22 julho 2019

ainda as raças humanas...

Hoje, no P2 do jornal Público, David Marçal explica porque é errado falar em raças humanas...

O conceito de raça foi desacreditado ao longo do século XX, primeiro pela antropologia e logo depois pela biologia. No século XXI, a genética entrou em campo a sério e não só triturou qualquer vestígio do conceito de raça, como trouxe uma perspectiva muito mais rica acerca da história das populações humanas. (…) Uma palavra para a cor da pele: é um caso invulgar, pois as diferenças médias entre populações noutras características são tipicamente muito mais pequenas. (…) Todas as actuais populações são o resultado de misturas de populações altamente divergentes (muito diferentes entre si) e que já não existem na forma não misturada. (…) A história das populações é de grandes misturas e migrações de longa distância — a maioria das populações actuais não descende exclusivamente das pessoas que viviam nos mesmos locais há 10.000 anos. Somos todos o resultado de misturas, em grande parte ocorridas nos últimos 5000 anos. O conceito de raça tem subjacente a ideia de uma homogeneidade de longo prazo, populações relativamente uniformes que viveram no mesmo local durante muito tempo. E isso sabemos que não é verdade. Num passado relativamente recente, as populações humanas eram tão diferentes entre si como são hoje, mas as linhas de separação entre elas seriam para nós irreconhecíveis. As actuais populações são misturas de populações do passado, que eram misturas elas mesmas. Os agrupamentos que hoje podemos reconhecer são um retrato instantâneo de misturas em curso. E isso arrasa os mitos nacionalistas apoiados em preconceitos raciais. (…) Mas estudar diferenças genéticas entre agrupamentos populacionais é um assunto delicado. Uma das vozes críticas é a antropóloga Duana Fullwiley, da Universidade de Stanford (EUA), para quem estes estudos de genética médica reabilitam a ideia da raça, sob a capa de uma suposta neutralidade do ADN. Mas o investigador em genética David Reich, no seu livro Who We Are and How We Got Here (Quem Somos e como Chegámos Aqui), argumenta: “Como sociedade, deveríamos comprometer-nos com a igualdade de direitos para todos, apesar das diferenças que possam existir entre indivíduos. Se aspiramos a tratar todos os indivíduos com respeito, independentemente das diferenças extraordinárias que existem entre indivíduos dentro de uma população, não deve ser muito mais difícil acomodar as diferenças médias mais pequenas, mas ainda significativas, entre populações.” Não se pode assim abrir espaço para que os avanços da genética sejam distorcidos de modo a reabilitar ideias racistas (há quem procure fazê-lo, é certo) e para isso é necessário discuti-los. Até porque possivelmente os argumentos que demonstram a não existência de raças humanas não têm sido suficientemente difundidos. Afinal, várias décadas depois, a ideia de uma classificação racial ainda parece fazer sentido para muitas pessoas.

19 julho 2019

determinismo


Assustadora, de tão realista, que é esta perspectiva da vida. Ainda assim, aceitando certo determinismo, o chão que vou pisando nem sempre corresponde à conformidade deste percurso vital. Feliz por isso.

16 julho 2019

ao espelho (futuro)


Anda toda a gente (leia-se, meio mundo...) excitadíssima com esta aplicação que projecta o que será a nossa aparência quando mais velhos. Não há quem ainda não tenha experimentado e publicado nas redes sociais a sua experiência...
Através da recolha de uma fotografia do rosto, a aplicação retribui com aquilo que será esse rosto mais envelhecido, faltando saber qual é critério temporal (intervalo de tempo/idade) dessa projecção. Mas isso serão minudências que, pelos vistos, não importam ao comum dos mortais. Por outro lado, não deixa de ser paradoxal, num tempo em que as sociedades exacerbam a juventude e sua beleza, este epifenómeno da curiosidade pela aparência futura, transformada em moda.
Enfim, a mim, e ao contrário do que também tenho lido, não são as questões de segurança ou a mais que provável recolha massiva de dados biométricos que esta aplicação permite, que me levam a nem sequer a experimentar. Na verdade, nem curiosidade por me ver ao espelho futuro. É que não preciso dela, pois a minha aparência desde muito novo sempre foi de alguém mais velho. Portanto, a minha actual aparência corresponde a essa idade maior. Estarei com bom aspecto para alguém dessa (qualquer) idade. Pronto.

exasperante

Pode-se dormir com as janelas abertas sem medo de ser picado. O maior luxo é almoçar bem e prolongar a tarde, primeiro com conhaques, depois com gins-tónicos, antes de jantar cedo e levemente — com um ou dois pregos, por exemplo.
Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público, 15/07/2019

alteridade

Esta não é uma observação necessariamente religiosa; é política também. Creio sinceramente que nós, portugueses, nos orgulhamos de aceitar as diferenças sobretudo porque as diferenças nunca exigiram muito da nossa aceitação.
Tiago Cavaco, in LER nº 153

09 julho 2019

a besta

«Era uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?»

Foi com estas palavras que o Presidente Brasileiro reagiu, se não estou em erro, através do Twitter, à morte de João Gilberto, uma das maiores figuras da história musical do Brasil. Não conheço a sua música, nem sou apreciador daquilo que nos chega do lado de lá do Atlântico, mas isso não me impede de saber quem importa e reconhecer a relevância do legado de João Gilberto no panorama da música brasileira contemporânea. O Brasil nas mãos de uma besta, sem mundo e sem samba.

06 julho 2019

o algoritmo

O algoritmo é a ditadura do futuro, a nova tecnocracia. Por isso desconfiamos sempre destes delírios tecnológicos - para quem será esse futuro? Desde Saint-Simon (1760-1825), os profetas da tecnocracia que trazia a justiça ao mundo já estão todos mortos.
Álvaro Domingues, in Granta 3, Maio de 2019.

A ficção científica está a tornar-se, em parte, realidade. Por isso precisamos das humanidades para questionar à medida que se faz esse percurso. Não é depois de termos descoberto um Frankenstein que vamos questionar o que fazer com o monstro.
Isabel Capeloa Gil, citada por Helder Martins, in jornal Expresso, 6 Julho 2019.

Foi a recente leitura de dois textos, um de cada um dos autores acima mencionados, que me trouxe até esta pequena reflexão. 
Dizem-nos, e nós, ignorantes, acreditamos, que vivemos rodeados de algoritmos, que são eles quem comandam e sincronizam o ritmo da vida dos seres humanos e que, sem qualquer dúvida, serão eles quem determinarão a evolução das nossas sociedades, naquilo que poderão ser as tendências culturais, económicas, políticas e, acima de tudo, ideológicas.
Se tenho grande dificuldade em acreditar na existência de uma entidade superiora, omnipresente e omnipotente, enquanto criadora, gestora e juíza de toda a existência, maiores e acrescidas reservas morais e, até, éticas me assaltam, ao perspectivar a nossa existência subjugada pelos humores de um qualquer código, estúpido e insensível, desprovido de qualquer réstia emocional, que se baseia exclusivamente na contabilidade da imensidão de dados, de padrões e de correspondências. Talvez porque sou um humanista e acredito no valor intrínseco, se preferirem, ontogénico do Homem, prefiro a adopção de um pragmatismo utilitário desses "códigos mágicos", ou seja, utilizar as novas tecnologias e ferramentas, na medida em que nos são úteis e simplificam as tarefas e os acessos a determinadas fontes e informações.
Contudo, uma certeza tenho, não me sinto condicionado nas minhas escolhas, nos meus gostos e preferências, nas minhas convicções, nem tão pouco nos meus consumos, por nenhum algoritmo. Não sei, ao contrário das certezas dos inúmeros arautos dos amanhãs tecnológicos que por aí pululam, o que nos aguarda o futuro - certamente será um mundo magnífico e surpreendente. Acredito na ciência, na razão, na arte e engenho do ser humano. Procuro manter-me actualizado e informado, ainda que sempre da margem e numa atitude contemplativa.

04 julho 2019

estados de alma


a) Aqueles que me rodeiam e me conhecem sabem do meu desconforto estival, da minha má vontade para com o Sol e da neurastenia da minha tiróide com o calor. É, por isso, com satisfação e alguma tranquilidade que, tendo regressado de Trás-os-Montes há dias, onde experimentei temperaturas infernais, vim encontrar a Invicta e arredores debaixo de neblinas e ambientes amenos e aprazíveis. Assim, sim, é bom viver aqui;
b) Julgo ser conhecimento público eu considerar-me um transmontano de Massarelos. Pertenço, assim, a duas cidades - Porto e Bragança - onde me sinto em casa e me identifico. Cidades que me têm orientado a existência e às quais jamais deixarei de ser leal e amante. Não creio que algum dia o meu percurso se desvie deste eixo existêncial e sentimental;

compras matutinas


Chegar ao quiosque e encontrar, não uma, mas duas boas surpresas. O dia só poderá correr-me bem.

03 julho 2019

irritação


Só hoje li o capítulo "Malfadado Acordo" do livro Por Amor à Língua, de Manuel Monteiro e fiquei mal disposto. Como é possível alguém ter construído tamanha monstruosidade para a nossa língua?! Para além dos inúmeros exemplos de palavras desacordadas pelo Acordo, deixa-me irritado perceber que entendidos e políticos deram o seu aval a este escarro. Mais ainda, fico desatinado por saber que os meus dois filhos aprenderam, na escola pública, a escrever mal a Língua Portuguesa. Ignorantes por culpa alheia serão e eu não posso responsabilizar ninguém por esse crime.

da resistência à uniformização

" A segunda pessoa do plural foi vassourada - aspecto gravíssimo - até de certos livros e fontes com conjugações verbais. Já vi um livro escolar com todas as pessoas conjugadas, excepto a segunda do plural. Já vi um programa de televisão sobre língua afirmar que "fizestes" não existe! Sírio Possenti, em Malcomportadas Línguas, defende que o pronome vós (o "dinossauro") seja banido de uma "gramática normativa". Eu encontro o putativo dinossauro amiúde. Não podemos rasurar Padre António Vieira, Camões, as traduções da Bíblia e milhentas outras coisas. Não podemos ignorar comunidades linguísticas de Portugal (ainda hoje), mormente nortenhas, que usam com naturalidade a segunda pessoa do plural. Curiosíssimo que pessoas analfabetas dessas comunidades linguísticas sempre conjugaram com muito mais facilidade e rigor a segunda pessoa do plural do que os moderníssimos doutores lisboetas (e não só) atafulhados de plumas académicas. (...) Demais, não devemos alterar frases ou expressões que fazem parte da memória de muitos. "
Manuel Monteiro, in Por Amor à Língua.

aos interessados...

o fim da história?

Quis comprar o último livro de Francis Fukuyama, Identidades, publicado em Portugal no final de 2018. Sabia que o autor, neste seu novo trabalho, se dedica às questões de identidade enquanto fundamento e origem de tudo o que vai acontecendo na política mundial actual. Só que Fukuyama, tem toda uma vida e obra dedicada ao estudo da história da humanidade ao longo dos séculos, nomeadamente dos enormes contrastes entre as diferentes tipologias de organizações políticas e soberanias. Ele é o autor do famoso livro, já um clássico, O Fim da História e o Último Homem, escrito e publicado no final da década de 80 do século XX, período especialmente conturbado na geo-política mundial, nos sistemas políticos e na reorganização dos paradigmas dominantes nas diferentes geografias do planeta. Não me pareceu producente ler Identidades antes de conhecer O Fim da História e o Último Homem e por isso, comprei os dois livros e comecei de imediato a ler este último.  Aqui o autor parte de um conjunto de questões, também partilhada por vários filósofos do passado: a história da humanidade segue uma direcção?... se sim, qual será o seu fim?... e em que ponto nos encontramos em relação ao "fim da história"?
Procurando dar respostas a estas questões, são apresentados elementos que indicam a presença de duas forças imensas na história humana: a lógica da ciência moderna, que tem na sua génese o processo económico racional; e a luta pelo reconhecimento, que é entendido por Fukuyama, mas também por Hegel, como o próprio catalisador da história. Estas duas forças conduziram, ao longo do tempo, ao colapso de ditaduras de direita e de esquerda, impelindo as sociedades, mesmo culturalmente distintas, para a democracia capitalista liberal, entendida como estádio final do processo histórico.
Excelente reflexão sobre a questão suprema do sentido e do destino das sociedades humanas e do próprio Homem. Curiosidade: ler este livro passados cerca de trinta anos depois de ter sido escrito, permite-nos perceber onde o autor acertou e onde falhou, nas suas análises prospectivas sobre o que seria o futuro. Futuro, agora presente. Em breve, lerei então e com atenção o Identidades.

01 julho 2019

diário de campo

Novo mês, novo projecto. Durante os próximos vinte e dois meses, parte do meu tempo - pesquisa, leitura e escrita - será dedicado à Vila de Vinhais. É sempre um prazer olhar, com detalhe, para o retrovisor colectivo que é a nossa história. Lugares, pessoas e momentos que se destacaram e contribuíram decididamente para a construção da História da comunidade. Vamos lá.

a nossa língua







José Pacheco Pereira, in Jornal Público (29/06/2019)

Sem meios técnicos para reproduzir da melhor forma o texto, ainda assim, aquilo que aqui, uma vez mais, é afirmado é por demais importante para todos nós, portugueses, e para todos os utilizadores da nossa língua, a portuguesa. Tal como o meu irmão mais novo diz: - o Pacheco Pereira é o maior!

24 junho 2019

nas palavras dos outros...

Nunca discutimos o futuro por duas razões: porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele. Todo o desígnio de desenvolvimento em Portugal foi e continua a ser estático.
Clara Ferreira Alves,  in  Revista do Expresso, 22/06/2019.

09 junho 2019

nas palavras dos outros...

Uma e outra vez as mesmas políticas vão sendo impostas como se no momento fossem a melhor ou única solução. O mesmo se pode dizer da privatização da segurança social e, portanto, do sistema público de pensões. (...) A receita continua a ser imposta e a ser vendida como a salvação do país. Porque se insiste no erro de impor medidas cujo fracasso é antecipadamente reconhecido? São muitas as razões, mas todas convergem na que considero ser a mais importante: o objectivo de criar uma situação de crise permanente que force as decisões políticas a concentrarem-se em medidas de emergência e de curto prazo. Estas medidas, apesar de envolverem sempre a transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos e imporem sacrifícios aos que menos podem suportá-los, são aceites como necessárias e inviabilizam qualquer discussão sobre o futuro e alternativas de curto e médio prazo.
Boaventura Sousa Santos, in Jornal de Letras nº 1270, Junho 2019.

03 junho 2019

incontornável

Não há como não assinalar o desaparecimento de Agustina Bessa-Luís (1922-2019).

31 maio 2019

por falar em língua...


Chegou-me em forma de presente do mano mais novo, este autêntico manual de escrita em Português correcto, ou pelo menos, um manual para evitar erros básicos e recorrentes. Já anda comigo para todo o lado, para nos intervalos das horas, ir espreitando e aprendendo. Desde já, uma nota de destaque: a referência em capa para o desuso da segunda pessoa do plural e que, incorrectamente, é substituída pela terceira pessoal do plural... Eu utilizo essa conjugação frásica, sempre fiz uso do "vós" quando me dirijo a mais do que uma pessoa, o que me foi valendo ao longo da vida vários comentários de admiração, curiosidade e de peculiaridade na escrita e, principalmente, na oralidade. Nunca gostei da impessoal terceira pessoa do plural.
Entretanto, vamos aprender mais.
Boa leitura.

