28 outubro 2021

one day like this

(monte da virgem - Vila Nova de Gaia, perspectivando de sudeste a cidade Invicta)

Na tarde em que se votava o Orçamento de Estado para o ano de 2022, eu, angustiado e mais do que preocupado com tudo aquilo que nos espera, enquanto comunidade, estado e nação, preferi retirar-me para local ermo e distante, abstraindo-me até ao impossível desse momento que a todos nós importa. Passei as horas desta tarde e até ao anoitecer, com vista para a Invicta, dentro do carro, ouvindo música, rabiscando estas e outras linhas e a ler este pequeno livro, não por acaso bem apropriado ao momento e ao meu estado de espírito. "Andar a pé" reflecte a perspectiva de vida de Henry David Thoreau (1817-1862) e a sua paixão pela vida selvagem, pela solidão e pela natureza... o mais vivo é o mais selvagem (pág. 47).


Mais do que uma simples elogia ao acto de caminhar, o autor expõe uma verdadeira filosofia de vida, em que o afastamento da urbe, da civilização e da sociabilidade humana, é entendido como a melhor forma de viver em verdadeira liberdade, de forma mais intensa e com os sentidos e alma despertas. Entende que o futuro reside nos pântanos impermeáveis e instáveis e nos bosques escuros, mais densos e intermináveis.

Creio que não consigo preservar a minha saúde física e espiritual se não passar quatro horas por dia, pelo menos - e frequentemente passo mais do que isso - a deambular pelos bosques, montes e vales, absolutamente alheado de todas as obrigações mundanas. (pág. 17)

Em relação à minha angústia, prefiro deixá-la para outro dia, outros escritos e outras reflexões. Ainda assim, jamais conseguirei entender, perceber, compreender, a esquizofrenia da esquerda partidária nacional. Enfim, resta dizer que o título destas linhas é de autoria dos Elbow.

25 outubro 2021

uma colmeia sem saída


Demorei muito tempo a ler este livro. Andei com ele quase quatro meses, carregando-o para todo lado: da mesinha de cabeceira para as férias, da secretária para saídas precárias de casa ao café ou buscar a criança, das aulas para reuniões, seminários e encontros. A razão que encontro para ter demorado tanto tempo a ler as suas quase 600 páginas, é o facto de não ser um tema que me fascine, ou sequer me agrade. Não tivessem sido as repetidas e convincentes sugestões para a sua leitura e, com toda a certeza, não o tinha adquirido e lido. Em todo o caso, ainda bem que o fiz, pois resulta de uma aturada investigação da autora sobre a realidade que experimentamos na nossa contemporaneidade, leia-se, últimas duas a três décadas, que me permitiu conhecer e comprovar, com maior rigor e pormenor, muito daquilo que era apenas senso-comum.
Parafraseando Hannah Arendt, muito citada nesta obra, quando as condições são contrárias à dignidade do homem, a reacção humana natural é a ira e a indignação. Pois bem, ao ler sobre a tremenda disputa de poder que hoje se trava pela vigilância e pela informação excedentária, a minha natural ou instintiva reacção seria desligar-me de toda e qualquer conectividade digital ou cibernética, mas a razão diz-me para mitigar essa vontade e, por enquanto, manter-me vigilante, consciente dos perigos eminentes e latentes que a "rede" hegemónica implicam.
A leitura que fiz foi crítica, anotada, sublinhada, rabiscada e comentada. Seriam muitos os momentos que poderia aqui trazer para ilustrar a perspectiva da autora, mas decidi partilhar algumas passagens dos últimos capítulos, nos quais se identificam perigos e soluções para o tempo próximo que aí vem:

Os nossos filhos vão a caminho da maioridade numa colmeia que é propriedade e dirigida pelos utopistas aplicados da vigilância, ao mesmo tempo que é constantemente monitorizada e moldada por um poder instrumentarista cada vez mais forte. É essa vida que queremos para os membros mais abertos, moldáveis, entusiásticos, maleáveis, compelidos e prometedores da nossa sociedade? (Pág. 494)

A melhor maneira de descrever o monstruoso capitalismo da vigilância antidemocrático e anti-igualitário é caracterizá-lo como um golpe dirigido a partir do topo do mercado. (...) Trata-se de um coup de gens - um derrubamento das pessoas dissimulado sob a forma desse cavalo de Troia tecnológico que é o Grande Outro. (...) Este golpe torna eficazes concentrações exclusivas de saber e de poder que sustentam a sua influência privilegiada sobre a divisão da aprendizagem social, ao mesmo tempo que supõe a privatização do princípio central do ordenamento social do século XXI. (Pág. 572)

