias de sol e de calor despudorado, são dias de boa disposição visual. Por onde quer que andemos os elementos distractivos parecem cogumelos, depois de uns dias de chuva primaveril, a despontar da terra fresca. Nas ruas, nos transportes públicos, nos locais de trabalho, nas universidades e, muito, nos centros comerciais, onde aqui ou ali, à esquerda ou à direita, daqui e dali surgem, para regalo da nossa vista. Nestes dias é a liberdade total para a boa e para a má carne. Depois de meses enfiadas em elásticos, meias, espartilhos e ligas, finalmente um pouco de ar fresco. Como são engraçados estes dias. Ao contrário do comum dos mortais, apesar de gostar e muito das carnes e dos elementos que distraem, eu não gosto de dias assim. A minha tiróide também não.

27 maio 2009

Feira do Livro do Porto

Aproveitando a desculpa esfarrapada de não conseguir arranjar estacionamento, escapei-me do escritório durante toda a tarde. Encostei o carro perto de uma estação do metro e, através deste, fui até aos Aliados conhecer a "nova" Feira do Livro - 79ª edição. Estava um calor infernal e a primeira crítica vai para a falta de sombra e de espaços sombra. Talvez ao final do dia e à noite seja agradável, mas durante a tarde, impossivel. Depois, os stands de cada editora e livraria para além de exíguos, não têm muito espaço para expôr os livros, o que me leva à segunda crítica, pois este formato dos stands faz com que os livros não estejam acessíveis, quer à vista, quer ao manuseamento, o que é mau para mim e para o próprio conceito do evento.
Mas no meio disto ainda consegui encontrar e comprar, com agradável desconto de 20%, alguns livros que faziam parte da minha lista de pretenções. Assim, poderei dizer que gostei de ver a Feira do Livro de regresso ao coração da cidade e que, apesar do imenso calor e da imensa falta de dinheiro, passei uma excelente tarde de veraneio.
Compras de hoje:
- Bourdieu, Pierre, 1998, O que Falar quer Dizer, Lisboa, Difel;
- Taylor, Charles, 1994, Multiculturalismo, Lisboa, Instituto Piaget;
- Pina Cabral, João e Matos Viegas, Susana de, 2007, Nomes - Género, Etnicidade e Familia, Coimbra, Almedina;
- Vasconcelos, José Leite de, 2007, Etnografia Portuguesa (volume IV), Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda;
Compras de tempos anteriores:
- Steiner, George, 2002, Depois de Babel, Lisboa, Relógio D'Água;
- Costa, Alfredo Bruto da, 2007, Exclusões Sociais, Lisboa, Gradiva;
- Cadernos de Literatura Comparada - nº 16, 2007, Paisagens do Eu: Identidades em Devir, Porto, Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa;
- Fernandes, Sónia, 2009, Sobreviver em Missão, Porto, Pista Mágica;
- Page, Martin, 2008, A Primeira Aldeia Global, Lisboa, Casa das Letras;

viver a leitura

Entre 27 de Maio e 14 de Junho, o convite é para VIVER A LEITURA nos Aliados! O coração do Porto recebe a nova Feira do Livro do Porto, adaptada aos novos ritmos de trabalho e lazer dos visitantes. Aberta a partir das 12h30, a Feira permite a visita à hora de almoço, assim como a participação de grupos escolares. Muito em breve (já) lá iremos tentar não gastar muito dinheiro (que não temos...).

26 maio 2009

concurso cronistas - 3º desafio

Desafio:
Prezado Cronista,


São oito fatos que escolhemos e, de 2 a 3 participantes, terão a incumbência de falar de cada um deles. Se está achando que vamos comparar, acertou em cheio! Vamos sim! Por isso, no mínimo 2 falarão de cada notícia.
Escolhemos esses fatos por serem inusitados e curiosos, interessa-nos não o fato em si, mas a capacidade do cronista, do bom cronista de transcender o óbvio e ver, atrás da notícia, o humor que não vimos, o lirismo que escapou de nossa observação, a simbologia que não decodificamos, a filosofia que não adivinhamos, a comparação habilidosa com outros fatos que não soubemos ver.
Como é nosso interesse olhar para o resto do mundo, não há fatos de Portugal e Brasil.
Como sempre, feito o sorteio, aguardo suas palavras.
O Editor

