31 janeiro 2016

do escano e da soalheira (1)

Um certo dia, na operação diária de mungir as cabras, o Bouça diz para uma vizinha que também estava ocupada na mesma tarefa:
– Óh Senhora Antoninha, eu sou tão fino, tão fino, que se soubesse ler, até fazia contas sem cabeça! 
(Março, 2007)

nove anos, aqui e disto...

Começa a ser hábito esquecer-me de assinalar a efeméride. No passado dia 24 de Janeiro, este meu espaço completou nove anos de existência. São já muitos anos e muito tempo de dedicação, são já muitos textos e muitas pantominas, muitos momentos e muitos equívocos.
Sem poder fazer futurologia, manifesto desde já a intenção de o manter e de assinalar convenientemente o décimo aniversário em 2017. Sem poder e sem querer adiantar o que seja, alguma coisa há-de surgir. A ver vamos como decorre este próximo ano.

depois da tempestade


Deixei passar o sobressalto da morte do artista e consequente ávida procura da sua discografia, para agora, com calma e paciência, ouvir o seu derradeiro trabalho - black star. A primeira e segunda audição foram difíceis, pois o som é estranho aos ambientes de Bowie, mas à medida que se vai ouvindo começamos a perceber e a entranhar a música, chegando ao ponto de, afinal, reconhecermos muitos pormenores dos seus tão característicos ambientes. Bowie no seu melhor, ele que foi sempre bom. Vou continuar a ouvi-lo nos próximos dias.

29 janeiro 2016

a greve sem razão válida

Estamos a viver um dia de greve da função pública promovida pelos sindicatos associados à CGTP, cuja motivação é o regresso às 35 horas de horário semanal, mas na verdade esse é, quanto a mim, um dos males menores de toda a malfeitoria do governo PaF contra os trabalhadores do sector público. Tantas foram as medidas, os cortes e as taxas implementadas durante os últimos quatro anos, que me parece ridículo promoverem esta greve para exigirem o regresso imediato ao referido horário semanal (é preciso referir que o actual governo garantiu esse regresso para o mês de Julho...). Por outro lado, num momento político como o actual, parece-me muito perigoso promover esta greve, pois o governo socialista, apoiado também pelo PCP, está empenhado na apresentação do orçamento de estado de 2016 e tem à perna os condicionalismos burocráticos de Bruxelas e arredores, que a todo o custo querem combater as políticas já promovidas de inversão daquilo que foi realizado nos últimos anos. No fundo, este momento não é mais do que uma prova de vida para o partido comunista que, depois dos miseráveis resultados nas urnas, precisa de uma manifestação pública do seu poder. Estava nas mãos do PCP o cancelamento desta greve, não o fez, preferiu mantê-la, irá pagar o preço dela.

28 janeiro 2016

vergonha civilizacional

Outra notícia destes dias que nos envergonha a todos, pelo menos àqueles que partilham os valores da civilização ocidental, é a lei aprovada pelo parlamento dinamarquês que permite o confisco dos bens monetários e de valor dos refugiados que chegam às suas fronteiras. Uma vergonha para quem ainda tem na sua memória colectiva aquilo que os alemães, ali bem perto, fizeram com os judeus e com outras minorias. Esta crise dos refugiados apresenta-se como um problema que a Europa não está a conseguir resolver e razão terá António Guterres, ex-comissário para os refugiados, quando afirma que a não resolução desta crise poderá ser o fim da Europa, tal qual a conhecemos nas últimas décadas. Ainda assim, não deixa de ser vergonhoso, ver cada estado a tentar salvar o seu quintal, sem se preocupar com o dos vizinhos. Assim vai a Europa.

mediascape: cobarde submissão


A notícia já é de ontem ou mesmo do dia anterior, mas é digna de registo pelas piores razões. O estado italiano resolveu cobrir as estátuas de nus nos locais que seriam visitados pelo presidente iraniano. Inadmissível. Das duas, uma: ou se trata de uma submissão cultural, ou o estado italiano tem vergonha da sua história milenar. Inadmissível. Itália não tem que se preocupar com o embaraço de terceiros perante as manifestações culturais que fazem parte da sua história. Era o que mais faltava, até porque em situações análogas, o Irão ou qualquer outro estado dessa região não altera os seus hábitos e costumes, só porque um qualquer ocidental os visita, ainda que um chefe de estado. É uma vergonha para Itália e uma ofensa para a sua história este tipo de comportamento.

a quem interessar...

Eu vou lá estar.

