Agora que nos aproximamos vertiginosamente de um novo ano e sabemos da irreversibilidade do processo, não faltam por aí, manifestações públicas de encerramento ou laudatórias sobre dois mil e onze. Não sou muito dado a balanços ou a previsões depois de o “jogo” ter findado, principalmente quando não entendo que essa reflexão seja consequência ou signifique o fim de um qualquer ciclo ou findar de um qualquer projecto. Aceito que o final de um ano possa ser praticado como um tempo de reflexão e, desconfio, todos ou quase assim procedemos. Mas a verdade é que a nossa experiência ontogénica apenas nos permite viver algumas dezenas de finais de ano e, nada mais experimentamos do que um eterno retorno do calendário anual. De qualquer forma, fazendo esse exercício introspectivo, só poderei dizer que 2011 foi, em termos pessoais, um irrepetível e excelente ano.
---------"Viajar, ou mesmo viver, sem tirar notas é uma irresponsabilidade..." Franz Kafka (1911)--------- Ouvir, ler e escrever. Falar, contar e descrever. O prazer de viver. Assim partilho minha visão do mundo. [blogue escrito, propositadamente, sem abrigo e contra, declaradamente, o novo Acordo Ortográfico]
31 dezembro 2011
30 dezembro 2011
coisas pequeninas...
Como gosto de ocupar o meu tempo a falar com a gente. Não com qualquer gente. Com a gente à qual eu pertenço. Gente que também sou eu. Falar do tempo e da vida, do muito e do pouco que fulano ou sicrano têm, da indigência daquele e da prisão do neto da tia Coisa, da doença do pai deste e da ganza que o outro teima em fumar em público. Coisas, nadas, vidas alheias e esquivas. Adequar a minha atitude à dimensão do quintal local é sempre um desafio ao qual tento dar resposta. Falar com todos daquilo que eles quiserem. Beber aquilo que me é oferecido e pagar quando assim devo. Acompanhar assuntos que jamais dominei ou conheci. Como gosto de estar neste lugar, com esta gente que conheço sempre. Isto num dia em que mais um de nós foi a enterrar. Cada vez serão menos os convivas neste lugar. Mas insistirei, por cá continuarei a vir. Sempre.
29 dezembro 2011
na cabeceira...
Via Carção e a Associação Almocreve, leio os primeiros parágrafos desta ficção brasileira que viaja pelo mundo e pelo Nordeste Transmontano e tem como temática central as questões da identidade.
28 dezembro 2011
sonho, sonho
«No círculo espiritual, também para mim não há barreiras – e tenho sentido, além do amor e do ódio, outros sentimentos que lhe não posso definir, é claro, porque só eu os vivo, não havendo assim a possibilidade de lhos fazer entender nem por palavras, nem por comparações. Sou o único homem que esses sentimentos emocionam. Logo seria desnecessário ter uma voz que os traduzisse, visto que a ninguém a poderia comunicar. Aliás o mesmo acontece com as horas mais belas que tenho vivido. Só lhe posso dizer as que de longe se assemelham às da vida e que por isso exactamente são as menos admiráveis.»
«Agora passo-lhe a esboçar algumas voluptuosidades novas.
«Um corpo de mulher é sem dúvida uma coisa maravilhosa – a posse de dum corpo esplêndido, todo nu, é um prazer quase extra-humano, quase de sonho. Ah!, o mistério fulvo dos seios esmagados, a escorrer em beijos, e as suas pontas loiras que nos roçam a carne em êxtases de mármore... as pernas nervosas, aceradas – vibrações longínquas de orgia imperial... os lábios que foram esculpidos para ferir de amor... os dentes que rangem e grifam nos espasmos de além... Sim, é belo; tudo isso é muito belo! Mas o lamentável é que poucas formas há de possuir toda essa beleza. Emaranhem-se os corpos contorcidamente, haja beijos de ânsia em toda a carne, o sangue corra até... Por fim sempre os dois sexos se acariciarão, se entrelaçarão, se devorarão – e tudo acabará em um espasmo que há-de ser sempre o mesmo, visto que reside sempre nos mesmos órgãos!...
«Pois bem! Eu tenho possuído mulheres de mil outras maneiras, tenho delirado outros espasmos que residem noutros órgãos.
«Ah!, como é delicioso possuir com a vista ... A nossa carne não toca, nem de leve, a carne da amante nua. Os nossos olhos, só os nossos olhos, é que lhe sugam a boca e lhe trincam os seios... Um rio escaldante se nos precipita pelas veias, os nossos nervos tremem todos como as cordas duma lira, os cabelos sentem, dilatam-se-nos os músculos... e os olhos de longe, vendo, vão exaurindo toda a beleza, até que por fim a vista se nos amplia, o nosso corpo inteiro vê, um estremeção nos sacode e um espasmo ilimitado, um espasmo de sombra, nos divide a carne em ânsia ultrapassada... Atingimos o gozo máximo! Possuímos um corpo de mulher só com a vista. Possuímos fisicamente, mas imaterialmente, como também se pode amar com as almas. Neste caso são mais doces, mais serenos, mas não menos deliciosos, os espasmos que nos abismam.
«Há ainda outra voluptuosidade que, por interessante, lhe desejo esboçar: é a posse total dum corpo de mulher que sabe unicamente a um seio que se esmaga.
«Enfim, meu amigo, compreenda-me: eu sou feliz porque tenho tudo quanto quero e porque nunca esgotarei aquilo que posso querer. Consegui tornar infinito o universo – que todos chamam infinito, mas que é para todos um campo estreito e bem murado.»
«Agora passo-lhe a esboçar algumas voluptuosidades novas.
«Um corpo de mulher é sem dúvida uma coisa maravilhosa – a posse de dum corpo esplêndido, todo nu, é um prazer quase extra-humano, quase de sonho. Ah!, o mistério fulvo dos seios esmagados, a escorrer em beijos, e as suas pontas loiras que nos roçam a carne em êxtases de mármore... as pernas nervosas, aceradas – vibrações longínquas de orgia imperial... os lábios que foram esculpidos para ferir de amor... os dentes que rangem e grifam nos espasmos de além... Sim, é belo; tudo isso é muito belo! Mas o lamentável é que poucas formas há de possuir toda essa beleza. Emaranhem-se os corpos contorcidamente, haja beijos de ânsia em toda a carne, o sangue corra até... Por fim sempre os dois sexos se acariciarão, se entrelaçarão, se devorarão – e tudo acabará em um espasmo que há-de ser sempre o mesmo, visto que reside sempre nos mesmos órgãos!...
«Pois bem! Eu tenho possuído mulheres de mil outras maneiras, tenho delirado outros espasmos que residem noutros órgãos.
«Ah!, como é delicioso possuir com a vista ... A nossa carne não toca, nem de leve, a carne da amante nua. Os nossos olhos, só os nossos olhos, é que lhe sugam a boca e lhe trincam os seios... Um rio escaldante se nos precipita pelas veias, os nossos nervos tremem todos como as cordas duma lira, os cabelos sentem, dilatam-se-nos os músculos... e os olhos de longe, vendo, vão exaurindo toda a beleza, até que por fim a vista se nos amplia, o nosso corpo inteiro vê, um estremeção nos sacode e um espasmo ilimitado, um espasmo de sombra, nos divide a carne em ânsia ultrapassada... Atingimos o gozo máximo! Possuímos um corpo de mulher só com a vista. Possuímos fisicamente, mas imaterialmente, como também se pode amar com as almas. Neste caso são mais doces, mais serenos, mas não menos deliciosos, os espasmos que nos abismam.
«Há ainda outra voluptuosidade que, por interessante, lhe desejo esboçar: é a posse total dum corpo de mulher que sabe unicamente a um seio que se esmaga.
«Enfim, meu amigo, compreenda-me: eu sou feliz porque tenho tudo quanto quero e porque nunca esgotarei aquilo que posso querer. Consegui tornar infinito o universo – que todos chamam infinito, mas que é para todos um campo estreito e bem murado.»
(Mário Sá-Carneiro in Homem dos Sonhos)
22 dezembro 2011
entre o verão e o inverno...
Novos registos para o meu acervo que, felizmente, vai crescendo com qualidade, digo eu:
- Catroga, Fernando (2011), Ensaio Repúblicano, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos;
- Garoupa, Nuno (2011), O Governo da Justiça, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos;
- Fernandes, José Manuel (2011), Liberdade e Informação, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos;
- Martins, Bruno (2011), Descobrir o Santuário de Nossa Senhora da Serra (Guia do Visitante), Rebordãos, Confraria Nossa Senhora da Serra;
- Marques, Gentil (1997), Lendas de Portugal (5 volumes), Lisboa, Círculo de Leitores;
- Bourdieu, Pierre (2009), A economia das trocas simbólicas, São Paulo, Perspectiva;
18 dezembro 2011
another stupid idea...
A empresa que produz os anúncios da marca Old Spice deve ser mesmo muito boa naquilo que faz e eu devo ser mesmo um gajo muito estúpido, pois a série de anúncios que promovem essa marca associando-a ao conceito de masculinidade vai-se reinventando através de novos atributos dessa mesma condição masculina. Agora anda pelas rádios um que diz que "homem que é homem não bebe leite, come a vaca". Minha nossa, o que é isto?! Imitando o personagem Diácono de Herman José, eu diria: "Não havia necessidade!.. agora só falta virem dizer que homem que é homem não faz amor, fode."
Enfim.
17 dezembro 2011
13 dezembro 2011
documento de uma só cor
Depois de vários meses em que o tema de uma Reforma Administrativa esteve na agenda política e mediática, finalmente ficámos a conhecer o “Documento Verde” que fundamenta e descreve os processos de tal reforma. Numa apreciação global, poderei começar por considerar que as propostas deste “documento de uma só cor” não servem para o país, nem para as suas populações e comunidades e quero, desde já, também, manifestar a minha preocupação perante a possibilidade desta reforma vir a acontecer nos moldes propostos pelo actual governo. Por exemplo, é mentira que as autarquias locais tenham um peso significativo no Orçamento de Estado, pois as 4259 freguesias existentes em Portugal representam apenas 0,13% da despesa do Orçamento de Estado. Mas a minha argumentação não é economicista.
É, agora, mais do que evidente que estamos perante o maior ataque de sempre à democracia local, nascida no 25 de Abril e que os acordos com a troika não passam de pretextos para a aplicação dos velhos projectos do PS e PSD, de alteração das leis eleitorais autárquicas, reforçando o bipartidarismo, a centralização do poder e a limitação drástica da autonomia do poder local, consagrado na Constituição. Tal como alertava quando aqui trouxe este assunto – em 8 de Março de 2001 – “não devemos aceitar que esta vontade de reduzir seja o caminho para um efectivo reforço da centralização do poder em Portugal”. Por outro lado, parece-me também evidente que este projecto de reforma procura manipular os sentimentos da população face à crise: o combate ao despesismo e aos excessos das empresas municipais – e aqui reforço a ideia de que é preciso, pura e simplesmente, extinguir a sua grande maioria; a ideia, mil e uma vezes repetida, de que há políticos e órgãos a mais, usada para restringir o pluralismo e diminuir o controlo democrático dos cidadãos e das oposições, facilitando a corrupção e os clientelismos. Neste contexto, importa ainda referir a estratégica extinção da IGAL, de forma quase silenciosa, ainda antes do conhecimento público deste “Documento de uma só cor”.