28 maio 2019

obtusidade mental e não só

Por favor, leiam com atenção este texto:


(Henrique Monteiro, in Jornal Expresso, 18/05/2019)

No dia 18 de Maio, Henrique Monteiro dedicou grande parte da sua página no jornal Expresso, a um texto sobre o Acordo Ortográfico. Logo na altura reagi no Twitter, àquilo que me pareceu uma profunda confusão dos termos, bem característico de uma mente obtusa. Ainda por cima, não fiquei a perceber, porque não é minimamente perceptível, qual a opinião dele acerca do Acordo Ortográfico. Escreveu, escreveu e não disse nada...
Nessa reacção, em formato Twitter, escrevi:
(1) Já li 3 vezes este artigo de Henrique Monteiro e continuo sem perceber o que quer dizer. Não sei se serão "alhos com bugalhos", ou apenas obtusidade. Enfim.
(2) Escreve Henrique Monteiro: "a ortografia é mera representação. Cada um fala como ouve falar..." Errado, pois a ortografia não diz respeito à oralidade, mas sim à escrita dessa língua e isso não é mera representação, mas sim essencial e idiossincrático.
(3) Escreve Henrique Monteiro: "(a língua) é um legado, um monumento da Expansão portuguesa." Curiosa maiusculação de "expansão", que revela um dado saudosismo de antanho, do magnífico luso Império e do ad eternum devir da pátria.
(4) Escreve Henrique Monteiro: "Não brinquem com ela." Porque raio é que quem critica o AO está a brincar, quando quem mexeu nela foi quem promoveu este AO?! Quando se desvaloriza assim uma ortografia como "mera representação", como faz, é que se está, sem senso, a brincar.
(5) Escreve Henrique Monteiro: "Cá também é moda ser contra o Acordo". Errado, moda foi Portugal ter-se precipitado na entrada em vigor deste Aborto, pois mais nenhum país quis, ou quer, saber dele. Mais tarde ou mais cedo a "moda" passará e a brincadeira também.
(6) Importa ainda relembrar ao ilustre H. Monteiro que a riqueza de uma língua é sua diversidade e não adjectivar-se como "cosmopolita". A língua portuguesa, seja em que geografia e com que pronúncia, na sua variedade, é inteligível para toda a lusofonia. Não carece de decreto.

27 maio 2019

politicamente incorrecto

Por motivos alheios aos poucos leitores deste meu apurriar, só pude acompanhar a noite eleitoral de ontem já bem tarde, quando tudo estava determinado, ou quase. Os vencedores já tinham festejado e os derrotados já tinham, a custo, admitido o fracasso e a desilusão. Já muito foi dito e comentado sobre estas eleições europeias - sobre a abstenção obscena, sobre o CDS e a ex-futura primeira-ministra, sobre a CDU e o seu lento estertor, sobre o fantasma do aumento das votações dos partidos de extrema-direita e anti-europeistas, sobre a vitória "poucochinha" do PS e sobre o crescimento do BE, e por isso não vou acrescentar mais nada sobre o tanto que já foi dito e escrito. Reservo esta pequena reflexão ao PAN e à sua "vitória", por ter conseguido eleger o primeiro euro-deputado. Muito bem. Fico de alguma forma satisfeito por esse sucesso, mas ainda assim, de tudo o que ouvi na noite, retive as palavras de Miguel Sousa Tavares (MST), na TVI24, que a propósito do PAN, afirmou:

O PAN é um partido que recolhe votos nos meios urbanos, mas não nos meios rurais, onde toda a gente o detesta. O PAN não tem um voto nos meios rurais, é o partido dos urbano-depressivos, daqueles que acham que os animaizinhos não se podem comer. É o partido dos vegan, os que só comem alface e verdura. O PAN é uma bofetada de luva branca numa coisa que se chama os Verdes que é um apêndice do PCP que nunca foi a votos por si só e que não faz nenhuma política ecologista.

Para além da eterna boçalidade deslavada, trocista, trauliteira e até marialva, de MST, sou obrigado a reconhecer que esta afirmação, que desobedece ao espartilho do politicamente correcto actual, tem muito de verdade. Concordo, na essência, com esta opinião, pois também acho que a perspectiva deste novo ecologismo, enquanto ideologia, paixão e discurso, não tem como fundamento, ou inspiração, um conhecimento da realidade da vida dos cidadãos não-urbanos, ou se preferirem, da existência espartana da vida rural. Tal como já tanta gente o referiu, a perspectiva de alguém que nunca precisou de trabalhar a terra, de criar animais para a lavoura e para a sua dieta alimentar, nunca poderá compreender a relação que se estabelece entre pessoas e animais nesse habitat fora das muralhas urbanas. Para aqueles que, protegidos pelo conforto e oferta da cidade, e que apenas consomem, será sempre consideravelmente mais fácil prescindirem deste ou daquele alimento e, assim, optarem por uma narrativa alternativa. Um luxo só ao alcance de alguns...
Estou consciente da emergência de uma nova atitude face às gravíssimas alterações climáticas e quero que essa preocupação entre rapidamente nas agendas dos partidos políticos nacionais e europeus, mas, confesso-vos, tenho medo do PAN, do seu radicalismo, da sua relativa ignorância e da sua aversão à ciência. Cuidado, muito cuidado com estes senhores.

22 maio 2019

fomos Porto?


Não gosto de escrever sobre futebol, sobre jogadores, treinadores, árbitros ou equipas, muito menos gosto de escrever sobre o meu clube. Não o faço. Não gosto de o fazer porque, enquanto adepto que sempre fui do FCP, não se usa da razão, apenas e só conseguimos verter as emoções que nos assaltam o ser. Escrever com razão sobre futebol, sendo adepto, não é um exercício honesto e imparcial - veja-se a panóplia desmesurada de opinadores televisivos, ou leiam-se os doutos entendidos nos três diários desportivos e afins. Perante tamanho chinfrim mediático, a perplexidade permanece: haverá público para tanto dislate, para tanta ignorância, para tanta pseudo-ciência (estou a lembrar-me de um tal de Luís Freitas Lobo) aplicada ao futebol? Pelos vistos, sim, há.
Esperei pelo desfecho do campeonato nacional e pelo acalmar das emoções, para aqui vir reflectir um pouco [entenda-se, um carpir das mágoas de adepto magoado] sobre o desempenho do FCP durante este campeonato. Como foi possível, depois de uma vantagem que chegou a ser de sete pontos, depois de provocar uma chicotada psicológica no Benfica, perder nove pontos e assim o campeonato? Com toda a certeza, haverá mais do que um responsável, mas aquilo que mais me custou foi não ter percebido em ninguém, da estrutura e/ou dos arredores, do FCP um mea culpa, um reconhecimento de erro, de má decisões, ou de negligência. Para além das óbvias responsabilidades de Sérgio Conceição, enquanto líder e senhor das decisões técnicas e tácticas, parte do problema foi ter mantido a jogar um conjunto de jogadores que já não queriam estar no Dragão, como por exemplo, Brahimi e Herrera, que em épocas anteriores tinham carregado a equipa e deslumbrado com a sua força e brilhantismo, e este ano, nada, andaram a arrastar-se pelos relvados, nitidamente desmotivados; outro exemplo, foi o central Éder Militão que, há muitos meses com a cabeça em Madrid, foi cometendo erro atrás de erro. Depois, tivemos o caso de Maraga, o todo poderoso, mas que não consegue dominar uma bola e que, segundo a estatística, precisa de três oportunidades para fazer um golo. Sempre apreciei e privilegiei jogadores inteligentes e que tratam a bola "intimamente" por tu...
O que se percebeu, e com grande estrondo, foi o mesmo de sempre, um permanente sacudir da água do capote e de responsabilização de tudo e de todos, menos dos próprios. Volto a remeter para os comentadeiros que, há distância de uma TV, Rádio ou Jornal, espumam irracionalidade e estupidez.
Lamento muito, muito mesmo, mas, por demérito do FCP, o Benfica acabou por ser um justo campeão. Este campeonato NÃO FOMOS PORTO!

