28 janeiro 2012

bons vizinhos

O Horácio vivia numa moradia nos arredores de uma pequena cidade do interior do país e tinha por vizinho um jovem casal de bancários que habitavam a casa ao lado. Sem grandes entusiasmos ou empatias, os dois casais coabitavam em sã e cordial vizinhança. O Horácio tinha um cão de Gado Transmontano que passava os dias pelas extensas áreas exteriores da casa, numa típica e pachorrenta vida de cão, ladrando apenas quando alguém tocava à campainha ou a quem se aproximava demasiado do seu território. Na casa ao lado vivia também um cão que, apesar de rafeiro, tinha acesso privilegiado a toda a casa, onde aliás passava maior parte do seu tempo. Este rafeiro, apesar do seu aspecto franzino, era temperamental e muito agressivo para com estranhos e, especialmente, para com outros animais. Escusado será dizer que sempre que se via livre, o seu passatempo predilecto era ir provocar o cão da casa ao lado, reclamando sempre o seu imenso território, mas sem nunca ter motivado mais do que alguns rosnares de aviso. O Cão de Gado não reagia nem se importunava com tais provocações. Os seus donos sabiam disso e viviam tranquilos. 
Certo dia, para espanto de Horácio, o seu cão aparece com o outro entre os dentes, sangrado e todo sujo, já morto. Surpreendido com a atitude do seu próprio cão e sem saber como reagir, até porque Horácio sabia perfeitamente a estima que os vizinhos tinham pelo rafeiro, resolve omitir tal acontecimento. Primeiro, decide lavar e tratar das feridas do cão morto. Depois, esperando pelo cair da noite, leva o cão ao colo até ao muro das traseiras que divide as duas propriedades, verifica se ainda há luzes na casa vizinha e atira o cão morto, por cima do muro, para o outro lado e regressa em silêncio para dentro de casa. 
Passados não muitos dias, os dois vizinhos encontram-se à porta de casa e cumprimentam-se. Horácio, receoso que o vizinho o questione acerca do seu cão, tenta esquivar-se, mas o vizinho logo o interpela:
- Sr. Horácio, nem sabe o que me aconteceu... Deve andar por aqui algum espírito mau, alguma bruxa ou mau olhado!
- Aí sim?!.. Não me diga?!... - questiona o Horácio, ensaiando uma expressão de admiração, mas consciente que já não irá escapar e que terá que admitir o sucedido.
- Pois é. Então não é que aqui há dias, o meu cão morreu e eu enterrei-o lá trás no quintal da casa e passados dois dias ele apareceu-me lavado, deitado em cima da relva do quintal. 
- Ah! Que estranho. Isso é muito estranho. - comentou Horácio aliviado e ao mesmo tempo certo da asneira que tinha cometido.

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