11 agosto 2020

tanta parra para tão pouca uva



Eu já cá estive há muitos anos. Algures na década de 90 do século passado e a memória que guardei deste lugar em nada se assemelha com aquilo que agora encontrei. Numa perspectiva semiótica, consigo perceber o esforço realizado para a patrimonialização e valorização do território e suas actividades económicas. No entanto, não posso deixar de partilhar a relativa desilusão face àquilo que é promovido e à imagem construída para o turismo nacional e até internacional. Óbidos, ou melhor, o seu casco histórico é um lugar bonito e bem preservado, mas a sensação com que fiquei encaixará na perfeição no velho e popular dito: "tanta parra para tão pouca uva".

10 agosto 2020

a Berlenga





Sugerido pela minha filha, no primeiro dia de Agosto viajámos até Peniche com a intenção de visitar as famosas ilhas das Berlengas. Não conseguindo escapar às lógicas e dinâmicas do turismo local, a única forma de aceder a esse território insular é a bordo numa das embarcações dedicadas a transportar turistas entre a marina de Peniche e a ilha maior - a Berlenga Grande. Depois de quase uma hora de viagem lá chegámos e desembarcámos no chamado aldeamento dos pescadores. Passeamos pelos trilhos da ilha e visitámos o forte de S. João Baptista. Regressámos para perto do porto à espera da hora de regresso ao continente. Nesse entretanto, escrevi:

Estou sentado numa pequena e única esplanada, sobranceira ao porto, no aldeamento dos pescadores. A Andreia e os miúdos foram até uma pequena enseada, encaixada entre as arribas, pois eles queriam meter-se na água, aqui limpa e transparente. Estou sentado de frente para uma íngreme arriba, no cimo da qual vejo o topo vermelho da estrutura metálica do farol da ilha. Pelas conversas que ouço à minha volta, estes negócios de transporte e acomodação de turistas são explorados por pequenas empresas familiares e todos se conhecem. O aldeamento, pelo que percebo, serve apenas de abrigo e suporte às actividades existentes - mergulho, vigilância e conservação da natureza, turismo, etc. Existe um restaurante, mas este ano está fechado e em remodelação. Neste pequeno bar, servem apenas sandes, saladas, pastelaria, gelados e, claro, bebidas. Como é já hora de almoço, chegam-me odores variados de carnes e, principalmente, peixes grelhados.

É um território inóspito e árido, sem qualquer condição para a existência ou permanência de vida humana. É uma reserva natural, santuário para aves marinhas, de beleza agreste e selvagem. Enquanto vou bebendo cerveja, imagino o que seria este lugar sem o movimento turístico e como gostaria de aqui vir passar uma temporada de isolamento ou retiro. Isto dito depois de uma fase de confinamento parece parvo, mas esta ideia de ilhéu, obrigatoriamente isolado, fascina-me. Por fim, e sem excluir algum sentimento de inveja, avisto ao largo, vários iates, veleiros e lanchas ancoradas, que estarão abrigados pelas arribas da ilha, num intervalo das suas possíveis longas viagens.

05 agosto 2020

vergonha real

Juan Carlos, Rei Emérito de Espanha

A notícia de ontem, de que o rei emérito espanhol terá saído de Espanha, numa fuga em segredo e sem destino conhecido, para evitar a justiça espanhola que investiga movimentos financeiros ilícitos, financiamentos e presumíveis corrupções, só nos pode deixar com vergonha alheia. Por muito que os responsáveis políticos espanhóis reajam dizendo que não estão em causa as instituições espanholas, referindo-se neste caso à monarquia, a verdade é que estão e muito, pois não é de agora que se percebe que os regimes monárquicos não conseguem coabitar com as democracias. Para além da questão de carácter do próprio, de alguém que deveria ser um exemplo a todos os níveis para os cidadãos do seu país, parece-me que os espanhóis deveriam estar a reflectir sobre o raio do direito inquestionável de alguém, por motivo de consanguinidade, herdar "um trono". Se há uma expressão feliz para a ideia de anti-democracia, essa expressão é a monarquia.