25 janeiro 2016

I'm on my way

"não somos capazes de mudar"


Foi esta a confissão final de Jerónimo de Sousa, ontem, no rescaldo do péssimo e humilhante resultado que o candidato comunista, Edgar Silva, obteve. Mas o pior da sua intervenção, que acabou por se transformar na pior intervenção da noite, foi quando, paternalista, se referiu à candidata do Bloco de Esquerda, nos seguintes termos:
"Podíamos arranjar uma candidata mais engraçadinha e com um discurso ajeitadamente populista..."
Inadmissível este tratamento sexista e paternalista, principalmente vindo de um partido de esquerda e que se gaba de ser um defensor dos direitos das mulheres e da igualdade de género. Também não se percebe a indiferença da comunicação social perante tal afirmação. Fosse outro dirigente partidário a falar assim e seria um pé de vento. Não pode ser. Seria bom para todos que a atávica ortodoxia comunista pudesse mudar...

23 janeiro 2016

o neo pós-colonialismo lá da terrinha*

Eu até acho que já falei deste assunto aqui, mas como não me apetece ir à procura desse texto, nem sei quando foi que o escrevi, aqui vai:
Aqui há dias levaram-me a um restaurante cuja especialidade é o rodízio brasileiro, lá para os lados de S. João da Madeira. Era fim-de-semana e até música ao vivo tinha. O ambiente quente contrastava com o frio que se fazia sentir na rua e foi com algum prazer que nos pudemos aliviar dos trapos de Inverno.
Não recordo a última vez que entrei num restaurante destes, pois por iniciativa própria nunca os frequento. Eu sou daqueles que gosto de pagar para comer bem, que gosta de viajar para comer. Mas dos rodízios não, não gosto deles e vou explicar porquê.
Gosto de comer aquilo que me apetece, quando me apetece, mas nestes restaurantes são os empregados que determinam o que eu como e quando como. Não pode ser;
Gosto muito de algumas das carnes que estão incluídas no rodízio, mas detesto que me estejam, durante várias dezenas de minutos, a impingir legumes, frutas e mandioquices, como quem nos tenta encher o estômago, antes de trazerem as carnes que importam;
Não gosto de pagar tanto por tão pouco;
Mas acima de tudo, não gosto da filosofia que estrutura estes negócios, pois para além de não serem honestos, querem fazer-nos de parvos e idiotas, numa atitude sobranceira de chicos-espertos. Aliás, se repararmos, o desenvolvimento da própria refeição é, em si, uma manifestação dessa sobranceria cultural;
Incluo este negócio, vindo originalmente do Brasil, naquilo que são os discursos e as práticas pós-coloniais, que normalmente se traduzem numa inversão da supremacia cultural, económica e até social das comunidades anteriormente colonizadas. Actualmente, estaremos já numa fase posterior a essa inversão cultural e, numa lógica globalizadora, o equilíbrio cultural ter-se-á imposto com naturalidade, salvaguardando as identidades e suas diferenças. Estaremos assim numa fase de neo pós-colonialismo, onde cada comunidade exporta e importa aquilo que entende e gosta.


* aproveito a designação dada por um jornal brasileiro ao referir-se à super-modelo portuguesa Sara Sampaio, como sendo lá da "terrinha", ou seja, lá de Portugal. Ora aqui está mais um exemplo daquilo a que chamo de discurso neo pós-colonialista.

22 janeiro 2016

depois de tudo, depois dos nadas...

