29 julho 2019

das coisas da Loisa

Carlos Alberto d’Abreu, num artigo de 2011, escreve sobre a nomeada colectiva dos naturais da sua aldeia, a Loisa, no concelho de Torre de Moncorvo, tentando esclarecer a origem e motivação para esse epíteto que, apesar de não ofender, pelo menos incomoda os seus habitantes...
Nós somos os labregos. Alcunho que assumimos com a maior das naturalidades, porquanto labrego significa rural, campesino, rústico, lavrador. O que ama o agros e dele retira o sustento, com muito esforço e dedicação, acrescente-se.
Para além de labregos, os da Loisa tinham, e têm, má fama. O autor tenta perceber de onde poderá provir esse sentimento de terceiros sobre os loiseiros e encontra a seguinte história:
Ainda há poucos anos, com relativa frequência, encontrávamos gente pela região, mesmo noutros distritos, que quando dizíamos que éramos loiseiros, vinham com a história da (má) fama de que os da Loisa puseram a Guarda a lavrar. (…) Alguns, e essa era/é a versão mais vulgar, verdadeira ou construída (como meio de defesa), diziam que não era verdade. Que chegaram a ir buscar a canga (e o arado) mas que não lha puseram ao cachaço. Dois guardas - já republicanos, pois pelas nossas contas o episódio terá ocorrido por finais da década de 1920, nos primeiros da Ditadura Nacional -, em patrulha pela Loisa, entraram à taberna do Varela, existente na Carreira, para matarem a sede, ou talvez até a fome, e repararam num labrego com dois coelhos à cintura, isto no tempo do defeso. O que não era de estranhar, pois os loiseiros, mercê talvez da distância (distância física e distância-tempo) que os separava da vila (de Moncorvo) - terra onde se concentravam todas as (in)justiças-, sempre abusaram neste aspecto, diga-se em abono da verdade. Os homens fardados intervieram, por obrigação profissional. Mas os loiseiros, que na sua terra se sentiam livres e donos dos seus recursos (incluindo os cinegéticos, está bom de ver), não podiam submeter-se a tal vexame. Poderiam lá consentir que um dos seus fosse preso por dois bichos-caretos, apenas por haver caçado uns laparotos como complemento à pobre dieta, láparos esses nados e criados no seu país? Ora essa… Vai daí, arma-se um tumulto que desarmou os guardas. E o pior vexame veio da mulher do Carocha, qual Brites de Almeida. Quitou os coelhos ao caçador e com eles esbofeteou a autoridade, que já o não era. Foram buscar a dita canga e o arado e apenas os ameaçaram que os poriam a lavrar. E com isto os deixaram ir em paz. Desarmados, claro está. As autoridades administrativo-judiciais é que não estiveram pelos ajustes. Apresentaram-se na aldeia com uma aparatosa força militar, não sabendo nós se no dia seguinte, se nos dias subsequentes, pois os caminhos eram ruins. Entrou a força a cavalo e, no meio do povo, encontraram uma barreira humana, constituída por mulheres e raparigos. Umas prinhadas, outras paridas. O comandante da força, questionou-as sobre o paradeiro dos homens. E elas responderam que não tinham homem. O que levou o servidor da ordem a voltar a perguntar: se não tendes homem, quem vos emprenhou? (…) Ora os homens, andavam a monte, acaçapados nas lorgas dos bichos, porque baterem-se com uma força daquelas, já não estava ao seu alcance. A verdade, ou pelo menos aquela que ouvimos contar, é que da dita “brincadeira”, vários foram os degradados para o Ultramar. E pelos vistos alguns, sem culpa nenhuma.
(Abreu, Carlos Alberto, 2011)

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