24 janeiro 2024

dezassete, a contar

Pois bem, aqui estou eu a assinalar mais uma volta ao Sol deste recanto. O Apurriar faz hoje dezassete anos e continua a ser um espaço ao qual regresso quase diariamente, apesar de nem sempre ser para acrescentar valor, que é como quem diz, nem sempre há vontade ou inspiração para escrever algo que considere ser para este espaço. Importa também reforçar o prazer, a vontade e a intenção em continuar a contar os anos que vão passando, através da escrita e aqui. Assim sendo, obrigado e até breve.

12 janeiro 2024

os bifes, os gatos e a avó Antoninha

Durante a minha adolescência e, talvez, mais durante a minha juventude, adorava ir para Vila Boa e por lá ficar enquanto a escola não chamava por mim. Assim, passei inúmeras temporadas em casa dos meus avós paternos e sob a responsabilidade da minha avó, que, na sua fragilidade e com a sua tranquilidade e sabedoria, me aturava os devaneios e parvoíces de jovem, às vezes, inconsciente. Eu pouco parava em casa, a não ser para comer e dormir e ela, pacientemente, lá estava com todos os cuidados e mimos para comigo. Um dia, talvez final de uma tarde de Verão, estava eu no terraço da casa, com certeza, à conversa com alguém que se aproximou ou passou, quando a ouço praguejar alto na cozinha. De um salto vou ao seu encontro e só já ouvi: - Malditos gatos, que me levaram o teu bife!
Coitada da mulher. Tinha tirado um bife para me servir ao jantar, pô-lo a descongelar perto de uma janela aberta e soalheira, um gato vadio, esperto, num ápice lhe levou o suculento naco de carne. Ficou desconsolada, sem saber o que fazer. Tentei acalmá-la e disse-lhe para me estrelar um ovo que já ficava bem. Assim foi, mas ela andou uns dias a dizer mal da sua vida e, principalmente, do raio do bicho.

mais do que uma ideia, uma solução


Ontem no jornal Público, Miguel Esteves Cardoso, um insuspeito revolucionário, apresenta esta ideia como solução para o Jornal de Notícias e demais jornais e rádios do mesmo grupo empresarial. Para início de conversa parece-me muito bem e de maluca a ideia não tem nada. Houvesse coragem e era algo desse género que aconteceria para salvar não só os postos de trabalho, como salvaguardar o último dos grandes títulos da cidade do Porto. Não esquecer o que aconteceu ao Primeiro de Janeiro e ao Comércio do Porto.

07 janeiro 2024

alheira é uma salsicha?


A notícia do jornal Mensageiro de Bragança é já de 21 de Dezembro, mas só hoje estive a rever jornais e demais publicações para recortar aquilo que me importa para adicionar ao "dossier de imprensa" que há anos vou construindo.
Esta notícia é um achado e tudo nela é absurdo. Desde a classificação ou tipologia da Alheira enquanto salsicha, até à corrida para melhor do mundo (e arredores) e the last but not the least, o comunicado da autarquia. Para mais tarde recordar ou, com certeza, usar.

03 janeiro 2024

o Quim


Não sei porquê, mas aqui há tempos o Quim da Madalena veio-me amiúde à mente, de forma expressiva e até impressiva. Não foi em sonho, mas sim em momentos bem desperto, em que o seu rosto e sorriso, memórias de infância e de momentos com ele partilhados, me assaltaram deixando-me uma sensação triste e nostálgica.
O Quim era um miúdo da minha criação (nasceu em 1974) e cresceu na mesma rua (quase bairro) que nós. Era um miúdo tranquilo, apesar de algo irreverente e, talvez por isso, vítima de algum bullying (termo então ainda desconhecido e impraticado) por parte de outros miúdos que connosco conviviam. A sua alcunha, julgo que apenas por ter um redemoinho de cabelo logo por cima da testa, era “o peido”. Epíteto que, apesar de muito violento, foi assimilado e assim utilizado durante muito tempo. Penso que só mais tarde, talvez já adulto, tenha perdido essa alcunha.
De entre as muitas brincadeiras, traquinices e aventuras pelas redondezas, há dois momentos do Quim inesquecíveis, que guardei e agora partilho: o primeiro foi quando a jogar às Damas, no pátio do meu prédio (nº 115 da rua), e por motivo que já não recordo, nos desentendemos e, por isso, lhe dei violentamente com o tabuleiro de madeira nas costas. Para além da dor lhe ter provocado o choro e uma correria para casa, parti o tabuleiro e ficámos zangados durante um dia ou dois. As pazes não tardariam. O segundo momento, foi quando ele decidiu fugir de casa com apenas, sei lá, dez, onze ou doze anos, deixando uma carta de despedida aos pais. O sobressalto na rua foi generalizado e a presença das forças policiais mais dramática tornou a situação. Recordo a insegurança que todos, miúdos e graúdos, sentimos.
Se bem me recordo, o Quim terá caminhado para Sul, pela Estrada Nacional Um, durante um dia e uma noite, tendo sido encontrado no dia seguinte, encharcado e esfomeado, algures entre Santa Maria da Feira, São João da Madeira ou Oliveira de Azeméis, e devolvido aos pais. Bem mais tarde, já adultos, cheguei a questioná-lo sobre esta aventura e ele próprio não a conseguia justificar, reconhecendo que em casa e na família não havia qualquer problema ou razão para tal atitude.
Durante anos fomo-nos cruzando em Valadares e arredores, pois ele era, ou foi, operário da fábrica das agulhas. O Quim morreu no dia 5 de Maio de 2023 e eu só soube já ele tinha sido cremado. A certeza da sua morte surgiu num cartaz de funerária que ainda consegui encontrar numa montra devoluta na Madalena. O Quim tinha 49 anos e foi vitima de doença oncológica. Uma memória boa dele perdurará comigo.

Ao alto, o Quim no dia 21 de Janeiro de 2017, no lançamento do meu livro "Apurriar", na Maria Torrada, em Valadares.

(escrito em Bragança, 31 de Dezembro de 2023)