29 julho 2020

situação aporética

O mundo contemporâneo liquidou a política como espaço de deliberação e entregou-se a um fatalismo muito pior do que aquele que na tragédia grega era atribuído ao capricho dos deuses. Hoje o destino é o comboio sem travões de uma sociedade que se atrelou aos automatismos da economia mundial de mercado. Nem sequer temos o coro trágico para nos avisar. Estamos sozinhos, dentro de uma espécie de máquina do juízo final. Se a deixarmos funcionar a todo o vapor, poderemos almoçar e jantar, mas estaremos a tornar inevitável o colapso ambiental e climático global, num horizonte que se irá acumulando ao longo de décadas, até se transformar numa realidade hostil e inabitável. Se a quisermos reformar, ou travar o seu curso, corremos o risco de descarrilar o sistema inteiro, transformando a inércia numa implosão caótica de estilhaços cortantes. É a esta situação aparentemente aporética que Naomi Klein chamou o calabouço planetário em que o neoliberalismo sequestrou a história humana.

* Viriato Soromenho-Marques, in Jornal de Letras nº 1299, Julho 2020.

"sou filigraneiro"

Na impossibilidade de aqui colocar a apresentação que realizei hoje no 6º Congresso Internacional de Antropologia da AIRB (online), trago o resumo enviado e aprovado da minha intervenção:

Eu sou filigraneiro

percepções, narrativas e estratégias de um património em esquecimento

por Luís Vale.

Gondomar é reconhecido como a “Capital da Ourivesaria”. Nesta terra de ourives e joalheiros, a Filigrana é saber antigo e tem ocupado um lugar de destaque entre as criações dos artistas locais. Quase exclusivamente artesanal, a Filigrana é concebida, na sua maioria, em oficinas de pequena escala, de cariz familiar, cujo saber tem sido transmitido geracionalmente e assim sobrevivido ao tempo. A Câmara Municipal criou a marca “Gondomar é d’Ouro” e desenvolveu um conjunto de acções de natureza colectiva, entre os quais a Rota da Filigrana, para promoção e divulgação da sua produção e do seu território. Este projecto envolve um conjunto de parceiros, de produtores (artesãos, ourives e indústrias) e entidades (CINDOR, ANJE, AICEP e AORP) e é financiado por fundos comunitários, o que obriga a Câmara Municipal a proceder à avaliação qualitativa do projecto. Assim, a nossa participação e o contacto com esse universo de produtores e promotores da Filigrana, através de entrevistas presenciais em profundidade e semi-estruturadas, permitiu-nos não só conhecer essa peculiar realidade, como perceber as diferentes percepções desta actividade económica, ao nível da criação de emprego, da inovação, do empreendedorismo, das estratégias de divulgação e promoção da marca e do concelho, nacional e internacionalmente. Mas permitiu também perscrutar os sentimentos em relação a uma actividade até há bem pouco tempo esquecida e em vias de extinção, entretanto recuperada pela marca “Gondomar é d’Ouro”, cujos intervenientes nos falaram das suas vidas de filigraneiros, suas histórias e futuros possíveis; sobre a sua arte e sobre a filigrana. A construção das suas identidades, a consciencialização do seu valor, a urgência de preservar a sua arte, o sentimento de pertença a uma arte/ofício, a tematização do território, a preocupação com o “seu negócio”, permitem-nos entender o esforço de patrimonialização em curso: naquilo que é um ofício local/regional, marca distintiva geográfica, de qualidade ou excelência e de identidade simbólica; Naquilo que são as narrativas de carácter histórico e remetendo para uma memória comum e partilhada pela comunidade; Também, naquilo que poderá ser o contributo da Filigrana, nos destinos e nas mais-valias financeiras, para o turismo cultural local/regional; E ainda, naquilo que poderá ser o reconhecimento e o prestígio internacional através da candidatura ao estatuto de património mundial da UNESCO. Por outro lado, pudemos perceber as tensões existentes no sector, das quais destacaríamos: a) a tentação pela industrialização da produção, levando à perda da sua autenticidade artesanal; b) falta de mão-de-obra (problema geracional e remuneratório); c) os perigos da reutilização/conversão da Filigrana num produto banal, sem excelência e prestígio, para consumo de massas (turísticas); d) desconfiança da sobrevivência da fileira da Filigrana a médio/longo prazo e sem este apoio institucional do projecto.
Perspectivando a Filigrana em Gondomar, consideramos haver ainda muito para estudar e fazer, não passando este exercício de um pequeno estudo exploratório desse universo, estaremos também a contribuir, de alguma forma, para a sua patrimonialização.

