12 novembro 2018

mediascape: porque não?

A história noticiada há dias é simples de contar. Um holandês de 69 anos sente-se discriminado pela idade que tem, vai daí inicia batalha jurídica para que o tribunal, logo o Estado, lhe retire vinte anos à sua idade. Diz ele que se podemos mudar de nome e até de género, porque não mudar a idade. Aqui está mais um exemplo da estupidez humana, ou então, aqui está um exemplo de como um indivíduo ridiculariza a sociedade, brincando com as suas instituições. Confesso que, tendo que escolher, preferiria a segunda opção e que isto não fosse mais do que o reflexo do tédio acumulado deste, pelos vistos, ilustre cidadão holandês.
Vivemos, de facto, tempos magníficos que, com toda a minha certeza, irão um dia ser estudados e, depois, ajuizados como tempos de completa alienação social, de estupidificação crónica e sistémica.
Este caso relembra-me aqueles, normalmente figuras publicadas, que, tendo chegado já a uma determinada idade, teimam em afirmar-se eternamente jovens, ("de espírito" ou "de mentalidade" dizem eles), apesar da carcaça já meia apodrecida. Está bem, está. Não entendo a resistência ao envelhecimento. Percebo que custe ter consciência de que o fim se aproxima e de que a imagem devolvida pelo espelho não reflicta a ideia que temos de nós mesmos, mas é assim para todos e de nada serve a negação, a não ser para diferentes e variados graus de ridicularização.

09 novembro 2018

concordo, mas...


Eu também considero que os maus tratos a animais não é uma questão de gosto, mas sim um indicador civilizacional que nos localiza enquanto sociedade. Como tal, também me custa saber que há em Portugal uma "tradição" tauromática que ainda congrega muitos(as) portugueses(as), que consideram aceitável - para alguns, defensável até - o ritual de morte lenta dos toiros em arenas para gáudio das "multidões".
Percebo também as reacções, mais ou menos, efusivas e espalhafatosas do lobby pró-toiradas, que conscientes do seu extermínio, vão vociferando contra tudo e contra todos, não se apercebendo que são uma espécie em vias de extinção e que o tempo não lhes é favorável. Veja-se o triste papel a que Manuel Alegre se sujeitou ao escrever aquela carta aberta a António Costa, implorando ao primeiro-ministro que não se deixe influenciar por minorias da sociedade que são contra a caça e as touradas. Mais triste ainda é ele, tão formado e informado, não se aperceber que "minoria" é já quem "caça" e quem "toureia".
Com isto também quero dizer que, apesar da opinião contrária que tenho sobre as duas matérias (caça e tourada), não me parece producente extinguir por decreto tais actividades. Legislar, educar novas gerações para a sua restrição, parece-me muito mais aconselhável e, tal como já está dito, o tempo encarregar-se-á de extinguir tais práticas, pelo menos, nos formatos e espaços em que ainda hoje acontecem.
Mas sim, concordo com a Ministra da Cultura.

01 novembro 2018

a decadência

A História também tem qualquer coisa de imponderável. As grandes civilizações perfeitas caíram sozinhas. O Ocidente, provavelmente, também cairá. Até pelo excesso. Comparo muito o nosso tempo a um momento de decadência. Atingimos o cume do que era possível atingir, do bem-estar social, das liberdades, dos direitos, da defesa da saúde. Chegámos provavelmente o mais perto da perfeição que era possível. Mas tornámo-nos numa sociedade de abundância, do desperdício, da falta de cuidado. A partir daí, só se pode descer.
(...)
Estamos a descer, como os romanos desceram. A vomitar para comer mais. As pessoas comem, comem e depois vão para os ginásios correr em máquinas, quando podiam andar no chão. Falta capacidade de inovação, o que é visível até nas pulsões retro da moda, em coisas que me parecem obscenas, como vestir calças esfarrapadas. A abundância estraga o indivíduo, hipervaloriza-o e desequilibra-o. É um desarranjo da forma de viver, o que é muito perigoso. Vivemos num tempo de muitos perigos e ameaças.
(Hélia Correia, in Jornal de Letras)