31 dezembro 2020

passagem de ano

Desde que me lembro, quer dizer, desde que sou gente e tenho memória, a passagem de ano foi sempre em comemoração familiar ou de amizade. Nos últimos vinte anos, pelo menos, esta noite foi quase sempre passada em Bragança e em família, e será preciso recuar até ao século XX para assinalar noites de réveillon em fulia ou festa. Em todo o caso, convém declarar que sempre preferi ambientes mais recatados, mais intimistas e mais aconchegados, para me despedir do ano velho e receber o novo. Desta vez, hoje, e por imposição (que não só aceito, como subscrevo) tudo será diferente: não haverá convívio com amigos ou família alargada, não haverá grandes cozinhados, nem doçarias; seremos só três, das quatro pessoas do agregado e o menu dita que a festa será simples, mas apetitosa e bem bebida. Venha 2021 que 2020 não deixará saudades.

figura do ano


Quando estamos a poucas horas do fim deste miserável ano, é de inteira justiça destacar como figura do ano o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), não só pela sua qualidade, como também por ter a capacidade e resiliência no combate à pandemia. Foi a figura central no combate à COVID-19. Desde a sua criação nunca tinha sido confrontado com tamanho desafio e os resultados só não são melhores, porque durante os últimos anos (décadas) os diferentes governos deste país, preferiram investir o dinheiro público na lógica das parcerias público-privadas na saúde, do que no reforço do SNS, naquilo que são os recursos humanos, os meios, as infra-estruturas e os equipamentos necessários para uma melhor e maior capacidade de resposta aos problemas de saúde dos portugueses. Esperemos que esta experiência possa ser motivo para uma nova atitude daqueles que mandam para com a Saúde Pública em Portugal. Nada contra os privados, mas se são privados devem actuar e sujeitar-se às regras de mercado. Acredito, quero e desejo, (n)um SNS cada vez mais eficiente, mais próximo e com maior capacidade para nos tratar e cuidar de todos nós. Viva o SNS!

ano revolucionário e inesquecível

Termina hoje 2020, o ano horribilis para a grande maioria de nós. Foi de facto um ano difícil, mas ao perspectivá-lo considero que, acima de tudo, foi um ano, física e psicologicamente, exigente. Ao mesmo tempo, e se o analisarmos com alguma isenção das nossas experiências pessoais e particulares, vamos percebê-lo como um ano revolucionário. Passo a explicar: vimos as nossas vidas, sociais, profissionais, pessoais e até íntimas, alteradas, como que num sobressalto sem aviso prévio, não por motivações políticas ou militares, mas por força da natureza humana e suas fraquezas ou debilidades. Este vírus atacou-nos precisamente no aspecto que mais caracteriza a nossa espécie, a sociabilização, e nós tivemos que nos habituar, sob o poder dessa força invisível, a abandonar ou, no mínimo, a limitar as nossas interacções, os nossos contactos físicos e de proximidade. Isto, apesar de aparentemente banal, foi significativo e ainda será cedo para percebermos o seu impacto nas nossas vidas e no futuro da nossa espécie. Esperemos para perceber que alterações paradigmáticas iremos testemunhar. 2020 será um ano inesquecível na biografia de cada um de nós (mesmo na daqueles que faleceram por causa deste vírus). Será também um ano riquíssimo para a futura produção literária, para a investigação científica - uma palavra de especial reconhecimento para a Ciência, que teve em 2020 um dos seus momentos de maior relevância e valorização - e para a análise social que se vai realizar. Durante as próximas décadas serão inúmeros os estudos, os prémios e os reconhecimentos pelo trabalho realizado durante esta pandemia. Pessoalmente, ainda que haja anos que recorde com maior ou menor intensidade, não tenho dúvida que 2020 será o ano, ou melhor (pois não sei o que me espera), será um dos anos da minha vida e que marcará indelevelmente a minha existência.

27 dezembro 2020

dia D

Hoje é o dia D da vacinação para a Covid-19 em Portugal. Um dia assinalável e, esperamos, memorável. Irá ser um processo lento e moroso, mas importa salientar o esforço e a dedicação de todos quantos estiveram nesta luta desigual desde o início. Está o mundo eufórico com este novo momento que marca o princípio do fim desta terrível pandemia e assinala igualmente um feito jamais alcançado de produção de uma vacina em tão curto espaço de tempo. É de facto incrível o que a Ciência pode fazer pelo Ser Humano. É em momentos como este, de afirmação, que deveríamos todos reflectir sobre a importância da Ciência na qualidade de vida que usufruímos e aproveitarmos para contribuir para derrubar todos os mitos, preconceitos e equívocos que teimam a sobreviver em muitas cabeças (pouco) pensantes. É uma vitória da Razão sobre a ignorância e sobre o dogma. Viva a Ciência.