Palavras-chave: filigrana, património, identidade, memória, território, turismo.

o velho eléctrico

eléctrico nº 1

Fazia mais de 30 anos que não entrava num Eléctrico da cidade do Porto. Neste último Sábado viajei no número 1, o da linha marginal, que liga o Infante ao Passeio Alegre e gostei muito da experiência, apesar do preço algo exagerado. Ao contrário do que acontecia no tempo em que viajava regularmente de Eléctrico, as 3 linhas ainda activas - 1, 18 e 22 - estão ao serviço do turismo urbano, fazendo parte de bonita designação: "Porto Tram City Tour" dos STCP. Esta designação não engana nenhum tripeiro.
Nesse outro tempo, teria eu os meus 13 a 14 anitos, viajava regularmente pela zona histórica e pela baixa da cidade de Eléctrico e de Trolley, ambos então ao serviço da população da cidade e arredores e cobrindo uma área geográfica muito superior ao que acontece hoje em dia.
Foi uma manhã de Sábado muito bem passada.

solilóquio

Habituei-me com relativa facilidade a não ter que cumprimentar as pessoas. Mesmo com aquelas que me são mais queridas, o toque corporal quase desapareceu e isso não me importunou. Sem querer ser, ou parecer, insensível ou distante, julgo que conseguirei sobreviver com este distanciamento dos afectos.
No entanto, continuo a gostar de tocar e ser tocado.

25 julho 2020

a quem interessar...


Vai acontecer entre 28 e 31 de Julho de 2020 o 6º Congresso Internacional da Associação de Antropólogos Ibero-Americanos em Rede. Inicialmente programado para se realizar em Vila Real, devido à pandemia a organização viu-se obrigada a transformá-lo num congresso online (através da plataforma Zoom). Eu vou participar no painel "Património imaterial, saberes quotidianos e tradições", que acontecerá no próximo dia 29 de Julho, pelas 14 horas. Para quem possa estar interessado em assistir a este ou a outro painel consulte o programa e respectivas ligações em http://2020.aibr.org/es/

21 julho 2020

a sério?!

Entro em estabelecimento comercial de referência para comprar bolo de aniversário de meu pai. Enquanto esfrego as mãos com o álcool-gel, espreito a arca expositora onde estão os ditos e afamados bolos, quando sou interpelado pelo eficiente e simpático empregado que, enquanto se encaminha para mim, pergunta se me pode ajudar. Claro que pode, pretendo um bolo (pequeno e sem grande produção artística), ao que ele me sugere o bolo que, adianta, mais vendem (técnicas de venda em todo o esplendor...). Depois de alguma hesitação, acabo por aceitar a sua sugestão. Após o retirar da arca e enquanto se encaminha para dentro do balcão para o embalar, pergunta-me se é para "menino" ou "menina". Respondo que é para "menino" e num acto irreflectido, acrescento: - menino já avô. Ele, como que admirado, reage: - A sério?!... e regressa ao diálogo habitual:
- E as velas?
- 7, 6 - respondo de imediato.
O espanto dele foi indisfarçável e não se conteve: - Está muito bem conservado. Ninguém diria.
Eu, incrédulo e a olhá-lo com ar grave, respondi-lhe: - A sério?!...
- O senhor desculpe, mas é que com a máscara e óculos, ainda pus a hipótese... - o embaraço do homem era evidente.
Enfim, já estou habituado a que me considerem mais velho do que aquilo que realmente sou, mas caramba, 76 anos? Acho que ainda não os aparento. Espero lá chegar, mas não tenho pressa.

ao espelho

[ publicado no jornal Mensageiro de Bragança, no dia 16 de Julho de 2020 ]