mediascape: errado

João Duque, na sua coluna no caderno de economia do Jornal Expresso, aproveitou a recente história de Joe Berardo para puxar as brasas, novamente, às suas sardinhas, que é como quem diz, não perde uma oportunidade para afirmar a sua fundamentalista crença no mercado - livre e especulador - e o seu visceral ódio ao sector público, demonstrado em todas e cada uma das suas intervenções públicas. Acontece que o raciocínio para além de errado, não me parece intelectualmente honesto, na medida em que a conclusão a que chega não se baseia em factos, ou dados em concreto, mas sim no seu pavor com a possibilidade de uma qualquer nacionalização. Se na CGD houve má gestão (e é certo que sim), que se encontrem e penalizem os responsáveis; o mesmo direi para os bancos privados. Agora, ao contrário do que conclui o ilustre professor, se os portugueses foram e são chamados a injectar dinheiro nos bancos, porque não trazê-los para a esfera pública? Parece-me óbvio e lógico. Mas para o excelentíssimo Professor o que deveria acontecer era precisamente o contrário: privatizar a CGD seria o ideal.

voto precoce e abstenção

No passado dia 14 de Maio, o PAN apresentou na Assembleia da República um projecto de resolução que visava consagrar o direito de voto dos cidadãos maiores de 16 anos de idade, ou seja, uma antecipação dos 18 para os 16 anos, o que implicaria uma revisão constitucional extraordinária. A proposta foi chumbada pela maioria dos deputados, tendo votado favoravelmente apenas o deputado do PAN e a bancada do BE. Um dos fundamentos ou razões para a apresentação desta resolução era o combate à abstenção em Portugal e que os cerca de 140 mil jovens que passariam a poder votar, poderiam inverter a persistente indiferença e alheamento dos portugueses em relação àquilo que é a nossa vida política e das instituições de poder.
Nada me opõe a essa antecipação na idade para votar, mas desconfio da eficácia da medida face aos propósitos enunciados, pois a ter em conta aquilo que são os dados conhecidos dos últimos actos eleitorais, é precisamente nas faixas etárias mais jovens que se encontra maior percentagem de abstenção. Assim, com a aprovação de tal resolução, às tantas, em vez de conseguirmos reduzir as percentagens de abstenção, ainda iríamos conseguir aumentá-las mais. Digo eu.

21 maio 2019

destruição do saber


Foi notícia na semana passada, mais um episódio de violência numa escola pública portuguesa, nomeadamente, a agressão violenta de uma professora primária, pela mãe e pela avó de uma aluna ou aluno, dentro da escola e com todos os alunos a presenciarem. Acontece que desta vez aconteceu bem perto de mim e, nas minhas andanças quotidianas, passo nessa escola, o que me permitiu testemunhar o protesto da comunidade perante tal agressão.
Para além do acto de violência em si, sempre condenável, inadmissível e intolerável, duas ideias me ficaram retidas no pensamento. A primeira é de que, de facto, o Professor perdeu qualquer autoridade, qualquer relevância e até respeito, na generalidade da sociedade portuguesa e, hoje, é mal tratado e abusado, não só pelo sistema, mas também pela comunidade escolar. A segunda é mais gravosa e importante: que educação, que exemplo, que futuro, poderão ter os filhos e netos de pais/avós que, em sua presença, agridem violentamente os seus professores. Que importância darão estas crianças ao saber?! Tristes crianças.
Ambas contribuem superlativamente para a destruição da escola pública nacional e, assim, contribuirão para um futuro mais pobre, mais inculto e mais infeliz.

nas palavras dos outros...

Há uma desvalorização do papel do professor, de ensinar, de transmitir um saber. Vem num pacote sinistro que inclui o falso igualitarismo nas redes sociais, o ataque à hierarquia do saber, o desprezo pelo conhecimento profissional resultado de muito trabalho a favor de frases avulsas, com erros e asneiras, sem sequer se conhecer aquilo de que se fala.
José Pacheco Pereira, in Jornal Público, 18 Maio 2019

16 maio 2019

bonito

hoje, na caixa do correio...

13 maio 2019

novo, estranho e disruptivo

Experimentei pela primeira vez, por pressão da minha filha, os serviços da UBER EATS. Final de tarde chuvosa, nenhuma vontade de fazer o jantar, a solução foi encomendar comida através dessa aplicação. Paguei com o cartão de crédito na própria aplicação e à hora marcada, a encomenda estava à porta. Só que não na minha porta, mas sim numa morada onde eu nunca residi. Depois de várias conversas com o "colaborador" da empresa, sem nunca conseguir fazer valer a minha argumentação, fui aconselhado a reclamar junto da empresa. Assim tentei fazer, só que não encontrei onde, nem com quem!... a encomenda foi cancelada.
Conclusão: fiquei sem a encomenda e sem o dinheiro que paguei. Fiquei chateado, nem tanto pelo dinheiro, mas pela atitude do “colaborador” e, acima de tudo, pela forma como estas empresas trabalham - não têm uma presença física, não permitem interacções e nem sequer podemos comunicar. Dizem-me que este é o paradigma do futuro nos negócios e nos serviços, mas eu não quero acreditar que assim venha a ser. Esse estranho e disruptivo mundo poderá até vingar nalguns sectores, mas as relações laborais manterão vivos, por muitos e bons anos, os valores dos velhos contratos sociais.
E não, não voltarei a utilizar tais serviços.

este país não é para gente séria


Esta é a imagem de um país de desonestos e iliteratos, mas espertos. Aquilo que este senhor fez na Comissão da Assembleia da República foi um atestado de menoridade e insignificância às instituições da nossa República e foi, acima de tudo, borrar a cara de todos os portugueses com merda, em directo e institucionalmente. Uma vergonha para todos nós, menos, como é claro, para o próprio que nem sequer se apercebe da figura que faz.

09 maio 2019

nas palavras de outros...

Só no grande perigo se diz com suficiente força amo-te.
Gonçalo M. Tavares, in Jornal de Letras nº 1268, Maio 2019

08 maio 2019

crónicas de Barcelona - VII

Regressar? [19-04-2019]

No final de mais uma longa mas tranquila viagem, agora de regresso a Portugal e, em concreto, a Bragança, onde iremos ficar uns dias, a sensação de satisfação é geral e partilhada pelo resto da família. Todos gostaram da viagem e do seu destino. Tal como já referi, esta era uma das cidades europeias que sempre pensara visitar. Já está. No entretanto, e reflectindo sobre Barcelona, diria que, ao contrário de outras cidades desta velha Europa, que já tive o privilégio de conhecer e revisitar, não me parece que algum dia sinta vontade de lá voltar. Já o escrevi aqui que, a regressar, gostaria de poder descobrir a cidade daqueles que tenho como referência e um dia andaram por lá, num roteiro alternativo e muito pessoal. De resto, penso que visitei e conheci o que de mais importante a cidade tem para oferecer enquanto destino turístico. Assim sendo, novos destinos e outras cidades europeias há para descobrir.
Agora, três dias de alguma ruralidade e sossego, regeneradores para o regresso ao quotidiano.