Não havendo qualquer dúvida quanto à necessidade de se proceder a uma reforma administrativa, volto a insistir na ideia de um modelo administrativo bem reflectido e bem estruturado e na ideia de uma reorganização do mapa territorial coerente, que respeitem os princípios democráticos, tais como: a) os critérios demográficos e de área geográfica mínima para a existência de freguesias deverão considerar variáveis como a orografia, a rede de transportes públicos e a concentração ou dispersão do povoamento; e b) a extinção, fusão ou agregação voluntária de freguesias/municípios deverá exigir parecer positivo do respectivo órgão deliberativo – Assembleia de Freguesia ou Municipal, confirmado se necessário por referendo local. Para esta possibilidade ser viável, deverão ser regulamentadas as convocações de referendos locais por iniciativa de cidadãos.
Ainda durante o mês de Novembro a Assembleia Municipal de Bragança promoveu uma sessão de discussão pública acerca deste documento, onde foram conferencistas os deputados da Assembleia da República, eleitos pela região. Para além de outras considerações que me abstenho de aqui fazer, foi notória a dificuldade em fazerem a apologia desta reforma e, para além do mais, foi perceptível o desconforto, a insegurança e a desconfiança em relação à sua aplicabilidade no território nacional. Do ponto de vista da audiência, pareceu-me que os autarcas locais, aqueles que seriam os mais interessados em ouvir e perceber, saíram de lá sem saberem mais do que aquilo que já sabiam…
A oposição e a contestação ao “Documento de uma só cor” e à reforma da administração local, bem expressa no último congresso da ANAFRE, realizado em Portimão, não deverá ficar pela oposição aos critérios para a extinção/fusão das freguesias. Não deveremos esquecer que os ataques que este governo prepara contra a regionalização, a lei das finanças locais, a lei eleitoral autárquica, composição dos executivos municipais, etc., constituem um pacote que configura o maior ataque de sempre à democracia local. A desvalorização que o PSD/CDS estão a fazer em relação às freguesias é apenas uma das peças da desvalorização da democracia autárquica e local em geral, que o governo protagoniza e quer impor.
É, agora, mais do que evidente que estamos perante o maior ataque de sempre à democracia local, nascida no 25 de Abril e que os acordos com a troika não passam de pretextos para a aplicação dos velhos projectos do PS e PSD, de alteração das leis eleitorais autárquicas, reforçando o bipartidarismo, a centralização do poder e a limitação drástica da autonomia do poder local, consagrado na Constituição. Tal como alertava quando aqui trouxe este assunto – em 8 de Março de 2001 – “não devemos aceitar que esta vontade de reduzir seja o caminho para um efectivo reforço da centralização do poder em Portugal”. Por outro lado, parece-me também evidente que este projecto de reforma procura manipular os sentimentos da população face à crise: o combate ao despesismo e aos excessos das empresas municipais – e aqui reforço a ideia de que é preciso, pura e simplesmente, extinguir a sua grande maioria; a ideia, mil e uma vezes repetida, de que há políticos e órgãos a mais, usada para restringir o pluralismo e diminuir o controlo democrático dos cidadãos e das oposições, facilitando a corrupção e os clientelismos. Neste contexto, importa ainda referir a estratégica extinção da IGAL, de forma quase silenciosa, ainda antes do conhecimento público deste “Documento de uma só cor”.
Não havendo qualquer dúvida quanto à necessidade de se proceder a uma reforma administrativa, volto a insistir na ideia de um modelo administrativo bem reflectido e bem estruturado e na ideia de uma reorganização do mapa territorial coerente, que respeitem os princípios democráticos, tais como: a) os critérios demográficos e de área geográfica mínima para a existência de freguesias deverão considerar variáveis como a orografia, a rede de transportes públicos e a concentração ou dispersão do povoamento; e b) a extinção, fusão ou agregação voluntária de freguesias/municípios deverá exigir parecer positivo do respectivo órgão deliberativo – Assembleia de Freguesia ou Municipal, confirmado se necessário por referendo local. Para esta possibilidade ser viável, deverão ser regulamentadas as convocações de referendos locais por iniciativa de cidadãos.
Ainda durante o mês de Novembro a Assembleia Municipal de Bragança promoveu uma sessão de discussão pública acerca deste documento, onde foram conferencistas os deputados da Assembleia da República, eleitos pela região. Para além de outras considerações que me abstenho de aqui fazer, foi notória a dificuldade em fazerem a apologia desta reforma e, para além do mais, foi perceptível o desconforto, a insegurança e a desconfiança em relação à sua aplicabilidade no território nacional. Do ponto de vista da audiência, pareceu-me que os autarcas locais, aqueles que seriam os mais interessados em ouvir e perceber, saíram de lá sem saberem mais do que aquilo que já sabiam…
A oposição e a contestação ao “Documento de uma só cor” e à reforma da administração local, bem expressa no último congresso da ANAFRE, realizado em Portimão, não deverá ficar pela oposição aos critérios para a extinção/fusão das freguesias. Não deveremos esquecer que os ataques que este governo prepara contra a regionalização, a lei das finanças locais, a lei eleitoral autárquica, composição dos executivos municipais, etc., constituem um pacote que configura o maior ataque de sempre à democracia local. A desvalorização que o PSD/CDS estão a fazer em relação às freguesias é apenas uma das peças da desvalorização da democracia autárquica e local em geral, que o governo protagoniza e quer impor.
(enviado para o Jornal Nordeste, publicável dia 13 de Dezembro de 2011)
07 dezembro 2011
bordalo dias, o senhor lusofonia
Mal ainda me chegou às mãos, emprestado pelo mano mais novo, e já estou maravilhado com esta obra de arte e com a qualidade das sonoridades deste grande trovador do mundo lusófono. Fausto é, indiscutivelmente, o grande embaixador cultural da lusofonia. Para ouvir longa e repetidamente. Entretanto, fica aqui um pequeno video de um momento de pré-produção deste mesmo trabalho.
02 dezembro 2011
dezembro tresmalhado
É mais do que revisitado na escrita literária e na não-literária o factor tempo: As horas, os dias, os meses e os anos que passam são permanentemente registados, adjectivados e valorizados. Também aqui, eis-nos chegados à última parcela mensal de 2011. Num início de mês de Dezembro, sempre mais curto em dias úteis e sempre mais esbanjador em euros, tento convencer-me de que vai ser este o ano em que conseguirei alterar definitivamente a minha atitude face ao "facto social total" que é o Natal. Muito provavelmente estarei, uma vez mais, a enganar-me apenas a mim próprio, mas sei que todos os anos tenho tido vontade de abandonar os comportamentos consumistas que adicionam, por esta altura, grande parte dos indivíduos. Tenho-me lembrado do elemento "crise" como potencial álibi para, enfim, me livrar, mas nem assim... Invejo aqueles(as) que não fazem parte deste grande rebanho. Ambiciono o dia em que conseguirei ser também uma ovelha tresmalhada.
01 dezembro 2011
27 novembro 2011
instante urbano xviii
O ritmo lento do comboio que me traz de regresso ao Porto e me fará chegar tarde a casa, acaba de parar na cidade de Coimbra, onde saem e entram alguns passageiros. Para perto do lugar que ocupo veio um jovem casal, bem-disposto e carregando cada um sua garrafa de vinho aberta. Ela traz uma garrafa de maduro branco e ele de maduro tinto. De imediato me vem à mente a imagem da imortal dupla de comediantes que, algures na década de oitenta, parodiavam com a situação do país através de dois personagens andrajosos e indigentes bêbados - o Agostinho (Camilo de Oliveira) e a Agostinha (Ivone Silva). Mal se sentam estendem logo à sua frente um farnel que de imediato javardamente devoram. Porque trago distinta música nos ouvidos, nem sequer me vou dar ao trabalho de tentar ouvir o que falam e tanto os faz rir; ou será o vinho que já os anima?!... Prefiro imaginar e ou muito me engano ou não vai sobrar gota naquelas garrafas e não vão sequer oferecer uma pinguinha. Acabaram com um brinde de... garrafas. Bonito.
26 novembro 2011
hoje, durante todo o dia...
Intervenção:
Na qualidade de membro eleito na Assembleia Municipal de Bragança gostaria de começar a minha intervenção por partilhar convosco a percepção recente de uma mudança comportamental dos partidos, principalmente do PSD. Fui eleito pela primeira vez em 2005 e desde então sempre tive o meu espaço e tempo de intervenção e nunca fui impedido de exercer o meu mandato. Não sei se coincidências, mas desde que ganharam as eleições e formaram governo radicalizaram a sua postura. Dou-vos dois exemplos dessa percepção:
a) Pela primeira vez desde 2005 fui impedido de intervir na A.M. de Bragança;
b) Vinte e tal estruturas de Moopy's do BE desapareceram nos distritos de Bragança;
Relativamente ao ponto em agenda, gostaria de começar por dizer que subscrevo na íntegra o documento que a Comissão Nacional Autárquica - comissão que integro - produziu e serve de ponto de partida para o debate político que o BE fará a propósito da reforma administrativa que o Governo pretende impor ao país.
Não estando de acordo com o "Documento Verde" por considerar que na sua generalidade não serve os interesses das populações, quero manifestar o meu sentimento de preocupação perante a possibilidade de esta reforma vir a acontecer nos moldes propostos por este documento. Por outro lado, considero que uma reforma administrativa é mais do que necessária e urge realizá-la.
Mas quero centrar a minha participação no Eixo 2 do nosso Memorando que diz respeito à organização do território. Tenho para mim que grande parte dos autarcas locais (presidentes de Junta de Freguesia e elencos das Assembleias de Freguesia) não está consciente dos reais propósitos desta iniciativa governativa... Ainda na semana passada a Assembleia Municipal de Bragança promoveu uma sessão pública de esclarecimento acerca deste "documento verde" e dessa sessão retirei três ilações:
1 - O verbo mais utilizado pela representante do PSD foi o "juntar", como se a solução para a reforma administrativa proposta dependesse da iniciativa de voluntariado dos autarcas locais para agregar localidades e/ou freguesias;
2 - Os oradores convidados não se sentem confortáveis com a proposta, nem seguros, nem confiantes em relação à sua aplicabilidade;
3 - Os autarcas locais presentes saíram desta sessão sem saberem mais do que aquilo que já sabiam, ou seja, nada;
Considero que tendo em conta as dinâmicas locais, intra e inter comunidades, será sempre complicado impor um qualquer modelo. Aceito que será preciso estabelecer critérios para rever o mapa administrativo, mas parece-me imensamente redutor cingir esses critérios à demografia e às distâncias relativas às sedes de municípios.
Será preciso conhecer as realidades sociais de cada freguesia e de cada localidade. É que em muitos casos, a proximidade geográfica entre localidades e freguesias não significa, obrigatoriamente, que exista uma relação de boa vizinhança e, em alguns destes casos, há processos históricos resultantes de factos ou episódios já muito antigos e que perduraram pelo tempo e na memória colectiva das comunidades. Por exemplo, tal como se diz que de Espanha não vem bom vento nem bom casamento, também poderemos aplicar o mesmo dito em relação às dinâmicas e aos processos de estigmatização entre tantas e mais comunidades, aldeias e freguesias. Em Trás-os-Montes há locais onde ainda hoje é possível encontrar reminiscências de sentimentos contraditórios e difusos relativos à reforma realizada na década de trinta do século XIX. Estamos portanto perante vivências quotidianas herdadas carregadas de simbologias latentes e que contribuem fortemente para as construções locais de identidade.
