31 março 2011

aniversário

I think I was once
I think we were

Your milk is my wine
My silk is your shine
(Jim Morrison)

escritos para ti... (primeiras linhas)

Meu querido,
Ainda nem sequer te conheço e já escrevo para ti. Falta muito pouco para nasceres e a ansiedade vai tomando conta de mim, de nós. Decidi fazer este registo para que, um dia e de alguma forma, possas conhecer o ambiente e os sentimentos daqueles que te irão receber e acompanhar durante parte da tua vida. (...) Tens uma irmã mais velha que esteve este tempo todo muito ansiosa e expectante. Tem para ti uma quantidade de presentes e surpresas que foi preparando nestes últimos tempos. Irá dividir contigo o quarto, o que aceitou com relativa boa vontade, mas desconfio que quando vieres a ocupar o teu lugar, rapidamente ela mudará de opinião e reclamará a independência do seu espaço. (...)
Estás prestes a nascer e aquilo que me preocupa é que o teu primeiro sopro na vida seja um momento bom. Estou feliz e não trocaria este meu presente por qualquer outro.
Do teu pai.

inside job

Acabei de ver este filme-documentário e estou indignado. Como puderam, podem, meia-dúzia de espertos brincar com a vida de milhões de cidadãos e, depois de desregularem financeiramente e especularem até ao tutano os mercados, saírem incólumes, ilibados e ainda mais ricos. É revoltante. Dá vontade de partir completamente para a ignorante violência. E agora apelam-nos à compreensão e ao esforço para ultrapassar a "crise". Badamerda.

28 março 2011

compras e ofertas recentes

- Jacob, João e Alves, Victor, 2010, Bragança - roteiros repúblicanos, Bragança, Quidnovi (oferta);
- Murcho, Desidério, 2011, Filosofia em Directo, Lísboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos;
- Mendes, Fernando Ribeiro, 2011, Segurança Social - o futuro hipotecado, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos;
- Actas Colóquios da Lusofonia, 2007, Bragança, Câmara Municipal de Bragança (oferta);
- Beattie, John, 1999, Other Cultures, Londres, Routledge;
- Dentinho, Tomaz e Rodrigues, Orlando, 2007, Periferias e Espaços Rurais - comunicações do II congresso de estudos rurais, Estoril, Princípia Editora;
- Hessel, Stéphane, 2011, Indignai-vos!, Carnaxide, Objectiva Editora;
- Bourdieu, Pierre (org.), 1997 (7ª edição), A Miséria do Mundo, Petrópolis, Editora Vozes;

colo

Tenho em casa um recém-nascido com nove dias de vida. Neste tipo de reclusão a que nos submetemos e em que temos vivido, ele tem sido o nosso sol. Para além dos momentos parafernálicos - mamar, fraldar e banhar, passa o seu tempo a dormir, o que faz com real prazer e tranquilidade, principalmente, no colo de alguém. Tenho passado horas com ele no meu colo, com satisfação por poder admirá-lo e, ao mesmo tempo, por não me impedir de fazer aquilo que tenho/quero/gosto, como agora enquanto escrevo estas linhas. São muitas as advertências e os avisos para não o habituarmos ao colo, porque faz-lhes mal e depois eles não querem outra coisa. Mal faz-lhes não terem carinho e a nós, não os poder acarinhar. E eu, a tudo isso, faço ouvidos moucos, pois gosto é de o ter no meu colo e sempre que puder assim vai estar.

25 março 2011

solilóquio

A nova vida trouxe-me vida nova. Estupidamente caótica. O desencontro com o tempo tem sido tal que não consigo atinar. Vivo assim estes dias num estado alterado de consciência e nem a cafeína e as outras drogas me conseguem valer. Até quando?