Sorteado - fato 2 -
Balconista expulsa ladrão com gargalhadas
Origem: Wikinotícias, a fonte de notícias livre.
10 de Março de 2005
O empregado de uma loja na cidade de Cranberry nos Estados Unidos da América frustou um assalto a mão armada com gargalhadas.
Por volta das 21h45, um ladrão mascarado entrou no mini-mercado Gordon's, localizado na rodovia Rochester. A loja estava para fechar e dentro dela havia apenas um balconista.
O ladrão, que vestia uma máscara do cão do
Mickey, Pluto, sacou um revólver e exigiu que lhe fosse entregue dinheiro da caixa registradora. Foi nesse momento, que o balconista desatou a rir.
O ladrão não reclamou, desistiu do assalto e fugiu.
O oficial de polícia de Cranberry, sargento Dave Kovach disse:"Este é o nosso primeiro encontro com o bandido Pluto".O policial também advertiu que embora tenha funcionado, não se deve esperar que essa estratégia funcione sempre. Segundo ele, pode acontecer de o bandido ser uma pessoa perigosa, viciada em heroína, por exemplo.
Crónica:
Gargalhadas e Lambidelas
Assim, confortavelmente instalado, Fred Rowe ausenta-se, diariamente, em viagens fantásticas pelo mundo que não conhece, a não ser pelas imagens da TV e da internet. Herói principal dessas aventuras, tem direito a inúmeras vidas extras que lhe permitem experimentar momentos épicos e ultrapassar obstáculos inimagináveis, que acabam inevitavelmente com o estridente despertador, que lhe lembra que tem novo dia pela frente. O seu quotidiano é constituído por uma mão cheia de rotinas que o entediam cada vez mais: de casa para o trabalho, do trabalho para o bar e do bar para casa, às vezes, cada vez mais vezes, bêbado; outras vezes, do bar para um qualquer quarto de Motel de estrada, com alguém que nunca fixa o nome ou sequer o rosto.
Fred tinha sido um jovem e promissor consultor de uma companhia de seguros, sediada em Philadelphia. Aceitara o desafio de vir para esta pequena cidade – Cranberry, do interior do estado da Pennsylvania, como responsável comercial dessa seguradora. Já lá iam mais de dez anos e aquilo que começara como uma aventura, com perspectivas de evolução na promissora carreira, acabou por se revelar um desterro eterno. Com o passar dos anos foi desanimando, acomodando-se, a sua ambição foi cedendo às comodidades e ao conforto da pacatez característica das pequenas cidades do interior dos EUA. Ultimamente, sempre que a empresa o solicitava para uma viagem para fora da cidade, era um problema que enfrentava com bastante resistência e sofrimento.
Fred vivia sozinho num pequeno, mas confortável apartamento alugado. Com um emprego estável e com um ordenado acima da média que dava para os gastos, sentia que tinha tudo quanto poderia ambicionar com a excepção da companhia de uma mulher, de quem gostasse verdadeiramente e por quem se sentisse amado também. A sua instabilidade emocional resultava dessa falta e isso, por vezes, tornava-se demasiadamente perigoso para Fred que, confundindo a realidade com a ficção, embarcava em viagens rumo ao desconhecido. Não se importava, desde que pudesse experimentar sensações que o fizessem ausentar-se da sua amargurada vida, qualquer coisa servia.
Num dia igual a outros, no seu escritório, recebe um simpático convite para ir, num final de um dia próximo, a uma festa em casa de um colega de trabalho, igualmente solteiro, mas com fama de má companhia e de gostos alternativos. Sem aceitar imediatamente o convite, deixa em aberto essa possibilidade, pois o convite sugeria algo diferente e desconhecido. Foi para casa convencido que, tendo em conta o seu estado psicológico, seria melhor não ir, pois lá encontraria um ambiente alegre e ele sentia--se imensamente deprimido. Com esse pensamento, encharcado em xanax e vodca, adormeceu.
No dia seguinte novo reforço do mesmo convite. Aí, muito ao seu jeito, lá acabou por aceder e garantir a sua presença. Condição obrigatória para poder participar na festa: levar uma qualquer fantasia animal vestida que o encobrisse totalmente, tornando-o anónimo. Mesmo achando estranho tal predicado, concordou. À falta de melhor, encontrou numa loja da cidade uma fantasia de Pluto, famoso canino e fiel companheiro do Rato Mickey.
Depois de algumas hesitações de última hora, ao ver projectada a ridícula figura que o espelho lhe devolvia e depois de uns valentes goles na garrafa de Whisky, lá encarnou a personagem e saiu de casa.
