08 maio 2019

crónicas de Barcelona - II

A turistificação da cidade [16-04-2019]

Não trazia comigo qualquer expectativa em especial relativa à cidade. Tal como já referi, era um dos destinos urbanos e europeus que sempre quisera visitar e conhecer. Sem qualquer plano, a não ser a visita aos lugares de referência turística (os tais de visita obrigatória e, mundialmente, referenciados), a proposta era conhecer a cidade. Não precisei de muito tempo, nem de deambular muito, para me aperceber da Barcelona-objecto e da Barcelona-narrativa que encontramos promovida e divulgada por todo o mundo e em todas as línguas. Aquilo que desconhecia de todo era a dimensão da turistificação da cidade, naquilo que são os percursos possíveis e tipificados. Claro que existe uma cidade que trabalha e produz, uma cidade com habitantes e vida própria, mas aquilo que nos é dado a consumir enquanto turistas é esmagador. A sensação com que fiquei foi de uma cidade (zona histórica e arredores) espezinhada, frenética, suja e invadida por turistas, que ainda por cima, se precipitam para os poucos lugares referênciados pela lógica da indústria do turismo, como se o mundo acabasse amanhã. Impressionante. Não sou muito viajado e falta-me muito mundo, mas em nenhuma outra cidade que visitei encontrei tamanha confusão, frenesim e stress junto desses locais de eleição turística, onde tirar uma simples fotografia se adivinha uma autêntica aventura de atropelos e ângulos impossíveis. Aqui está um bom exemplo do paradigma do turismo de massas, no qual se vendem destinos cuja oferta real não corresponde ao produto promovido - vende-se a cidade, ainda que uma grande cidade, como histórica, monumental, cultural, gastronómica, etc., etc. e depois, a realidade defrauda-nos, ou pelo menos, deixa-nos uma certa frustração. Nem de propósito, no intervalo para descanso no hotel, ao final da tarde, encontrei um artigo na New York intitulado “The Airbnb invasion of Barcelona - in the tourist-clogged City, some locals see the service as a pestilence”, assinado por Rebecca Mead, cuja leitura me entreteu durante largos minutos. Transcrevo alguns dados interessantes e curiosos que recolhi e traduzi dessa leitura:

Barcelona foi vendida com sucesso aos mercados internacionais como um destino de lazer, com bom clima, boas praias, vida nocturna e uma oferta cultural ímpar, tornando-a num dos destinos mais populares da Europa. Actualmente, Barcelona recebe cerca de vinte milhões de turistas por ano, isto para uma população de um milhão e seiscentos mil habitantes. Fenómenos como o das companhias aéreas de baixo-custo como a Ryanair e do turismo local como a Airbnb intensificaram a promoção e divulgação da cidade, tornando-a acessível a um crescente número de indivíduos e famílias. Cerca de um milhão e meio dos visitantes actuais ficam hospedados em locais Airbnb. Existem quase vinte mil locais activos disponibilizados pela Airbnb. Tudo isto trouxe alterações demográficas extremas para a cidade. Por exemplo, no bairro Gótico, nos últimos 12 anos, a população residente diminuiu cerca de 45%.
Apesar do turismo contribuir para quase 12% da economia da cidade, é preciso relembrar que até bem perto do final do século XX, Barcelona era vista, acima de tudo, como um porto-de-mar industrial. O seu perfil internacional alterou-se abruptamente com o acolhimento dos Jogos Olímpicos de 1992. Em 2010, a cidade decidiu liberalizar as regras do aluguer de curta-duração e, com isso, durante os quatro anos seguintes, as licenças quadruplicaram. Diz uma activista local que Barcelona parece um parque temático, repleto de restaurantes que vendem paellas, tapas e sangrias, nenhuma das quais originária da cidade ou região, mas que correspondem a uma imagem genérica de Espanha. Em 2017, num inquérito anual promovido pela cidade, o turismo foi referenciado como a maior preocupação para 60% da população local. (clicar aqui para ler o artigo na íntegra)

Barcelona é uma grande cidade. É bonita. É apelativa. Ainda que ingrata ou injustamente, tento imaginá-la sem todo este ruído.

(fotografia: retirada do artigo da New York)

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