Uma outra ideia que importa salientar é que já há autarcas por esse país fora que não podendo, por limite de mandatos, recandidatar-se em 2013, percebem nesta reforma a oportunidade para se perpetuarem nos lugares que ainda ocupam; e não se coíbem de o dizer e assumir publicamente.
Tal como já disse, concordo e subscrevo o Memorando produzido em sede de Comissão Nacional Autárquica, e mais subscrevo e enfatizo a sua proposta de consulta popular referendária, no sentido de envolver e partilhar com os cidadãos a responsabilidade pelas opções de futuro. Contudo, esse ideal de democracia participativa que eu também protagonizo, receio e desconfio, só servirá para confundir e baralhar ainda mais todo o processo e dificultará exponencialmente toda e qualquer iniciativa voluntária de fusão ou agregação de freguesias.
A pressão e o ritmo impostos para avançar e terminar esta reforma são contraproducentes em relação ao tempo e aos interesses democráticos. Receio que, no final, esta reforma venha a ser imposta por Lisboa, imputando as responsabilidades políticas aos senhores da troika e dada como adquirida por grande parte dos portugueses, anestesiados que andam com o "medo" a tudo... Para finalizar, gostava de vos alertar para o facto de termos como próximo confronto eleitoral, tal como referiu o camarada Alberto Matos, a eleição autárquica em 2013. Penso que se impõe ao BE uma reflexão preparatória para esse desafio e, provavelmente, não será cedo para tal. Penso que teria sido importante incluir no programa deste encontro um ponto sobre aquilo que poderá ser a estratégia do BE para esse processo eleitoral.
(Almada, 26 de Novembro de 2011)
25 novembro 2011
uma carta para ti
Várias vezes te foste queixando do facto de eu não partilhar contigo aquilo que sonho. Pois muito bem, aqui vai algo que sonhei numa destas noites em que dormi sozinho. Viajávamos os dois num pequeno carro branco, se não estou em erro, num Renault Clio branco que alugara uns dias antes apenas para poder ir ter contigo. Viajávamos sem pressa e quase sem destino. Apenas tu e eu. Visitámos aldeias, vilas e cidades, encontrámos velhos amigos e caros familiares, parámos aqui para beber de um cano de água e ali para um beijo. Num ápice chegámos a um cimo de monte, sobranceiro e minhoto, lugar turístico e de enorme romaria. Para além do calor que sentimos e do gelado que comemos, do alto de uma penha, com deleite, apreciámos a paisagem para poente, para onde se podia sentir o pulsar da grande cidade que foi berço da nacionalidade e para onde o sol teimava em pousar. Os dois sozinhos. Já com o cair da noite viajámos para a Invicta e para aquilo que, então, era a tua e a minha casa. Tivera sido um dia bonito, um dia que jamais irei esquecer e que, amiúde, regressa em modo de sonho.
(Valadares, 1 de Novembro de 2011)
24 novembro 2011
23 novembro 2011
a very old and poor idea
Anda a passar nas rádios portuguesas um anúncio publicitário à marca Old Spice que me irrita a amígdala. Pelos vistos é um anúncio viral e fará parte da estratégia da empresa que comercializa esta marca. Quem terá sido a mente brilhante que se lembrou de afirmar: "Homem que é homem não tem frio, arrefece um pouco..." que frase estúpida! Então quer dizer que para usar esse líquido com cheiro é requisito não ter, nunca, frio; ou então, se tivermos frio não comprar, nunca, esse patchouli. Desconfio que as vendas, depois deste anúncio, irão quebrar. Assim como assim, com ou sem frio, eu opto por não o comprar, nunca.
Power Balance
Foi hoje notícia por todo o mundo a condenação da empresa que comercializa a pulseira Power Balance por publicidade enganosa. Facto que só estranho por tardio, pois jamais acreditei nas maravilhas da banha da cobra, principalmente quando ela é vendida por fulanos, armados em pintaloras e com discursos manhosos. Mas a verdade é que, talvez há dois ou três anos, não havia quem não as passeasse nos pulsos, garantindo que por isso até conseguiam caminhar, correr, descer e subir escadas, andar a cavalo, nadar, dormir e acordar, ressonar e copular com maior equilibrio (?!)...
Claro é que foram os azeiteiros da bola e das artes em geral, os primeiros a fazerem-se fotografar com as ditas nos pulsos... Rica publicidade, dirão alguns. Desconfio que hoje, ao saberem da admissão da falta de credibilidade científica que sustente tanto equilíbrio, todos aqueles que ainda as trazem, sentiram-se logo desequilibrados e sem força, concerteza, em várias partes do seu organismo. Coitados. Tudo isto só vem comprovar que a tentação para a vigarice e para o logro é contemporânea e também sabe servir-se dos discursos actuais da globalidade e das novas tecnologias.
"Por 38 euros, melhore o seu equilíbrio com a pulseira de silicone Power Balance. Desenvolvida por um cientista da NASA, possui dois hologramas que entram em contacto com o campo energético do corpo, aumentando a sua eficácia." ...dizia a publicidade.
(Albano Jerónimo, o actor)
(Cristiano Ronaldo, o jogador)
"na casa de..."
Bonita exposição de fotografias da autoria de Paulo Pimenta, que nos convida a visitar uma realidade constituída por objetos particularmente desadequados, rostos que não têm lugar em anúncios publicitários e corpos que não queremos nem desejamos ver. Uma jornada que dá a conhecer uma sociedade minoritária (ou não) e que a devolve ao centro da humanidade. No Fórum da Fnac do Gaiashopping até 19 de Feveiro de 2012.
16 novembro 2011
instante urbano xvii
Por razões que não importa aqui referir, tenho frequentado o Fórum da Fnac. Numa dessas vezes, estava eu entretido a fazer fichas de leitura quando me apercebo que alguém se aproxima demasiado da minha mesa. Levantei o olhar e dei com os olhos de uma linda jovem que me sorriu, disse "bom dia" e sentou-se na minha mesa. Aquilo que se seguiu foi mais ou menos isto:
- Olá, és o Luís?
- Sim, sou (?!?!)
- Eu sou a Renata.
(silêncio e troca de olhares)
- Não te importas que eu tome um café rápido?...
(sem esperar pela minha resposta, levantou-se e foi buscar um café ao balcão. Eu, num esforço maior do que o meu cérebro àquela hora da manhã conseguia processar, tentei reconhecer de algum lado aquele rosto, aquele nome, aquela voz... Enfim, um esforço inglório)
(regressou à mesa, a sorrir e a olhar para mim)
- Vais-me desculpar, mas eu não te conheço...
- Pois, nem eu a ti, mas também não é preciso.
- Não é preciso?!...
- Não. Vamos onde quiseres, fazemos o que quiseres e cada um vai à sua vida.
- Desculpa, mas não estou a perceber!
- Não estás a perceber o quê? Vamos lá, pois já estás a pagar...
(eu olho em redor e ela abre a bolsa e saca um creme que passa nas mãos)
(ela é nova, muito nova e com muito bom aspecto, sem grande aparato mas bem vestida)
(eu ainda atordoado pela abordagem dela, percebi então o que estava a acontecer e tentei esclarecer a situação)
- Pois, mas deve haver aqui alguma confusão. Deves ter-te enganado, pois eu não estava à tua espera...
- O quê?.. Então, estás a gozar comigo?.. Ao telefone disseste que te chamas Luís, que usas óculos e tens barba e que estarias aqui com um portátil aberto a trabalhar e agora dizes que não és tu!
(enquanto fala vai olhando à volta procurando alguém que também obedeça a essa descrição, mas de facto não há mais ninguém...)
- Pois, não sei o que te diga, mas eu, de facto, sou Luís, mas não te telefonei...
- Olha, podes até não querer ir comigo, mas agora vais ter que me pagar a deslocação...
- desculpa?!...
- Sim, sim. Paguei um táxi de Matosinhos para aqui e vou ter que regressar, portanto tens que me dar 60 euros.
(quando ouvi isto, não consegui evitar um sorriso, pensando que ela e mais alguém estariam a gozar comigo)
(ela quando viu a minha expressão facial, alterou radicalmente o seu semblante e ficou tensa)
- Bem, não estou para aturar merdas destas. Dá-me o dinheiro que eu quero ir embora...
- Podes ir embora, pois eu não te vou dar dinheiro nenhum.
(ao ouvir isto, procura o telemóvel na bolsa, levanta-se e sai para o parque de estacionamento)
(eu ainda não queria acreditar no que me tinha acontecido, quando vejo-a a reentrar e, com má cara, a dirigir-se a mim)
- Luís, queira desculpar este mal entendido. Bom dia.
- Bom dia.
(...e foi-se embora sem dizer mais nada)
(eu, muito incomodado, também arrumei as minhas coisas e fui embora...)
para reflexão...
(com rabiscos meus e redacção minha das linhas não fotocopiadas - Jornal Le Monde Diplomatique, edição Portuguesa, Novembro 2011)
15 novembro 2011
feriados
A divulgação dos feriados nacionais que serão castrados ao calendário anual deve estar eminente. Partindo do princípio que considero esses dias de descanso, independentemente das suas origens e razões, um direito inalienável de todos os portugueses, ponderei acerca da pertinência da manutenção ou não de cada um desses feriados. Essa reflexão, obriga-me, desde logo, a declarar o meu respeito pelos portugueses e portuguesas que em cada uma destas datas vivênciam, experimentam e partilham as suas simbologias. Depois, obriga-me a afirmar que sejam eles de cariz religioso ou de cariz civil, todos eles representam muito, espacial e temporalmente, da nossa condição - do nosso ethos - enquanto país e seus nacionais. Por outro lado, importa reflectir sobre a verdadeira dimensão social desses dias na actualidade do nosso país.
O calendário anual tem treze dias (excluindo o Carnaval) considerados, desde há muitos anos, feriados nacionais, dos quais seis são de raiz civil e sete com motivações religiosas.