24 março 2011

epitáfio do tamanho de Portugal

Desconfiava que iria escrever estas palavras em breve. Não sabia o dia, é certo, mas desde o discurso de Cavaco Silva na tomada de posse deste seu segundo mandato na Presidência da República, que sentia que todos, incluindo o próprio e suas hostes, pretendiam por um ponto final nesta longa e martirizante agonia nacional. Curioso, Sócrates sai pelo seu próprio pé, tal como já fizera o socialista António Guterres. Parece ser este um "fado" socialista... Abrindo assim a porta da rua, Sócrates leva com consigo, e ainda bem, toda a comandita pária e acrítica, que se instalara há largos anos e que já se servia da coisa pública com direito e pertença, como se lhes estivesse destinado ad eternum tais direitos e regalias.
Neste virar de página, motiva-me escrever umas palavras acerca daquilo que considero ter sido a governação socialista, personificada neste personagem principal bipolar, que em boa verdade nunca conseguiu merecer a total confiança dos portugueses. Em seis anos de mandatos, com maioria e, depois, sem maioria, conseguiu desbaratar e desconstruir todo o património social, cultural e económico que, bem ou mal, tínhamos acumulado nas últimas três décadas. Não houve sector da sociedade portuguesa ou actividade económica com o qual o engenheiro Sócrates não conflituasse. No final de contas e fazendo um esforço de memória, de tudo aquilo que foi produzido e/ou introduzido na sociedade portuguesa sob a sua governação, sobrevive à minha sensibilidade toda a legislação relativa aos significativos avanços civilizacionais, e em particular, o acesso ao casamento de pessoas do mesmo sexo (género).
No fim de mais um ciclo, importará perguntar: Haverá algum português triste ou insatisfeito com este desfecho!? Haverá alguém neste país que voltará a acreditar no engenheiro Sócrates, ou mesmo no Partido Socialista!? Não sei, mas a sua (Sócrates) sobrevivência política dependerá, única e exclusivamente, da inteligência dos eleitores. Espero. Na sua lápide, o meu epitáfio político diria apenas que este foi o homem que decretou, e bem, a proibição de fumar em locais públicos fechados.

22 março 2011

wordscape

A palavra projectada no tempo e no espaço. Impressionante.

reorganização doméstica

Com a chegada do novo elemento é tempo de nos arrumarmos cá em casa. Este é o dia que marca o regresso às rotinas das fraldas e dos biberons. É tempo de prescindirmos do nosso tempo e espaço em favor do bem estar do rebento. Custará a habituar mas será um enorme prazer vê-lo crescer e desenvolver.

19 março 2011

a felicidade

Se existe e se é possível senti-la, então hoje é o dia em que isso me acontece. Todo eu sou felicidade. Idêntico sentimento aconteceu há muitos anos atrás, precisamente no dia 1 de Dezembro de 2001.

solilóquio

Na alvorada de um dia especial, a beleza da vida a nascer. No crespúsculo de um dia grande, o tamanho de uma vida toda. As nossas vidas.

18 março 2011

intersticial

Desde que descobri este pequeno recanto, tenho lá regressado amiúde para o contemplar e saborear. Repetidamente deste prisma, tenho passado horas em tranquila contemplação, silenciosa reflexão e, por vezes, profícua criação. Nesta paisagem conurbana do grande Porto podemos encontrar alguns caracteres estranhos à ainda predominante ruralidade e será, precisamente, essa tíbia invasão da urbanidade no espaço rural que me transmite o sentimento de perda e de esquecimento de todo um ambiente que transporto no meu imaginário. Muitos poderão considerá-la um hiato de espaço esquecido, ou um oásis paisagístico a prazo, mas para mim é apenas um lugar bonito e bucólico, onde não me importaria ficar. Assim neste intervalo.

