30 agosto 2020

prazer de estar

a vida nos bosques

Já não sei onde li sobre este autor e em particular sobre esta sua obra, mas sei que foi o meu fascínio pela possibilidade de isolamento, afastamento e solidão, que me levou à sua descoberta e leitura. Demorei mais tempo do que o habitual para o ler, porque outras leituras e outros interesses se intrometeram. Só agora, em férias, consegui terminá-lo.

Henry David Thoreau (1817-1862) foi um autor de meados do século XIX e, em vida, apenas publicou duas obras, sendo uma delas este "Walden", que é um tremendo e detalhado relato da sua experiência de vida sozinho e isolado, nas margens do lago Walden, rodeado de densa floresta e a quilómetros das povoações vizinhas. É também uma reflexão sobre a essência da existência humana - das suas ambições, necessidades, angustias e curiosidades. Gostei muito desses capítulos em que o autor reflecte sobre a sua existência, sobre o sentido da sua vida e sobre a beleza da vida num ambiente natural, desprovido de materialidades e isento da socialização humana. Gostei menos e até achei aborrecidos os capítulos em que ele se dedica a quantificar cumprimentos, larguras, profundidades, quantidades de pregos e tábuas, espessuras de gelos, etc., etc. Percebo o sucesso, à época, desta singular obra.

Deixei os bosques por uma razão tão boa como aquela que para lá me levou. Talvez por me ter parecido que tinha várias vidas para viver, não podendo desperdiçar mais tempo com aquela. É impressionante a facilidade com que insensivelmente caímos numa determinada rotina e estabelecemos para nós um trilho batido. (...) Quão arraigados os hábitos da tradição e do conformismo! Não quis comprar uma passagem num compartimento fechado para poder viajar defronte do mastro e no convés do mundo, porque de lá podia apreciar melhor o luar entre as montanhas. E não desejo agora descer ao compartimento. (Thoreau, 2018,350)

mediascape: desresponsabilização

O país levantou-se em peso contra um desabafo em off do primeiro-ministro que qualicou de “cobardes” dois ou três médicos envolvidos nos acontecimentos do lar de Reguengos de Monsaraz. Houve a imediata tentativa de transformar as suas palavras numa ofensa à classe médica, manchando o seu papel “heróico” no combate à pandemia. Independentemente de eventuais razões políticas, só consigo encontrar uma justicação para o facto de a Ordem dos Médicos ter criticado sistematicamente todas e cada uma das decisões do Governo: defender o seu interesse corporativo. Se alguma coisa corresse mal... Qualquer entidade pública ou privada que enfrente um problema, antes de o comunicar a quem deve resolvê-lo, comunica-o à comunicação social. Não vejo outro motivo, na generalidade dos casos, que não o da desresponsabilização. A ideia de que um organismo ou uma instituição, se têm um problema, a primeira coisa que devem fazer é tentar resolvê-lo com os meios de que dispõem não faz parte dos hábitos da sociedade portuguesa.
( Teresa de Sousa, in jornal Público - 30/08/20202 )

28 agosto 2020

gabriela

restaurante Gabriela em Sendim (Miranda do Douro)

Ontem, dia 27 de Agosto, aproveitando uma viagem até às terras de Miranda, resolvemos regressar à famosa e antiga Gabriela. Eu conheci-a já no século passado, talvez em 1995 ou 1996 e sempre guardei esse momento como uma experiência superlativa. A verdade é que nunca mais lá regressei e só agora, passados mais de vinte anos, se proporcionou lá voltar. Sendo monotemático, ou seja, servindo apenas posta de vitela, quem lá vai já sabe com o que pode contar. Nesse aspecto não houve alterações e a qualidade da carne mantém-se excelente. Contudo, vim de lá um tanto ou quanto desiludido, pois a memória que guardara dessa primeira e única experiência foi tão boa, eu diria, quase idílica, que agora só poderia ser pior. De facto, apesar da boa qualidade da carne, a Gabriela de Sendim, já não é o que um dia foi e há outros restaurantes na região, e até fora dela, que conseguem vender melhores versões da posta de vitela. Não sei se valerá a pena lá regressar. 