presidenciais 2016


Aproveitando o último dia da campanha eleitoral para a presidência da República, mesmo numa perspectiva de relativo afastamento ao processo, apesar de comprometido, não posso deixar de manifestar a minha opinião, em jeito de balanço, sobre aquilo que fui percebendo ao longo desta campanha eleitoral.
Tal como referi anteriormente nada tenho contra as iniciativas individuais de qualquer cidadão se candidatar à presidência da República, considero até que, em teoria, quantos mais candidatos houver, melhor será o debate e mais enriquecida sairá a nossa democracia republicana. Infelizmente não foi nada disso que aconteceu nesta campanha. Muito pelo contrário, não só o debate foi paupérrimo, como o nível dos candidatos mediu-se, regra geral, pela mediocridade, transformando um acto da maior importância para a nossa vida colectiva, em algo desprestigiante e caricaturável. Se não, vejamos:
a) ao nível do ridículo e da vergonha alheia:
Vitorino Silva ("Tino") - o seu ego do tamanho do mundo e a sua sede por notoriedade e reconhecimento, não lhe permitem conhecer o seu Complexo de Peter, ou seja, não lhe permite reconhecer as fortes limitações e como é baixo o seu tecto de competências. Pertencerá sempre ao burlesco nacional, conseguindo satisfazer o seu propósito de notoriedade ao aparecer nas TV's e nas revistas da especialidade. Qualquer coisa sirva para evitar o seu posto de trabalho e, com certeza, irá regressar, mais tarde ou mais cedo, num outro papel, num outro formato;
Jorge Sequeira - não se percebendo minimamente qual o seu propósito, este arauto da parafernália motivacional e das auto-ajudas metafísicas, nunca foi além das trocas e baldrocas semânticas, parecendo que o seu propósito era ter os seus 5, 10 ou mesmo 15 minutos de alguma notoriedade. O triste, nem isso conseguiu;
b) ao nível do populismo e da falta de vergonha:
Cândido Ferreira - o que terá motivado este senhor a candidatar-se a Presidente da República? É que projecto, ideias e políticas não apresentou nenhuma. Limitou-se a barafustar, reclamar e a dizer mal de toda a gente. Pelos vistos tem dinheiro, deve-lhe é faltar reconhecimento e prestígio, por isso, mal, veio aqui à procura dele;
Paulo Morais - na minha opinião, o mais triste dos candidatos, porque sempre tentando dar de si uma imagem de pessoa séria e rigorosa, nunca conseguiu transmitir uma ideia, um pensamento para o país, enredando-se exclusivamente na ladainha da corrupção, sem nunca apresentar um facto ou um nome concreto, acabou por se enquadrar ao nível dos ridículos desta campanha;
c) ao nível da intriga político-partidária:
Maria de Belém - como ficou bem explícito no caso das subvenções vitalícias, esta candidata sob a manta da seriedade e da experiência política, apresentou-se aos portugueses ao serviço da facção segurista e numa lógica de contra-poder interno no PS. Muitos dos que a apoiaram pertencem aos escorraçados da direcção socialista, protagonizada por António Costa. Demonstrou que não trazia uma única ideia para a campanha, que não tem qualquer carisma, nem capacidade agregadora. Prestou-se a uma figura muito triste e humilhante;
d) ao nível da fidelização do voto:
Edgar Silva - o candidato proposto e apoiado pelo PCP revelou-se uma aposta fraca e sem perfil para este papel de candidato à Presidência da República. O seu mérito político e a sua luta na região autónoma da Madeira, não foram suficientes para catalizar a sua mensagem no resto do país, para além da gente e das estruturas do PCP . Em teoria, esta fraqueza do candidato e do PCP seria uma vantagem para a candidata do BE. Veremos;
Marisa Matias - tenho para mim que tanto esta candidatura, como a de Edgar Silva só existiram porque surgiu a candidatura de Maria de Belém. Caso contrário, Sampaio da Nova seria o candidato dos vários partidas da esquerda. Para além de um ou dois equívocos e gafes, Marisa Matias fez uma boa campanha, percebeu e aproveitou-se das fragilidades de outras candidaturas, nomeadamente da de Edgar Silva e Maria de Belém. É, por mera aritmética partidária a minha candidata;
e) ao nível da disputa final:
Marcelo Rebelo de Sousa - passeou a sua "beleza" pelo país, quase sozinho, sem máquina partidária e sem espalhafato. Muito pragmático, percebeu há muito que o modelo tradicional de campanhas eleitorais em Portugal estava esgotado. Passou os dias e os momentos a beber, a comer, a brindar e a conversar com as pessoas. Foram os quinze dias da sua consagração. Campanha fê-la durante todos os anos que esteve nas televisões, sem contraditório, a educar e mentalizar os portugueses;
Sampaio da Nóvoa - desde o primeiro momento o meu candidato. De ilustre desconhecido, passou a única alternativa à candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Sem o apoio de qualquer partido (se excluirmos o moribundo LIVRE), e apesar de lhe terem sido garantidos apoios do PS, fez o percurso e chegou ao fim sem esse apoio. Bem organizada e estruturada e agregadora, esta candidatura foi crescendo e juntando cada vez mais apoios. Teria sido o meu candidato, caso Maria de Belém não tivesse aparecido. Assim, sê-lo-á na segunda volta.

