20 março 2024

a casa do fogo e a fidalga


Ganhou contornos de lenda, ou pelo menos de estória fantasiada, mas que faz parte da memória familiar e até da comunidade local e que tenderá a desaparecer com o tempo e com a renovação das gerações, o que me leva a querer registar. É a história de Maria Ricardina Fernandes, minha tia-bisavó, natural de Vilarinho do Monte - Macedo de Cavaleiros, que casou em Vila Boa, no dia 7 de Julho de 1890, com João Manuel Fernandes do Vale, filho primeiro de José Marcelino Fernandes do Vale e de Maria Joaquina Pires Pousa. O casal, João Manuel e Maria Ricardina, ficou a viver em Vila Boa e tiveram três filhos. Consta que a Maria Ricardina, ainda com os filhos pequenos, ficou doente e muito tempo entrevada, confinada num quarto da casa e necessitando de muita assistência e cuidados, o que lhe valeu a nomeada de "fidalga". Pois bem, um dia deu-se um incêndio nessa casa que provocou a explosão de várias vasilhas de azeite, o que assustou de tal forma a "fidalga" que, sem qualquer ajuda, conseguiu fugir das labaredas e pôr-se a salvo na rua. Essa parte da casa ficou até hoje conhecida como a casa do fogo e a "fidalga" morreu não muito tempo depois (ainda no século XIX). O viúvo, João Manuel, com o desgosto da morte da mulher, ficou muito deprimido e recusava-se a aceitar o seu destino, não queria saber da vida, passava o tempo na cama e nem queria comer. Valeu-lhe o conforto e consolo de uma criada que tinha a seu serviço e para cuidar das crianças. O consolo foi tanto que um dia a criada apareceu grávida. A este propósito, muito mais tarde, um neto do João Manuel comentou: "a criada tanto insistiu... coma Sr. João, coma Sr. João... que ele comeu-a mesmo...". A verdade é que, por pressão familiar, principalmente do seu irmão António que era padre, o João Manuel casou em segundas núpcias com essa criada, de seu nome Benigma Ramos, natural de Alimonde, mas o ambiente ter-lhe-á sido tão hostil em Vila Boa que foi com a família, primeiro para Vilarinho do Monte, terra da primeira mulher e onde não terá sido bem recebido e, depois, para Nuzedo de Baixo. Certo é que nunca mais terá regressado a Vila Boa. Deste seu segundo casamento o João Manuel teve mais sete filhos. A casa do fogo manteve-se sempre na família e actualmente, desde há cerca de uma década, é propriedade do meu irmão Daniel, que comprou as sortes dos vários herdeiros.

(adaptação de um pequeno texto escrito e dactilografado pelo meu pai sobre a vida do seu tio-avô João Manuel Fernandes do Vale. Texto que me entregou em Janeiro de 2024)

Sem comentários: