A propósito do seu novo livro "O Fim dos Estados Unidos da América", Gonçalo M. Tavares dá uma entrevista à jornalista Isabel Lucas, que foi publicada no suplemento Ípsilon, do jornal Público de ontem, dia 5 de Dezembro de 2025. Sobre este livro com mais de novecentas páginas que o próprio autor define como "tragédia greco-americana", discorre sobre várias ideias e conceitos, paradoxos e distopias da nossa contemporaneidade e sobre futuros possíveis para a nossa espécie. A determinada altura e quando questionado sobre a mediação de mitos, responde assim:
"A questão de ir à Lua era um mito moderno, esta coisa agora de repente de ir a Marte. São mitos com motor e gasolina. O facto de os EUA não terem também uma história mítica por trás, que fundamenta as suas ideias, os seus projectos, faz com que os mitos sejam muito mitos para a frente. A tragédia greco-americana é um pouco isso. Quando falamos em mitos, normalmente, olhamos para trás, nos mitos americanos o olhar é para a frente. Daí nasce um conflito. Mas a grande tensão é entre riqueza e pobreza. Interessava-me pensar sobre até quando pobres e ricos continuarão a ser uma espécie única. Ou seja, biologicamente, a partir de quando a união de uns e outros conseguirá gerar descendência? Aí temos uma nova espécie. Há aqui também uma distopia.
Esta é uma das distopias essenciais do livro, a questão de quando é que vamos achar que está aqui uma separação exagerada. Pensa-se em guerra civil entre dois extremos políticos ou entre duas concepções de mundo, mas pode ser entre duas espécies humanas que se vão formando.
Por outro lado, há pessoas a viver como na Idade Média e outros no cume da tecnologia. Não estamos todos a viver em 2025. Quem não tem Internet ainda não chegou a a 1980. E estas pessoas cruzam-se na rua. O conflito de classe traz o conflito de épocas. É como se os pobres viessem reclamar o direito de entrar no século XXI. Esta é a grande distopia. Quis puxar por isto: ainda não está claro que há aqui um conflito gigante, uma grande guerra civil entre pobres e ricos. É uma guerra civil desproporcionada. É o século XVIII a combater com o século XXI."
(negritos meus)
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