Acima de tudo, importante é que todos e todas as portuguesas vão votar no próximo Domingo. Essa será sempre a melhor resposta a dar ao desencanto que se pressente na sociedade portuguesa. Até lá.

odioso e sem populismo

Mesmo consciente de todos os aproveitamentos partidários e políticos que a decisão do Tribunal Constitucional sobre as subvenções vitalícias proporcionou, considero uma cobardia aquilo que os referidos deputados fizeram. Não estará em causa a justiça ou legalidade da medida e desta decisão do TC, para mim o mais importante é o próprio procedimento, numa época em que a todos os portugueses foi exigido sacrifício e empobrecimento, estes deputados, quais casta superior, privilegiados, não quer, não aceita ser sacrificada tal como os demais portugueses. Relembro que este procedimento de fiscalização é um poder vedado ao comum dos portugueses e entregue aos seus representantes na Assembleia da República. Para mim o odioso (sem populismo ou demagogia) é esse, pois os mesmos ilustres deputados não se lembraram de pedir ao TC a fiscalização de todos os cortes de rendimentos e pensões que os portugueses sofreram nos últimos anos.
Maria de Belém foi apanhada no meio desta tempestade. Propositadamente ou não, não sei, a verdade é que acabou por ser reveladora do seu carácter e, acima de tudo, do seu pathos. As consequências na sua candidatura só podiam ser estas, e ainda bem, fez-se justiça, pois a sua razão de existir era, única e exclusivamente, o rancor intestino e a sede de vingança dos espoliados seguristas. Toda a gente percebeu isso e a candidata termina a campanha a falar sozinha.

20 janeiro 2016

baú da memória XII

A propósito da quantidade de informação e dados que vamos armazenando nos gadgets à nossa disposição, naquilo que são contactos, notas, agendas, etc., lembrei-me do meu velhinho filofax que, à época (década de noventa), era uma das ferramentas mais bem estruturadas e úteis que podíamos ter. Com o advento das novas tecnologias e consequente desmaterialização da informação, a grande maioria das pessoas abandonou o sistema analógico dos filofax's e similares e adoptou com facilidade as novas ferramentas que essa tecnologia digital possibilitava. Eu não fiz diferente e passei a usar o telemóvel, o portátil e o Ipad como agenda, como lista de contactos e como bloco de notas, sincronizando (essa maravilhosa capacidade) toda a informação entre os diferentes aparelhos que possuo, acrescentando às informações alarmes, lembretes e recados sonoros. Apesar disto, continuo a sentir a necessidade de transportar sempre comigo um pequeno bloco de notas, onde posso assentar e escrever aquilo que, a qualquer momento, necessite. Já não uso o filofax, que sei perdido algures por aqui em casa, mas mantenho o gosto de escrever as notas, contactos e compromissos em agendas de papel.
O meu filofax, que não consegui encontrar, foi comprado naquele tempo em que a marca surgiu com grande fulgor e adesão por parte dos portugueses. Era azul e dos mais simples e baratos, mas permitia-me transportar nele quase toda a minha documentação pessoal, cheques e demais documentos.
A esta distância parecerá obsoleto e calhau, mas eu gostava mesmo de o usar.


Adenda: ao reler aquilo que acima escrevi, apercebi-me que faltou referência à questão importantíssima e ainda actual da fiabilidade e perenidade das ferramentas, ou seja, dura mais tempo a informação escrita numa folha de papel, ou aquela que desmaterializamos num qualquer disco digital? É uma questão pertinente, pois o papel já deu provas de longuíssima durabilidade, o digital ainda está para provar a sua perenidade, mas pelos exemplos que conheço, a verdade é que os suportes digitais são muito falíveis...

15 janeiro 2016

mimetismo

Conversa com o meu filho, no carro, a caminho de casa:
- Pai, a mana está doente?
- Sim, está mal da barriga.
- Pai, a mim também me está a doer a barriga.
- Queres ir à casa-de-banho?
- Não. Estou com o período...

11 janeiro 2016

David Bowie (RIP)

Acordei com a triste notícia da sua morte. O genial e versátil Bowie não resistiu a um cancro aos 69 anos. Morte precoce. Lamento muito. Desde muito novo comecei a ouvir a sua música, a sua voz inconfundível e, desde então, passou a fazer parte da minha shortlist de música para todos e qualquer momento e que, sei, vai-me acompanhar até ao fim. Neste momento triste e de reflexão sobre a sua obra, não consigo eleger uma música ou um álbum para o elogiar, pois são tantos os momentos de pura genialidade musical. Estou desde o início da manhã a ouvir a sua música e vou passar o dia a ouvi-la. Aliás, essa será a melhor forma de o celebrar, de o recordar. Dia triste para todos nós.