O capitalismo da vigilância opera sob uma forma declarativa e impõe as relações sociais próprias de uma autoridade absolutista pré-moderna. É uma forma de tirania que se alimenta das pessoas, mas não é das pessoas. (...) Celebrado como uma "personalização", embora profane, ignore, anule e desagregue tudo o que há de pessoal no leitor ou em mim. (Pág. 572)

A tirania do capitalismo da vigilância não requer o chicote do déspota, do mesmo modo que não requer os campos e gulags do totalitarismo. (...) O Grande Outro age na base de um conjunto sem precedentes de operações comerciais que devem modificar o comportamento humano para obter o seu sucesso comercial.(Pág. 573)

O capitalismo da vigilância é uma forma sem fronteiras que ignora as distinções anteriores entre o mercado e a sociedade, entre o mercado e o mundo, ou entre o mercado e as pessoas. É uma forma movida pelo lucro cuja produção se subordina à extracção, enquanto os capitalistas da vigilância reivindicam unilateralmente para si o controlo sobre territórios humanos, sociais e políticos que se estendem muito para lá das áreas convencionais da empresa privada ou do mercado. (Pág. 573)

O triunfo do poder instrumentarista pretende-se, evidentemente, um golpe sem derramamento de sangue. Em vez da violência contra os nossos corpos, a terceira modernidade instrumentarista recorre antes à domesticação. (...) Espera-se de nós que cedamos a nossa autoridade, que afrouxemos as nossas preocupações, calemos as nossas vozes, nos deixemos ir na corrente e nos submetamos aos visionários da tecnologia cujos poder e riqueza se afirmam como garantia da superioridade do seu juízo. Acederemos assim a um futuro com menos controlo pessoal e mais privação de poder, em que novas fontes de desigualdade nos dividirão e submeterão. (Pág. 574 e 575)

Apesar da promessa democrática da sua retórica e das suas capacidades, o capitalismo da vigilância contribuiu para uma nova Idade Dourada da desigualdade extrema, (...) entre os múltiplos ataques à democracia e às instituições democráticas montados pelo seu coup de gens, incluo:
- a expropriação não autorizada da experiência humana;
- o sequestro da divisão da aprendizagem na sociedade;
- a independência estrutural em relação às pessoas;
- a imposição dissimulada da colmeia colectiva;
- a ascensão do poder instrumentarista e a indiferença radical que sustenta a sua lógica extractiva;
- a construção, a propriedade e a manipulação dos meios de modificação do comportamento do Grande Outro;
- a degradação do indivíduo que se autodetermina como fulcro da vida democrática;
- a insistência no atordoamento psíquico como resposta aos seus quiproquós ilegítimos. (Pág. 578)

Tal como refere a autora, cabe-nos reavivar o sentimento de indignação e perda, pois uma colmeia sem saída nunca poderá ser uma casa.

19 outubro 2021

há cem anos, a Seara Nova

Não tendo assistido em directo, nos dias em que passou na RTP, ao documentário que assinalou o centenário da revista Seara Nova, aproveitei as maravilhas digitais e assisti na RTP Play aos 2 episódios desta magnífica série, realizada por Diana Andringa. Aqui fica o link para esse documento histórico: Há 100 anos, a Seara Nova

osso buco

De tempos em tempos, em grupo de casais amigos, viajamos para confraternizar à hora e mesa do jantar. O objectivo, para além do convívio, é descobrir locais diferentes e iguarias novas que possamos apreciar. Estamos sempre dispostos para fazer os quilómetros necessários e suficientes para encontrar esses prazeres.
Desta vez a viagem foi até terras de Amarante e a um lugar de nome "castanheiro redondo". Lugar a que chegámos depois de algumas hesitações e inversões de marcha. A Casa Ventura não se dá a conhecer para quem lá vai pela primeira vez. É mais uma casa no meio de tantas outras e só a detectámos pelo número de viaturas estacionadas nas redondezas. Trata-se de uma autêntica taberna de aldeia que, pelos vistos, é afamado restaurante...
Íamos preparados e dispostos para experimentar aquilo que fossem as especialidades da casa: cabrito, bacalhau, cabidela e um tal de osso buco (ou ossobuco), mas para desilusão quase geral, fomos logo informados que dessas especialidades só poderíamos saborear a cabidela e o osso buco. Uma vez que este era desconhecido de todos os presentes e uma só dose daria para todos os comensais, decidimo-nos pelo osso buco.
Bem, a espera foi longa e entretida pela animada conversa que se estabeleceu entre nós e com as mesas mais próximas. As entradas, variadas e saborosas, assim como o mais que razoável verde tinto, também ajudaram os minutos a passar. Enfim, o osso buco entra na sala com grande aparato e parafernália... trata-se, afinal, do osso do joelho dos bovinos e carne involvente - menisco(?) - muito bem cozinhada numa panela, que vem para a mesa inteiro e, à nossa frente, é fatiada (ao jeito de rodízio) para um tacho cheio de molho, depois essas fatias de carne são envolvidas nesse molho e assim é servido. Acompanha com um arroz parolo.
Enfim, foi mais uma experiência gastronómica e só por isso foi interessante, mas a verdade é que a Casa Ventura consegue transformar uma carne de 2ª ou 3ª categoria em especialidade reconhecida e apreciada. Parabéns, mas a mim não me voltam a servir.

(osso buco a ser fatiado - fotografia tirada depois de devidamente autorizada pelo fotografado)

até que enfim!


Com dezenas de anos de atraso, finalmente, hoje, serão concedidas a Aristides de Sousa Mendes honras de panteão nacional. Sem qualquer dúvida, um acto da mais elementar justiça e de reconhecimento pelo seu esforço, enquanto cônsul português, na salvação de inúmeros judeus das câmaras de gás nazis.

08 outubro 2021

05 outubro 2021

intervenção de apresentação das actas das XXIII Jornadas Culturais de Balsamão

Boa tarde,
Por muito interessante e enriquecedor que seja, e é, ano após ano, reunirmo-nos aqui em Balsamão, para partilhar saberes, conhecimento, e experiências, assim como para nos conhecermos e convivermos, a verdade é que, no fim, aquilo que nos vai sobreviver será o registo das actas que resultam de cada edição das Jornadas.
Estamos a viver a 24ª edição destas Jornadas e, se perspectivarmos este longo percurso, a memória que alcançamos está vertida nestas actas, que feliz e sabiamente, o Centro Cultural fez questão de ir publicando.
Meus amigos, bem sei que vivemos tempos em que o paradigma é a desmaterialização, a digitalização, as clouds ou nuvens e outras fantásticas tecnologias que nos prometem uma existência mais eficiente, mais produtiva, enfim, mais feliz!... mas as actas destas Jornadas, impressas, editadas e publicadas no papel de sempre, são já uma instituição, um património construído e solidificado.
Não recusando outras formas de registo, outros suportes para inscrevermos tudo e o muito que aqui acontece, sou adepto e defensor de que as Jornadas Culturais de Balsamão deverão continuar a publicar as suas actas em papel.
Isto dito, olhemos então para estas actas, acabadas de nos chegar às mãos:
- Tal como tem acontecido em Jornadas anteriores, estas actas procuram registar, de alguma forma cristalizar, tudo aquilo que aconteceu nessas jornadas;
- Durante este último ano, resultado também da alteração da equipa coordenadora destas Jornadas, o processo para a produção deste registo foi turbulento e adiado até ao impossível. Ainda assim, aqui estão;
- Reconhecendo que possa ser ilusório, tenho a impressão de que esta edição cresceu relativamente às anteriores;
- Em termos de estrutura obedecem, como convém, ao programa que construímos e realizámos. Com alguma dificuldade conseguimos reunir a totalidade dos textos das comunicações efectuadas e, de uma forma geral, ao verificar o índice, parece-me termos conseguido construir um registo fidedigno daquilo que aqui aconteceu;
- Uma nota para as normas de edição e para a estrutura dos próprios textos que pretendemos implementar daqui para a frente... nestas actas já poderão encontrar algumas dessas normas;
- Mudámos de gráfica e, genericamente, sem desfazer das edições anteriores, as melhorias são notórias;
- Para além das comunicações poderão ainda encontrar a exposição fotográfica de Paulo Patoleia e a reportagem fotográfica de José António Silva;
- Importa agora divulgar e vender para, pelo menos, tentarmos conseguir pagar a despesa da sua produção.

Muito obrigado.

(Balsamão, 1 de Outubro de 2021, pelas 19 horas)

01 outubro 2021

ao espelho


Acabou de me chegar às mãos este livro, com as actas das XXIII Jornadas Culturais de Balsamão, nas quais também participei com uma comunicação sobre o "Convento da Mofreita" e enquanto co-coordenador da edição. Com o título A Casa de Recolhimento das Oblatas do Menino Jesus da Mofreita, apresento esse convento que está abandonado desde as primeiras décadas do século XX e em ruínas, não havendo dúvida que todo este património desaparecerá em breve.