16 março 2020

o naufrágio, uma metáfora

Na actual edição do Jornal de Letras, Amin Maalouf é entrevistado a propósito do seu ensaio mais recente: O Naufrágio das Civilizações. Entre muitas outras afirmações e ideias, transcrevo para aqui aquilo que mais me atraiu nesta conversa e que tem por motivação uma rica metáfora para os dias que hoje experimentamos.

A Humanidade metamorfoseia-se diante dos nossos olhos. Nunca a sua aventura foi tão promissora nem tão aleatória. Para o historiador, o espetáculo do mundo é fascinante. Ainda assim, temos de conseguir suportar o desespero dos nossos contemporâneos e as nossas próprias inquietudes.

O que caracteriza os tempos actuais não é uma tendência para grandes agrupamentos, mas a tendência para o desmoronamento e a desintegração.

O que mais me preocupa é a exortação a que sejam proibidas as notícias falsas. Porque, neste caso, temos de nos perguntar; quem tem a capacidade de determinar se uma notícia é verdadeira ou falsa? Os operadores das redes sociais? Os governos? Quem tem a requerida competência e a necessária integridade para distinguir, imediatamente, o verdadeiro do falso? Na minha opinião, a liberdade de expressão, mesmo que envolva riscos reais, continua a ser um mal menor do que a polícia do pensamento...

É verdade que o mundo não progrediu no sentido que o desejava. Por vezes, sinto que ele recuou, mas é uma sensação enganadora. Na História, nunca se volta bem ao passado. E mesmo quando temos a impressão de um retorno, temos de acreditar que enfrentamos uma situação nova, muito específica da nossa época, tendo a obrigação de a estudar cuidadosamente, para saber como "navegar" nas águas tumultuosas que atravessamos.

O mundo actual está à beira de um naufrágio, e podemos constatar isso em diversos domínios: uma nova corrida aos armamentos, o enfraquecimento das instituições democráticas, a crise de credibilidade de quase toda a gente, a nossa incapacidade de enfrentar os riscos climáticos - sem falar dos novos sustos que se apoderaram de nós nas últimas semanas... Face a estas ameaças, a nossa responsabilidade é permanecer lúcidos, não mentir e procurar soluções para sair do marasmo generalizado.

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