Num tempo em que nos aproximamos das eleições autárquicas, Nelson Dias (sociólogo) escreve, no jornal Le Monde Diplomatique deste mês, um interessante artigo sobre os orçamentos participativos em Portugal. Nesta sua reflexão procura saber onde estão concentrados, qual a sua relação com a participação democrática (relação com os crescentes níveis de abstenção) e que capacidade têm os portugueses de se mobilizarem e associarem em torno de projectos concretos, assim como a sua capacidade de influenciarem o poder instituído, ou seja, o poder autárquico.
Diz-nos que foi num contexto de desaceleração do entusiasmo democrático, com uma confirmada tendência de descida dos índices de participação eleitoral, que surgiu, em Palmela, a primeira iniciativa de Orçamento Participativo(OP) em Portugal. Estávamos em 2002. A emergência e o desenvolvimento dos OP está intimamente relacionada com a quebra de confiança no regime e nos seus principais agentes políticos, assumindo-se como uma tentativa de resposta do Estado local, ainda que parcial, à necessidade de reconstruir pontes de diálogo e reaproximação com a população (...) o que, curiosamente, implicou uma actividade cívica e política mais intensa, pelo carácter anual destas práticas, e mais extensa, pelo cada vez maior número de pessoas envolvidas.
Numa análise mais profunda aos OP em Portugal, o sociólogo percebe que estes se transformaram , nalguns concelhos, nos principais barómetros para as autarquias, leia-se, presidentes e vereações, para a auscultação das sensibilidades e percepções dos seus munícipes e, assim, para o desenho das políticas públicas. Apresentando vários exemplos de OP em diferentes municípios, Nelson Dias afirma que estes instrumentos deixaram de ser mera curiosidade ou moda política. Entraram timidamente no nosso país e gradualmente instituíram-se como catalisadores de processos de mudança.
Nelson Dias termina o seu artigo num tom optimista ao afirmar que este modelo foi de tal forma apropriado pelas populações que hoje se converte num canal de interlocução directa para a discussão e definição de políticas públicas, cujos impactos sobre o território são muito superiores aos dos projectos dos próprios OP. Ao olharmos para estes nesta nova perspectiva entendemos que o seu potencial suplanta as expectativas iniciais, reforçando o seu potencial de credibilidade e, com isto, a sua sustentabilidade.
Sem querer discordar muito desta sua perspectiva optimista, eu seria um pouco mais cauteloso em relação às verdadeiras motivações e objectivos de muitos autarcas e executivos autárquicos em relação a este instrumento de participação cidadã. Digo isto, tendo em conta aquilo que é a minha experiência enquanto autarca. Se é verdade que inicialmente as autarquias desconfiavam dessas propostas, maioritariamente, apresentadas em sede de Assembleias Municipais e, nalguns (poucos) casos, de Freguesia, pelas oposições, rejeitando liminar e até jocosamente essas propostas, com o tempo e com algum esforço de conhecimento técnico, apropriaram-se desses instrumentos, passando-os a apresentar como propostas nos seus próprios manifestos programáticos e eleitorais, assim como nos seus orçamentos pluri-anuais.
Recordo-me que em Bragança, enquanto membro da Assembleia Municipal (2005-2013) apresentei essa proposta - a de criação de uma rubrica de Orçamento Participativo - durante vários anos e nunca foi aprovado pela maioria que governava o município que, primeiro, por ignorância, depois por receio e, por último, por despeito, ridicularizava essa ideia "comunal" e "cooperativa". Na verdade, mesmo em Bragança passou a existir um Orçamento Participativo no qual a população pode "participar" votando, no portal da autarquia, de entre um conjunto de projectos propostos pelos próprio executivo, aquele ou aqueles que gostariam que fossem concretizados.
Concluindo, considero os OP uma excelente ferramenta naquilo que poderá ser um incremento da implicação dos munícipes no planeamento, reflexão e execução de projectos colectivos e de utilidade pública, mas também desconfio dos reais e verdadeiros propósitos dos autarcas que, por hábito e defeito da prática autárquica no nosso país, não quererão nunca abdicar do seu predicado poder de decisão e execução. Aquilo que assistimos na grande maioria dos OP existentes, salvo raras excepções, são adaptações e pequenas iniciativas que sob essa designação pomposa e pertencente às narrativas daquilo que é actualmente considerado correcto, não são mais do que instrumentos ao serviço do interesse e vontade dos executivos autárquicos e das suas clientelas, ou pura e simplesmente são verbo de encher em momentos como este, os de vésperas de eleições autárquicas.
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