Bucólica
A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.
(Miguel Torga)

17 março 2011

a grande nobreza do estado

A recente notícia do pedido de demissão de Almerindo Marques da presidência do Conselho de Administração das Estradas de Portugal, cujas motivações e pormenores ainda não são conhecidas, mas que estará de alguma forma relacionada com indefinição do Governo quanto ao modelo de financiamento da empresa, conduz-me a memória para um texto de Pierre Bourdieu (1993) que a propósito da Demissão do Estado escreveu: são esses novos mandarins, gulosos por gratificações e sempre prontos a deixar o serviço público pelo sector privado, que - cansados de pregar o espírito de "serviço público" (para os outros), como nos anos 60, ou celebrar o culto da empresa privada, sobretudo após 80 - pretendem administrar os serviços públicos como se fossem empresas privadas, mantendo-se ao abrigo das obrigações e riscos, financeiros e pessoais, que estão associados às instituições cujos (maus) costumes procuram macaquear, principalmente em matéria de gestão do pessoal; são esses que, em nome de imperativos da modernização, atacam o pessoal da execução, como beneficiados da função pública, protegidos contra os riscos da livre empresa por meio de estatutos rígidos e agarrados à defesa corporativista das regalias sociais; são esses que vangloriam os méritos da flexibilidade do trabalho a não ser que, em nome da produtividade, preconizem a redução progressiva dos efectivos.
adenda: a este propósito poderiam também e ainda ser referidos outros digníssimos e ilustres administradores da coisa pública que, nos últimos tempos, foram notícia, tais como Horta e Costa (CTT), Júlio Santos (ex-presidente da Câmara Municipal de Celorico da Beira), Armando Vara (ex-administrador da CGD e Millennium BCP), José Penedos (ex-administrador da REN), entre tantos outros.

16 março 2011

doxósofos

Procurar estar actualizado obriga a um permanente acompanhamento da vertiginosa cadência informativa, o que acontece, fundamentalmente, através dos meios de comunicação social e, em especial, através dos canais de televisão. Ao percorrer os vários canais informativos não posso deixar de reparar que, nunca como nos dias de hoje, saturados estão de programação especializada, principalmente em política e em desporto. Não há um único dia da semana em que não haja uma panóplia de polifonias relativas a cada acontecimento da vida política e/ou desportiva nacional e/ou internacional. Não percebo como há espaço, como há audiências, como há financiamento e publicidade para tanta verborreia de spin doctors, opinion makers, politólogos e futeboleiros!?... ainda por cima quando grande parte desses pseudo-especialistas não vão além dos lugares-comuns e de aparentes manifestações de conhecimentos. Já Platão, há muitos séculos atrás, lhes tirou a pinta, designando-os doxósofos e definindo-os como técnicos de opinião que se julgam sábios e que para conseguirem notoriedade não hesitam em engalfinhar-se no espaço público. Assim é ainda hoje.

15 março 2011

preocupações

Primeira, para além da desgraça causada pelo sismo e consequente tsunami, a população japonesa e, depois, o mundo vêem-se agora confrontados com o eminente acidente nuclear em algumas das centrais nucleares espalhadas pelo território nipónico. Acredito que os responsáveis técnicos e políticos estarão em pânico perante os cenários horrendos e as consequências catastróficas possíveis decorrentes deste acidente. Para além de todos os riscos e problemas associados à implantação e existência destes complexos, parece-me razoável reflectir sobre a opção por este tipo de fonte de energia. Sempre que se debate acerca da existência ou não de energia nuclear em Portugal, deveriamos ponderar também estes cenários. Com outras fontes de tanto potencial energético, mais limpas e mais seguras, ainda bem que não existe energia nuclear em Portugal.
Segunda, é uma vergonha aquilo que temos assistido nas estradas nacionais, com os bloqueios dos camionistas. Podemos até estar de acordo com os seus problemas e com as suas reivindicações, mas não podemos tolerar que haja terrorismo nas nossas estradas. As notícias que nos chegam de piquetes de camionistas que intimidam e ofendem colegas de profissão que não têm a mesma opinião, não são possíveis num estado de direito. Esta intolerância e este radicalismo, para além de não serem dignos de uma democracia, revelam bem as bestas que são e confirmam a atitude estereotipada e ignorante que reina nos volantes dos pesados portugueses.