(fotografias: a)regresso a Portugal, b) panorâmica parcial de Barcelona e c) um histórico local para um dia descobrir)

crónicas de Barcelona - VI

O melhor, o pior e a campanha eleitoral... [18-04-2019]

Uma estadia de quatro ou cinco dias não permite conhecer toda a cidade e todos os seus pontos de interesse, nem tão pouco permite que alguém utilize o verbo conhecer. Para além daquilo que são os já referidos circuitos e polaridades turísticas, há uma cidade associada aos seus grandes nomes que gostaria de conhecer - casas, espaços públicos, cafés e restaurantes que, noutras épocas, foram frequentados por esses gigantes da cultura mundial. Seria um roteiro alternativo, personalizado e para realizar com calma e tempo, que me daria muito prazer.
Daquilo que me foi possível e dado a conhecer, destacaria como muito bom e surpreendente, o Palau De La Musica Catalã - auditório de música construído no início do século XX, projectado pelo arquitecto local Lluís Domènech i Montaner, um dos grandes representantes do modernismo catalão. Realizámos uma visita guiada e, assim, pudemos conhecer todos os pormenores associados à sua fundação, à sua arquitectura, à sua qualidade acústica e à sua importância na vida cultural, social e económica da cidade e região. É de facto impressionante e lindíssimo.
Pela negativa, ou seja, aquilo que visitei e conheci, mas que de alguma forma defraudou as minhas expectativas, eu referiria, (para além da já mencionada Sagrada Família) acima de tudo o resto, o Parque Güell - o grande parque urbano da cidade, situado no monte Carmelo, zona da Gràcia, concebido pelo arquitecto Antoni Gaudí (quem mais poderia ser?...), por encomenda do empresário catalão Eusebi Güell, na segunda década do século XX. Segundo consta na história, este parque seria um espaço privado de descanso e lazer para o empresário e sua família passarem as férias e/ou fins-de-semana. O projecto de Gaudí nunca foi terminado e em 1915/16 o arquitecto abandonou a obra para dar início à construção da catedral da Sagrada Família. Entretanto, com a morte do empresário, os seus herdeiros abandonaram a ideia e, já durante a década de 20, a cidade adquiriu esse espaço e transformou-o num espaço público para toda a população. Actualmente, o acesso a parte do parque é restrito e tem que se comprar bilhete, medida que apesar de contribuir para regular o enorme fluxo de turistas, mereceu a crítica de muitos habitantes da cidade, pois veio vedar o acesso livre a um espaço que é de todos.
Com todo o respeito que me merece o Sr. Gaudí e o reconhecimento da sua tremenda genialidade, não entendo o fascínio e a voracidade das massas por visitar uma escadaria decorada com bocados de azulejos, um enorme terraço suportado por inúmeros pilares de betão, que funciona como miradouro sobre uma pequena parte da cidade e sobre o mediterrâneo (onde a pressão dos visitantes não permite sequer tirar uma fotografia), e duas habitações com uma fisionomia estranhíssima. É isto que o bilhete comprado nos permite visitar. O resto, os enormes jardins são gratuitos e muito agradáveis, mas sinceramente estranho a ideia de alguém viajar de qualquer parte do mundo para vir visitar jardins…
Por estes dias que cá andei, decorre a campanha eleitoral para eleições gerais em Espanha. Não sei se por ser português e estar tão habituado ao ruído e à saturação destes períodos em Portugal, estranhei o silêncio e a ausência visual desses elementos de propaganda. Claro que andei essencialmente pelos circuitos turísticos, mas também pude cirandar pelas zonas habitacionais, de trabalho e comerciais, menos frequentados pelos visitantes, e mesmo aí quase não se percebe o momento político actual. Aí, para um estranho e pela primeira vez na cidade, aquilo que me chamou mais a atenção foram as bandeiras catalãs e as tarjas/faixas com a mensagem: Llibertat presos polítics! expostas em muitas janelas e varandas dos catalães.
Viva a República da Catalunha.




(fotografias: a) Palau de la Musica Catalã, b) Parque Güell, c) bandeira catalã e d) tarja ou faixa)

crónicas de Barcelona - V

Deambulações pelo casco velho [18-04-2019]

Por estes dias não temos sossegado. O passe de metro de 72 horas que comprámos, tem-nos permitido deambular por todo o lado sem preocupações. Nos espaços de tempo vazios, a minha sugestão tem sido sempre irmos para a zona velha da cidade, cuja referência é La Rambla, mas como é estupidamente agitada e movimentada, prefiro caminhar pelas ruas e ruelas - muitas delas pedonais - que derivam dessa artéria principal para Oeste e, principalmente, para Este, naquilo que é conhecido como bairro Gótico. É neste emaranhado de artérias envelhecidas, pejadas de comércio e "comes e bebes”, que se encontra a Plaça Sant Jaume, epicentro político da República da Catalunha e uma das praças mais simbólicas da cidade. É aqui que se encontra o Palau de La Generalitat, onde, em Outubro de 2017, foi proclamada unilateralmente a independência da República da Catalunha em relação ao Estado Espanhol. A sensação que tenho é que esta praça tem uma força centrífuga nesta complexa teia de ruas estreitas, escuras e sujas, na medida em que todos os percursos turísticos possíveis para quem quer visitar os monumentos e atracções - catedral, ajuntamento, biblioteca, museu Picasso, Palau de la Musica Catalana, Centro de Exposições Gaudí, etc. - desta parte velha da cidade, acabam por se cruzar, qual placa giratória, nesta praça. Um outro local muito bonito e confortável é a praça Real, bem perto de La Rambla, decorada com inúmeras palmeiras e onde, nas suas arcadas e em toda a praça, encontramos esplanadas de diferentes restaurantes e cervejarias. Gosto de lá estar e, por isso, aí temos ido várias vezes comer.
Se algum dia regressar a Barcelona, será por aqui que andarei, tentando conhecer melhor os seus recantos e encantos.


(fotografias: a) plaça Sant Jaume e b) plaça Real)

crónicas de Barcelona - IV

Comer e beber [17-04-2019]

Sou, desde há muito, um apreciador da gastronomia espanhola, e digo espanhola porque da Galiza à Andaluzia, do País Basco à Catalunha, os espanhóis sabem comer. Claro que aquilo que é vendido nos circuitos turísticos não representa a dieta caseira dos espanhóis, mas em todo o caso, comer em Espanha é sempre um prazer. Assim, esta viagem a Barcelona representava também a possibilidade de comer e beber bem, indo ao encontro daquilo que mais gosto - "comer de seco”, o que deste lado da fronteira, poderá ser designado de “tapas". Nas vésperas da viagem, indagámos algumas referências gastronómicas, mas acabámos por não experimentar nenhuma delas. Para além daquilo que é o estereotipo dessas “tapas” de pulpo, jamón, camarón e calamares, de pimento padron, são deliciosos os huevos revueltos, as paellas (exceptuando a de peixe), e as simples sandes de jamón. Em relação à bebida e mesmo sabendo da excelência da produção de vinhos, acabei por beber apenas cerveja ao copo, na tradução “canha" ou “tanque”. Ainda que num destino turístico muito visitado, não considerei os preços excessivos, muito nivelados pelos praticados em Portugal em idênticas circunstâncias.
Visitei o mercado municipal La Boqueria, onde podemos encontrar uma variedade de produtos à venda, desde o peixe, às frutas, aos queijos e presuntos, como também às especiarias e doces. Pode-se também experimentar, em certas bancas, algumas das mais famosas iguarias da região. Gostaria de me ter sentado numa dessas concorridas bancas, mas a dieta da criança obriga a comer de garfo e faca. Os olhos ficaram retidos nos magníficos presuntos em exposição e nas finas fatias que eram cortadas a todo o momento e abasteciam os pratos dos comensais. Quem sabe um dia.



