19 novembro 2012

mediascape: os desistentes

Das notícias que hoje encontrei na imprensa e nos noticiários televisivos, gostaria de destacar esta do Jornal Público e que diz que os emigrantes portugueses de hoje estão a desistir de Portugal e a pedir naturalização nos países de acolhimento. De facto, esta é uma nova atitude, pois mesmo admitindo que muitos daqueles que, durante várias décadas e gerações, partiram em busca de uma vida melhor longe da pátria nunca regressaram, não há registo que esses portugueses algum dia tenham desistido da sua nacionalidade. Nacionalidade essa que compreende um conjunto de identidades pessoais que, por sua vez, se sentem, ainda que involuntariamente, parte de uma comunidade, no caso nação e, em particular, Portugal. É também enquanto membros dessa nação que aprendemos a construir um sentido de diferença para com os outros, para com os estrangeiros, com os quais permanentemente nos comparamos. José Manuel Sobral (que ainda há poucos dias, aqui referi, a propósito do seu ensaio acerca da identidade nacional), afirma que: «Ser-se português não implica partilhar uma qualquer essência ou substância inefável, mas tão-só reconhecer-se a si e a outros como tais, e a outros como diferentes, estrangeiros. As caracterizações ou representações do que era ser-se português nunca terão sido algo de homogéneo e ainda hoje o não são.»(2012:33)
O facto de haver indivíduos que declaradamente escolhem outra nacionalidade é algo significativo e justificará uma análise mais cuidada e um estudo mais aprofundado, pois para além de romper com as lógicas e circuitos tradicionais dos movimentos migratórios, implica um conjunto de questões simbólicas e identitárias, e será, a médio ou longo prazo, uma questão de Estado, na medida em que será a própria sobrevivência da nação que poderá estar em risco. A desistência de uma nacionalidade significa também a desqualificação dessa nação. Em cada um dos casos é a dignidade de Portugal que está em questão. Cada desistência significa que o outro é melhor que nós e em última análise, esse outro passará a ser «nós» e vice-versa.
Este é mais um sintoma - e espero que não passe disso - do mal estar social que em Portugal e nalguns países da União Europeia se sente, consequência directa das políticas gravosas e erráticas que os governos europeus optaram na resposta à actual crise. Um dia, num futuro que eu não adivinho, haverá quem possa reflectir sobre este momento histórico e, ainda que postumamente, fazer justiça e repor a verdade, para que as nacionalidades possam garantir os índices de civilidade e a qualidade de vida mínima para os seus cidadãos poderem e quererem estar e ser nacionais.

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