13 agosto 2014

a verdade histórica de um retrato

Quando o Papa João XXIII convocou, através da Bula «Humanae Salutis», o Concílio Vaticano II, no dia 25 de Dezembro de 1961, iniciou um processo que levaria, nos meses e anos subsequentes - o Concílio terminaria no dia 8 de Dezembro de 1965 - milhares de membros da Igreja até Roma e à cidade do Vaticano. Entre esses muitos homens do Clero que para aí se deslocaram, estava D. Manuel António Pires, então bispo de Silva Porto, Angola. Viajou para Roma, no fim do mês de Setembro de 1962, como membro integrante da comitiva portuguesa que iria participar no conclave. Ao todo participaram 39 elementos do clero português. D. Manuel viajou de Bragança até Madrid na companhia de D. Abílio Vaz das Neves, então bispo da diocese de Bragança-Miranda, e no carro desta diocese. De Madrid foram de avião até Roma. Com estes dois prelados viajaram também o secretário de D. Manuel, o padre Manuel Vale e seu irmão Francisco Vale.
Os trabalhos do Concílio só iniciaram no dia 11 de Outubro de 1962, o que proporcionou alguns dias de descanso e de turismo pela cidade. Foi também nesses primeiros dias que D. Manuel foi recebido, em audiência, pelo Papa João XXIII. Desse singular e curto momento ficou o registo fotográfico, onde podemos verificar que nessa reunião participaram também, pelo menos, mais dois sacerdotes.

Imagem 1 - Pontifícia fotografia tirada no fim da audiência, no dia 1/10/1962. Para além de João XXIII e D. Manuel, podemos ver também o Padre Francisco Vale (do lado direito da fotografia).  

No regresso a Portugal e a Bragança e depois da curta estadia no Vaticano, o padre Francisco Vale trouxe consigo um exemplar dessa fotografia. Mas pelos vistos, por mais que olhasse para ela, não estava satisfeito com a sua qualidade e, principalmente, com a disposição dos seus elementos. Por isso, mesmo antes de partir para o Rio de Janeiro onde foi passar uma temporada, resolveu intervir e para tal, solicitou os serviços do fotógrafo Ricardo, em Bragança. O que pretendia era uma manipulação, em que ele passasse para o lado oposto da fotografia, trocando de posição com o outro sacerdote e, assim, ficar ao lado do Papa. Para além disto, escreveu no verso desta fotografia:
«na fotografia do Sr. Bispo devem ficar em vermelho: a capa, o laço e a faixa, botões e cordão; em cor de ouro: cruz peitoral e seu cordão, anel.»
O referido profissional tratou de dar resposta ao solicitado e enviou, via Correio, o resultado para o Pe. Francisco. Só que este não ficou nada agradado com o resultado, pois continuava longe do Sumo Sacerdote. Voltou a escrever ao fotógrafo, mas desta vez num tom mais acintoso, reafirmando a vontade de constar para a posteridade ao lado do Papa. O fotografo Ricardo, acossado pela carta recebida, rapidamente tratou de proceder à manipulação da fotografia. O resultado dessa montagem foi enviado para o Brasil, para aprovação do Pe. Francisco. No verso dessa "fotografia" manipulada, escreveu:
«o tapete será retocado para ficar uniforme, assim como a cruz será disfarçada e ficar apenas a porta»
Imagem 2 - Ensaio da montagem efectuada, em que o Pe. Francisco aparece já do lado esquerdo da imagem, mas ainda sem os referidos retoques e acabamentos.

O trabalho estava concluído e o Pe. Francisco agradado, agora sim, pois estava, finalmente, no sítio certo. Muito rapidamente tratou de reproduzir essa fotografia e em vários tamanhos, distribuindo-as pela sua família. Enfim, conseguiu oficializar a sua versão da audiência papal, que aconteceu no longínquo dia 1 de Outubro de 1962.
A única fotografia conhecida desse momento até ao presente, imortalizada na parede de um salão nobre da casa familiar e em rica moldura dourada, foi essa em que aparece do lado direito de João XXIII e do lado esquerdo da fotografia.
Imagem 3 - Fotografia final, depois da manipulação e das alterações solicitadas pelo Pe. Francisco. Único exemplar conhecido durante todo este tempo.

Só agora, em 2014, e quando se procedeu à derradeira limpeza dos seus aposentos, foi possível encontrar a documentação (fotografias e correspondências), que permitiu conhecer a verdadeira história de uma simples fotografia.

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