Nesta fotografia, Marta Temido, a Ministra da Saúde, apresenta publicamente a vacina da Pfeizer que ontem chegaram, pela primeira vez, a Portugal. Um momento histórico e se há pessoa que merecerá todo o reconhecimento e gratidão pelo que fez ao longo de todo este tempo é ela. Muito bem.

22 dezembro 2020

o diário

O diário é a memória quase imediata do quotidiano.
Maria António Oliveira, in Granta nº 6, 2020:34

21 dezembro 2020

mediascape: barbárie


A notícia é do jornal Público e encontrei-a no Twitter. Foi lá que desde logo reagi, perante o horror que os meus olhos viam e liam. Confesso que, num primeiro momento, não acreditei, pensei tratar-se de uma falsa notícia ou uma brincadeira, mas depois a realidade ganhou esta tremenda dimensão e eu fiquei incrédulo. Como é possível tamanha carnificina? Quem promoveu? Quem autorizou? Como é possível?
Esta é uma daquelas coisas que eu jamais irei entender: o prazer de matar animais. A criação de zonas de caça, legais e autorizadas pelo Estado português, é uma licença para este tipo de cenário. Eventos como as montarias são o enquadramento legal que possibilita esta mortandade. Nunca entendi a lógica destes crimes organizados contra a natureza, que se repetem por todo o território nacional. Enquanto autarca em Bragança, questionei várias vezes a autorização e organização deste tipo de eventos, muito populares entre os autarcas locais e representantes associativos, tendo sido inclusive motivo de alguma chacota e desprezo. Enquanto cidadão mantenho a minha afirmação: se eu mandasse proibiria a caça e a pesca. O único evento que estas bestas poderiam organizar seria num recinto fechado, cada um com a sua arma, até um deles conseguir caçar todos os outros. Seria muito divertido e propenso a sorrisos, trofeus e selfies no final. Assim, bem depressa teríamos um mundo muito melhor.

frustração revestida de mágoa

Carrego nova mágoa, que se concretizou ou efectivou nos últimos dias. Há algum tempo que sei tratar-se de uma frustração pessoal, íntima e intransmissível, que se vinha a adiar sine die, e que de nada valeu tentar projectar nos meus filhos essa vontade e esse gosto. Esta mágoa resume-se e explica-se pela rejeição do meu filho mais novo em continuar o estudo de guitarra e formação musical.

16 dezembro 2020

mediascape: predisposição

Hoje, no jornal Público, e a propósito das eleições presidenciais e da situação pandémica que vivemos, é apresentada uma sondagem para o Público e RTP na qual são incluídos alguns indicadores muito reveladores das nossas percepções da realidade que experimentamos actualmente. Em relação aos números ou percentagens dos candidatos, pouco ou nada há a dizer ou comentar. Agora, em relação à pandemia não posso deixar de assinalar os dados agora conhecidos:


No primeiro gráfico, relativo à vacinação é evidente uma maioria clara de pessoas disponíveis e com vontade de serem vacinados, o que significa que felizmente e ao contrário daquilo que alguma, pouca inteligência nacional, quer fazer crer, já para não falar dos cavaleiros do apocalipse e das teorias da conspiração que populam pelas nacionais redes sociais.
Em relação ao segundo gráfico, ainda mais conclusivo e evidente, não restam dúvidas que os portugueses concordam com as medidas que a DGS e o Governo têm ditado para o país. Isto também contrariando muita da opinião publicada nos últimos meses, por aqueles que acham desde o início da pandemia que os portugueses estavam contra os sucessivos estados de emergência decretados. Pois bem, eu julgo que a maioria dos portugueses, tal como eu, não querem ser infectados pelo Coronavirus, nem querem correr riscos desnecessários. Ainda que por aí andem umas bestas irresponsáveis e negacionistas, pedem-nos para ficar em casa, só temos é que em casa ficar. É simples.
No terceiro e último gráfico, verificamos uma relativa contradição face ao segundo gráfico. Se por um lado a esmagadora maioria concorda com os estados de emergência, uma relativa parte dessa maioria não quer maiores restrições no Natal e concorda com a livre circulação entre concelhos e os habituais encontros familiares. Preocupante, digo eu.
Dia 18 de Dezembro, o Primeiro Ministro irá dirigir-se ao país para comunicar aquilo que poderemos ou não fazer durante o período das festividades natalícias. Espero que a razão não seja abandonada e que não haja cedência aos apelos mais emocionais e afectivos. Aquilo que não precisamos de todo agora é da "demissão" dos nossos responsáveis pelo combate à pandemia. Mais do que nunca, para não morrermos na praia. 

estranha forma de reagir...