09 janeiro 2016

globalization and stupidification

Abriu recentemente a primeira loja na região do Porto, no El Corte Ingles de Vila Nova de Gaia, a marca americana Starbucks, que pelos vistos é a loucura para os mais jovens. Tal como seria de esperar, a jovem que temos cá em casa não se calou enquanto não foi experimentar as famosas bebidas quentes, servidas em copos plásticos ou de papel.
Foi hoje o dia em que em família lá fomos conhecer e experimentar os exóticos e fabulosos líquidos. Para além de um espaço exíguo e com poucos lugares sentados, um serviço impessoal e confuso, a pastelaria, apesar de muito colorida e apelativa, mais parecia plástica. As bebidas, tal como eu suspeitava e, agora, pude confirmar, não valem nada. O café é uma água tingida, mais parecido com uma cevada manhosa escaldante e servido num copo enorme e as restantes bebidas eram igualmente fracas e com nomes esquisitos que eu não recordo. Para além de tudo isto, foi uma visita interessante, pois as elevadas expectativas que a jovem levava, transformaram-se rapidamente em relativa desilusão.
Impressionante como qualquer porcaria que venha com o carimbo EUA e cujo prestígio assente na indústria televisiva e/ou cinematográfica, é facilmente exportável, e depois recebido e adoptado pelo resto do mundo, sem resistências ou estranhamento, num processo de globalização e de autêntica alienação, eu diria de estupidificação!


05 janeiro 2016

"Portugal é um pais de escritores ricos"

Não tenho por hábito transcrever para aqui textos escritos e publicados por outras pessoas, mas de tão interessante e tão verdadeira a opinião da autora, achei por bem transcrevê-lo na íntegra. Os negritos são meus, dando destaque às ideias, para mim, centrais neste contexto.

Portugal é um país de escritores ricos
por Alexandra Lucas Coelho, in Público (3/1/16)

