12 abril 2020

de regresso à realidade

Na actual edição do Jornal de Letras (nº 1292), Viriato Soromenho-Marques apresenta três teses preliminares sobre as possíveis causas para a actual pandemia. Na primeira tese afirma que esta pandemia tem raiz na crise global do ambiente; na segunda tese refere-se aos perigos e riscos para a saúde pública, às escalas regional e mundial, que a crise ambiental e climática incluem; e na terceira tese acusa o neoliberalismo das últimas décadas ter deixado a política num estado comatoso e sem sistema imunitário político e estadual para enfrentar esta crise. Pelo pragmatismo e acertividade desta terceira tese, transcrevo-a quase na íntegra:

O neoliberalismo deixou a política em estado comatoso. Quase 40 anos de pandemia neoliberal, atacando as mentes, os corpos e as instituições deixaram-nos, aos povos do mundo, sem sistema imunitário político e estadual para enfrentar esta pandemia em sentido estrito. O narcisismo patológico de Trump, ou a estupidez cósmica de Bolsonaro, são apenas a ponta do iceberg. A experiência vivida por António Costa perante as "repugnantes" declarações de um insignificante ministro das finanças holandês, ilustram o egoísmo, a cegueira e a miséria moral e intelectual de grande parte das lideranças na União Europeia. Uma década de austeridade severa deixou os sistemas de saúde enfraquecidos. Não só em Portugal, mas também em quase toda a Europa.
(...)
Certo e seguro é que, depois de décadas vivendo na atmosfera quase narcótica de inconsciência e irresponsabilidade dos roaring years de um crescimento exponencial movido pela máquina trituradora do neoliberalismo, chegámos a uma situação em que a humanidade se encontra em vertiginosa rota de colisão com o Sistema-Terra. Esta pandemia veio acordar-nos para os duros factos de uma vida onde os actos têm consequências e os erros pagam-se caro. Estamos de regresso ao sentido trágico da existência. À dura experiência da nossa interdependência e da nossa vulnerabilidade. Estamos de regresso à realidade. O único lugar onde a nossa humanidade pode florescer e transcender-se.
(Viriato Soromenho-Marques, in Jornal de Letras, nº 1292, Abril 2020)

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