27 setembro 2024

prova, mastiga e deita fora, sem demora

O mote para este quase-desabafo é o verso da mais que conhecida música "Chiclete" (1981) dos Táxi, que, diga-se, teima permanecer actual. E aqui encontramos logo uma curiosidade, pois a crítica social desta letra musical, do consumismo e do efémero, acabou ela mesmo por se perpetuar no tempo. "Mastigar e deitar fora" funciona como metáfora perfeita para aquilo que caracteriza, e muito, a nossa sociedade: Comprar, consumir, adquirir e depressa largar, abandonar, estragar ou simplesmente deitar ao lixo, para depois voltar a comprar, consumir e adquirir, para depressa voltar a largar, abandonar, estragar ou deitar ao lixo, numa lógica e dinâmica impossíveis de deter ou interromper.
Duas situações distintas, num passado recente, reavivaram-me esta ideia da intolerância da sociedade e das lógicas mercantilizadoras das "coisas", para com, digamos, objectos com alguns anos de existência. A primeira diz respeito ao meu automóvel, que desde que é minha propriedade tem direito a manutenção e assistência na própria marca. É que gato escaldado da água fria tem medo e eu, para não repetir dramas passados, prefiro ser espoliado com garantia de marca. O meu carro tem 14 anos e cerca de 250 mil quilómetros e na última factura-recibo de revisão feita, na marca, a designação do serviço prestado era: "revisão sénior"; A segunda situação, mais recente e, digo eu, ainda mais caricata, diz respeito ao meu computador portátil. Tenho-o desde 2015, portanto é um computador com cerca de nove anos. Nunca tive um problema com ele, nunca deu um erro, nem nunca foi preciso ir com ele à "oficina", até aqui há dias em que o teclado e esta coisa que substitui o rato, mas eu não sei como se designa, deixou de funcionar. Ligeiramente preocupado, a primeira coisa que fiz na manhã seguinte foi ir à "oficina" da respectiva marca, instalada numa requintada loja de um centro comercial da periferia. A conversa de quem me atendeu e já depois de eu mostrar o computador e explicar o sucedido, foi mais ou menos assim:
- Pois, eu compreendo, o seu computador é de 2015... e eu acho que, mas deixe-me confirmar, já não damos assistência técnica (material), porque ele já é vintage...
- Como?! Vintage com nove anos?! - questionei eu, espantado com aquela adjectivação classificatória.
- Pois é, eu sei, mas não poderemos fazer nada. Vamos fazer um diagnóstico à máquina para ver se há algum problema que possa ser resolvido aqui e agora. Se não, talvez seja melhor ponderar adquirir um computador novo...
Não vou registar aqui os impropérios que mentalmente e de imediato proferi, mas naquele momento ficou decidido que essa não seria a solução imediata, até porque no final de tudo isto e depois de mais de uma hora à espera, o computador foi-te entregue com o problema resolvido.
Vivemos num mundo que não quer/aceita/tolera coisas velhas e a ideia ou possibilidade de alguma perenidade é um pesadelo para a tal sociedade de consumo imediato. Há quem conviva bem com esta realidade, há quem não queira saber, nem sequer pensa no assunto e há quem, como eu, não se conforma com tamanha estupidez.

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