13 março 2011

estado: ansioso

Num dia por defeito calmo e propício aos vagares da vida, estou ansioso. A verdade é que esta contagem decrescente, principalmente nestes últimos dias, tem sido um martírio. O tédio ocupacional potência a ansiedade. Querer que o tempo avance célere, mas ele, teimoso, resiste e prossegue o seu ritmo a vinte e quatro horas por dia. Mesmo sendo um Domingo, por mais que me tente abstrair de certos e determinados pensamentos, não consigo. São fortes e mantêm-se latentes o tempo todo.

12 março 2011

manifestação no porto

...afinal, são muitas as gerações à rasca...

verbo, indignar

"A minha longa vida deu-me uma série de motivos para me indignar."
Li pela primeira vez aqui acerca deste pequeno livro de Stéphane Hessel. Fiquei curioso e esta manhã (só podia ser esta manhã...), aproveitando um café no Fórum da Fnac, procurei-o e rapidamente, mesmo antes de o pagar, o li, sublinhei, rabisquei e reli. Dividido em três partes distintas - prefácio de Mário Soares, o manifesto do autor e, por fim, um posfácio do editor com nota biográfica do autor. Este homem, para mim completamente desconhecido, é um verdadeiro compêndio da história do século XX. Por favor não deixem de ler o apelo "a uma verdadeira insurreição pacífica contra os meios de comunicação de massas que só apresentam como horizonte à nossa juventude uma sociedade de consumo, o desprezo pelos mais fracos e pela cultura, a amnésia generalizada e a competição renhida de todos contra todos".

11 março 2011

a propósito da geração à rasca...

Interessante texto de opinião, hoje no Jornal Público. Desculpem-me os rabiscos egoístas... (vícios).

solilóquio

Não sei explicar muito bem porquê, mas hoje sinto-me estranho. Não sei explicar muito bem o quê, mas hoje sinto-me metrossexual...

precariedade

Sente-se um enorme burburinho na sociedade portuguesa em relação às manifestações que se irão realizar amanhã em várias cidades portuguesas. Esta é a primeira manifestação organizada, estruturada e convocada a partir das redes sociais em Portugal e, talvez também por isso, está o país expectante em relação à capacidade e ao sucesso dessa mesma convocatória. Para além da particularidade das redes sociais, esta manifestação tem por fundamento a degradante condição social e económica em que as gerações mais jovens vivem e a sua participação será um acto de participação cidadã, de indignação contra essa condição e de censura às políticas que os governos impuseram e que, consequentemente, nos trouxeram para esta realidade. É, concerteza, por isso que os costumeiros arautos do situacionismo, do alto do seu conforto social e da sua estabilidade económica, não se conformam com este "atrevimento" dos mais novos. Por outro lado, agrada-me a ideia de se tratar de uma manifestação política, mas apartidária, apesar de alguns partidos terem já manifestado a sua intensão de se fazerem representar. Esperemos que assim se mantenha e se concretize. É bom saber que os jovens de hoje não correspondem aos estereótipos e reagem aos pré-conceitos nomeados pelas gerações mais velhas e, essas sim, acomodadas.
Também eu estou com elevadas expectativas em relação ao dia de amanhã. Lí o manifesto e concordo com as posições assumidas pela organização. Não estou à rasca, mas muito provavelmente por considerar que a minha condição nunca foi além dessa mesma precariedade, vou participar na manifestação de amanhã na cidade do Porto.

10 março 2011

moção de censura

Eu gostava mesmo que a moção de censura que o Bloco de Esquerda apresentou e que hoje será discutida e votada na Assembleia da República fosse aprovada. Apesar das conhecidas e pré-anunciadas posições do PSD e do CDS, a conjuntura degradante e humilhante da economia e das finanças nacionais e o próprio discurso do Presidente da República, de ontem, na sua tomada de posse, permitiriam aos partidos da direita votarem favoravelmente esta iniciativa do BE e assim, não só clarificar definitivamente a situação política, como arredar do poder, por muitos e longos anos, este PS. É sabido, está visto e percebe-se a cada sopro de vida que este governo agonia e definha. Acabemos com o seu sofrimento.