(fotografias: a) huevos, b) tapas e c) jamón, no mercado La Boqueria)

crónicas de Barcelona - III

A cidade do Sr. Gaudí [17-04-2019]

Sabia (é de conhecimento generalizado) da importância cultural da cidade de Barcelona. Foi um centro de produção e divulgação cultural ao longo de todo o século XX. Um movimento que teve início na segunda metade do século XIX e que contemplou os maiores nomes das artes espanhola, europeia e mundial, e que encontrou nesta cidade o espaço e as condições sociais, políticas e económicas para desenvolverem a sua genialidade. Da arquitectura à literatura, da pintura ao urbanismo, de nomes como Salvador Dalí, Pablo Picasso ou Joan Miró, de Ildefonso Cerdà, Luís Domenech I Montaner ou Josep Puig i Cadafalch, de Ana Ma Matutem, Juan Marsé ou Carmen Laforet e Eduardo Mendoza, são muitos os exemplos de genialidade que a cidade viu nascer ou acolheu, mas nenhum outro ocupa o lugar de destaque que Antoni Gaudí, o celebrado arquitecto que projectou as principais atracções turísticas de Barcelona. Aliás, a promoção da cidade socorre-se daquilo que foi a obra de Gaudí para se vender enquanto destino turístico. É impressionante a presença deste nome por toda a cidade, dando mesmo a impressão que a polarização na urbe obedece à localização das suas obras mais icónicas, que acabam por ser autênticos landmarks que nos guiam pelo terreno e influenciam a nossa percepção do lugar. Como expoente máximo dessa genialidade, a Sagrada Família, basílica projectada e iniciada por Gaudí (1915/1916), ainda não finalizada, segundo consta é o monumento mais visitado em Barcelona. A sua dimensão é impressionante e impactante na paisagem, mas a confusão em seu redor é aflitiva e assustadora. Não há espaço, não se respira e a possibilidade de visitar o seu interior está circunscrita à compra de bilhetes que estão constantemente esgotados, só com bastante antecedência se consegue adquirí-los. Se chegar perto foi uma experiência impactante perante a sua dimensão, sentir-me no meio de tamanha barafunda não foi nada agradável e até muito desconfortável (posso estar equivocado, mas nem num monumento como a torre Eiffel, em Paris, existe tal confusão). Assim sendo, dispenso lá regressar.

(fotografia: a Sagrada Família)

crónicas de Barcelona - II

A turistificação da cidade [16-04-2019]

Não trazia comigo qualquer expectativa em especial relativa à cidade. Tal como já referi, era um dos destinos urbanos e europeus que sempre quisera visitar e conhecer. Sem qualquer plano, a não ser a visita aos lugares de referência turística (os tais de visita obrigatória e, mundialmente, referenciados), a proposta era conhecer a cidade. Não precisei de muito tempo, nem de deambular muito, para me aperceber da Barcelona-objecto e da Barcelona-narrativa que encontramos promovida e divulgada por todo o mundo e em todas as línguas. Aquilo que desconhecia de todo era a dimensão da turistificação da cidade, naquilo que são os percursos possíveis e tipificados. Claro que existe uma cidade que trabalha e produz, uma cidade com habitantes e vida própria, mas aquilo que nos é dado a consumir enquanto turistas é esmagador. A sensação com que fiquei foi de uma cidade (zona histórica e arredores) espezinhada, frenética, suja e invadida por turistas, que ainda por cima, se precipitam para os poucos lugares referênciados pela lógica da indústria do turismo, como se o mundo acabasse amanhã. Impressionante. Não sou muito viajado e falta-me muito mundo, mas em nenhuma outra cidade que visitei encontrei tamanha confusão, frenesim e stress junto desses locais de eleição turística, onde tirar uma simples fotografia se adivinha uma autêntica aventura de atropelos e ângulos impossíveis. Aqui está um bom exemplo do paradigma do turismo de massas, no qual se vendem destinos cuja oferta real não corresponde ao produto promovido - vende-se a cidade, ainda que uma grande cidade, como histórica, monumental, cultural, gastronómica, etc., etc. e depois, a realidade defrauda-nos, ou pelo menos, deixa-nos uma certa frustração. Nem de propósito, no intervalo para descanso no hotel, ao final da tarde, encontrei um artigo na New York intitulado “The Airbnb invasion of Barcelona - in the tourist-clogged City, some locals see the service as a pestilence”, assinado por Rebecca Mead, cuja leitura me entreteu durante largos minutos. Transcrevo alguns dados interessantes e curiosos que recolhi e traduzi dessa leitura:

Barcelona foi vendida com sucesso aos mercados internacionais como um destino de lazer, com bom clima, boas praias, vida nocturna e uma oferta cultural ímpar, tornando-a num dos destinos mais populares da Europa. Actualmente, Barcelona recebe cerca de vinte milhões de turistas por ano, isto para uma população de um milhão e seiscentos mil habitantes. Fenómenos como o das companhias aéreas de baixo-custo como a Ryanair e do turismo local como a Airbnb intensificaram a promoção e divulgação da cidade, tornando-a acessível a um crescente número de indivíduos e famílias. Cerca de um milhão e meio dos visitantes actuais ficam hospedados em locais Airbnb. Existem quase vinte mil locais activos disponibilizados pela Airbnb. Tudo isto trouxe alterações demográficas extremas para a cidade. Por exemplo, no bairro Gótico, nos últimos 12 anos, a população residente diminuiu cerca de 45%.
Apesar do turismo contribuir para quase 12% da economia da cidade, é preciso relembrar que até bem perto do final do século XX, Barcelona era vista, acima de tudo, como um porto-de-mar industrial. O seu perfil internacional alterou-se abruptamente com o acolhimento dos Jogos Olímpicos de 1992. Em 2010, a cidade decidiu liberalizar as regras do aluguer de curta-duração e, com isso, durante os quatro anos seguintes, as licenças quadruplicaram. Diz uma activista local que Barcelona parece um parque temático, repleto de restaurantes que vendem paellas, tapas e sangrias, nenhuma das quais originária da cidade ou região, mas que correspondem a uma imagem genérica de Espanha. Em 2017, num inquérito anual promovido pela cidade, o turismo foi referenciado como a maior preocupação para 60% da população local. (clicar aqui para ler o artigo na íntegra)

Barcelona é uma grande cidade. É bonita. É apelativa. Ainda que ingrata ou injustamente, tento imaginá-la sem todo este ruído.

(fotografia: retirada do artigo da New York)

crónicas de Barcelona - I

A viagem [15-04-2019]

A decisão estava tomada, Barcelona era uma das cidades europeias a conhecer. Sendo um destino relativamente próximo, a opção pela viagem de automóvel não sofreu contestação de nenhum dos participantes. Assim, os mil, cento e qualquer coisas quilómetros entre o Porto e Barcelona foram percorridos em duas etapas. A primeira, entre o Porto e Bragança, onde permanecemos durante dois dias. Depois e sem pressa, partimos para a segunda e grande etapa do percurso: Bragança - Barcelona e os seus novecentos e muitos quilómetros. O trajecto escolhido, apesar de em grande parte nos ser desconhecido, foi o melhor possível, pois não só as estradas eram boas, como não se gastou dinheiro em portagens e em gasóleo. Entre Bragança e Zamora fizemos a A4 até à fronteira em Quintanilha e a partir daí, a nacional espanhola nº 122 até Zamora. Entre esta cidade e Valladolid percorremos os cerca de cem quilómetros da Autovía Del Duero, na qual não se pagam portagens. A partir daqui, o trajecto era desconhecido para nós e a escolha da Nacional 122 até Sória era uma incógnita, mas os seus mais de duzentos quilómetros, ainda que com algum trânsito de pesados, fazem-se muito tranquilamente, uma vez que a estrada é plana e com imensas rectas. Entre Sória e Zaragoça continuamos na nacional 122 até encontrarmos a Autovía Del Ebro em direcção a Lleida e Zaragoça. Neste troço de auto-estrada pagámos 5,50 euros. De Zaragoça até Barcelona, fizemos a viagem sempre por auto-estrada e os cerca de 310 quilómetros de distância custaram-nos 30,50 euros de portagem. Entre Bragança e Barcelona, os tais novecentos e tal quilómetros de viagem, demoraram cerca de nove horas, custaram 36 euros de portagem e cerca de um depósito de gasóleo, sendo que o pc do automóvel ditou uma média de consumo de 4,8 litros/100 kms.
Uma vez mais pude confirmar a minha preferência pelas viagens de automóvel. Para além de todos os receios no uso dos meios alternativos, nomeadamente do avião, aquilo que mais relevo, para além do prazer da própria condução, é a liberdade de horários, de percursos e de interrupções ou paragens. Para além disto, nenhum outro meio de transporte nos permite conhecer as paisagens e os lugares por onde passamos como o automóvel permite. É sempre um prazer viajar. Será sempre deliciosa a ideia de viajem - de percorrer distâncias e poder descobrir, apreciar e consumir tudo aquilo que se esconde para lá da próxima curva.