06 julho 2020

responda quem souber

O que fazer quando aqueles que podem mudar o mundo são os que têm dinheiro porque escravizam, digam-me qual é o sentido de tudo isto?
Patrícia Portela, in Jornal de Letras nº 1298, Julho 2020

a esplanada

Há dois anos que percorro a marginal litoral de Gaia à procura de lugar para me sentar e ficar. Estou órfão de esplanada desde o Verão de 2018. Passo a explicar: Desde que o meu velho amigo Alexandre passou a sua explanada em Valadares [a esplanada do Alex] e o novo projecto aí instalado mudou completamente o estilo, o ambiente, logo de clientes, tenho andado à procura de esplanada substituta e nenhuma me satisfaz. Já me têm alertado para o facto de andar à procura de algo que já não existe. Pois, mas no entretanto, não paro em lado nenhum e, aquilo que era um hábito sazonal de ir para à beira do mar deixou de o ser. O Alexandre, segundo o próprio me disse, esteve à frente do negócio durante 32 anos e eu lembro-me de lá ir desde esses primeiros anos. Claro que não fui sempre um cliente assíduo, mas uns anos mais outros menos, fui um cliente regular. Por lá passei muita manhã e muita tarde, às vezes também noites de copos com amigos. Enfim, mais uma vivência que passou a memória e que, dificilmente, será recuperada. Lamento.

05 julho 2020

mediascape: o equívoco

Não se percebe toda a celeuma, toda a ofensa e indignação que a decisão dos ingleses sobre a obrigatoriedade de posterior quarentena para quem venha de férias para Portugal. A decisão, reconheço, é estranha, tanto mais que os números da Covid-19 continuam a ser piores por lá, do que por cá. Ao contrário deste clamor de incompreensão, seria melhor agradecer por sermos poupados à sua invasão de veraneio, pois não deveríamos querer cá quem nos possa trazer o vírus, nem deveríamos querer viajar para lugares onde possamos ser infectados. É tão simples quanto isto.

02 julho 2020

sombras de alguém

Encontrei este projecto no Twitter e por o considerar muito interessante, peculiar e valioso, partilho-o aqui. Fica um print screen da página de tumblr. Tal como referi na interacção no Twitter esta ideia remete-me para a questão dos "Álbuns de Família" e similares e os perigos do esquecimento e apagamento das memórias. Tal como este projecto bem demonstra, a única forma de salvaguardar a memória geracional desse pretérito mais ou menos afastado, é catalogarmos, ou pelo menos, será colocarmos legendas em todas as fotografias, para num qualquer futuro ser possível identificar e contextualizar rostos e lugares. Tarefa urgente para cada um de nós e, também por isso, este portal é importantíssimo e uma mais-valia.

30 junho 2020

à descoberta

Aproveitando a ausência das crianças, depois de um dia de fechados em casa a trabalhar, resolvemos sair de casa para jantar. Sem vontade de ir aos lugares do costume e também porque estava a dever Sardinhas à minha mais-que-tudo, decidimos ir até à beira-rio, a São Pedro da Afurada, à descoberta das ditas Sardinhas para ela e outra coisa qualquer para mim. Depois de alguma deambulação pelas ruas e ruelas da localidade piscatória, decidimos entrar na Taberna de São Pedro. Asseada e com um simpático atendimento pedimos Sardinhas e Lulas na brasa, com salada mista, pimentos e batata a murro, regadas com verde branco da casa. Uma delicia. Ainda estávamos a meio da refeição quando começamos a sentir um delicioso, perturbante e persistente cheiro de Leite Creme Queimado que estava a ser servido com uma frequência crescente e a montra, que inicialmente estava cheia, rapidamente ficou quase vazia. Foi quando interrompi a refeição, chamei a funcionária e lhe expliquei o que estava a acontecer, ou sejam o receio que a sobremesa esgotasse antes de eu ter a oportunidade de experimentar. A jovem sorriu e sossegou-me, pedindo em voz alta ao colega, que estava no balcão, para reservar uma dose.
Foi a primeira vez que fui comer à Afurada. Vou regressar, sem qualquer dúvida, à Taberna de São Pedro em breve, mas não volto a pedir o vinho verde da casa.



o conforto


Mário Vargas Llosa no seu escritório caseiro.

28 junho 2020

matrículas e tunning


Em vigor desde Fevereiro, só agora com o desconfinamento se começaram a fazer notar as novas matrículas dos automóveis. Num esforço de aproximação ao formato dos restantes países europeus, foram várias as mudanças verificadas, sendo a mais significativa a troca dos dois conjuntos de algarismos por dois de letras. Deixou de constar o ano e mês de matrícula e desapareceram os hífens separadores entre os conjuntos alfa-numéricos.
O que é curioso e não posso deixar de referir é a pronta adesão da comunidade tunning que depressa investiu e adaptou o novo formato aos seus velhos e transformados veículos. Aliás, vêem-se mais carros velhos com estas matrículas, do que veículos novos. Enfim.