08 março 2011

do pior que me podem pedir

"Estimado Luís Vale,
Espero que esteja tudo bem contigo. Era para te pedir que reduzas o texto da FAAEE para 32.000 caracteres com espaços, de acordo com as normas do congresso. Actualmente tens 50.000.
Um abraço, "

carnavais

Como se diz: "É Carnaval, ninguém leva a mal", eu aproveito para dizer que não percebo como se gasta tanto tempo e dinheiro com esta festa. Será, apesar da sua diversidade, praticamente um dado universal. Considero legitimo e até importante que os indivíduos e as comunidades queiram manter aquilo que julgam ser as suas tradições e os seus rituais, agregadores e potenciadores de sentimentos de pertença à respectiva comunidade. Aquilo que me custa ver e ouvir são as ridículas manifestações que por todo o país acontecem e que não são mais do que tentativas falhadas de imitar o carnaval brasileiro. É isso mesmo, e bem, o carnaval brasileiro acontece no Brasil. Em Portugal temos tradições antigas relativas ao dia que assinala o final do ciclo de Inverno e a passagem para um outro tempo, o da eterna renovação da natureza. Essa diversidade ritual é constituida por inúmeros, bonitos e ricos, momentos. Imagens de Carnaval como aquelas que enchem as TVs (Ovar, Torres Vedras, entre outras localidades) são ridículas, não fazem qualquer sentido.

07 março 2011

Talvez há 4 ou 5 anos joguei pela 1ª vez o Mafia I. Foi o irmão mais novo que me apresentou o ambiente ganster de Nova Iorque e desde logo fiquei fã do jogo. Naquele tempo joguei-o no velhinho pc que havia cá em casa. Agora, já com uma PlayStation 3 em casa, terminei a aventura de Vito Scaletta, enquanto membro de uma família mafiosa de Nova Iorque em meados do século XX, no Mafia II. Ao longo de quinze episódios e na pele do protagonista somos confrontados com os meandros e intrigas próprias das rivalidades entre famílias mafiosas que lutavam pelo controle do submundo daquela cidade. Acabei a aventura com a sensação que ainda poderia ter mais alguns episódios e aventuras. Concerteza, haverá mais Mafia, aguardemos as cenas de outros capítulos. Entretanto, procurarei outro jogo que me distraia, de preferência algo que me permita dar muitos tiros e matar muitos "inimigos" e "adversários". Tudo isto, claro, no conforto do meu sofá.

06 março 2011

é o povo contra a reacção



Não gosto do Festival da Canção. Acho que já há muito tempo perdeu qualidade e valor. Mas porque um amigo tem participado enquanto produtor, todos os anos vou espreitando para ouvir a sua música. Este ano calhou ouvir, para surpresa minha, a participação dos Homens da Luta. Brincadeira, pensei eu... O certo é que no final da noite foram eles os grandes vencedores e graças aos votos, via SMS, do público. Eu não votei em nenhuma música, mas se tivesse votado teria sido na música deles - pela irreverência, pela coragem e pela frontalidade. Este resultado foi mais um espinho para Pacheco Pereira, Isabel Stilwell, José Manuel Fernandes e outros que muito se têm importunado a favor da manutênção da precariedade em Portugal. Os Homens da Luta ganharam e desestabilizaram todo o mainstream vigente na produção deste evento. Não sei quem votou neles, mas desconfio que a insatisfação social do país valeu bem os 60 cêntimos + iva que custou cada voto. Muito provavelmente, este foi o último Festival da Canção em que o público votou. Até ao dia 12 de Março.