(fotografia: a aproximação à grande cidade)

07 maio 2019

ainda a LER

Ainda não foi desta que a revista morreu. Muito sinceramente é aquilo que sinto em cada estação (Primavera, Verão, Outono, Inverno) a que corresponde cada novo número, pois são dias e dias a ir ao quiosque à sua procura e nada. Hoje apareceu em escaparate. Ainda bem. Vamos ler.

06 maio 2019

desacordo

Excelente notícia no jornal Expresso deste último Sábado. O Parlamento vai rever o (des)Acordo Ortográfico (AO). Quando se assinalam dez anos desde a sua aprovação, um grupo de trabalho criado pelo Parlamento para estudar a aplicação das novas regras para a Língua Portuguesa, apresentará o seu relatório final nas próximas semanas e nele consta essa recomendação de revisão do AO. Ao mesmo tempo, deu entrada na Assembleia da República, em Abril, uma petição assinada por mais de vinte mil pessoas - entre as quais eu - promovida pela Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC), que conseguiu o registo de um projecto de lei, cuja votação em plenário acontecerá ainda esta legislatura e em data a definir. Os signatários desta petição exigem a revogação da Resolução da Assembleia da República que aprova o segundo protocolo modificado ao AO, no qual ficou estipulado que bastaria a sua ratificação em três países (dos então sete) para que o Acordo entrasse em vigor.
Sem nunca ter sido unânime em Portugal e nos restantes membros CPLP, este Acordo só foi concretizado pelo Estado português, que agora terá trabalho duplicado para recuar e restabelecer a norma anterior. Dez anos de crianças e jovens a aprenderem uma ortografia errada, cujas consequências ainda não se conseguem alcançar na totalidade. Ainda assim e tal como afirma Teresa Caeiro, do CDS, "mais vale reverter o erro do que perpetuá-lo". Haja vontade e coragem política em Portugal para acabar com este capricho de meia-dúzia de académicos que, um dia, conseguiram impor esta estupidez.

29 abril 2019

mediascape:coincidências

Duas notícias quase simultâneas sobressaltaram-me os sentidos: A primeira dizia que a Câmara Municipal do Porto, depois de uma proposta do vereador da CDU, se preparava para classificar a casa onde o escritor Almeida Garrett nasceu como património municipal e, também, iria estudar a possibilidade de a vir a adquirir e transformar num polo do museu do Liberalismo. A segunda, praticamente sucedânea, dizia que essa mesma casa tinha ardido e ficado completamente destruída, tendo sobrevivido apenas a fachada principal.
Andam a passar-se episódios muitos estranhos na Invicta. Esta nova situação relembrou-me de imediato a tragédia ocorrida aqui há meses na zona do Bolhão em que um edifício ainda ocupado, mas pretendido para o negócio do turismo local, ardeu por completo, tendo matado uma idosa que aí vivia. Não creio em coincidências, principalmente quando sei que o "mercado" se transformou numa autêntica selva anárquica, na qual vale tudo ou quase, sobre a qual as instituições que a deveriam regular e supervisionar, ávidas da sua quota-parte de lucros tributários, fecham os olhos e até incentivam toda e qualquer especulação.
Uma vergonha o que se está a passar na minha cidade.

um néscio com poder

Utilizando (uma vez mais) o Twitter, o Presidente brasileiro, afirmou recentemente que o seu ministro da Educação, Abraham Wientraub, estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia, querendo com isto dizer que, sem prejuízo dos alunos já inscritos, o estado brasileiro vai deixar de custear estes cursos de ciências sociais e humanas. Para justificar esta afirmação, Jair Bolsonaro escreve: “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”. Reforça esta ideia com o seguinte propósito: "O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina."
Não sei se não seria mais saudável passar a ignorar tudo o que nos chega das terras de Vera Cruz, pois a ignomínia é já incomensurável e, acima de tudo, inqualificável. Só mesmo um bando néscios, abrutalhados e ignorantes exímios poderia defender uma ideia como esta. Poderíamos estar perante uma atitude reflectida e ponderada, ideológica, para afastar o comum nos cidadãos do Conhecimento, naquilo que poderia ser designado de racismo de inteligência, mas não acredito que assim seja, pois apesar de em última análise, ser isso que se vai verificar, o que move esta gente, reconhecendo a sua inferioridade intelectual, é o ódio pelo Saber, pela Cultura e pelo Cosmopolitismo, preferindo contribuir para a imposição de uma sociedade limitada e castradora, de cidadãos inaptos, ignaros, embrutecidos e desinformados.
Para além do pormenor de uma certa equidade que se espera de um governo naquilo que é a oferta pública no ensino superior, importa recordar que as ciências sociais/humanas, em geral, e a Filosofia, em particular, são essenciais para o progresso de uma sociedade, naquilo que são os critérios para o Conhecimento, naquilo que são os critérios éticos e morais, naquilo que pode ser um pensamento crítico e reflexivo e, também, naquilo que deverão ser ganhos efectivos de consciência - individual e colectiva - ao ultrapassar a banalidade, o facilitismo e a preguiça do senso comum.

25 abril 2019

25 de Abril sempre!


Uma ideia simples e clara que importa repetir até à exaustão.
Foi há 45 anos e esse tempo todo trouxe consigo um inevitável e crescente desconhecimento e/ou ignorância sobre o seu significado e importância, que por sua vez, permitiram a relativização desse momento re-fundador da nossa sociedade. É, pois, perante esses perigos que vão sitiando a nossa democracia, que será sempre imperativo reafirmar os seus valores.
Viva o 25 de Abril.

23 abril 2019

dia do livro

Hoje é o dia mundial do Livro e nada melhor de que assinalar a efeméride comprando, ou pelo menos, lendo literatura que importa. Eu, que entre outros, trago na cabeceira os Contos Escolhidos de Guy de Mompassant (1850-1893), comecei o dia com ele e, agora que saí de casa, aproveitei o pretexto de um café na Fnac para espreitar as promoções deste dia e o resultado foi o que a fotografia apresenta. Boas leituras.

12 abril 2019

talvez esta seja uma revolução religiosa em curso


É com esta afirmação que Alfredo Teixeira termina o seu ensaio "Religião na sociedade portuguesa", acabado de sair na colecção dos ensaios da fundação(nº 93), da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Aproveitei um par de horas vazias de uma manhã desta semana para o ler. Mais um excelente ensaio desta colecção para quem se interessa pelas questões do sagrada e do religioso, que procura retratar e explicar as actuais formas de crer e pertencer em Portugal.
Partindo de duas questões: a) Como se caracterizam as identidades religiosas em Portugal?, e b) O que persistiu e o que mudou com as alterações das formas tradicionais de vivência crente e a emergência de novas paisagens religiosas?, o autor serve-se de três eixos de observação - destradicionalização, individualização, diversificação - para retratar a mudança de um mundo do "Deus da nossa terra" para as formas religiosas de um mundo globalizado. Mudança esta que Alfredo Teixeira especula de revolução religiosa em curso. Será?