À chegada e mesmo antes de tocar à campainha, nova e derradeira hesitação, mas escutando o som vindo do interior daquela habitação, depressa se abstraiu e carregou no botão. À porta, num ápice, surgiram três silhuetas animais que, dançando e emitindo uns sons imperceptíveis, para seu espanto, roçaram seus corpos contra o seu, puxando-o para dentro de casa. Aí, o ambiente que conseguia perceber através de sua fantasia, e porque a iluminação era algo psicadélica, era loucamente irreal. Inúmeros corpos, todos disfarçados de animais, mexiam-se e remexiam-se ao som de uma música envolvente, mas hipnotizante, numa massa uniforme de movimentos que indiciavam algo que não podia acreditar ser real. Deambulou pelo meio daquela multidão, sentindo-se permanentemente olhado, tocado e amassado, por patas e garras anónimas e desconhecidas. Conseguiu chegar a um canto onde uma gata, de contornos bem vincados, servia bebidas. Pediu um Gin Tónico e na resposta recebeu não só a dita bebida, como um monumental abraço de corpo inteiro e com direito a afectuosas lambidelas. A mescla de sons, cheiros e sabores impregnavam o ar, produzindo uma atmosfera extremamente afrodisíaca e a cadência dos movimentos corporais erotizavam por demais o ambiente. Era já impensável retroceder e à medida que o dia dava lugar à noite, Fred sentia-se cada vez mais confortável e desinibido. A par de uma enorme mistura de consumos, acedia e retribuia os avanços corporais. De tempos a tempos, como que para refrear os ânimos, vinha até à rua apanhar ar e aliviar-se do ambiente saturado dos espaços interiores. Sentia-se bem, um tanto ou quanto eufórico e consideravelmente ébrio, mas a excitação sensorial levava-o a querer mais. Contudo, pouco depois e num desses momentos de recuperação, apercebeu-se que uma pequena cadela se aproximava, cheirou-o insistentemente e, colocando-se de quatro, simulou urinar bem perto de si, levantou-se, arranhou-lhe o focinho e, de seguida, afastou-se em direcção à rua. Sem conseguir perceber de imediato o que aquilo significava, resolveu seguir aquela cadela com cio, cuja bonita silhueta ia aparecendo e desaparecendo nas sombras da noite, em direcção aos carros estacionados. Num pulo, inverteu o sentido e agarrou-se ao Pluto com tal vontade, que caíram redondos num pequeno relvado de jardim. A excitação já não cabia naquela confusão de pêlos, depois de se esfregarem num abraço desajeitado, resolveram sair dali. Enquanto ela conduzia, ele não parava de mexer nela. Pouco tempo e poucos quilómetros depois, ela encostou o carro e, obrigando-o a recompor-se no seu lugar, pediu-lhe para ir a uma loja comprar bebidas, pois queria continuar a beber. Ele, mal refeito daquilo que lhe ocupava os sentidos, disse-lhe que não tinha dinheiro e que, assim vestido, não saía do carro. Ela insistiu e, fazendo chantagem, lá conseguiu convencer Fred, na pele de Pluto, a ir lá, mas continuava sem dinheiro. Descontraidamente, a cadela abre o porta-luvas e saca de lá uma arma, dizendo-lhe para a usar na loja como forma de conseguir dinheiro para comprar as tais bebidas. Ele, inicialmente não acreditou nas palavras dela e pediu-lhe para guardar a arma. Depois, incomodado pelo ousado desafio, questionou-a se falava sério e a resposta veio em forma de carícia. Pluto agarra na arma, respira fundo e, desalmado, corre em direcção à loja, onde entra com aparato, empurrando a porta com força e, verificando que a loja está vazia, aponta a arma ao empregado e exige-lhe o dinheiro que está na caixa. O empregado surpreendente e inexplicavelmente desatou em desbragadas e incontroláveis gargalhadas, o que deixou o atónito Fred desarmado e incapaz de resolver tal situação. Perante a ameaça suprema de uma arma de fogo, aquele rapaz tinha-o desmascarado apenas com gargalhadas. Naqueles instantes como que caiu em si, viu-se reduzido à sua insignificância e da mesma forma que entrara, precipitado saiu da loja. Aquelas gargalhadas, aquela humilhação deixaram-no completamente de rastos. Entrou no carro e, sem dizer palavra, devolveu a arma, despiu-se da personagem e, sem mais, regressou apressado a casa.
Encharcado em whisky e noutras coisas mais, vou eu, também, dar por terminada esta crónica e embarcar numa viagem que me levará directamente para outro dia, o de amanhã.
Avaliação e comentários: (até 10 valores por júri)
Betty Vidigal - É um conto, né? Personagem simpático, bem construído, texto bem escrito, mas definitivamente não é uma crônica! Para um conto, o tamanho tá ok. Pra uma crônica, tá enorme. (como conto daria 9). Nota: 9,0
Cida Sepúlveda - Gostei muito Mas é conto. Nota: 9,0
Lorenza Costa - Conto inspirado no fato. Nota: 6,0
Luci Afonso - Neste conto bêbado, faltam parágrafos e sobram incoerências. Nota: 7,5
Marco Antunes - Conto! Nota: 6,0
Oswaldo P.Parente - Usou a idéia para construir o conto, em vez de usar o conto para comentar a idéia. Nota: 7,5