1. Há quase 20 anos um poema de Nuno Moura dizia Portugal é um país de poetas ricos. Hoje podemos dizer mais, Portugal é um país de escritores ricos. Ao contrário dos alemães, que não têm onde cair mortos e são pagos sempre que vão fazer uma leitura para poderem continuar a escrever, ou dos pelintras dos ingleses, que em 2015 bateram o recorde de candidaturas a subsídios de escrita, os portugueses são tão ricos que não precisam de dinheiro para pesquisar um livro, nem para viver enquanto o escrevem. Entretanto, dão o seu tempo a câmaras, bibliotecas, festivais, centros e demais instituições cada vez mais envolvidas na promoção da literatura. Em suma, se os escritores portugueses já não precisavam de dinheiro, em 2016 também já não precisam de tempo. Superaram a fase da criação, estão em pleno criacionismo: o livro é um PDF de Deus, vem já revisto e tudo.
2. Eis a ficção que tende a enredar estes abastados imortais que cada vez mais não escrevem a futura literatura portuguesa. Há dois motivos para falar deles agora: primeiro, Portugal voltou a ter Ministério da Cultura, e se o actual Governo fez disso bandeira há que cobrá-la na prática, ver como lidará com a falta de meios e equipas exauridas; segundo, nunca em Portugal tantas câmaras, bibliotecas e instituições com orçamentos se envolveram tanto na promoção da literatura. O Ministério da Cultura pode, por exemplo, retomar de alguma forma as bolsas de criação literária. Câmaras, bibliotecas e instituições com orçamento podem apoiar a criação. E esses apoios devem coexistir com meios novos na Internet, porque não asseguram o mesmo, como explicarei adiante.
3. Começando pelas bolsas. Entre 1997 e 2002, o Ministério da Cultura atribuiu 12 bolsas anuais (poesia, narrativa, banda desenhada, dramaturgia) de 250 contos por mês (o equivalente hoje a 1250 euros, quando os preços eram bem mais baixos). Os júris variavam com os anos, e entre os contemplados contaram-se Al Berto, Armando Silva Carvalho, Maria Velho da Costa, Mário de Carvalho, Luísa Costa Gomes ou Almeida Faria; então desconhecidos como Gonçalo M. Tavares e Dulce Maria Cardoso; ou ainda Pedro Rosa Mendes, Mafalda Ivo Cruz, José Luís Peixoto, Paulo José Miranda, Adília Lopes, Nuno Moura, Rita Taborda Duarte, Carlos Luís Bessa, Filipe Abranches, José Carlos Fernandes, Inês Pedrosa. Quando as bolsas foram suspensas, era já possível contar uma grande maioria de projectos publicados nos três primeiros anos. Para dar ideia da diversidade de opiniões na altura, Inês Pedrosa propôs separar o concurso de estreantes e já publicados, Francisco José Viegas era contra bolsas para primeiras obras, Maria Velho da Costa privilegiava primeiras obras, e Vasco Graça Moura opunha-se a qualquer apoio estatal directo. Chegou a ser feito um novo regulamento em que primeiras obras não podiam concorrer e os escritores tinham de cumprir o prazo, senão devolviam o dinheiro, mas não avançou. De resto, o investimento do Ministério da Cultura na literatura foi diminuindo, mantendo-se só o apoio a alguns prémios e à tradução, com as ajudas à internacionalização a assentarem no Instituto Camões (Ministério dos Negócios Estrangeiros).
4. Entretanto, câmaras, bibliotecas e demais instituições multiplicaram iniciativas em que convidam escritores. Por vezes são festivais, por vezes programas ou séries, funcionários, moderadores, entrevistadores ou outros artistas recebem, mas não quem escreve. Presume-se sempre que o escritor está a divulgar os livros e a ganhar pela venda, mesmo quando lhe pedem que fale sobre outro tema, mesmo quando aparece meia dúzia de pessoas e ele não vende nada (e, quando vende, ganha dez por cento). O escritor é, assim, o pretexto de iniciativas que alimentam programações com assalariados e colaboradores, sendo ele o único a deslocar-se para dar o seu tempo e pensamento, quando não textos. Tudo a bem da literatura, mas certamente para mal da literatura que entretanto não está a ser escrita, e dizer isto não menospreza o contacto com os leitores. Para quem o faz com prazer ou por convicção, esse contacto é tão parte do trabalho como dar entrevistas, muitas vezes até um encorajamento ou reajuste. Mas não só o escritor tem o direito, por natureza ou convicção, de apenas escrever, como o prazer e convicção de quem divulga o que escreve não devem ser explorados até ao absurdo de inviabilizar a escrita. Todas estas iniciativas, sempre apertadas de orçamento, têm de buscar alternativas para remunerar o escritor. E as instituições que as programam poderiam pensar em residências, workshops, comunidades de leitores, subsídios, tudo ajudas à criação, através de trabalho pago, de tempo e espaço, ou simplesmente de dinheiro. Uma ressalva: festivais remunerados podem beneficiar leitores e indirectamente a criação, mas os escritores não são malabaristas do sinal vermelho. O escritor escreve; os convites para falar devem partir do seu trabalho; e só ele pode decidir falar de replicantes ou do exílio de Cavaco Silva.
5. Escrever um livro leva meses, anos. Há quem tenha, de facto, livros na cabeça mas entre sustentar casa, filhos e trabalhar no que paga tudo isso, acabe por nunca os escrever (sobretudo mulheres, não tenho espaço agora, mas é todo um tema). E mesmo que roube um par de horas à madrugada não fará esses livros se eles precisarem de pesquisas longas, bibliografia, viagens. Escrever um romance pode custar milhares de euros, e a esmagadora maioria dos escritores portugueses não tem adiantamentos (não sou adepta, mas há quem os ache úteis). Isso também determina a amplitude de livros que uma literatura tem, ou não. No cinema, há apoios para a escrita de argumento, na academia há bolsas para teses, mas em Portugal não há um único fundo regular, sem limite de idade ou âmbito, para escrita de poesia, romance, não-ficção literária, dramaturgia, banda desenhada.
6. Hoje existem meios como a Unbound ou a Kickstarter, plataformas de crowdfunding para criação ou edições que os leitores viabilizam. Um crowdfunding viabilizou o trabalho fotográfico do Condor, de João Pina, em vários países da América Latina (não a edição). Estes e outros meios permitirão não apenas livros clássicos como formas novas. Mas nada disto, acredito, exclui a necessidade de apoios institucionais à criação. No Reino Unido, onde as plataformas online são vibrantes (pagando livros e revistas como The White Review, que por sua vez dá trabalho a escritores e organiza encontros), a Sociedade de Autores gasta por ano 100 mil libras em fundos para escrita, mais bolsas de 2000 libras para sócios, e no ano passado bateu o seu recorde de pedidos, incluindo escritores estabelecidos. Ou seja, sim, há cada vez mais meios para viabilizar livros, mas os autores, mesmo com obra, ganham cada vez menos. Para além disso, o apelo junto dos leitores, à partida, não pode ser critério único para um livro existir. É bom que leitores viabilizem livros, mas também será bom que livros que não sabiam o que iam ser, que não eram sequer “projectos”, muito menos “apelativos”, possam existir, porque houve tempo para o escritor chegar a eles, e isso, sim, será a riqueza de uma cultura. O que quem está no Governo, nas câmaras e por aí fora tem de pensar, creio, é se quer ter ainda algum papel nisso, o fortalecimento de um país pela criação.

