04 janeiro 2020

envelhecimento cultural

Servindo-se do exemplo da "famosa revolução digital" Manuel Frias Martins (MFM) reflecte, no último Jornal de Letras (nº 1285, Janeiro 2020), sobre o que é ser velho e como se envelhece... a gentil certeza da morte ao fim do caminho, com certeza, mas o modo de ser velho tem mais a ver, afinal, com o indivíduo do que com o tempo de vida de cada um. Partindo desta premissa, MFM questiona o envelhecimento cultural.
Começa por afirmar que o envelhecimento é percepcionado através do envelhecimento dos outros e que esse confronto entre o envelhecimentos (dos outros e o nosso) permite-nos entender o processo de envelhecimento cultural. Refere também a resistência, consciente ou não, à diferença e às mutações da cultura (sistemas de signos que actuam no interior de uma comunidade) como factor determinante.
Define o processo de envelhecimento cultural como um indivíduo ser obediente a si próprio e ao princípio regulador do seu conforto existêncial. Isto é algo que tem menos a ver com a idade do que com a atitude que cada um de nós tem ao longo da vida perante os desafios das ideias, das novidades tecnológicas, das práticas sociais e políticas no seu todo, nelas incluindo as práticas artísticas. Se essa atitude for pautada por uma busca do paraíso solitário onde só os valores individuais persistem, (...) então estamos a eliminar a interrogação, a dúvida, a contradição, o desassossego, a transformação. (...) Então somos protagonistas do do envelhecimento cultural que nos afasta do mundo e nos encerra no ilusório paraíso de nós próprios.
MFM considera, assim, que esse envelhecimento cultural é uma questão de carácter ou temperamento pessoal e não consequência de qualquer idade. Afirma-o como uma construção individual, ao contrário dos estudos culturais que o consideram uma construção social. Ao mesmo tempo, reconhece que todos nós, por mais disponíveis que estejamos para a novidade e para a diferença, acabámos nalgum ponto por revelar o nosso envelhecimento cultural, seja através das normas de vestuário, linguagem, gostos musicais e artísticos, etc.
Relativamente às tais tecnologias digitais que vieram revolucionar a nossa vida, MFM levanta as seguintes questões:
estarei eu a ser objecto de envelhecimento cultural se recusar este novo mundo digital?
Até onde é que eu posso ir na aceitação desta nova realidade sem contradizer a minha própria identidade, a qual se formou através da leitura em profundidade de livros diversos?
Poderei eu abdicar do enriquecimento propiciado por essa leitura e da promoção social e cultural da respectiva capacidade crítica?
Se eu privilegiar o espírito crítico daí recorrente, será que estarei num processo de envelhecimento cultural se afirmar (recusando) que no novo mundo digital há perdas irreparáveis no que respeita à leitura?
Consciente de que as respostas a estas questões não são simples, afirma que o importante é manter uma disponibilidade crítica, tão convicta quanto possível, para com as novas solicitações da cultura digital em todas as suas manifestações.
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EU:
Estou mais do que disponível para a novidade, considero-me até um privilegiado por a minha existência coincidir com este tempo magnífico de desenvolvimento tecnológico e científico. Poder testemunhar essa evolução, procurar acompanhar aquilo que é novidade e ser capaz de me servir dela, será sempre uma sorte e um prazer. Contudo, reconheço com humildade que estarei aprisionado ao meu envelhecimento e que à medida que esse processo evolui, consciente estou de que cada vez me escaparão mais "novidades" e que o meu interesse tenderá a decrescer. Dito de outro modo, cada vez mais casmurro e teimoso.

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