Inserido num esforço de leituras sobre os tempos de agora, a pandemia e aquilo que poderemos vir a experimentar nos próximos tempos, comprei um conjunto de livros de alguns autores que publicaram recentemente os seus pensamentos, ideias e juízos sobre o assunto. Também porque é o mais curto e de fácil leitura, li nas últimas horas este pequeno ensaio de Bernard-Henri Lévi, filósofo e escritor francês. Para além de um diagnostico da situação, ou mundo, ou ainda vida, pré-Covid, com o qual eu consigo concordar, a leitura que faz de toda a situação experimentada nos quatro cantos do mundo e, em particular, no mundo ocidental é bastante caustica e pessimista. Contesta as teorias e medidas securitárias, contesta os que querem aproveitar o vírus para destruir a nossa civilização e o nosso modo de vida, enquanto tiranos da obediência que, a coberto da urgência sanitária e do delírio higienista, querem estrangular a liberdade dos cidadãos.
Este texto de Lévi foi escrito, tal como o próprio admite, algures entre finais de Abril e o mês de Maio de 2020, altura em começamos a "desconfinar", o que de certa forma, lido deste mês de Dezembro de 2020, me pareça uma análise imperfeita ou incompleta. Talvez neste momento o autor tenha já uma outra perspectiva daquilo que transformou o mundo numa prisão de alta segurança, panóptica e paranóica, de saúde e higiene pública. Seria interessante conhecer a evolução da sua opinião. De resto, compreendo a sua perspectiva, mas ainda assim sou dos que privilegia a salvaguarda da saúde dos indivíduos em detrimento de qualquer lógica ou princípio económico-financeiro. Haverá muito tempo para nos dedicarmos a esse esforço.

elegia do livro

A civilização que inventou o livro tal como até aqui o conhecemos, inventou também as condições requeridas para a sua leitura e que essas nos moldaram antropologicamente durante séculos e constituem um património cultural que precisamos de preservar.
(...)
O Património humano, cultural e espiritual, que o livro representa é, por isso, incalculável. O que o livro põe em jogo é muito mais do que o livro.
(...)
Os livros não nos tornam só leitores, tornam-nos também cidadãos.
(...)
Protejamos o património cultural que os livros representam. Eles são mapas para decifrar de onde viemos. Mas são também telescópios e sondas apontadas ao futuro.
(José Tolentino Mendonça, in Revista LER nº 157, 2020)

04 dezembro 2020

aquisições

Chegados nos últimos dias, bem adequados aos dias que vivemos.

o plano de vacinação

Foi conhecido ontem o plano nacional de vacinação da Covid-19 preparado pela task-force responsável pela elaboração do mesmo. Não assisti à conferência de imprensa de apresentação do plano, mas já tive oportunidade de o conhecer e não posso deixar de dizer que, de uma forma geral, parece-me muito bem construído e preparado, naquilo que são as diferentes fases, as prioridades, os objectivos e os grupos de maior risco, já identificados e que terão prioridade no acesso à vacina. Não consigo perspectivar alternativas a esta proposta. Também me parece muito bem que a sua gestão seja centralizada na DGS e que a distribuição e vacinação, pelo menos, nas primeiras fases, seja realizada através dos Centros de Saúde. É claro que tudo isto é ainda uma planificação em papel e só quando se passar à operacionalização no terreno é que vamos saber se a estrutura do Serviço Nacional de Saúde conseguirá dar resposta a uma missão desta envergadura. Vai ser um processo longo e demorado. Aos portugueses só nos resta ter paciência, manter as regras estabelecidas para combater o vírus e aguardar pela nossa vez de sermos vacinados.

01 dezembro 2020

o heterodoxo

Acordei com a notícia do falecimento de Eduardo Lourenço. Um dos principais pensadores da contemporaneidade em Portugal desaparece aos 97 anos, deixando uma obra brilhante e seminal para as gerações vindouras. Será, sem qualquer dúvida, uma referência do pensamento português do século XX e XXI, aquele que nunca desistiu de procurar Portugal no seu labirinto.