(copiado daqui...)

03 janeiro 2016

a quem interessar...

mediascape: candidatos presidenciais em debate

Apesar de nada ter contra o facto de haver muitos candidatos à Presidência da República, aceito as reservas de alguns comentadores quanto ao facto de ser muito difícil reunir sete mil e quinhentas assinaturas válidas para legalizar uma candidatura destas. De facto, mesmo para os aparelhos partidários não é tarefa fácil, quanto mais para um simples cidadão. Terá o Tribunal Constitucional verificado correctamente todos os processos concorrentes antes de os validar? É a questão que persiste.
Por outro lado, aquilo que assistimos ontem é por demais deprimente. Nada contra debates entre candidatos, mas assim não. Ninguém vai ver, ninguém tem paciência para isso. A consequência será óbvia, abstenção. Houve mesmo um candidato à Presidência da República que no seu primeiro debate, quando lhe deram a palavra, teve que ler um papel para dizer que não concorda com o formato dos mesmos e com a diferenciação dada pela comunicação social aos diferentes candidatos e que, por isso, se iria retirar do debate. Coitado, pensou que estaria a chamar para si todos os holofotes, mas não, apenas teve direito aos seus escassos minutos de fama e regressou à sua insignificância.
Assim, estamos a contribuir para o descrédito das instituições nacionais, do sistema e da própria república. Deveria haver mais cuidado com a selecção dos candidatos e depois sim, dar-lhes iguais condições e oportunidades.

novo ano, jornal novo

Com o regresso à Invicta, depois de uns dias no remanso da aldeia, dou com um novo jornal Público, pelo menos ao Domingo e pelo que já pude ler e ver, esta mudança não é muito feliz. Passo a justificar. Sou seu leitor desde os primeiros tempos de vida do jornal, algures no início da década de noventa do século passado. Época coincidente com as minhas primeiras preocupações com a realidade e actualidade, que me levavam a comprar, ainda que por motivações distintas, o Público e o Independente. Durante todos estes anos, o jornal evoluiu, actualizou a sua linha gráfica, os seus colaboradores, o seu projecto editorial, a sua imagem e eu, umas vezes mais, outras vezes menos agradado, mantive-me fiel e quase diariamente seu leitor. Agradou-me em particular, a não adopção do novo acordo ortográfico. Até mesmo quando surgiram as novas plataformas de leitura e formatos de jornal, mantive-me leitor do Público. Contudo, nos últimos meses tenho vindo a notar e a sentir uma tendência editorial que não me agrada mesmo nada. A escolha declarada pelo apoio à PaF, a desqualificação das oposições e a falta crescente de contraditório, somadas às edições que, por vezes, são autênticos vazios, autênticos nadas de informação e, agora, esta nova roupagem ao Domingo, levam-me a por em questão a sua manutenção como "o meu jornal diário". Em Editorial, é-nos dito que "foi pensado como uma edição para ler sem pressa, centrada na escolha de temas importantes da actualidade e no seu aprofundamento. (...) Deixamos hoje de publicar a Revista 2. não é sem mágoa que o fazemos, mas o jornalismo pensado para ler devagar passa a dominar agora todo o jornal."
Pois bem, façamos a recensão desses temas importantes da actualidade
a) Capa com grande destaque para a fotografia do candidato Marcelo Rebelo de Sousa;
b) Sete páginas dedicadas a uma entrevista a Marcelo Rebelo de Sousa (2 a 8);
c) Seguidas de duas páginas em que se questiona as duas candidaturas femininas, só por serem mulheres e por putativas alterações do paradigma?!? (10 e 11);
d) Uma peça de duas páginas sobre as utopias e seus lugares comuns, apresentadas graficamente como se houvesse alguma novidade ou nova perspectiva para o futuro (12 e 13);
e) Depois, quatro páginas de guerra, Daesh, Hollande e afins (14 a 19);
f) Notícias do mundo, duas: Maduro na Venezuela e Execuções na Arábia Saudita;
g) Reportagens sobre sobrevivência de negócios do tempo de antanho e sobre ser africano em Cabo Verde (?!?) (24 a 28 e 32 a 39);
h) Peça sobre os primórdios da fotografia, com destaque para Julia Margaret Cameron e outras pioneiras da fotografia (40 a 42);
i) Caderno de desporto com seis páginas (futebol nacional e europeu e Paris Dakar (53 a 58);
j) Apresentada como novidade desta nova edição, a secção Curtas contempla sete "notícias" 