24 junho 2020

o serviço nacional de saúde

Bem sabendo não ser representativa de nada, ou quase nada, experimentei nos últimos dias mais uma situação que reforçou a percepção que já tinha do nosso SNS. Por ter a meu cargo uma pessoa idosa e com um enorme grau de dependência, frequentemente recorro aos serviços hospitalares por sua causa. Desta vez um problema inesperado e súbito levou-me ao hospital Santos Silva em Vila Nova de Gaia e ao seu pavilhão ambulatório. Já lá tinha ido para consultas externas e de acompanhamento marcadas pelos médicos das respectivas especialidades. Desta vez não tinha marcação e dirigi-me à recepção com o propósito de chegar ao contacto com as médicas que o assistiram das últimas vezes. Consegui que o vissem e, mesmo perante uma enorme afluência, face ao problema apresentado, admitiram-no, internaram-no e aplicaram-lhe a terapêutica apropriada. Ao fim de cerca de duas horas, telefonaram-me para o ir buscar, pois já tivera alta médica. Com o reforço de uma prescrição médica para os três dias seguintes, o problema foi debelado.
Desculpem-me aqueles(as) que são vítimas de maus serviços do SNS, mas eu não tenho uma única experiência negativa sempre que recorro aos seus serviços. Pode ser sorte? Pode, mas também é muita qualidade, muita dedicação e é o ideal de serviço público que eu quero continuar a pagar com os meus impostos.

I'm your man

Livro de cabeceira nestas últimas semanas, todas as noites antes de adormecer li um pouco da vida de Leonard Cohen. Sylvie Simmons escreveu várias biografias de gente famosa e neste caso, tal como ela própria admite tratou-se de escrever sobre alguém ainda vivo (edição de 2012), o que implica sempre mergulharmos na vida dessa pessoa numa escala que, provavelmente, em qualquer sociedade saudável, nos valeria sermos encarcerados numa prisão. Sem a tolerância, a confiança, a sinceridade, a generosidade e o bom humor de Leonard Cohen, este livro não seria o que é (página 567). A crer naquilo que é escrito sobre a sua vida, se é possível reduzir uma vida a cerca de 600 páginas de livro, apesar de uma existência superlativa, Leonard foi um artista que viveu fora dos círculos e hábitos do mainstream mediático e artístico. Conheço a sua obra desde a minha juventude, foi (e é) para mim uma referência poética, literária e musical. Agora conheço também um pouco melhor a sua singular e peculiar vida.


Em Julho desse ano (2016), Leonard recebeu notícia de que Marianne Ihlen estava internada num hospital, em Oslo, às portas da morte. Também ela sofria de cancro e, tal como Leonard, mantivera a sua doença em segredo. Leonard escreveu-lhe de imediato uma mensagem cheia de ternura. "Pois bem, Marianne, chegámos àquele momento em que nos sentimos muito velhos, com o corpo a cair aos bocados, e acho que muito em breve te irei seguir. Fica sabendo que caminho mesmo atrás de ti, tão perto que, se estenderes a tua mão, me parece que conseguirás pegar na minha. E tu sabes que eu sempre te amei pela tua beleza e pela tua sabedoria, mas não preciso dizer mais nada acerca disso, porque tu sabes tudo o que há para saber a esse respeito. Agora quero apenas desejar-te uma óptima viagem. Adeus velha amiga. Amor infinito, vemo-nos lá adiante, ao fundo da estrada." (página 580)

21 junho 2020

a quem interessar...

Porque continua a interessar-me e a motivar-me, eu vou assistir. É necessária inscrição, mas é gratuita.

18 junho 2020

mediascape: champions and ridiculous


Foi ontem anunciado pelo Presidente da República, no Palácio de Belém, e enquadrado pelos mais altos signatários do país - 1º Ministro, Presidente da Assembleia da República, Ministro da Educação e Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, que a fase final da Liga dos Campeões Europeus irá decorrer em Lisboa durante o mês de Agosto. Ora aí está um belo exemplo de como somos pequenos e ridículos. Eu nem sei se consigo adjectivar de populismo esta encenação toda, como se fosse uma grande notícia para Lisboa, para o país e para os portugueses, quando ainda enfrentamos uma situação preocupante de contágio, principalmente na região de Lisboa, e quando os portugueses estão ainda impedidos de regressar em pleno às suas rotinas quotidianas. Cá para mim, este evento vai ocorrer em Lisboa porque outras cidades prescindiram ou recusaram recebe-lo. Só pode.