total - 45

cemitério dos livros e da subliteratura

"O domínio da edição tornou-se permeável a esta lógica do espectáculo a partir do momento em que a indústria livreira passou a dirigir-se aos consumidores e já não aos leitores". (Excerto)
Via Twitter e João Lopes Marques, cujo perfil eu vou seguindo, li este artigo no Jornal de Notícias, assinado por Sérgio Almeida e cujo título é "Escritores por convite". Não que tenha uma opinião formada acerca deste assunto, mas este texto vem confirmar aquilo que, um dia e recentemente, um amigo me confidenciou acerca dos embustes associados ao fenómeno editorial cuja autoria são figuras mediáticas, nomeadamente, jornalistas e pivôs de televisão.

Santo Amaro


Numa depressão do terreno e afastado da aldeia foi construído um pequeno templo em honra de Santo Amaro, que em Janeiro reúne os poucos aldeões das aldeias vizinhas e de Alimonde. Ao lado desta pequena igreja, os benfeitores desta aldeia construíram uma casa de apoio ao templo. De boa construção em pedra e com todas as comodidades – um salão grande com lareira e copa, casa-de-banho e, nas imediações, à sombra de frondosas árvores um parque para merendes. Espaço aprazível, bonito e confortável, propício tanto para momentos de retiro como para momentos de alegres convívios.
Foi numa pressa, como já há muito tempo não acontecia, que viajei do Porto para este lugar, onde me aguardava um inédito e ansiado encontro de gente amiga, a propósito de uma festa de aniversário surpresa. À chegada a constatação de uma evidência: bonito lugar, uma pequena veiga, preenchida por lameiros, por grandes e frondosas árvores, por um riacho e por uma bela paisagem no horizonte. Logo me projectei a passar neste ambiente, tranquilamente, o resto dos muitos dias que espero viver.
Cheguei consideravelmente atrasado, faltando à missa e encontrando os convivas já sentados, abraçando uma enorme mesa. Num grande abraço fui recebido pelo aniversariante, que logo me apresentou aos demais e, sem demora, me fez sentar ao seu lado na mesa. Magnífico almoço de muito comida, bebida, conversa e alegria. Velhas recordações se manifestaram, ambientes e pessoas que, um dia, entre nós estiveram, mas que, em muitos casos, a minha memória não permite relembrar. Gente que, apesar de estranha, me pertence e eu a eles.
Assim estivemos o resto da tarde, entre conversas, cantigas, jogos de cartas e do fito, até ao anoitecer, hora do regresso à cidade. Fica o registo deste bonito momento que conseguiu reunir em alegria, gente que as idiossincrasias da vida foram afastando. Gente que, num outro e longínquo tempo, conviveu e percorreu os mesmos carreiros e caminhos. Resta esperar e fazer força para que outros momentos semelhantes possam vir a ter lugar.
Alimonde, 23 de Maio de 2009