05 abril 2019

filogénese humana

02 abril 2019

conte-me a sua história

A editora Esfera dos Livros, segundo consta, por ocasião do dia do Pai, lançou no mercado um caderno-livro, ou livro-caderno, no qual os “Pais” são convidados a escrever a sua história. Só por estes dias, nas minhas deambulações quotidianas entre livros, o descobri e logo me chamou a atenção. Ideia engraçada e barata (preço de 8,50 €). É verdade que a sua estrutura é muito simples, as propostas de títulos para os textos e capítulos, nalguns casos é pobre, noutros chega a ser infantil, mas se o entendermos como um instrumento de construção de memórias individuais, num primeiro momento, e, depois, num âmbito mais alargado, como a construção de uma real memória colectiva, não deixa de ser uma ideia gira e interessante. Considero que todos os pais (e também, todas as mães), deveriam ser obrigados a escrever (preencher) um livro destes. Tal como já aqui afirmei, a propósito dos alguns fotográficos familiares, deveria ser obrigatório legendar todas as fotografias, também todas as pessoas, por exemplo e se não quisessem antes, ao chegar aos 60, ou 70 anos, seriam obrigadas (por decreto) a este exercício de memória.

justiça social


Agora que se concretizou a redução dos preços dos passes sociais, importa reforçar a importância desta medida, naquilo que verdadeiramente significa para milhares e milhares de cidadãos e famílias portuguesas. António Costa, e o seu governo, não conseguiria encontrar melhor medida de cariz social do que esta. Assim se governa a pensar e para os portugueses. Ainda que em ano de eleições, esta medida é de tal forma impactante na economia das famílias portuguesas, que o facto de haver eleições é um perfeito pormenor. À esquerda do PS, os partidos, de certa forma surpreendidos, tentam reclamar para si o ónus da pressão política que tornou possível tal novidade; À direita do PS, é o desnorte, o caos, o horror, incrédulos e sem capacidade de reacção, a não ser a manifestação de opiniões ridículas de alguns opinadores e politiqueiros (os de costume), que tentam questionar a justeza social e económica desta medida, não se apercebendo que ela é superior a qualquer devolução de rendimentos, redução de impostos ou aumentos salariais, pois vem beneficiar precisamente os contribuintes e as famílias com menores rendimentos, que são quem utiliza, por necessidade, os transportes públicos. Muito bem António Costa e o seu governo ao sacar da cartola este Coelho. Agora só falta investir seriamente nas infra-estruturas e nos equipamentos circulantes, para que possamos afirmar a mudança de paradigma nos transportes públicos em Portugal.

28 março 2019

ler e escrever

Não nascemos para ler, nem para escrever. Ler é o milagre da comunicação na solidão. Ler não é só ler. (...) Ler é não regressar.. (...) É o silêncio a barafustar connosco e a dizer baixinho na solidão: eu também, eu também. (...) Viver é aprender a escrever e recusar querer só passar por esta vida. (...) Escrever é a bengala da memória humana, o computador é precisamente o contrário, é a autorização do esquecimento. A escrita é o pacemaker dos passados, o que nos permite não repetir o que nunca quisemos fazer e deu errado. (...) Não fomos feitos para ler nem escrever, é certo, e por isso não há nada de destino nesta coisa de querer ler ou escrever. Mas foi por nos habituarmos a ler e a escrever, que nos tornamos no que somos.
(Patrícia Portela, in Jornal de Letras nº 1264, Março 2019)

27 março 2019

after life

Aos poucos vou-me habituando a consumir aquilo que a Netflix tem no seu catálogo. Por insistente pressão da Emília, subscrevi uma assinatura da referida produtora de filmes, séries, documentários e afins. Sei que ela tem consumido frequentemente e, de alguma forma, justificado o valor mensal que pago. Eu, que tanto resisti inicialmente, começo agora a descobrir o encanto do formato, na medida em que poderemos visualizar, de seguida, os episódios que quisermos. Aconteceu-me com a série Homeland, cuja sétima temporada, vi em duas noites, ou seja, seis episódios de cada vez; aconteceu agora novamente com esta mini-série After Life de Ricky Gervais, que vi de uma só vez (seis episódios). Tinha-a referenciado através dos comentários, diga-se, difusos, que fui recolhendo no Twitter. Depois de a ter visto, percebo a amplitude das opiniões sobre a série, pois também para mim ela é merecedora de vários sentimentos. De uma forma geral, sendo considerada uma comédia, tive alguma dificuldade, salvo num ou noutro momento, em encontrar esse fulgor humorístico, talvez porque o tema central da série seja demasiado sério e pesado para tal ligeireza de comportamentos e discursos. Por outro lado, reconheço, em alguns momentos, o génio narrativo, nomeadamente, nos diálogos entre o personagem central e a senhora do cemitério, ou entre o mesmo e a cuidadora que trata do seu pai no lar de idosos. Na antítese desse génio, está o último episódio, que não passa de um sucessivo e precipitado acumular de resoluções óbvias e clichés dos tramas melodramáticos e de finais felizes. Ainda assim, aconselho a sua visualização.

08 março 2019

solilóquio

Não me preocupa aquilo que sei, ou o conhecimento que "já cá canta". Aflige-me tudo aquilo, o tanto, que ainda não sei, nem conheço.

mediascape: culpa


Em dias de luto nacional e de greves internacionais pela dignidade, segurança e vida das mulheres, solidário e feminista me reconheço. Coincidência ou não, ontem, dia de luto nacional pelas vítimas da violência doméstica, com direito a oficiais celebrações, foi conhecido o afastamento, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do juiz desembargador Neto de Moura em casos de violência doméstica. Finalmente, dizemos todos nós portugueses. Mas, infelizmente, o problema da misogenia na justiça portuguesa não fica resolvido com o impedimento deste juiz, longe disso. O que é relevante e significativo nesta decisão de afastamento é a admissão de culpa, o reconhecimento de um anacronismo na justiça, por parte da própria justiça, e isso é bom e, esperemos, seminal. Tal como já escrevi, o que seria importante num momento como o actual, era a alteração do quadro jurídico que regulamenta o crime de violência doméstica e os crimes sexuais/de género, pois também pelos casos conhecidos e que vão sendo notícia, está mais do que provado que a lei não protege convenientemente as vítimas e é permissiva e, diria mesmo, incentivadora, da perpetuação desses comportamentos desviantes e violentíssimos.
Justiça é o que se quer. Só e apenas.

06 março 2019

prevenção e inveja

Acabei de receber um email da Autoridade Tributária avisando-me que tenho que limpar os meus terrenos até ao próximo dia 15 de Março. Muito bem. Como eu gostava de limpar a minha floresta... Eu, se fosse proprietário desses magníficos espaços livres, não deixaria de tratar deles, mas infelizmente apenas sou proprietário de um espaço inerte, construído em tijolo e cimento, dividido em meia-dúzia de divisões, cuja limpeza implica outros processos e outros ingredientes.
Limpem o que é vosso!
Inveja.

01 março 2019

mediascape: placebo

A nova ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Mariana Vieira da Silva, vai propor ao Conselho de Ministro que decrete o dia 7 de Março como o dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica. A sério?! As vítimas não querem homenagens, querem é uma política, uma estratégia de acção que as possa efectivamente proteger das terríveis agressões que têm sido alvo. Num ano em que já foram assassinadas tantas mulheres, o Governo apresentar como grande medida um dia de luto nacional, parece anedótico e é ofensivo, não só para as vítimas dessa violência, como para todas as mulheres portuguesas. Haja senso, haja respeito e dignidade.

vinte anos de bloco, à esquerda

O Bloco de Esquerda (BE) celebrou ontem, 28 de Fevereiro, vinte anos de existência. Parabéns ao BE.
A minha aproximação ao movimento aconteceu em 2003 e desde então já experimentei um pouco de tudo. Pouco tempo após a inscrição, fui eleito membro da Assembleia Municipal de Bragança, onde exerci dois mandatos consecutivos (2005/2009 e 2009/2013). Neste último ano, apesar de ter sido novamente candidato, não fui eleito e a partir dessa altura, a minha participação diminuiu substancialmente. Durante esses oito anos de eleito em Bragança, entre outras acções e participações, a minha militância activista levou-me a ser eleito membro da Mesa Nacional (principal órgão do BE entre convenções), a fazer parte da sua Comissão Nacional Autárquica, a ser mandatário do concelho de Bragança da candidatura presidencial de Manuel Alegre (2011).
O BE celebra vinte anos de existência e eu dezassete de militância. Continua a ser o meu espaço de conforto ideológico para a intervenção cidadã.