Os feriados civis:
1 de Janeiro - primeiro dia do ano, normalmente de ressaca nacional e, por isso, para o bem da salubridade e saúde públicas, intocável;
25 de Abril - último grande momento de refundação nacional e, por isso, ainda intocável;
1 de Maio - conquista civilizacional do povo que trabalha em todo o mundo e por isso, espera-se intocável;
10 de Junho - dia das comunidades da diáspora e da portugalidade globalizada e, por isso, simbolicamente intocável;
5 de Outubro - dia da nossa República que atingiu uma idade que já nenhuma memória alcança e, por isso, descartável;
1 de Dezembro - praticamente com a idade do mito sebastiânico, já ninguém consegue alcançar a importância da restauração da independência nacional e poucos saberão a razão da dedicação deste dia e, por isso, dispensável;
Os feriados religiosos:
6ª Feira Santa (Março ou Abril) - encostado a um fim-de-semana de referência para o universo cristão e não só, que assinala a crucificação de Jesus e por isso, jamais a Igreja e os cristãos aceitarão o seu desaparecimento;
Corpo de Deus (Maio ou Junho) - dia de exultação popular à Eucaristia, celebra-se no 60º dia após a Páscoa. Na actualidade sem grande expressão litúrgica, é sempre uma das pontes de eleição para rumar às praias do Sul do país e, por isso, dispensável;
15 de Agosto - dia em que a igreja católica celebra ou assinala a elevação de Maria em corpo e alma ao céu, mas aquilo que se percebe por todos o país é um dia de grandes festividades e arraiais populares, aproveitando o facto de ser o mês de retorno dos emigrantes e, por isso, já sendo tempo, maioritariamente, de férias seria facilmente descartável do calendário;
1 de Novembro - dia de todos os santos e defuntos fiéis. Provavelmente, o dia com maior adesão da população crente e não-crente e que motiva as maiores deslocações a nível nacional e, por isso, dificilmente se conseguiria acabar com ele;
8 de Dezembro - dia que a igreja católica dedica à Imaculada Conceição que é também a padroeira de Portugal. Em teoria seria um feriado directamente ligado ao ethos nacional, mas não me parece que já assim seja e, por isso, perfeitamente dispensável;
25 de Dezembro - Natal e, por isso, nada a dizer;
Portanto, já que é para mexer e é, vamos lá propor acabar com os feriados dos dias: Corpo de Deus, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Dezembro e 8 de Dezembro. Eliminaríamos assim e com alguma razoabilidade cinco feriados ao calendário anual.
14 novembro 2011
momento singular
Era com grande expectativa que aguardava a Revista LER deste mês de Novembro, pois tinha sido tornado público antecipadamente o encontro entre António Lobo Antunes (A.L.A.) e George Steiner (G.S.), na casa deste último em Cambridge e a publicação das conversas entre ambos nessa manhã de Outubro. O resultado do encontro destes dois génios é interessante. Sem ser magnífico, podemos verificar a magnanimidade intelectual de um e de outro, que apesar de estilos e artes distintas conseguem convergir naquilo que consideram interessante e importante. Dessa longa conversa, colijo alguns momentos:
A.L.A. - há uma coisa em que me detenho a pensar muitas vezes: que será dos meus livros quando eu já não andar por cá?
G.S. - Acabam de colocar um retrato meu na Universidade de Londres, um retrato que, a meu pedido, ficou com o nome de «il Postino» (o carteiro). Define-me em absoluto. Eu sou o postino. (...) É maravilhoso poder levar cartas! Não fui banqueiro, não vendi casacos de peles; de todos os desastres possíveis, fui postino. É isto ser professor. O bom professor abre livros aos outros, abre momentos aos outros.
G.S. - Bem, deixe-me que lhe agradeça de todo o coração.
A.L.A. - Eu é que agradeço, isto foi muito, muito emocionante para mim. As pessoas já não fazem isto.
G.S. - Agora, faço questão, nós temos vinho para servir. Bebe um copo de vinho?
A.L.A. - Só um pouco.
G.S. - Tinto ou branco?
A.L.A. - Branco.
(George Steiner e António Lobo Antunes. Fotografia retirada da Revista Ler, nº 107, de Novembro de 2011)
09 novembro 2011
instante urbano xvi
Numa sala de espera da pediatria de um hospital privado da cidade do Porto, enquanto aguardava que a minha criança fosse consultada, pude observar a brincadeira dos petizes e confirmar que não há pais que resistam ao ajuntamento de mais do que uma criança. A sala ampla, estava bem ocupada com os pais sentados nas cadeiras encostadas às paredes. No centro da sala, desocupado, uma máquina colocada no tecto, projectava imagens no chão, permitindo às crianças interagir, pintando desenhos, chutando uma bola, vendo uns peixinhos a nadar, entre outras brincadeiras virtuais. Impressionante, pois nesse mesmo espaço estavam disponíveis duas mesas com actividades de desenho e pintura e quase nenhum miúdo se interessou por elas. Como facilmente perceberão, a concentração da canalha, com idades compreendidas entre 1 e 2 anos, era em cima das tais projecções. A determinada altura, uma miúda diz:
- Papá, olha a água.
- Sim filha, é uma piscina. Nada nessa piscina...
A miúda não se fez esquisita e de imediato se atirou para "dentro da água" da piscina, dizendo alto e em bom som que estava a nadar na piscina. Outros miúdos ao ouvirem isso, logo a imitaram nos gestos, transformando o espaço desta piscina virtual exíguo para tantos nadadores. Alguns, por pressão demográfica, nadavam mesmo fora da projecção, mas não importava, pois a água estava boa e quentinha, apesar de um se queixar do frio... Um outro, provavelmente mais viajado, afirmava e repetia com convicção:
- Este rio é muito giro...
Assim vai o mundo encantado da criançada. Bom ou mau, melhor ou pior do que outros, não sei. É o deles.
- Papá, olha a água.
- Sim filha, é uma piscina. Nada nessa piscina...
A miúda não se fez esquisita e de imediato se atirou para "dentro da água" da piscina, dizendo alto e em bom som que estava a nadar na piscina. Outros miúdos ao ouvirem isso, logo a imitaram nos gestos, transformando o espaço desta piscina virtual exíguo para tantos nadadores. Alguns, por pressão demográfica, nadavam mesmo fora da projecção, mas não importava, pois a água estava boa e quentinha, apesar de um se queixar do frio... Um outro, provavelmente mais viajado, afirmava e repetia com convicção:
- Este rio é muito giro...
Assim vai o mundo encantado da criançada. Bom ou mau, melhor ou pior do que outros, não sei. É o deles.
protocolos
"Se perguntássemos a um bom número de escritores de hoje (mas este importante inquérito nunca se tentou fazer) iríamos perceber sem dúvida que eles não podem começar a escrever sem um certo conjunto de hábitos e de instrumentos: a predilecção de certos horários, de alguns lugares, o gosto pelos materiais de papelaria, tudo isso desenvolvido, por vezes, até à obsessão, comporta um conjunto inextricável de motivações: medo da página em branco, temor da esterilidade possível (atrasada por intermináveis protocolos preparatórios), sacralização da escrita como verdade (ou como divindade prestigiosa), fascínio do prazer que é atribuído ao exercício manual do grafismo." (Roland Barthes, 2009:95)
04 novembro 2011
R.I.P.
Apesar do fim espectável ao longo dos últimos dias, é sempre com tristeza que se sabe da partida de alguém que, com a sua presença, marcou o nosso, ou parte do nosso percurso de vida. Hoje foi o dia em que mais um velho e muito querido amigo partiu de vez. O Tio Evangelista - assim o tratava mesmo sabendo que nunca fora meu tio... - sem ser meu avô, sempre se comportou como tal e, para mim, era, e é, aquilo que de mais parecido se pode ser no desempenho de tal papel. Neste momento reflexivo, proporcionado pelo conhecimento da nossa "morte" inevitável, o que torna o tempo finito para nós, percebemos como só dispomos de uma certa quantidade de tempo para as nossas realizações pessoais. Essa consciência afecta sempre a nossa atitude perante esse projecto que é a vida.
As recordações deste amigo remontam à infância e a grande parte da juventude, tempo durante o qual convivi de bem perto com ele. Do seu convívio recordo a forma como adivinhava as horas do dia e o tempo que faria nos dias seguintes; vantagem premonitória para um bom lavrador. Terá sido o maior e, provavelmente, melhor lavrador que conheci. Foi um escravo do trabalho, incansável de dia e de noite com os cuidados com os animais e as fazendas. Era também muito afável e de sorriso fácil. Gostava de crianças e sabia brincar com elas. No final de um vida, longa vida de 93 anos, completados no mês de Setembro, tenho para mim que o Evangelista dos Santos teve uma vida boa, pois apesar das suas humildes origens, fez-se homem pelo trabalho na lavoura e na emigração, construiu uma casa e uma família com considerável descendência. Em sua casa, que muito frequentei e vivi, nunca faltou comida. Talvez por trauma de juventude - "o tempo da fome e da miséria já lá vai...", dizia - gostava de ver sempre a mesa farta e com muito açúcar... aliás, os mais próximos bem diziam que ele não punha açúcar nos alimentos ou bebidas, ele fazia o inverso, acrescentava qualquer coisa ao açúcar para dar algum sabor. Dizia-nos que o doce nunca era demais.
Foi já depois de ter ultrapassado largamente as oito décadas de vida, que o Tio Evangelista se deixou vencer pelo peso dos anos e foi largando progressivamente as lides da lavoura até que, nos últimos anos, se reduziu às pequenas coisas da casa. É pois com carinho e amizade que me irei despedir dele.
Fotografias - O Tio Evangelista a trabalhar, sempre a fazer alguma coisa... (fotografias da exposição "Lugares e Olhares")
02 novembro 2011
mas quem lhe disse a ele?!...
"...o nortenho frequenta a taberna para beber; o alentejano, para conviver. O nortenho bebe, o mais das vezes, sozinho; o alentejano bebe praticamente sempre com os amigos. O nortenho sai da taberna aos baldões e acabrunhado; o alentejano sai firme e vivificado de espírito. Em suma: o frequentador de tabernas do Norte é mais dado à carraspana; o alentejano, ao convívio e à participação nos cantes dolentes da sua planície..." (J. A. David de Morais, 2006:206)
Pergunto eu, enquanto nortenho: o que merecia um gajo que assim escreve e assim cristaliza a "realidade"?!...
01 novembro 2011
assim é a democracia
Bastou George Papandreou, o Primeiro Ministro grego (ao centro na fotografia), dizer que pretende referendar e devolver aos gregos a decisão de aceitar ou não um novo pacote de medidas de austeridade para poderem aceder a novas ajudas comunitárias e o mundo, pelo menos o ocidental e em particular o europeu, entrou numa espiral de pânico. O cariz e fundamento ideológico anti-democrático dos líderes europeus finalmente foi descoberto e admitido pelo receio de dar aos cidadãos europeus o poder de decidir o futuro. Assim se percebe de que "massa" é feita e que propósitos almeja esta gente que conduz os destinos da UE e da Zona Euro. Muito bem feito na Grécia. Assim sim. É a democracia a funcionar, é a liberdade de poder escolher um futuro, o seu futuro. Pena que tenha sido tão tarde, mas ainda bem que aconteceu. Está a acontecer.
dia de romaria nacional
Hoje é o dia de todos os santos para o universo da igreja católica. Por esse país não faltam manifestações mais ou menos semelhantes de celebração cultual aos mortos. Este é também o dia que traz consigo o chamado ciclo de Inverno do calendário anual. Por todo o lado este momento é, igualmente, assinalado com as mais estranhas, impressionantes, singulares e peculiares manifestações tradicionais. Conheço algumas delas e, dado o seu valor patrimonial e simbólico, prezo que possam resistir e sobreviver ao passar do tempo e não se transformar na estrangeirice do Halloween que por todo o lado tentam impor. Mas regressando ao culto dos mortos e à sua materialização oficial, será aceitável e até compreensível que pela proximidade, pela convivência e pelo amor, choremos de saudades e sintamos a falta de cada um dos nossos ante-queridos, mas aquilo que não é nada racional é acreditarmos que todos e cada um deles, com sua morte, adquiriu o estatuto de "santo". Assim, algo estará mal na nomeação deste dia, pois se assinalamos o dia de todos os finados, não se deveria nomear "dia de todos os santos", mas enfim. Numa atitude reflexiva e num período em que tudo e todos são questionados, a propósito da intensão do governo alterar o calendário dos feriados, pois eis um que poderia muito bem ser alterado ou suprimido. Porque não se passa esta "festa" católica para um Sábado ou Domingo?!.. Como ainda ontem João Quadros escrevia no seu Twitter, "ponham flores de plástico nos mortos e acabem com o feriado de amanhã, santa paciência". Com um pouco mais de sensibilidade, eu tenderia a concordar com ele.