05 março 2011

dísticos e afins

Nenhuma objecção relativa à manifestação pública dos ideais civilizacionais, das crenças religiosas, das filiações partidárias ou desportivas ou outras por parte dos indivíduos. Mesmo não compreendendo o que leva alguém a fazê-lo, aceito pacificamente que outros sintam essa necessidade e o façam. Eu nunca senti qualquer necessidade de o fazer, nem nunca achei grande piada à decoração de automóveis com elementos estranhos ao seu fabrico e comercialização. Claro é que a culpa não é dos automóveis, mas sim dos seus proprietários que, por qualquer razão que a psicologia explicaria muito facilmente, projectam nos seus automóveis a sua imagem.
Houve um tempo em que era obrigatória a inclusão de determinada informação suplementar nos veículos, estou a lembrar-me dos limitadores de velocidade, das placas de localidade e raio de distância para os pesados e das placas de identificação de propriedade dos ligeiros - curiosas placas que para além do nome e morada do proprietário, incluiam uma imagem de S. Cristovão, o santo propector de qualquer viajante e, nalguns casos, havia ainda espaço para as fotografias dos respectivos proprietários -normalmente colocadas num suporte com íman nos tabliers para estarem visíveis do exterior.
No meio de toda a panóplia de acessórios, aplicações, autocolantes e placas que por aí circulam agarradas aos carros, há um tipo de autocolantes que me intriga especialmente. Falo daqueles que são, normalmente, oferecidos pelas marcas de produtos para bebés e crianças e que se destinam a colar no vidro traseiro. Através deles ficamos todos, os demais e estranhos, a saber que a bordo daquela viatura circula um bebé, nalguns exemplares ficamos a saber, inclusivé, o nome de tais bebés e, noutros ainda e complementando, é-nos comunicado para termos cuidado!.. porque ali vai um bebé. Para além de não perceber o que leva alguns progenitores a publicitarem assim o nome dos seus rebentos, importa questionar: Mas que raio de advertência é esta!? Até parece que o cuidado que devemos ter na estrada varia consoante o tipo de ocupante dos outros veículos. É pois uma informação palerma e estupidificante que, in loco, me incita a adjectivações várias aos seus promotores.
Desconfio que tudo isto não seja mais do que um possível caminho para aqueles que se querem dedicar ao transformismo automóvel. Para além de todas as questões de estética, relativas e subjectivas, sobre as quais não farei juízos de valor, talvez um dia também eu me converta definitivamente ao famoso tuning.

04 março 2011

100

PARABÉNS!

Também eu me sinto feliz, enquanto leitor, pelo facto a LER ter chegado ao número 100, de existir desde 1987 e de me permitir aceder a um universo muito interessante. Sou leitor assíduo desde o seu nº 43 de 1998. É com grande expectativa e alguma ansiedade que ainda hoje, mensalmente, vou ao quiosque à procura da LER. Espero que este seja apenas um momento especial e bonito de um percurso que se quer longo e cada vez melhor. Um outro objectivo pessoal será conseguir os números anteriores ao nº 43. Calculo que não seja tarefa fácil, até porque alguns números devem estar esgotados. Entranto, fica a certeza de algumas horas bem passadas apreciando esta edição especial, que nos oferece as imagens, as entrevistas, as citações, os textos, os momentos e os livros que marcaram as cem revistas.

