Quando vim ao mundo, na cidade do Porto, meus pais estavam mais ou menos estabelecidos em Delães, uma pequena freguesia do concelho de Famalicão que, basicamente, servia de dormitório à mão-de-obra da ainda forte indústria do Vale do Ave. Nesse ambiente e num contexto marcelista, estertor do bafiento salazarismo e antecâmera da revolução, a condição de professores primários não lhes garantia qualquer estabilidade, muito menos tranquilidade financeira. Foi em Delães que terão conseguido efectivar pela primeira vez numa escola e também foi aí que trabalharam pela primeira e última vez os dois na mesma escola. Habitavam uma pequena casa térrea, construída com o granito cinzento-azulado, originário e muito utilizado naquela região e rodeada de arbustos e algumas árvores de frutos. Não guardo qualquer memória do interior dessa casa, mas preservo pequenos fragmentos de momentos passados no seu exterior. Era uma casa muito bonita e cujo perfil e tipologia ainda hoje me seduz.
Casa na avenida das lameiras, em Delães. Casa onde vivi os primeiros meses de vida.
Pouco tempo depois, talvez por causa da gravidez e nascimento do seu segundo filho, os meus pais mudaram-se para uma outra casa na mesma freguesia, igualmente alugada, mas maior, mais espaçosa e com mais área exterior. Localizada mais perto do centro da localidade, leia-se, mais perto da igreja e mesmo em frente ao cemitério, as minhas primeiras memórias de criança são desta casa... As brincadeiras com o meu irmão, as corridas nos triciclos e nos carrinhos a pedais, as bolas que teimavam em ir parar à rua, os banhos de Verão no tanque de pedra construído no pátio da cozinha, a loja do Sr. Sampaio, no piso térreo, uma pequena boutique que servia as necessidades e os gostos locais, e as fantásticas aventuras de cowboys e índios nos terrenos anexos, foram momentos que guardei e ainda hoje recordo com alguma nostalgia e onde gosto sempre de regressar.
Casa no cruzamento entre a rua de Penavila e a rua da Liberdade, em Delães. Casa onde vivi até aos cinco anos.
Em 1979, por força da transferência de escola do meu pai, da minha mãe ou de ambos, não sei, a família mudou-se para Vila Nova de Gaia e para uma das suas freguesias litorais. Pela primeira vez compram uma casa, neste caso, um apartamento, situado numa pequena rua da Madalena. Neste momento tinha cinco anos de idade e vou viver durante oito anos e até aos meus treze, catorze anos na Madalena. São anos de feliz e vadia criancice. Aquela rua era pequena, mas nela moravam inúmeras famílias e muitas crianças e jovens, criando um ambiente propício para a brincadeira, para a aventura e para um crescimento saudável. São daqui as maiores e mais pormenorizadas memórias de pessoas, lugares e momentos da minha infância e pré-adolescência (factos, momentos e nomes que já aqui trouxe num outro texto...).
Apartamento no 1º esquerdo do nº 115, na rua Trás do Maninho, na Madalena. Casa onde vivi até aos catorze anos.
Em 1987, meus pais mudam-se pela última vez e desta vez para uma vivenda em Valadares. Uma vez mais a causa provável para esta mudança terá sido a pressão demográfica que, com a chegada de mais um filho e sequente crescimento, se começou a fazer sentir lá em casa. Na altura, foi para mim um tremendo sobressalto emocional, pois estava a afastar-me de todos aqueles que cresceram comigo e de todas as referências de menino. Era o fim de um ciclo que, por acaso ou não, coincidiu com a minha passagem para uma outra idade. Entretanto, e enquanto me adaptava ao novo bairro e rua, aos novos percursos e vizinhos, foram muitas e fortes as amarras que tive que libertar do lugar anterior. Fizeram-se novos e bons amigos que acabaram por substituir os anteriores e, nalguns casos, por ficar até hoje. A casa do Penedo era, e é, uma excelente casa, como jamais imaginara poder um dia habitar, julgo até que, nem os meus pais algum dia anteciparam poder ter uma casa como esta. Pela primeira vez tivemos direito a um quarto individual para cada um, tivemos anexos que pudemos transformar naquilo que bem entendemos e até animais, embora a custo, pudemos ter. Foi tempo de estudar, chegar à idade adulta e começar a trabalhar. Foi tempo de me ir soltando da família até ao dia em que fui, sem qualquer propósito, ver um prédio novo em Francelos e me apaixonei, vejam só, por um apartamento num condomínio fechado... Depois de duas ou três conversas e visitas, eu e a minha então já cara-metade sinalizámos e depois comprámos a casa. Recordo desse tempo a conversa que tive com o meu pai e a forma como ele me avisou: - Se achas que deves já pôr a corda ao pescoço, força...
Casa na rua da Gestosa, em Valadares. Casa onde vivi até aos vinte e seis anos.
Estávamos em 1998 e, visto a esta distância, éramos umas crianças e foi com essa alegre, excitada e descomprometida juventude que fomos preenchendo os espaços, então enormes, com a parafernália e indumentária que considerávamos necessária. Era um apartamento com excelentes áreas, se exceptuarmos a cozinha e o condomínio tinha piscina. Era aqui que morávamos quando nasceu a nossa primeira filha. Curiosamente, no mesmo prédio viviam vários jovens casais que, tal como nós, haviam adquirido aí a sua primeira casa e cujos passos coincidiam com os nossos. Isso contribuiu para uma aproximação com alguns desses casais, acabando por se transformar em sólida amizade.
Apartamento na rua Dr. Ferreira Alves, em Francelos. Casa onde vivi até aos trinta e três anos.
Mais tarde, algures na Primavera de 2006, recebemos uma proposta para vendermos a nossa casa, o que rapidamente aconteceu e nos levou por meio ano, e com as tralhas às costas, para casa dos meus pais. Foi um tempo complicado, de readaptação e de incerteza quanto ao lugar onde iriamos morar. Interessante neste processo foi ter percebido na minha filha sentimentos semelhantes, até na argumentação, àqueles que eu senti quando os meus pais promoveram a mudança da Madalena para Valadares.
Enfim, no final desse mesmo ano, a casa que escolhêramos e havíamos comprado, ficou pronta para a habitarmos. Nova mudança, novos desarranjos, novas rotinas e novo filho, para mais rápido ocuparmos todos os cantos e recantos da casa e, assim, termos de novo a sensação de que já não cabemos nela. Ainda lá estamos e estamos bem. Na verdade, sinto sempre a necessidade de mudança, simpatizo com a ideia de mudança e gostaria muito de poder mudar de casa nos próximos tempos, mas não sei se será possível. No entretanto, importa salientar que a minha casa, a nossa casa, é uma excelente casa, confortável, espaçosa e nela, julgo, habita uma família normalmente feliz.
Apartamento na avenida António Coelho Moreira, em Valadares. Casa onde actualmente vivo.
Posfácio:
Sincero agradecimento ao Google Street View pela experiência confortável, acessível e barata, ao me permitir viajar pelos lugares da minha memória e assim enriquecer este exercício.
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