28 outubro 2011
portismos, eufemismos e outros ismos...
Eu sou do Porto (FCP) desde pequenino. Sim, com propriedade, posso afirmar que desde que tenho consciência de mim (I, Me and Myself) sempre me identifiquei como portista. O primeiro grande momento que recordo é a final da Taça das Taças que o FCP perdeu para a Juventus em 1984. Ainda me lembro de, no início da década de oitenta, ver na TV e ouvir no Rádio nomes de jogadores como: Romeu, Oliveira, Vieirinha, Fonseca, Rodolfo, Gabriel, Simões, Freitas, Murça e o, para mim grande, Costa.
As primeiras vezes que fui ao estádio das Antas ainda era miúdo e ele ainda não tinha sofrido o rebaixamento das bancadas (1986) e – não tenho a certeza, mas penso que ainda tinha a pista de ciclismo - lembro-me bem de, por ser criança, poder circular por todas as bancadas: dos peões nas superiores, ao relvado em frente à bancada central, onde a criançada jogava à bola, sonhando um dia poder ser um craque do Porto, até aos cativos, onde entrávamos à socapa, entre as pernas dos adultos.
Esta liberdade, estranha para quem conhece os meus pais, decorreu do facto de um vizinho à época, o Sr. Pereira, ser um fervoroso adepto e a determinada altura, percebendo o meu entusiasmo pelo Porto, pediu autorização ao meu pai para me levar com ele e com o filho dele, o Paulo, que tinha a minha idade. A partir daí passei a ir quase sempre com eles. Foi assim que me associei. Eles já eram sócios e como a quota para as crianças era barata, o meu pai lá acedeu. Tornei-me sócio de bancada pela primeira vez, se não estou em erro, em 1985. Nessa altura ia ao estádio sempre que havia bola, ainda que fosse de andebol, de basquetebol, ou mesmo de hóquei em patins.
No ano de 1987 em que o FCP conquistou a Taça dos Campeões Europeus, fui ao estádio assistir a todos os jogos desse magnífico trajecto que terminou em Viena. Recordo como se hoje, o brilho das camisolas dos jogadores do Dínamo de Kiev, à época um clube muito respeitado na Europa do futebol. No final dessa época e perante tamanho incremento desportivo e consequente euforia, eu e o Paulo, por iniciativa dele – aliás, era tudo e sempre iniciativa do Paulo… - inscrevemo-nos como Super Dragões, para assim podermos entrar de graça no estádio das Antas, por uma “porta exclusiva” aos associados dessa claque e para podermos viajar com a equipa a preços reduzidos, eu diria mesmo, insignificantes – a esta parte os meus pais nunca acharam grande piada. Assim embarquei eu em autênticas cruzadas à conquista dos territórios inimigos. E que cruzadas! Estive lá, participei ou testemunhei (n)aquilo que jamais imaginara ser real ou existir. Regressei sempre.
Com o passar dos anos e à medida que outros interesses e distracções foram surgindo, o meu clubismo funcional perdeu vigor e entusiasmo. Deixei de ir assiduamente ao estádio e deixei de pagar as quotas, se não estou confundido, algures em 1992 – que pena não ter a vinheta no cartão de sócio… Esse afastamento físico não significou o esquecimento ou abandono da “tribo”, mas transformou-se num sentimento de pertença mais adulto, mais racional a um clube e a uma narrativa que se afirmava como bairrista e regionalista, que muitos entendiam como negativa e socialmente perigosa, mas que para mim e para os adeptos e simpatizantes do clube e da própria região era límpido e, qual contra-cultura, combatia a hegemonia e centralismo do Benfica e da própria capital.
Assim permaneci até 2003, altura em que voltei a inscrever-me como associado. Uma vez mais numa altura em que se avizinhavam grandes feitos e grandes alegrias. A final da Taça UEFA foi em Sevilha e eu na altura estava em Vinhais a dar aulas. O núcleo portista reuniu-se num restaurante para assistir ao jogo e depois de intensa ansiedade e sofrimento, que alegria… Em 2004 foi a vez de conquistar a Liga dos Campeões Europeus, a 26 de Maio festejei como nunca o meu aniversário, no café Penedo em Valadares. Entretanto, em Julho de 2005 deixei novamente de pagar as quotas, e desta vez foram razões meramente económicas a exigir a renúncia ao prazer de estar e sentir as vibrações in loco. Paciência.
Até hoje, nunca mais voltei a associar-me, pois entendi que o esforço financeiro seria enorme e não se justificaria pagar os valores exigidos pela actual indústria do futebol. Esta consciência de que houve uma evolução impressionante no mundo do futebol e que de actividade desportiva e clubística se transformou numa actividade eminentemente financeira, difusa, de activos e passivos, de cotações e de sociedades anónimas, de saldos e exercícios, permitiram-me adaptar à nova realidade do futebol e, em particular do meu clube. Sem perder o Norte, ou seja, querer sempre a vitória, sempre, importa entender que mais importante do que qualquer actor ou interveniente, importa o clube, importará vencer, sempre vencer, ganhar, sempre ganhar. Foi à luz desta candeia que percebi, aceitei e apoiei a saída de Mourinho em 2004; foi à luz dessa mesma candeia que, apesar de não ter gostado, percebi a necessidade de Villas-Boas sair. Afinal que mais poderiam estes dois ganhadores acrescentar ao FCP!? Nada ou quase. Sempre gostei da ideia ou do estereótipo de “jogador à Porto”, ambicioso, lutador, fiel e conquistador. Mourinho e Villas-Boas encarnaram e representaram excelentemente essa personagem. Ganharam para o Porto o que havia a ganhar e como nunca havia sido ganho. Sem grandes mesuras, reconhecido estou a ambos. Foram embora, boa viagem e boa sorte. O Porto, o meu Porto continua o mesmo e continua a querer ganhar. É o importante para mim. Sinto-me confortável com essa circunstância e ao sentir que assim é.
A mesma candeia que me tem iluminado, não me permite alcançar o sentimento de alguns, se calhar muitos, adeptos e simpatizantes do Porto em relação a esses dois treinadores. Que ilusões poderiam ter em relação a eles. Que iriam ficar no clube ad eternum(!?) Sendo ou não adeptos do FCP, acima de tudo são profissionais e precisam de ambição de ganhar e de conquistar para terem sucesso desportivo e, principalmente, reconhecimento, fama e dinheiro. Lembrem-se da tal indústria, pois é ela a ditar as suas leis. Juras de eterno amor e fidelidade, isso é para nós, para os crentes e para os adeptos. Confesso que me custa a perceber como é que em pleno século XXI havia, há(?), encantamentos ou dogmas clubísticos. Reacções, discursos ou palavras que não revelam mais do que um desencantamento virginal e ofendido. Enfim.
Tenho ido ao Dragão regularmente, por convite ou por iniciativa própria e nada, absolutamente nada, no meu fervor clubista se alterou. Este sentimento, mais próximo ou mais longínquo, mais ou menos alegre, mais ou menos satisfeito, está cá e, sei, por aqui permanecerá sempre. Ninguém o reclamará. Estando consciente das perigosas significâncias latentes de todos os “ismos”, por oposição eterna ao Benfica – e não ao Sul, outrora terras de Belzebus e de Infiéis – mantenho o meu propósito de vida: ver sempre o Benfica a perder e, se possível, a ser humilhado, seja com quem for e onde for e, depois, espero viver e poder celebrar o meu Porto como a equipa com mais campeonatos nacionais conquistados. Já faltou muito mais tempo e eu estava lá, estava aqui. Assim.
27 outubro 2011
23 outubro 2011
húmidas saudades
Finalmente chegados a um dia de invernia, e depois de mais de seis meses de temperaturas tropicais e ambientes estivais, foi ver toda a gente a cobrir-se dos pés à cabeça com peles e mantas, há muito guardadas nas arcas e/ou arrumadas nos roupeiros e protegidas com a eterna naftalina, para sairem à rua, ainda que sem qualquer destino ou propósito, apenas para sentirem o ar fresco e a humidade no corpo. E com que alegria se faziam abrigar debaixo dos guarda-chuvas, ainda empoeirados, pelos passeios molhados e escorregadios da cidade. Neste Domingo, muitos terão saído de casa apenas por saudade do tempo frio e húmido. Quanto a mim, satisfeito estou também, e isso reflectiu-se no humor e na disposição. Afinal, estávamos era todos ansiosos pela chegada do frio e da chuva. Bem haja e por muito tempo.
22 outubro 2011
já demoravam...
Não sou um leitor habitual de São José Almeida. Aliás, raramente perco mais tempo do que ler as suas palavras "gordas". Mas hoje, esta colaboradora do jornal Público, fez-me lê-la do princípio ao fim e, aí chegado, considerar que tem razão naquilo que escreve. Mais, inaugura (pelo menos para as minhas leituras) um novo tema que, a seu e breve tempo, será uma inevitabilidade para o bem da nação, mas que por hora ainda é tabu. A escravidão. Desassombradamente falemos dessa solução como um dos objectivos últimos das forças que nos governam. Será para isso que cá estão...
17 outubro 2011
coincidências de escroto
Fotografia (copiada deste lugar) do momento da detenção de manifestantes em Roma, no passado Sábado. Aquele modelo de botas deve ser um sucesso lá por terras de Augusto César, que é como quem diz, de Sílvio Berlusconi... Coincidências entre polícias e ladrões!?...
desglobalização
Pois é um palavrão e ainda muitos dos profetas Keynesianos nem sequer querem ouvir falar dele. Aqui e acolá começa-se a tentar abordar o tema, ainda que teorica e academicamente. Quando estive pela última vez nas cadeiras de aluno na universidade, ensinaram-me tudo o que havia para saber sobre os movimentos globalizantes e globalizadores e de como estes promovem diferentes e vários localismos. Será agora fascinante poder abordar o percurso inverso desses mesmos movimentos...
Por cá não é fácil encontrar quem discorra sobre estes cenários e a imprensa está demasiadamente hipnotizada pela retórica do Gaspar ministro. É por essas e outras mais que continuo a ser um comprador e leitor assíduo da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique. Neste caso, Jean-Marie Harribey apresenta-nos um caminho alternativo para sairmos da crise. Esse caminho poderia ser "aquilo que se chama alterglobalismo, que não abandona rigorosamente nada da crítica da globalização, mas não recomenda o seu aparente oposto."
Por cá não é fácil encontrar quem discorra sobre estes cenários e a imprensa está demasiadamente hipnotizada pela retórica do Gaspar ministro. É por essas e outras mais que continuo a ser um comprador e leitor assíduo da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique. Neste caso, Jean-Marie Harribey apresenta-nos um caminho alternativo para sairmos da crise. Esse caminho poderia ser "aquilo que se chama alterglobalismo, que não abandona rigorosamente nada da crítica da globalização, mas não recomenda o seu aparente oposto."
