10 agosto 2012

êxodo urbano, novos povoadores e a reconquista do nordeste...

Li hoje no jornal Mensageiro de Bragança a notícia de que o primeiro de cinco casais que já estava instalado no concelho de Alfândega da Fé, há cerca de um ano e ao abrigo do programa de repovoamento rural Novos Povoadores, abandonou o projecto e regressou ao litoral, de onde eram originários. Na mesma notícia, a actual presidente da respectiva Câmara Municipal admitiu que apesar de ter achado interessante e ter apoiado o projecto, sempre desconfiou da sua aplicabilidade e sucesso. Este era apenas o primeiro casal que o projecto, em fase piloto, conseguiu transferir e com esta desistência, os responsáveis pelo projecto serão obrigados a encontrar um casal em condições de substituir aquele que saiu.
Alguém terá ficado surpreendido com esta notícia? Não sei, mas eu não fiquei nada surpreendido. Admiro até como foi possível esse casal aguentar cerca de um ano longe de todas as suas referências e do seu "habitat natural". Não quero com isto dizer que este movimento é contra-natura, pois até considero o projecto teoricamente interessante, mas a verdade é que não é nada fácil, hoje em dia, trocar o conforto e as acessibilidades do espaço urbano pelo desconforto e distâncias dos territórios rurais e do interior do país. A promoção dos territórios rurais é importante e parte da fundamentação deste projecto assenta nas enormes assimetrias existentes no território nacional e na importância de tentar contrariar a forte tendência para a litoralização demográfica. Isso pode, de facto, acontecer através de um êxodo urbano, mas será sempre um esforço incomensurável e provavelmente, inglório.
Apesar da simpatia que o projecto me merece, penso que para quem conhece um pouco a realidade dos territórios rurais deprimidos e suas comunidades, não deixa de ser uma ideia romântica pensar que esses novos povoadores seriam um caminho para o repovoamento e a solução para todos os problemas dessas comunidades e territórios. Não são. Aliás, um dos problemas deste projecto é mesmo essa mensagem virginal, naturalista e idílica do mundo rural que desde logo me remete para as reminiscências de um ideário pastoral - movimento literário com forte expressão na segunda metade do século XIX - que exaltava o mundo rural por oposição à vida urbana.
Produzida por citadinos, a sensibilidade pastoral é gerada por um desejo de se retirar face ao poder e complexidade crescentes da civilização. O que é atraente no pastoralismo é a felicidade representada por uma imagem da paisagem natural, um terreno intocado ou, se cultivado, rural. O movimento em direcção a esta paisagem simbólica pode também ser entendido como um movimento para longe de um mundo artificial (...). Noutras palavras, este impulso dá azo a um movimento simbólico para longe dos centros da civilização em direcção ao seu oposto, natureza, para longe da sofisticação em direcção à simplicidade, ou, para introduzir a metáfora principal do modo literário, para longe da cidade em direcção ao campo. (Marx, 1967 in Silva, 2009)
De facto, os factores de atracção do campo estão relacionados com os seus atributos reais ou imaginários, tais como a liberdade, a tranquilidade, o bucolismo, a tradição, a natureza, a autenticidade, entre outras e no discurso destes "pioneiros" podemos, igualmente, encontrar expressões, tais como "tranquilidade, qualidade, tempo, ambiente, vida mais oxigenada, elite, província...", ou ainda, "...decidiu partir à aventura! Muitas vezes atrás de um sonho", que remetem igualmente para esse universo de simbologias ou mitologias do mundo rural.
Regressando à notícia em apreço, percebi que um dos elementos (ele) tinha um emprego em que poderia perfeitamente deslocalizar-se e o outro elemento (ela) iniciou um negócio de venda de mel na internet(?). Bem, muito poderia dizer acerca desta conceptualização do que é viver de uma actividade do sector primário, mas vou-me limitar a transcrever algo que um grande amigo, especialista nestas cousas da agricultura, um dia me disse: "Num território como o transmontano, cuja dimensão padrão das parcelas agrícolas é o microfundio, o meu conselho para todos os paraquedistas (leia-se, sem experiência) que pensam investir na agricultura, é que estejam quietinhos e deixem estar o dinheiro no banco. É uma perda de tempo e de dinheiro".
Gostaria um dia de poder viver num território rural deprimido, tão deprimido que só lá estivesse eu, mas com o pragmatismo mínimo necessário sei que isso só acontecerá se eu conseguir aforrar o suficiente para a minha sobrevivência e conforto. Pois é.
(estou a ponderar enviar este texto para um dos jornais regionais)


(in Jornal Mensageiro de Bragança, 9 de Agosto de 2012)

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