10 fevereiro 2009

desassombro da memória

Hoje, enquanto almoçava e tal como faço regularmente aproveitei para desfolhar o jornal Público, que trazia na sua última página uma crónica de Nuno Pacheco que versava sobre Salazar e suas circunstâncias. Já ontem à noite, mal chegado de Bragança e enquanto trincava uns bolinhos de bacalhão com alface e superbock, liguei o pc e a tv, esta para conhecer as notícias, aquele para abrir hipotética correspondência. Num rápido zapping pelos canais disponíveis, apercebi-me de uma ficção nacional cuja personagem central era Salazar (salvo o erro, na SIC). Com grande sucesso está no ar, também, uma nova série da ficção "Conta-me como foi", que também narra as vidas normais de um Portugal de Estado Novo. Recordo neste instante, esse inacreditável concurso que um qualquer canal televisivo nacional promoveu, no qual era suposto ser eleita a principal figura da história portuguesa. Se não me engano, foi Salazar a figura mais votada pelos portugueses. E por último, hoje, estando eu numa fila de pessoas à espera para ser atendido, ouço a conversa de duas senhoras que, imediatamente à minha frente, vão comentando a excelente produção e o magnífico desempenho de Diogo "qualque coisa" no papel de António Salazar. Ambas assistiram à tal série e adoraram.
Pois é. Quem diria!?... Não haverá dúvida que o tempo tudo cura. À medida que este passa, a capacidade de recordar vai-se esvanecendo. Por mais que alguns (talvez cada vez menos...) lutem contra, é mais do que natural que os fantasmas que povoavam os pesadelos de outrora comecem, progressivamente, a transfigurar-se em heróis românticos e/ou enigmáticos nos "sonhos" que ainda podemos ter... O hiato de tempo imposto pelo tabu histórico resultou num profundo desconhecimento desse periodo do século XX. Agora percebe-se uma crescente vontade de melhor conhecer esses tempos, esses espaços e personagens, principalmente nas gerações mais novas que, sem culpa, não experimentaram essa realidade e por isso mesmo não a conseguem reconstruir mentalmente, porque a memória e as nossas recordações são conservadas através da referência ao meio que nos rodeia.
À medida que a neblina se vai dissipando, perceberemos cada vez mais nitidamente a desmitificação dessa figura central de grande parte do século XX português. E será principalmente através do espelho nacional que é a televisão que o iremos entender.

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