(A digitalização possível do Le Monde Diplomatique edição portuguesa, Outubro 2011)
16 outubro 2011
vozes de crianças que ressoam...
Hoje viajei no tempo, literalmente. Não sonhei, não experimentei qualquer estado alterado de consciência, não acordei. Regressei, pura e simplesmente, à minha infância e aos lugares que, enquanto menino, vivi e experimentei. Esse tempo e espaço que um dia cristalizei na minha memória. Em cada rosto que revi, reencontrei as crianças que fomos. Não me esqueci de nenhuma delas. Reconheci-as pelo nome e, tal, alguns surpreendeu. Estranharam falar-lhes pelo nome. Claro, ali era eu o estranho e isso, compreensivamente, percebeu-se na expressão de alguns.
São duas da madrugada dessa mesma noite e tenho por companhia um Logan e, nos ouvidos, os Elbow que me vão embalando a escrita, cantando “on a day like this” e “friends of ours”. Segredei ao ouvido de alguns que aqui estaria. Estou. Escrever aquilo que aconteceu não será necessário, importará registar aquilo que trouxe comigo. Qualquer coisa como me terem trazido, gratuitamente, directamente da década de oitenta, pedaços de mim, de nós.
Com pena minha alguns faltaram. Rapazes e raparigas que farão sempre parte dessa rua, desse passado comum. E que serão sempre miúdos para mim. O tempo e a vida de cada um seguiu os seus cambiantes e não deixa de ser impressionante como as memórias de cada um coincidem, passados tantos anos, com a memória de tantos outros. Isso será tanto mais perturbador quanto reflectirmos sobre a improbabilidade deste encontro: nada, mas mesmo nada, faria pressentir para o meu presente, um encontro desta natureza. Mais, guardo comigo a vontade e o interesse demonstrado e percebido por todos para estar. Trouxe para mim a saudade e o carinho renovado de uma nostalgia amarga. Que bom.
Dizer-vos que, afinal de contas, e depois de todos ou quase termos deixado a rua, ainda por lá andamos a jogar à bola ou ao trinca-cevada, as nossas vozes ainda ressoam pelos pátios e pelo pinhal onde brincámos e crescemos. Foi bom estar convosco. Obrigado. Havemos de voltar, estou certo.
Uma mágoa final… não ter levado comigo o irmão mais novo. Afinal, teria feito todo o sentido lá ter estado também.
São duas da madrugada dessa mesma noite e tenho por companhia um Logan e, nos ouvidos, os Elbow que me vão embalando a escrita, cantando “on a day like this” e “friends of ours”. Segredei ao ouvido de alguns que aqui estaria. Estou. Escrever aquilo que aconteceu não será necessário, importará registar aquilo que trouxe comigo. Qualquer coisa como me terem trazido, gratuitamente, directamente da década de oitenta, pedaços de mim, de nós.
Com pena minha alguns faltaram. Rapazes e raparigas que farão sempre parte dessa rua, desse passado comum. E que serão sempre miúdos para mim. O tempo e a vida de cada um seguiu os seus cambiantes e não deixa de ser impressionante como as memórias de cada um coincidem, passados tantos anos, com a memória de tantos outros. Isso será tanto mais perturbador quanto reflectirmos sobre a improbabilidade deste encontro: nada, mas mesmo nada, faria pressentir para o meu presente, um encontro desta natureza. Mais, guardo comigo a vontade e o interesse demonstrado e percebido por todos para estar. Trouxe para mim a saudade e o carinho renovado de uma nostalgia amarga. Que bom.
Dizer-vos que, afinal de contas, e depois de todos ou quase termos deixado a rua, ainda por lá andamos a jogar à bola ou ao trinca-cevada, as nossas vozes ainda ressoam pelos pátios e pelo pinhal onde brincámos e crescemos. Foi bom estar convosco. Obrigado. Havemos de voltar, estou certo.
Uma mágoa final… não ter levado comigo o irmão mais novo. Afinal, teria feito todo o sentido lá ter estado também.
13 outubro 2011
declaração de guerra
Ainda em estado de recobro depois do anúncio de Orçamento de Estado para 2012, venho aqui manifestar a minha indignação. Aquilo que Passos Coelho fez foi declarar guerra aos portugueses e em particular a mim e à minha família. Como tal e ofendido que estou, informo que passarei a um outro estado de existência, que se traduzirá numa radicalização de discurso e de comportamento. Desde logo, começarei por participar no próximo dia 15 no protesto nacional e internacional, esperando sempre que também aí se possa radicalizar a resposta à provocação de quem nos governa. Depois, deixarei de contribuir activamente para o bem colectivo, abandonando a atitude consumista e deixando de pagar todos os impostos que puder não pagar. E mais, mas preciso de tempo para reflectir e planear a minha guerrilha. Foda-se.
movimentos nostálgicos
Senti acrescida dificuldade para escolher o título daquilo que agora escrevo e só depois de abundante hesitação o fiz. Para dizer a verdade não sei muito bem como exprimir aquilo que pretendo transmitir. Não sei se será das cambalhotas, pinos e piruetas climatéricas, se será da crise económica e social, se será da depressão colectiva para onde nos empurraram, ou se de um receio mais profundo (consciente ou inconsciente) de que não haverá futuro, mas sinto-me rodeado de iniciativas recordatórias e celebrações ao passado. Não percebo muito bem a simultaneidade das várias iniciativas... serão apenas coincidências ou haverá algo maior e inatingível a alavancar tais movimentos!? Sei que não me sinto atraído por grande parte dessas iniciativas (para além dos revivalismos, fazem-me sempre lembrar os encontros e confraternizações dos combatentes do ultramar...), pois esses pretéritos, alguns dos quais também são meus, lá estão, ninguém os reclamará. Para o presente pude/consegui trazer alguns pedaços desses passados, que se materializam e celebram na convivência com alguns daqueles e algumas daquelas que estiveram lá. Assim é e é suficiente. Consciente nostálgico também sou (chegaram até a chamar-me "romântico") e assim sendo, permito-me, de quando em vez, procurar e reviver partes desses tempos idos. Assim será, com grande espectativa e alguma ansiedade, nos próximos dias.
09 outubro 2011
madeira
Hoje é o dia em que os madeirenses estão a escolher um novo governo regional e isto num ambiente social, político e económico muito tenso. O meu sentimento é de total indiferença perante os resultados mais do que previsíveis e que dentro de alguns minutos serão conhecidos. Nada mudará no dia de amanhã, mas também sei que nada será como até hoje. Aquilo que aconteceu com as contas e com a omissão na prestação das mesmas é de uma gravidade que não imagino possivel num país que se possa assim denominar e caracterizar.
Visitei a ilha da Madeira uma única vez, em 2005 ou 2006 e como turista, e de facto, a ilha tem paisagens e lugares lindíssimos, mas ao mesmo tempo, apresenta-se completamente descaracterizada pela intensa construção e pelas impensáveis obras de arte viárias. Mais recentemente, quando a ilha foi fustigada pelo temporal de Fevereiro de 2010, criou-se e bem um sentimento de solidariedade nacional para a recuperação e reconstrução da ilha. Agora, com o caso da omissão da dívida pública da região, veio-se a saber as verdadeiras intensões dos seus governantes: má-fé e desrespeito para com a república portuguesa.
Num país a sério, respeitado e respeitável, isto não seria tolerado. Jamais um governante com uma conduta destas, de ocultação e de engano, seria reeleito para o mesmo cargo.
A Madeira é uma caricatura de si própria e contamina por demais a imagem de todo o Portugal. A chantagem e a ameaça do seu lider com a promoção de independência só deveria merecer uma resposta de Lisboa. Dar-lhes a independência. Se a mim me perguntassem, seria de graça. Então depois seria possivel ir visitar esse país exótico e, com direito, nomeá-lo de república das bananas.
Visitei a ilha da Madeira uma única vez, em 2005 ou 2006 e como turista, e de facto, a ilha tem paisagens e lugares lindíssimos, mas ao mesmo tempo, apresenta-se completamente descaracterizada pela intensa construção e pelas impensáveis obras de arte viárias. Mais recentemente, quando a ilha foi fustigada pelo temporal de Fevereiro de 2010, criou-se e bem um sentimento de solidariedade nacional para a recuperação e reconstrução da ilha. Agora, com o caso da omissão da dívida pública da região, veio-se a saber as verdadeiras intensões dos seus governantes: má-fé e desrespeito para com a república portuguesa.
Num país a sério, respeitado e respeitável, isto não seria tolerado. Jamais um governante com uma conduta destas, de ocultação e de engano, seria reeleito para o mesmo cargo.
A Madeira é uma caricatura de si própria e contamina por demais a imagem de todo o Portugal. A chantagem e a ameaça do seu lider com a promoção de independência só deveria merecer uma resposta de Lisboa. Dar-lhes a independência. Se a mim me perguntassem, seria de graça. Então depois seria possivel ir visitar esse país exótico e, com direito, nomeá-lo de república das bananas.
02 outubro 2011
30 setembro 2011
aquilo que iria dizer hoje na assembleia municipal de bragança, mas censuraram-me, motivando o abandono da reunião como forma de protesto
Privatização das Águas de Portugal
Quando Pedro Passos Coelho se apresentou em campanha eleitoral, trouxe consigo a ideia de que seria necessário alienar a participação do Estado nas empresas públicas. Como sabem o BE defende que o Estado deve defender a sua posição maioritária nos sectores estratégicos da sociedade portuguesa, tais como a energia, as comunicações e os transportes, a banca, entre outros. Desses sectores e empresas há uma que em particular nos preocupa e, a mim, me inquieta. A privatização das águas de Portugal. Bem sabemos que esta privatização não estará na primeira linha do património público a alienar, mas também não temos dúvida que em breve, por exemplo, com o próximo orçamento de estado, essa intenção seja concretizada.
Alertados que estamos para essa intenção, e porque consideramos que a água e a sua distribuição não devem ser oferecidas à exploração e à especulação do mercado, e porque essa intenção vai além do que foi acordado com a troika, tudo faremos para impedir essa privatização, pois para além de a encarecer para os consumidores, haverá desinvestimento na sua qualidade, conservação e transporte. Ou seja, em nome da racionalização de custos e da lógica empresarial da obtenção de lucros e mais-valias, põe-se em risco a saúde dos cidadãos, que passam a pagar mais por um serviço pior.
Olhando para o panorama partidário nacional, facilmente percebemos as diferentes sensibilidades e perspectivas: o PSD e com ele, amarrado e a bater palmas, o CDS decretarão com a brevidade possível essa privatização; no PS percebe-se alguma indefinição e alguma dificuldade em tomar uma posição que seja consensual; registamos também a oposição do PCP, logo dos verdes também, ao referendo acerca da privatização da empresa das Águas de Portugal, a pretexto de que tal votação aceita que se possa escolher sobre tal assunto. Ora, só com a confiança ou fé numa salvífica mudança de opinião da maioria PSD e CDS se pode esperar que o parlamento impeça tal privatização, já anunciada, possibilitando que se prescindisse do instrumento referendário.
O Bloco de Esquerda está certo de que a direita não mudará de opinião, mas deverá ser confrontada com um debate em toda a sociedade, exigindo que a palavra seja dada a todos os eleitores, com a convicção de que esse referendo é a única via possível de oposição, que será o último instrumento legal para combater e impedir essa privatização.