16 junho 2020

a ironia

O coronavírus é o primeiro invasor da história dos EUA, um invasor cuja força não pode ser neutralizada pelo poderio militar dos EUA. Por ser tão novo, até lhes custa a crer que seja de facto um invasor. De tão habituados a invadir países, os EUA tiveram uma real dificuldade em se porem na pele do invadido. Perante tal invasor, revelaram a mesma debilidade que sempre imaginaram ser a dos países que invadiram, tantas vezes impunemente.
Boaventura Sousa Santos, in jornal de Letras nº 1296, Junho 2020.

13 junho 2020

o logro


11 junho 2020

a História e a sua leitura

Tenho assistido nos últimos dias, talvez semanas, a um surto de esquizofrenia mediática que se dedicou a atacar ferozmente o passado, seja nas suas dimensões espacial, temporal, personagens ou produção literária e artística. Que estupidez! Que falta de conhecimento e de senso, querer olhar para o passado com a soberba e o privilégio do século XXI!
Que se faça toda a justiça para com as minorias, para com os prejudicados ou ofendidos, sem com isso destruir o património material e imaterial que geracionalmente herdamos. Concordemos ou não, repudiemos ou não, a História não pode ser reescrita. Pode e deve ser subjectiva e relativamente interpretada. Adjectivem-no como entenderem, mas isso não elimina o passado... Fomos assassinos, fomos genocidas, fomos discriminatórios, fomos racistas, fomos cobardes e ignóbeis?! Muito bem, aceitemos e reconheçamos essa condição, mas a obra produzida, os acontecimentos, efemérides e seus intérpretes jamais serão apagados. A História é mesmo isso, com tudo o que de positivo e de negativo comporta e transporta. Aceitemo-la tal qual ela é. E isso nada tem haver com o querermos uma sociedade mais justa, livre e democrática no presente e para o futuro.

10 junho 2020

"quem não sente, não é filho de boa gente"

O meu pai, também incomodado, deu-me a ler esta página. Até eu que não sou nativo fiquei admirado com tais adjectivações. Esta prosa é de Frei Bento Domingues, num qualquer dos seus livros. Bem sei que aos olhos de um estranho qualquer lugar pode parecer ou ser pouco (nada) convidativo, mas para quem está familiarizado com a sua fruição, com os seus espaços e lugares, é difícil percepcionar tal paisagem. Deus pode até nunca ter estado em Valadares, nem ser terra de teofanias mais ou menos iminentes, mas é o lugar ao qual estou habituado há mais de três décadas e onde me sinto confortável. Ainda bem que não gostamos todos do mesmo.

04 junho 2020

chegou hoje

03 junho 2020

mediascape:racismo

Quando alguns teimam em afirmar que existe um problema na sociedade portuguesa com os ciganos e quando outros reafirmam esse drama e a urgência em resolver definitivamente esse problema, convém reter as palavras deste presidente de câmara municipal do PS que, perante um foco de contaminação do Coronavírus num bairro social, pretende estabelecer um cordão sanitário ao prédio onde essas pessoas moram. Diz Luís de Sousa, presidente da autarquia da Azambuja, que nesse bairro social e nesse prédio moram “famílias de etnia cigana” e outras “famílias normais como nós".
Nós não temos um problema com a etnia cigana, nós temos é um racismo endémico e ontológico para com essa etnia. É uma vergonha para as instituições da República portuguesa haver responsáveis políticos, eleitos e gestores da "coisa" pública, com este tipo de discurso.
Afinal não é só o coiso a pensar e a manifestar o seu racismo, este é muito mais profundo e transversal na sociedade portuguesa do que, algumas almas ingénuas, possam pensar. Continuem a assobiar para o lado e depois admirem-se e espantem-se.