Gostei da peça sobre a loja de cidadão que vai de aldeia em aldeia (44 e 45) e do artigo da Alexandra Lucas Coelho (43). Sobreviveram (ainda bem) alguns comentadores e algumas rubricas: Miguel Esteves Cardoso, Jorge Almeida Fernandes, Alexandra Lucas Coelho, Vasco Pulido Valente, Frei Bento Domingos e Teresa de Sousa mantém o seu espaço;
A verdade é que também não tenho grandes e boas alternativas, pois toda a imprensa diária está pautada pela fraca qualidade. Talvez o Diário de Notícias seja aquele que se apresenta como a melhor entre as más opções possíveis. Estou disponível, ainda assim, para dar mais dois ou três Domingos de tolerância ao Público. Veremos.

estado da saúde

Não é que fosse uma novidade para mim, ou para todos nós portugueses, mas quando nos acontece a nós ou a alguém próximo ou familiar, sentimos a questão com outro vigor. Também é só um caso, mais um caso entre tantos outros, que se repetem aqui e ali, em toda a parte, mas que não deveriam acontecer. Eis o caso:
Noite de passagem de ano numa aldeia de Trás-os-Montes, senhora de 86 anos, levanta-se da cama para urinar, escorrega e cai desamparada sobre uma perna. Com fortes dores, levanta-se e arrasta-se para a cama, onde fica sem dizer nada aos familiares até de manhã. A filha quando se apercebe leva-a imediatamente, e em carro próprio, à urgência do hospital distrital de Bragança, onde chegam por volta das 11 horas do dia 1 de Janeiro. Depois da triagem é vista por uma médica de clínica geral que pede um raio X à perna da senhora. Depois do raio X, mandam-na para a sala de espera da urgência onde, sentada numa cadeira de rodas, espera até às 16 horas pelo resultado dessa radiografia. Volta à presença da médica que lhe diz que não há qualquer lesão grave ou fractura, receita-lhe alguns analgésicos para as dores e manda-a para casa. Mesmo tomando esses comprimidos a noite seguinte foi passada entre gemidos e mal-estar, não estando bem em qualquer posição. Na manhã seguinte e porque as dores aumentavam cada vez mais, a filha resolve regressar ao hospital com a mãe. Nova consulta, novo médico, nova visualização da radiografia, novo exame (TAC) e o diagnóstico: fractura total do osso, internamento e nova espera pelo especialista que a irá operar, pois nos feriados e fins-de-semana não está no hospital.
Este é o estado em que está a saúde pública em Portugal. A racionalidade e a excelência do anterior ministro da saúde deu nisto, ou seja, na desqualificação, no esvaziamento dos serviços, no encerramento de valências nos hospitais. A vergonha de ter o poder de deixar morrer doentes e utentes dentro dos próprios hospitais por falta de assistência. É por todos estes casos e exemplos que acredito cada vez mais que o SNS é um dos elementos centrais e prioritários para as políticas públicas nacionais. Esperemos que com os novos protagonistas no sector e, principalmente, com as novas políticas, o Serviço Nacional de Saúde reganhe qualidade, proximidade e esteja ao serviço efectivo e eficaz de todos os portugueses.

na volta do correio

No final do mês de Abril enviei ao Papa Francisco um exemplar do livro que escrevi sobre a vida de D. Manuel António Pires, acompanhado de uma pequena carta onde manifestei alguns sentimentos relativos ao processo de investigação que desenvolvi nesse projecto. Agora, passados cerca de oito meses, recebi uma cordial missiva em resposta a essa carta e oferta. Esta carta chegou-me no dia 22 de Dezembro de 2015, via Nunciatura Apostólica de Lisboa, vem assinada por um assessor da Secretaria de Estado do Vaticano e trazia apensa uma fotografia do Papa Francisco. Chamou-me a atenção o meu pai para a benção apostólica que a carta contém. Fica o registo.