Num ambiente europeu de austeridade, sempre aliada a uma forte autoridade, temos assistido e não por acaso, a uma re-nacionalização da água por toda a Europa – veja-se o caso italiano ainda neste Verão. Não se percebe, portanto, este impulso liberal em Portugal. Mais, olhemos para a realidade local e regional, o que ganharam os vários municípios e seus munícipes com a privatização da distribuição da água!? Pouco ou nada, dizem eles e sabemos nós. O que ganhou Bragança com a adesão aos serviços multi-municipais!? Nada ou muito pouco, dizem eles e sabemos nós. A nossa população continua a ter problemas no acesso a esse bem vital e recurso natural limitado e a Câmara Municipal e a própria ATMAD não conseguem responder às necessidades das nossas populações. Imaginem agora o que nos espera se toda a água nacional for privatizada.
O Bloco de Esquerda não tem dúvidas da importância desta questão, nem da dimensão do negócio fabuloso que se apresenta para os privados, e por isso iremos combater essa privatização por decreto. Defendemos que devem ser os portugueses e as portuguesas a manifestarem-se e, aí, também acreditamos que teremos uma grande maioria da população contra essa privatização. O referendo será uma mobilização social contra a austeridade e contra a autoridade.
Documento Protesto entregue ao Presidente da Mesa da Assembleia Municipal de Bragança
...e então depois abandonei a sala.
29 setembro 2011
28 setembro 2011
egocentrismos
O vazio transporta, quase sempre por inerência, tempo e espaço para a reflexão, para a introspecção. Nessa luta tenho andado nos últimos dias, poderia até dizer meses, mas fiquemos pelos dias... Um indivíduo não pode escapar à sua sorte paradoxal: ele é uma pequeníssima partícula de vida, um instante efémero e, ao mesmo tempo, revela em si a plenitude da realidade viva. Contém nele o todo da humanidade, sem deixar de ser a unidade elementar dessa mesma humanidade – já Montaigne disse: “cada um dos homens carrega a forma inteira da condição humana”. Essa forma inteira implica, desde logo, a definição do indivíduo enquanto sujeito biológico e será nesse âmbito que perceberemos a lógica de auto-afirmação do ser humano por ocupação do centro do seu mundo. Para conhecer e para agir cada ser humano ocupa o seu lugar egocêntrico. Este lugar que cada um de nós ocupa, pressupõe dois princípios: O princípio da exclusão, pois nenhum outro a não ser eu pode ocupá-lo e nenhum outro indivíduo pode dizer eu no meu lugar, para além do facto do EU não ser partilhável. Somos então e enfim todos uns grandes egoístas; e o princípio da inclusão (coisa bonita), que nos permite incluirmo-nos num NÓS e, depois, incluir esse NÓS no nosso centro do mundo. E então seremos todos parcialmente altruístas.
Por onde ando eu!?
Por onde ando eu!?
27 setembro 2011
"Obrigado" que estou a ouvir rádio e apenas rádio sempre que entro no meu carro, hoje, no permanente zapping, calhou apanhar o Alta Tensão de António Freitas, na Antena 3, a passar este som. Nunca tinha ouvido tal som e banda. Depois de setecentos quilómetros ao volante, liguei-me ao youtube e achei...
17 setembro 2011
a minha couvade
Fará por estes dias seis meses que o delfim da casa nasceu. Parece que ainda foi ontem, mas ao mesmo tempo, senti e muito o tempo a passar. Há seis meses que experimento uma espécie de couvade – prática quase universal entre os povos antigos e que, ainda no início do século XX foi identificada e muito noticiada no País Basco e no Brasil. Tratava-se de um costume em que o marido da mulher prestes a dar à luz recolhia ao leito e simulava o trabalho de parto. Por vezes, no próprio dia do parto, a parturiente regressava às suas lides habituais, enquanto o marido permanecia na cama. O termo couvade aplicava-se também quando ambos os progenitores se mantinham em confinamento depois de nascido o filho. No aspecto social, a prática teria por objectivo realçar o papel masculino na reprodução, conquanto também se avente a hipótese de, ao partilhar assim as dores do parto, o marido aliviaria parcialmente o sofrimento da mulher. Como poderão adivinhar não foi necessário simular ou partilhar qualquer dor, embora me agrade o realce do papel masculino no processo. Atroz tem sido o confinamento. Espero terminá-lo em breve. Preciso de…
16 setembro 2011
"a casa das formigas"
A casa de Al-Adhamiya já não está habitável. Já não se pode dormir lá nem esquadrinhar os seus recantos. O caminho mais curto que conduz até ela é o da minha infância. Sem ela, já não vejo ali nada. Um cão errante e tinhoso uiva à cara dos seus antigos proprietários, que se ausentaram e depois morreram, que foram expulsos, que fugiram, que envelheceram e desapareceram. Por todo o lado, as casas souberam sempre dar lições aos seus habitantes. A cada momento, extraio dos seus azulejos a minha fome e a minha nudez, as minhas metamorfoses e o meu abandono. Escrevo, faço livros, mas regresso sempre ali e deixo esta casa imiscuir-se nos meus assuntos. Em cada romance, ela é a essência da minha agonia. Seja, digo a mim própria, voltarei a levantar-me e restaurarei as minhas fortificações para voltar a ela. (Alia Mamdouh in Le Monde Diplomatique, edição portuguesa, Setembro 2011)
09 setembro 2011
do mês de agosto, de espanha e de outros lugares...
- Sarmento, Clara - coord., (2011), Diálogos Interculturais - os novos rumos da viagem, Porto, Vida Económica Editorial;
- Fernandes, Celina Busto, (2010), As Minas de Ervedosa, Lisboa, Âncora Editora;
- Borges, Américo Augusto, (2006), Gentes de Vinhais, Guimarães, Editora Cidade Berço;
- Stewart, George R., (2008), Names on the Land - a historical account of place-naming in the united states, New York, New York Review of Books;
- Rodrigues, Daniel José, (1981), O Riodonorense Lendas Folclore, Bragança, Edição da Assembleia Distrital de Bragança;
- Fiske, John, (2011), O destino do Homem, Lisboa, Alfabeto Editora;
- Lévi-Strauss, Claude, (2010), O Olhar Distanciado, Lisboa, Edições 70;
- Malinowski, Bronislaw, (2009), Uma teoria científica de cultura, Lisboa, Edições 70;
- Viana, Luis Díaz e Álvarez, Óscar Fernández e Martín, Pedro Tomé, (2011), Lugares, Tiempos, Memorias - la Antropología Ibérica en el siglo XXI, León, Universidad de León;
- Halbwachs, Maurice, (2004), Los marcos sociales de la memoria, Barcelona, Anthropos Editorial;
- Echevarría, Aurora González (2009), La dicotomía emic/etc - historia de una confusión, Barcelona, Anthropos Editorial;
- Hernáez, Ángel Martínez, (2011), Antropología Médica, Barcelona, Anthropos Editorial;
- Fernandes, Celina Busto, (2010), As Minas de Ervedosa, Lisboa, Âncora Editora;
- Borges, Américo Augusto, (2006), Gentes de Vinhais, Guimarães, Editora Cidade Berço;
- Stewart, George R., (2008), Names on the Land - a historical account of place-naming in the united states, New York, New York Review of Books;
- Rodrigues, Daniel José, (1981), O Riodonorense Lendas Folclore, Bragança, Edição da Assembleia Distrital de Bragança;
- Fiske, John, (2011), O destino do Homem, Lisboa, Alfabeto Editora;
- Lévi-Strauss, Claude, (2010), O Olhar Distanciado, Lisboa, Edições 70;
- Malinowski, Bronislaw, (2009), Uma teoria científica de cultura, Lisboa, Edições 70;
- Viana, Luis Díaz e Álvarez, Óscar Fernández e Martín, Pedro Tomé, (2011), Lugares, Tiempos, Memorias - la Antropología Ibérica en el siglo XXI, León, Universidad de León;
- Halbwachs, Maurice, (2004), Los marcos sociales de la memoria, Barcelona, Anthropos Editorial;
- Echevarría, Aurora González (2009), La dicotomía emic/etc - historia de una confusión, Barcelona, Anthropos Editorial;
- Hernáez, Ángel Martínez, (2011), Antropología Médica, Barcelona, Anthropos Editorial;
08 setembro 2011
ao espelho
Chegou até mim hoje. Fonte em:
http://www.jn.pt/blogs/Babel/archive/tags/Lidos/default.aspx?PageIndex=2
05 setembro 2011
a partir de amanhã na cidade de Leão...
... para falar sobre as novas paisagens rurais no interior de Portugal. Mais pormenores aqui (ver ego na página 12 deste pdf)...
04 setembro 2011
inexplicável separação
Durante estes últimos dias de Agosto, sempre que entrava no blogue, reparava que separador "etnografias nascentes" não estava a funcionar. Estranhei o facto, mas sempre pensei que algum código html tivesse sido adulterado e aguardei pelo regresso a casa para tentar resolver o problema. Agora que regressei e tive tempo para resolver esse assunto, já consegui descobrir a fonte do problema técnico, mas não serei capaz de dar resposta, pois trata-se de uma questão de permissão por parte dos fornecedores do serviço, ou seja, o twitter impediu que contas privadas partilhem os seus conteúdos com outros programas ou suportes. Porreiro pá... Foi por curiosidade que eu aderi ao Twitter - se não estou em erro no início de 2009, mas depois de descobrir essa aplicação que permitia partilhar com outros programas aquilo que lá escrevia, é verdade que intensifiquei a minha participação, na medida em que me permitia escrever pequenos textos ou comentários acerca daquilo que não me merecia a atenção de uma entrada própria no Apurriar. Assim, o Twitter acabava por funcionar, maioritariamente, como um editor de textos para o meu blogue. Rúbrica essa que intitulei de "etnografias nascentes", por dizer respeito a tudo quanto eu poderia observar no meu dia-a-dia e que me chamasse a atenção, merecesse uma nota, uma referência ou um comentário. Tenho pena que me impeçam de continuar a partilhar essas etnografias. Fica o Apurriar mais pobre e eu também.
02 setembro 2011
LER nº 105
No mês em que a revista adopta as regras do Acordo Ortográfico, realce para o texto de Fernando Venâncio que desconstrói todos os argumentos a favor desse mesmo acordo, explica as verdadeiras razões para a sua imposição e apresenta os incríveis defeitos e erros do mesmo.
"Estas bizantinices portuguesas podem explicar uma atitude brasileira parecida com falta de solidariedade. E é pena. Porque estamos aqui no absoluto cerne destes problemas: o nosso magnífico idioma tem duas ortografias porque tem sistemas vocálicos divergentes. O fosso entre os dois vai-se, mesmo, alargando. Mil acordos ortográficos não conseguiriam uma reaproximação dos dois sistemas. Importa aceitá-lo com naturalidade e não interiorizá-lo como um drama. Hoje os brasileiros já precisam de legendar filmes portugueses, mas daqui a 200 anos os romancistas brasileiros ainda serão, como hoje, os que melhor lemos no original."
Uma referência também para a entrevista a Mário Cláudio a propósito do seu último livro... "no fundo acho que toda a escrita é uma transcrição. A escrita é a revelação de um texto que a antecede."
E por último, nota de satisfação por seis dos habituais colaboradores da Revista optarem por manterem as normas e regras ortográficas pré-acordo. Ainda bem.