03 março 2011

salas de espera

Serão sempre lugares interessantes para algum trabalho de campo, mais ou menos discreto, mais ou menos participante, que permitem exercitar as capacidades de observação e de registo. Numa madrugada destas noites frias, na sala de espera de acompanhantes do serviço de urgência do Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia:
A sala, tipo aquário, é uma transparência, sem privacidade e com excelente iluminação, por contraste com toda a envolvência exterior. Três filas de cadeiras disponíveis em cada lado da sala, viradas para o seu centro, obrigam os presentes a um permanente contacto visual, duas máquinas de vending vão servindo bebidas e comidas, e roubando nos trocos aqueles que não lhe dão a quantia certa. É a murros e alguns pontapés que os lesados compensam a sua perda. Por cima de todo o burburinho permanente de vozes, o som estridente de uma TV que, pendurada numa parede, transmite (presumo uma gravação) uma telenovela da TVI. Enquanto aguardo pela minha criança e sentado numa extremidade da sala, entretenho-me observando os deliciosos pormenores destes estranhos que me envolvem. Neste corrupio de gente que entra e sai e sai e entra, por enquanto, ainda ninguém se chegou sequer perto de mim. Estranharão o meu aspecto? Desconfiarão da minha aparente alienação? Ou não querem saber e apenas assim calhou? Não me interessa. Importa-me ver como, enquanto alguns dormitam e depois são abruptamente despertos pelo som ranhoso do altifalante que lhes pedem a presença na porta da urgência, e outros aproveitam a espera para fazerem a higiene pessoal, como um indivíduo ali no canto que descontraído vai limpando o nariz aos dedos, a generalidade destes estranhos - também entre si - muito facilmente se dão ao conhecimento, parecendo-me que passados alguns instantes estão já a trocar contactos e confidências. Há aqueles(as), mais impacientes, que mal se sentam logo se levantam, numa impaciência aflitiva que quero atribuir à preocupação para com os seus doentes. Depois há ainda aqueles que como eu gostam de observar, mas indiscretos e incisivos, violentam-nos as mais recônditas entranhas com os seus (feios) olhares. O que pensará toda esta gente? O que irá na alma de cada um deles? Que dores sentirão?.. E é no meio destas divagações que ouço, num som estranho, o meu nome. É a minha vez de sair.

02 março 2011

fidelidade

Não sei se é comum ou não, se o mesmo acontece com os outros, mas no que toca a escrever gosto de utilizar sempre a mesma caneta. É com especial irritação que me apercebo que perdi uma caneta. Sempre gostei de utilizar a cor preta e é com relutância que escrevo a outra cor. Nalguns suportes o preto é mesmo exclusivo. Sempre gostei e sempre usei a BIC Cristal, a tal da escrita normal, de cor preta cujo traço mais forte consegue ser muito suave. Entretanto, descobri a Uniball de tinta preta permanente, gostei e passei a usá-la. Pena ser tão cara. Trago sempre comigo duas ou três iguais e é delas que faço uso. Serei assim um fiel à caneta.

