O jornal Público de ontem, dia 18 de Junho, trazia uma reportagem sobre a Índia muito interessante. Sendo um país imenso, culturalmente muito heterogéneo e economicamente muito pobre, tem índices de desenvolvimento típicos de um país de terceiro mundo. A peça jornalística traz-nos o esforço que o Estado indiano e os diferentes níveis de poderes regionais tem realizado para que os indianos, principalmente aqueles que vivem no espaço rural - e são cerca de 70% dos 1,2 mil milhões de indianos, usem as sanitas. Pelos vistos 53% dos agregados familiares desse imenso território rural indiano não tem sanita nas suas habitações e defecam desde sempre ao ar livre. O esforço do Estado em equipar as casas com casas-de-banho, nomeadamente com sanitas, tem sido um esforço em vão, pois grande parte das pessoas que tiveram acesso a elas, preferem continuar a ir à rua fazer as suas necessidades. Muitos deles aproveitaram a nova construção anexa às suas habitações para lá arrumarem coisas. O esforço estatal procura alterar este costume ancestral que anualmente mata centenas de milhares de pessoas, principalmente crianças. Esta situação é paradigmática daquilo que são as representações sociais e simbólicas da doença/saúde. Enquanto que para o Estado e seus técnicos se trata de um problema de saúde pública que é preciso resolver, para os cidadãos defecar ao ar livre faz parte de um todo, de uma vida saudável e virtuosa. Assim sendo, é lógico que não basta construir retretes, é preciso um esforço pedagógico, educacional e geracional para que, pelo menos, as novas gerações se habituem e percebam a importância do uso das sanitas.
Esta situação relembra-me o tempo em que também em Portugal e também no espaço rural, as casas não estavam equipadas com essa divisão "pós-moderna" que era a casa-de-banho. Na altura em que começaram a roubar espaço às casas para construírem esses cubículos sanitários, foram muitas as resistências e recordo um caso em concreto, passado talvez em finais dos anos 70, ou início dos de 80, em que um lavrador vizinho, depois de muito refilar e resistir, lá foi convencido pelos familiares mais novos para a necessidade e o conforto de ter casa-de-banho em casa. Mal convencido, lá decidiu fazer a vontade aos mais novos e resolve construir não uma, mas duas pequenas casas-de-banho encostadas uma à outra... A verdade é que esse lavrador, apesar do investimento e do novo espaço sanitário, preferiu continuar a ir à loja dos animais, no piso inferior de sua casa, para se aliviar das suas precisões. A Índia aqui tão perto.
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