acabadinhos de chegar

01 junho 2020

resistências, inércias e receios

Bem nos dizem para sairmos de casa, retomarmos a nossa vida e reactivarmos as nossas actividades. Porém, quando saímos à rua, percebemos em todo o lado, a cada passo que damos e em cada rosto com quem nos cruzamos, que o confinamento mantém-se, pelo menos o mental. Eu percebo-o e aceito-o, pois eu também o pratico, mas retomar aquilo que suspendi em Março, assim, vai ser muito difícil.
Grande parte do trabalho que vou realizando obriga-me a visitar e frequentar bibliotecas, acervos e arquivos. Eles estão abertos, mas com fortes restrições e condicionalismos de acesso e consulta, o que dificulta o planeamento e organização das tarefas a realizar. Ainda hoje, logo pela manhã, fui a um Arquivo distrital e não consegui passar do espaço da entrada, onde conversei com a sua directora e esta me explicou que neste momento só é possível consultar presencialmente depois de agendamento na plataforma da internet do Arquivo, indicando os documentos que queremos consultar e sujeitos à confirmação e agendamento dos serviços, ou seja, são eles que determinam em que dia e hora é que nós lá poderemos ir. Assim, torna-se impossível. Vamos ver o que acontece nos próximos dias.

29 maio 2020

verdade

É que isto de aguentar o confinamento depende muito da qualidade do sofá, da velocidade da Internet e da variedade do que há no frigorífico.
Susana Peralta, in jornal Público, 29 Maio 2020.

a ouvir, repetidamente

Oferta do mano mais novo...

enclausurado L

fim

Já não estou enclausurado. Depois de 73 dias de confinamento em casa, dou por terminado este período excepcional da nossa existência. Pelo menos por enquanto, pois, se a coisa não correr pelo melhor, poderemos ter que regressar a essa condição. Para ser verdadeiro, já nos últimos dias começamos a sair de casa com maior regularidade e com maior liberdade. Para todos os efeitos, considero o dia 26 de Maio como o último dia de reclusão. Ontem à noite viajámos para Bragança onde iremos passar os próximos dias. Finalmente, após todo este tempo, poderemos arejar e respirar um ar diferente. Com todas as cautelas, claro, vai ser bom para todos.
Termino assim esta série de textos "enclausurado".

28 maio 2020

previsão vs registado

Hoje, no jornal Público.

26 maio 2020

soprar velas

Pois bem, num movimento cíclico que se repete há quase cinco décadas, hoje cabe-me soprar as ditas e, desta vez, de forma peculiar, porque jamais estive enclausurado como agora estou e esse momento será partilhado online com os que, habitualmente, me abraçam e envolvem fisicamente. Tudo bem, estamos todos bem. Espero poder continuar a soprar as velas a que tiver direito. Siga.

enclausurado XLIX

carnes à solta

Volto a este assunto motivado pelo editorial de hoje do jornal Público, assinado por Manuel Carvalho. Tem razão quando afirma que assistimos a uma súbita mudança entre o confinamento em que vivemos até ao início de Maio e a liberdade com que se corre para a praia, nada mudou assim tão significativamente para que em tão curto espaço de tempo tivéssemos passado das cidades vazias às praias apinhadas.
Já aqui tinha referido (ver enclausurado XXXVII), quando ainda vivíamos em estado excepcional, que não percebia a pressa em se falar sobre a abertura das praias e, agora que elas abriram e as temperaturas convidam à sua utilização, é ver tudo e todos a reclamar o seu quinhão de areia. Estamos perante obvia falta de coerência e de senso, reforçadas pelos exemplos dados pelo Presidente da República e pelo 1º Ministro que, na primeira oportunidade que tiveram, se fizeram fotografar e filmar, para quem quis ver, a usufruirem dessa condição tão portuguesa que é a de banhistas. Não havia necessidade.
Pois bem, espero que tudo corra pelo melhor e que não sejamos obrigados a um re-confinamento nos próximos tempos. No que depender de mim, este ano não vai haver praia, nem mar, nem rio, nem piscina, apenas banheira e por motivação exclusivamente higiénica.

23 maio 2020

enclausurado XLVIII

mais do que higiénico

Pela primeira vez, depois destes meses todos fechados em casa, descemos até à beira mar para caminhar, apanhar ar e esticar os músculos. Íamos receosos que houvesse confusão e gente a mais, o que nos obrigaria a abortar o passeio, mas para um final de tarde de sexta-feira até estava tranquilo e sem ajuntamentos. Caminhámos tranquilos durante uma hora e meia e regressámos a casa a tempo de preparar o jantar. Nos próximos dias iremos repetir o passeio.