30 agosto 2011
o poder simbólico
Recentemente, um amigo dizia-me, em jeito de desabafo, que não vê televisão, pois não acredita naquilo que ela transmite. Diz com considerável satisfação que em casa tem um televisor velhinho desligado há muito tempo. Afirma com convicção que prefere ocupar o seu tempo a ler livros, uma vez que considera que estes, apesar da toda a diversidade e de toda a multiplicidade, são os veículos por excelência do conhecimento humano. Se ambicionamos realmente o saber, será nos livros que o encontraremos.
Tendo a concordar, e cada vez mais, com esta opinião, e mais consciente estou do muito que tenho que ler para saber. Pierre Bourdieu, a propósito do poder dos símbolos (edições 70, 2011), afirma:
“A classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização: as fracções dominantes, cujo poder assenta no capital económico, têm em vista impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acréscimo, ameaçando sempre desviar em seu proveito o poder de definição do mundo social que detêm por delegação; a fracção dominada (letrados ou intelectuais e artistas, segundo a época) tende sempre a colocar o capital específico a que ela deve a sua posição, no topo da hierarquia dos princípios de hierarquização.” (Bourdieu, 2011:8)
Com justiça e razoabilidade poderei associar esta ideia ao tempo e espaço que agora experimentamos e à necessidade de manter em off as televisões. Ainda é um poder simbólico que nos assiste. E não é difícil.
Tendo a concordar, e cada vez mais, com esta opinião, e mais consciente estou do muito que tenho que ler para saber. Pierre Bourdieu, a propósito do poder dos símbolos (edições 70, 2011), afirma:
“A classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização: as fracções dominantes, cujo poder assenta no capital económico, têm em vista impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acréscimo, ameaçando sempre desviar em seu proveito o poder de definição do mundo social que detêm por delegação; a fracção dominada (letrados ou intelectuais e artistas, segundo a época) tende sempre a colocar o capital específico a que ela deve a sua posição, no topo da hierarquia dos princípios de hierarquização.” (Bourdieu, 2011:8)
Com justiça e razoabilidade poderei associar esta ideia ao tempo e espaço que agora experimentamos e à necessidade de manter em off as televisões. Ainda é um poder simbólico que nos assiste. E não é difícil.
always a great sound
A viagem de mais de oito horas entre Bragança e Porto e, novamente, Bragança, deu para tudo e mais alguma coisa, ou se preferirem, para coisa nenhuma. Para ajudar os segundos a correrem e como aconchego para as deambulações mentais que fui fazendo, trazia nos ouvidos Sia, Eddie Vedder e Radiohead, o que me permitia também ausentar do som que o DJ de serviço obrigava a todos ouvirem, se não me engano sintonizado na RFM… A determinada altura e como viajei, em ambos os sentidos, na segunda linha de lugares e, mais precisamente no lugar número 7, o que para além de me permitir a contemplação da estrada, possibilitou-me um prisma muito interessante de observação da condução do jovem condutor. Mas a determinada altura, dizia eu, ainda absorvido pelo som que trazia nos ouvidos, ao olhar para o condutor, vi-o animado, a bater com as mãos, ritmadamente, no volante e a abanar ligeiramente o esqueleto. Estranhei e retirei os auriculares para tentar perceber que som o embalava. Nem queria acreditar. Todo o autocarro ouvia isto:
... para além do mais, sempre um excelente mote para o combate social que se impõe...
23 agosto 2011
o coleccionador
"Pessoas assim, como este Sr. José, em toda a parte as encontramos, ocupam o seu tempo ou o tempo que crêem sobejar-lhes da vida a juntar selos, moedas, medalhas, jarrões, bilhetes-postais, caixas de fósforos, livros, relógios, camisolas desportivas, autógrafos, pedras, bonecos de barro, latas vazias de refrescos, anjinhos, cactos, programas de óperas, isqueiros, canetas, mochos, caixinhas-de-música, garrafas, bonsais, pinturas, canecas, cachimbos, obeliscos de cristal, patos de porcelana, brinquedos antigos, máscaras de carnaval, provavelmente fazem-no por algo a que poderíamos chamar angústia metafísica, talvez por não conseguirem suportar a ideia do caos como regedor único do universo, por isso, com as suas fracas forças e sem ajuda divina, vão tentando pôr alguma ordem no mundo, por um pouco de tempo ainda o conseguem, mas só enquanto puderem defender a sua colecção, porque quando chega o dia de ela se dispersar, e sempre chega esse dia, ou seja por morte ou seja por fadiga do coleccionador, tudo volta ao princípio, tudo torna a confundir-se."
(José Saramago in Todos os Nomes)
19 agosto 2011
meu querido mês de agosto
Mês de todos ou quase todos regressarem aos locais de origem e onde cada um representa a sua condição de pessoa em permanente movimento, entre a ruralidade de um pequeno país e a urbanidade de uma qualquer capital europeia. Sendo impossível verificar cada uma das situações e aceitando, desde logo, que cada situação apresentará particularismos, poderemos encontrar algumas configurações recorrentes das diferentes experiências colectivas de diáspora. Desde logo, a manutenção de um território de memória, mais ou menos mitificada, da terra natal, depois, a negação do país e cidade hospedeiros como locais de acolhimento definitivo, logo e consequentemente, a concepção do local de origem como local de futuro retorno. Por tudo isto, se percebe o investimento material, simbólico e imaginário e a consciência de pertencer a uma comunidade, normalmente, a terra de origem.
A relação que cada indivíduo estabelece com a sua terra natal resulta sempre de um processo negocial e os discursos produzidos acerca da terra natal têm que ser abordados a partir da identificação dos seus diferentes produtores. Aqui talvez seja oportuno fazer referência à noção de saudade para ilustrar as possíveis interacções. Durante as décadas de 60 e 70 do século vinte, sabendo dos enormes movimentos migratórios que deslocou milhares de portugueses, o Estado português contribuiu, considerando os emigrantes como parte da nação, para a manutenção de um estilo de vida que se centrava na relação com o lugar de origem. Esse discurso ideológico integrava a palavra saudade, que centralizava simbolicamente os sentimentos que ligavam os emigrantes à pátria. Todos os emigrantes portugueses, enquanto residentes no estrangeiro, dão forma, através de diferentes práticas e representações, ao lugar mítico do seu desejo que é a terra natal, onde periódica e ciclicamente retornam e vivem. Assim, a terra de origem apresenta-se numa comunidade imaginada, onde se vive mesmo quando ausente a viver num outro local.
O momento do regresso para as férias de Verão serão, como podem todos adivinhar, o grande momento, por todos ansiosamente aguardado. As férias são marcadas, na grande maioria dos casos, para o mês de Agosto e segundo o calendário de festividades agendadas, sejam familiares (casamentos, baptizados, comunhões), ou da comunidade (festividades religiosas e/ou civis). Cada período de férias na aldeia contempla uma actividade social intensa e, talvez também por isso, haja sempre a sensação de que o tempo, esse tempo passa depressa demais. A viagem é também um espaço/tempo de relevância para todos. Normalmente, obedecendo a um esquema pré-definido, rigoroso e repetitivo, todos sabem de antemão as horas de partir e de chegar, os locais de paragem para as necessidades fisiológicas, para abastecimentos e alimentação. Ano após ano, viagem após viagem, cristalizam-se percursos e lugares de paragem. A performance da viagem é tema de conversa para os membros da comunidade de emigrantes, tanto à chegada a Portugal, como depois, quando regressam às suas comunidades de acolhimento. Saber quantas horas cada um levou a chegar, que percurso fez, o trânsito e os imprevistos são disputas para horas e horas de confraternização e de copos. A viagem é o tempo da transformação identitária e que os viajantes passam da sua condição de imigrantes – residentes numa terra com a qual mantêm relações de identificação e pertença fracas – para a condição de emigrantes – residentes provisórios numa terra com a qual estabelecem elos de identificação e de pertença.
Esta pequena reflexão acerca das vidas repartidas por diferentes e distantes lugares, não é mais do que um registo empírico daquilo que podemos encontrar em tantos e tantos lugares da região transmontana. Meu querido mês de Agosto, a vontade e o querer de cada um desses indivíduos e famílias que transformam as suas vidas num eterno ir e vir e ir e vir… sempre com a esperança de um dia, num qualquer futuro, poderem vir e não terem que ir.
A relação que cada indivíduo estabelece com a sua terra natal resulta sempre de um processo negocial e os discursos produzidos acerca da terra natal têm que ser abordados a partir da identificação dos seus diferentes produtores. Aqui talvez seja oportuno fazer referência à noção de saudade para ilustrar as possíveis interacções. Durante as décadas de 60 e 70 do século vinte, sabendo dos enormes movimentos migratórios que deslocou milhares de portugueses, o Estado português contribuiu, considerando os emigrantes como parte da nação, para a manutenção de um estilo de vida que se centrava na relação com o lugar de origem. Esse discurso ideológico integrava a palavra saudade, que centralizava simbolicamente os sentimentos que ligavam os emigrantes à pátria. Todos os emigrantes portugueses, enquanto residentes no estrangeiro, dão forma, através de diferentes práticas e representações, ao lugar mítico do seu desejo que é a terra natal, onde periódica e ciclicamente retornam e vivem. Assim, a terra de origem apresenta-se numa comunidade imaginada, onde se vive mesmo quando ausente a viver num outro local.
O momento do regresso para as férias de Verão serão, como podem todos adivinhar, o grande momento, por todos ansiosamente aguardado. As férias são marcadas, na grande maioria dos casos, para o mês de Agosto e segundo o calendário de festividades agendadas, sejam familiares (casamentos, baptizados, comunhões), ou da comunidade (festividades religiosas e/ou civis). Cada período de férias na aldeia contempla uma actividade social intensa e, talvez também por isso, haja sempre a sensação de que o tempo, esse tempo passa depressa demais. A viagem é também um espaço/tempo de relevância para todos. Normalmente, obedecendo a um esquema pré-definido, rigoroso e repetitivo, todos sabem de antemão as horas de partir e de chegar, os locais de paragem para as necessidades fisiológicas, para abastecimentos e alimentação. Ano após ano, viagem após viagem, cristalizam-se percursos e lugares de paragem. A performance da viagem é tema de conversa para os membros da comunidade de emigrantes, tanto à chegada a Portugal, como depois, quando regressam às suas comunidades de acolhimento. Saber quantas horas cada um levou a chegar, que percurso fez, o trânsito e os imprevistos são disputas para horas e horas de confraternização e de copos. A viagem é o tempo da transformação identitária e que os viajantes passam da sua condição de imigrantes – residentes numa terra com a qual mantêm relações de identificação e pertença fracas – para a condição de emigrantes – residentes provisórios numa terra com a qual estabelecem elos de identificação e de pertença.
Esta pequena reflexão acerca das vidas repartidas por diferentes e distantes lugares, não é mais do que um registo empírico daquilo que podemos encontrar em tantos e tantos lugares da região transmontana. Meu querido mês de Agosto, a vontade e o querer de cada um desses indivíduos e famílias que transformam as suas vidas num eterno ir e vir e ir e vir… sempre com a esperança de um dia, num qualquer futuro, poderem vir e não terem que ir.
(adaptado de artigo enviado para a Revista Almocreve - Carção, 2011)
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