Não gosto do cheiro nem do sabor da hortelã. Com grande certeza serei dos poucos que não aprecia tal aroma, dada a proliferação desta planta por todos os cantos e recantos da nossa civilização. Diz a história que a hortelã-vulgar, cujo nome científico é Mentha Spicata, sempre esteve presente na farmacopeia chinesa, que os romanos acreditavam que o seu consumo beneficiava a mente e, em concreto, a inteligência, mas terão sido os egípcios os primeiros a documentarem a sua utilização. Os entendidos na coisa dizem-nos que esta planta aromática e com inúmeras propriedades medicinais é indicada para variadíssimas patologias, tais como as más digestão, as náuseas, os vómitos, febres, dores de cabeça e constipações. Para além disto, é anti-séptica, diurética e estimulante. Depois, temos as diferentes formas de a consumir, sendo que a mais habitual é a infusão, mas também há registos da sua mastigação para cuidar do hálito e para cuidar da garganta, assim como a relativa secagem das suas folhas para compressas e para inalação de vapores. Mais recentemente, assistimos à sua transformação num produto gourmet e na moda, através da sua utilização massificada na actual culinária de empratamentos, de autores e de grandes fomes. Iguaria omnipresente em tudo que é saladas, sobremesas, bebidas, gelados, doçarias, rebuçados, pastilhas elásticas e afins, serve igualmente como aroma para anular qualquer outro cheiro ou sabor presente, naquilo que eu chamaria de ditadura da hortelã...
Se a enquadrarmos num ambiente popular e tradicional, facilmente a encontramos e verificamos que a sua utilização motiva não só a sua procura, como principalmente, o seu cultivo, naquilo que poderemos entender como uma autonomia de produção e consumo. Aquilo que esta sabedoria popular nos diz desta planta não difere muito daquilo que a sapiência afirma, muitas vezes divergindo apenas na nomenclatura dos males ou aflições em que é remédio santo. Também é neste ambiente e neste conhecimento popular que encontraremos todas as divergências geográficas relativas ao seu uso e consumo, ou seja, o conhecimento acerca da planta e suas especificidades poderá variar geograficamente, levando a relativas diferenças no seu uso.
Terá sido algures na segunda metade da década de noventa, numa conversa com um velho conhecido, homem já na sua oitava década de existência, bem perto da porta de sua casa e aproveitando a sombra de uma velha parede semi-ruída e a ligeira brisa que o estreito canelho proporcionava, que ele me revelou o segredo de tamanho sucesso da hortelã. Ele tinha por hábito mascar as folhas frescas ou já algo secas desta planta. Dizia ele que como fumava muito, a hortelã o ajudava na tosse e no catarro. Quando estava à rasca nada lhe fazia melhor do que a hortelã. Ao mesmo tempo que me ia dizendo estas coisas, também afirmou, num tom de confidência mas com um certo ar trocista, que o segredo da hortelã era o mijo. O mijo dos animais e das pessoas. Perante a minha admiração, disse ele:
- Já reparaste que a hortelã aparece em todo o lado aqui pela aldeia, nos lameiros e pelo monte? Se vires com atenção, ela cresce por aí encostada a qualquer muro... e sabes, principalmente onde os homens, os cães, os gatos e até as raposas vão mijar. Eu até acho que nós procuramos o sítio delas para nos aliviarmos. Elas chamam por nós porque precisam do nosso mijo. Os homens quando saem da taberna vão sempre mijar em cima das hortelãs e elas estão lá sempre mimosinhas. Porque será? Nunca tiveras pensado nisto?!
- Não senhor. Respondi eu, com certeza, incomodado. Às tantas, por causa deste saber adquirido há tanto tempo, sempre que em contacto com esse aroma ou sabor, não consigo deixar de os relacionar com urina e de questionar se o segredo para o seu sucesso não será mesmo essa rega suplementar.
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