01 março 2011

a reforma administrativa

Não sei quais foram as reais razões ou necessidades que trouxeram para a actualidade do debate político a questão da reforma administrativa portuguesa, mas a verdade é que este debate é necessário e viverá sempre sob o espectro de tardio e de urgente. Como podemos, em pleno Século XXI, viver ainda num esquema pensado e aplicado em meados do século XIX!? Mais, porque se demorou tanto tempo para apenas se pensar no assunto!? Já em meados do século XX, principalmente na sua segunda metade, a realidade do território e da população portuguesa deveriam ter motivado tal reflexão.
A dimensão das autarquias locais é fundamental na perspectiva da sua autonomia. Sem uma dimensão crítica da autarquia local não se pode verdadeiramente falar em autonomia do poder local, na medida em que as autarquias locais ficam desprovidas de meios suficientes para assegurarem a prossecução das suas atribuições e o exercício das suas competências.
Actualmente existem em Portugal 39 municípios com menos de 5000 eleitores, o que corresponde a 12,66 % do número total de municípios. Quando se fala em freguesias, a realidade é ainda mais avassaladora, tendo a esmagadora maioria das mais de 4000 freguesias, um número de eleitores inferior a 1000.
Este argumento serviu de base ao veto do Presidente Jorge Sampaio ao Decreto da Assembleia da República n.º 76/IX, que visava alterar a Lei Quadro de Criação de Municípios, aprovada pela Lei n.º 142/85, de 19 de Novembro, permitindo a criação de novos municípios, mesmo que não se verificassem os requisitos previstos na lei, caso existissem reconhecidas razões de interesse nacional, fundamentadas numa particular relevância de ordem histórico-cultural, ou desde que fosse recolhido o parecer favorável de todos os órgãos autárquicos envolvidos.
Conforme então afirmava o Presidente Jorge Sampaio, “Neste âmbito assumem especial relevância as questões relacionadas com a fixação ou alteração dos limites da circunscrição territorial dos municípios, não apenas porque dela depende, em larga medida, a adequação e eficiência da administração autárquica na prestação de serviços às populações,...”.
A Câmara Municipal de Lisboa tem em curso uma discussão pública sobre a reorganização do mapa administrativo da cidade, visando a redução de 54 para 24 freguesias, homogeneizando a sua dimensão territorial e demográfica, em nome de uma maior eficiência da acção das autarquias locais. Este facto e a actual crise financeira tem inspirado várias vozes, designadamente a do Secretário de Estado da Administração Local para a realização de uma Reforma Administrativa assente na redução do número de municípios e freguesias.
Aproveitando o facto de este ser o ano de novo Recenseamento Geral da População (Census 2011), poderemos aproveitar esse novo retrato da distribuição da população portuguesa para elaborar um novo esquema administrativo. O que não devemos é a) aceitar que sejam critérios meramente contabilísticos e financeiros a motivar e nortear esta nova “vontade” de mudar, e b) que esta súbita e drástica vontade de reduzir seja o caminho para um efectivo reforço da centralização do poder em Portugal.
Não sei se devemos ou não reduzir o número de freguesias. Contudo, parece-me que não se devem extinguir freguesias com relativa dimensão (3.000 ou mais eleitores), nem fazer fusões das grandes freguesias (mais de 40.000 eleitores). Se é verdade que não devemos aceitar a imposição da concentração de poderes em meia-dúzia de autarcas, também me parece que não devemos aceitar que existam em Portugal tantas freguesias que, tendo em conta o reduzido número de eleitores, são administradas por plenários. Não deveremos, por princípio, ter reservas e deveremos aceitar que se reduza ou aumente o número de freguesias e de concelhos, no sentido de alcançar o desejado equilíbrio entre a população e seu território.
Bem sei, sabemos, que o politicamente correcto é afirmar que as Juntas de Freguesia e, em concreto, os seus presidentes, são os pilares fundamentais da democracia portuguesa. Mas será verdade!? Será mesmo assim!?... Aceitar, concordar e defender esses pilares não é manter a actual situação, pois todos bem conhecemos a realidade de muitas autarquias e o desempenho de muitos presidentes de Junta de Freguesia: por um lado, estão presos pelo cimento e pelo tijolo ao respectivo presidente da Câmara Municipal, por outro lado, entendem o seu território como um feudo, onde gostam de se considerar donos e senhores. Temos que acabar com estas lógicas, com estes laivos medievais…
Não deveremos, sob o pretexto de defesa da democratização do poder local, defender o atavismo das lógicas enraizadas no poder local em Portugal, que aliás já existiam antes do 25 de Abril. Não será por acaso que, embora todos admitam a necessidade de reformar administrativamente o país, todos os discursos são extremamente cautelosos. É que uma coisa é teorizar e debater, outra coisa é implementar e explicar. Não tenho dúvidas que aí as resistências serão enormes. Não deveremos pois, também, menosprezar as questões imateriais: de identidades difusas e de sentimentos de pertença heterogéneos, que nalgumas localidades e regiões adquirem dimensões consideráveis e bem perceptíveis.
Um novo modelo administrativo, bem pensado, bem estruturado e bem reflectido poderá, para além do mais, acabar com os monopólios e os senhorios, e permitir novos espaços de influência e de novas e boas práticas de gestão autárquica.
(artigo enviado para o Jornal Nordeste)