11 janeiro 2012

aulas inéditas...

Na edição deste mês de Janeiro do Le Monde diplomatique – edição portuguesa, II Série, n.º 63, são publicados dois textos de Pierre Bourdieu (1930-2002) correspondentes a duas aulas dadas no Collège de France, em 1990. Apesar da distância temporal ambas as aulas são, sem dúvida e com muita clareza, nossas contemporâneas.
No primeiro texto, intitulado "Como se fabricam os debates públicos", Pierre Bourdieu começa por nos apresentar e fazer uma descrição do Homem Oficial, enquanto ventríloquo que fala em nome do Estado, que adopta uma postura oficial e fala por todos e em lugar de todos, fala como representante do universal. Depois, parte para a noção moderna de opinião pública e levanta a seguinte questão: O que é essa opinião pública? Segundo o autor, é tacitamente a opinião de toda a gente, da maioria ou dos que contam, dos que são dignos de ter uma opinião. As comissões oficiais consistem na criação de grupos constituídos de tal forma que apresentem todos os sinais exteriores, socialmente reconhecidos e reconhecíveis, da capacidade de exprimir a opinião digna de ser expressa, e nas formas conformes. Substituem assim os cidadãos na liberdade e na capacidade democrática de criar e gerir essa opinião pública, ou seja, a comissão constitui uma opinião pública esclarecida que vai instituir a opinião esclarecida como opinião legítima, em nome da opinião pública. Será no processo de construção dessas opiniões públicas que Pierre Bourdieu insere os atributos das sondagens, enquanto instrumentos ao dispor dos "esclarecidos" para imporem suas opiniões junto dos "menos ou não-esclarecidos". Uma das características das sondagens, escreve este autor, consiste em pôr às pessoas problemas que elas não se põem, em insinuar respostas a problemas que não puseram; em impor, por consequência, respostas. Trata-se de facto de se impor a toda a gente questões que a opinião esclarecida se põe e, dessa maneira, de produzir respostas de toda a gente sobre problemas que alguns se põem, e, portanto, em dar respostas esclarecidas, visto estas terem sido produzidas pela pergunta; fez-se assim existir para as pessoas questões que não existiam para elas, quando o que para estas era questionável era a pergunta. Quando se fala de opinião pública, joga-se sempre um jogo duplo entre a definição confessável (a opinião de todos) e a opinião autorizada e eficiente que é obtida como subconjunto da opinião pública democraticamente definida. A verdade dos dominantes torna-se a verdade de toda a gente. Por último neste texto, Bourdieu fala da necessária teatralização da instância oficial para ser oficial: é preciso atribuir a fé na instância oficial, para se ser um verdadeiro oficial. O desinteresse não é uma virtude secundária, é a virtude política de todos os mandatários. As estroinices dos padres ou os escândalos políticos são o desmoronamento da espécie de crença política em que toda a gente está de má fé, sendo a crença uma espécie de má fé colectiva... um jogo em que toda a gente mente a si mesma e mente aos outros sabendo que os outros mentem.
No segundo texto, intitulado "As duas faces do Estado", Pierre Bourdieu começa por escrever que descrever a génese do Estado é descrever a génese de um campo social, de um microcosmo social relativamente autónomo no interior de um mundo social englobante. A génese do Estado é um processo no decurso do qual se opera uma série de concentrações de diversas formas de recursos: de recursos informacionais e de capital linguístico. Este processo de concentração é paralelo a um processo de despossessão: constituir uma cidade como a capital, como lugar onde se concentram todas as formas de capital, é constituir a província como despossessão do capital; constituir a língua legítima é constituir todas as outras línguas como patoás. a cultura legítima é a cultura garantida pelo Estado, garantida por esta instituição que garante os títulos de cultura, que fornece os diplomas que garantem a posse de uma cultura garantida. Os programas escolares são assunto de Estado; mudar um programa é mudar a estrutura de distribuição do capital, é fazer desaparecer certas formas de capital. Esta concentração é ao mesmo tempo uma unificação e uma forma de universalização. Onde havia coisas diversas, dispersas, locais, passa a haver uma coisa única. A partir daqui Bourdieu aborda as distinções entre a dimensão local e a dimensão global ou universal, dando destaque à importância da Escola como potenciadora do valor patrimonial de quem acede aos bancos da escola.

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