25 agosto 2020

finalmente a LER

LER Inverno 2019/2020 - nº 156

24 agosto 2020

visitas

Tinha três cadeiras em minha casa: uma para a solidão, duas para a amizade e três para reuniões. Quando chegavam visitas em número maior e inesperado havia apenas a terceira daquelas cadeiras para todos, que, em geral, economizavam espaço ficando de pé.

Henry David Thoreau, in "Walden ou a vida nos bosques" (1854).

21 agosto 2020

desinfestação

Hoje, dia em que iremos de férias, é dia também da higienização anual dos meus livros. Aproveitando o facto de que iremos estar ausentes cerca de três semanas, ainda que a espaços alguém venha a casa, acabei de encharcar os móveis e estantes com naftalina. Bem sei que o cheiro é tremendo e insuportável para muita boa gente, um anacronismo em desuso, mas tem sido remédio santo para a praga das traças que me vão devorando os livros. Assim, pelo menos, mantenho-as bem longe e sei que quando regressar vou encontrar um cemitério delas. Bendita naftalina.

19 agosto 2020

tédio

Em férias desde o início do mês de Agosto, permaneço confinado às paredes de minha casa. Apesar de já ter saído uma ou outra vez para passear, a maioria das horas e dias são passadas dentro de casa. Se durante o confinamento, as rotinas estavam estabelecidas e fomos dando conta do recado, agora que já não somos obrigados a estar fechados, os dias e suas horas custam a passar. Sempre fui muito caseiro e sempre gostei de estar em casa, mas tem sido um tormento o tédio que se apoderou de mim. Não me apetece fazer nada: nem ler, nem escrever, nem TV, filme ou série. Não me consigo concentrar em nenhuma tarefa. Apenas me apetece sair daqui. Para onde? Não sei, para lugar nenhum ou para qualquer um. Estou cansado de estar em casa e este tédio estraga-me os dias de "férias".

16 agosto 2020

mediascape:lamentável

Já aqui me referi ao lamentável facto de Lisboa ter acolhido os jogos das fases finais da Liga dos Campeões deste ano, mas só agora, quando a fase dos quartos-de-final já terminou, me apercebi que afinal os portugueses não podem televisionar os jogos. Que raio pode interessar aos portugueses uma competição à qual não podem assistir no estádio, nem assistir à sua transmissão televisiva? A detentora dos direitos de transmissão para Portugal é uma empresa chamada Eleven Sports, que nem eu nem grande parte dos portugueses conhecemos, e que tem um serviço disponível mediante o pagamento de uma mensalidade.

Quando vi o solene e excitado anúncio realizado pelos nossos governantes desta competição, seria expectável que pudéssemos assistir aos jogos. Não, equívoco nosso, afinal não foi um prémio para os portugueses e, em particular, para os profissionais de saúde. É só para alguns, para aqueles que podem e querem pagar para ver. Lamentável.

12 agosto 2020

the literary man hotel



Quando na sexta-feira à noite, dia 31 de Julho, se decidiu visitar as Berlengas nesse fim-de-semana, achámos por bem aproveitar para visitar mais alguns locais da região saloia e, por isso, tratei de procurar hotel para a noite de Sábado para Domingo. A primeira opção que me apareceu no monitor do booking foi este hotel em Óbidos. Espreitei duas ou três fotografias e nem precisei ver outras ofertas, não hesitei e de imediato fiz reserva. Adoraria ter a minha casa, o meu espaço, assim decorada - da cozinha, passando pelos corredores e casas-de-banho, terminando nos quartos. Um conforto.

11 agosto 2020

tanta parra para tão pouca uva



Eu já cá estive há muitos anos. Algures na década de 90 do século passado e a memória que guardei deste lugar em nada se assemelha com aquilo que agora encontrei. Numa perspectiva semiótica, consigo perceber o esforço realizado para a patrimonialização e valorização do território e suas actividades económicas. No entanto, não posso deixar de partilhar a relativa desilusão face àquilo que é promovido e à imagem construída para o turismo nacional e até internacional. Óbidos, ou melhor, o seu casco histórico é um lugar bonito e bem preservado, mas a sensação com que fiquei encaixará na perfeição no velho e popular dito: "tanta parra para tão pouca uva".

10 agosto 2020

a Berlenga





Sugerido pela minha filha, no primeiro dia de Agosto viajámos até Peniche com a intenção de visitar as famosas ilhas das Berlengas. Não conseguindo escapar às lógicas e dinâmicas do turismo local, a única forma de aceder a esse território insular é a bordo numa das embarcações dedicadas a transportar turistas entre a marina de Peniche e a ilha maior - a Berlenga Grande. Depois de quase uma hora de viagem lá chegámos e desembarcámos no chamado aldeamento dos pescadores. Passeamos pelos trilhos da ilha e visitámos o forte de S. João Baptista. Regressámos para perto do porto à espera da hora de regresso ao continente. Nesse entretanto, escrevi:

Estou sentado numa pequena e única esplanada, sobranceira ao porto, no aldeamento dos pescadores. A Andreia e os miúdos foram até uma pequena enseada, encaixada entre as arribas, pois eles queriam meter-se na água, aqui limpa e transparente. Estou sentado de frente para uma íngreme arriba, no cimo da qual vejo o topo vermelho da estrutura metálica do farol da ilha. Pelas conversas que ouço à minha volta, estes negócios de transporte e acomodação de turistas são explorados por pequenas empresas familiares e todos se conhecem. O aldeamento, pelo que percebo, serve apenas de abrigo e suporte às actividades existentes - mergulho, vigilância e conservação da natureza, turismo, etc. Existe um restaurante, mas este ano está fechado e em remodelação. Neste pequeno bar, servem apenas sandes, saladas, pastelaria, gelados e, claro, bebidas. Como é já hora de almoço, chegam-me odores variados de carnes e, principalmente, peixes grelhados.

É um território inóspito e árido, sem qualquer condição para a existência ou permanência de vida humana. É uma reserva natural, santuário para aves marinhas, de beleza agreste e selvagem. Enquanto vou bebendo cerveja, imagino o que seria este lugar sem o movimento turístico e como gostaria de aqui vir passar uma temporada de isolamento ou retiro. Isto dito depois de uma fase de confinamento parece parvo, mas esta ideia de ilhéu, obrigatoriamente isolado, fascina-me. Por fim, e sem excluir algum sentimento de inveja, avisto ao largo, vários iates, veleiros e lanchas ancoradas, que estarão abrigados pelas arribas da ilha, num intervalo das suas possíveis longas viagens.

05 agosto 2020

vergonha real

Juan Carlos, Rei Emérito de Espanha

A notícia de ontem, de que o rei emérito espanhol terá saído de Espanha, numa fuga em segredo e sem destino conhecido, para evitar a justiça espanhola que investiga movimentos financeiros ilícitos, financiamentos e presumíveis corrupções, só nos pode deixar com vergonha alheia. Por muito que os responsáveis políticos espanhóis reajam dizendo que não estão em causa as instituições espanholas, referindo-se neste caso à monarquia, a verdade é que estão e muito, pois não é de agora que se percebe que os regimes monárquicos não conseguem coabitar com as democracias. Para além da questão de carácter do próprio, de alguém que deveria ser um exemplo a todos os níveis para os cidadãos do seu país, parece-me que os espanhóis deveriam estar a reflectir sobre o raio do direito inquestionável de alguém, por motivo de consanguinidade, herdar "um trono". Se há uma expressão feliz para a ideia de anti-democracia, essa expressão é a monarquia.