21 maio 2020

enclausurado XLVII

verbo: encomendar

Ontem fiz três encomendas de livros e uma de café. Hoje já recebi a primeira de livros (na foto) e a de café. Em apenas 24 horas?! Estou mesmo surpreendido com tal eficácia e rapidez. É que nos últimos dois meses foram várias as encomendas que fui fazendo e que demoraram largos dias a chegar. Afinal, o desconfinamento já começou a fazer-se sentir. Ainda bem.

20 maio 2020

a causa das coisas

Ontem fui a casa dos meus pais e mal pus os pés dentro de casa dei com este livro pousado na mesa da cozinha. Achei estranho e perguntei porque estava ali o livro. A resposta da minha mãe foi pronta: - Andei a arrumar uns armários no quarto do teu irmão e apareceu este livro que é teu.
Miguel Esteves Cardoso (MEC): passados quase 30 anos, ainda me lembro de alguns destes textos e dos outros livros que, ávido e curioso por descobrir mundo, li com real prazer.
- Não encontraste mais nenhum?
- Não, teus não. Os outros são todos do teu irmão, são de arquitectura e desenho...
- Pois, mas deve haver mais. Hão-de estar algures.
Era também o tempo do jornal Independente dirigido por MEC e Paulo Portas e da Noite da Má Língua (na SIC), onde MEC participava. Este, A Causa das Coisas, foi um clássico para as gerações de jovens adultos dos anos 80 e 90 do século passado. O meu exemplar é da sua 12ª edição. Hoje, depois de quase três décadas, continuo a lê-lo e a gostar da sua escrita. O MEC é o maior.


19 maio 2020

enclausurado XLVI

desconfinar

Dizem-nos eles. Eles são aqueles que dizem, desdizem e, por vezes, não se entendem. Eles são quem orienta a gente, os eleitos pela gente para nos guiar. Pois bem, eu também quero desconfinar, mas com calma e sem euforias. Hei-de de lá chegar, devagar.
Ontem, dia 18 de Maio e primeiro dia do dito desconfinamento, fui ao centro da Invicta logo pela manhã e, de facto, a cidade começava a dar os primeiros sinais de que algo esta a mudar. Timidamente, as esplanadas reapareceram e um ou outro aventureiro vai-se sentando. As lojas começam a abrir e nos passeios mais gente. Sente-se um novo burburinho a circular pelas ruas e o trânsito, ainda reduzido e sem filas, começa a agitar-se. Aquilo que me levava à cidade não implicava sequer sair do carro, por isso aproveitei para circular pela baixa, um pouco mais do que seria necessário, para sentir o pulso à cidade e, sem conseguir resistir, tomar um café expresso em chávena decente. Saboroso.
Hoje, logo pela manhã, levei a minha filha ao comboio para viajar para Lisboa. Na estação das Devesas, habitualmente muito frequentada, apenas três ou quatro pessoas à espera de comboio. No Alfa Pendular em que a minha filha entrou, apenas outra pessoa entrou. Lá dentro, e na carruagem dela, pude contar 7 pessoas.
Assim vai o desconfinamento.

18 maio 2020

"o nosso contemporâneo"

O coronavírus é nosso contemporâneo porque partilha connosco as contradições do nosso tempo, os passados que não passaram e os futuros que virão ou não. Isto não significa que viva o tempo presente do mesmo modo que nós. Há diferentes formas de ser contemporâneo.
(...)
O que é característico da nova concepção de contemporaneidade é uma visão solista sem ser unitária, diversa sem ser caótica, que aponta em geral para a co-presença do antinómico e do contraditório, do belo e do monstro, do desejado e do indesejado, do imanente e do transcendente, do ameaçador e do auspicioso, do medo e da esperança, do indivíduo e da comunidade, do diferente e do indiferente, e da luta constante para procurar novas correlações de força entre os diferentes componentes do todo. Da contemporaneidade passou a a fazer parte a reinvenção permanente do passado e a aspiração sempre incompleta do futuro de que são feitas as tarefas que concebemos como "o presente". Agentes sociais tão diversos como os artistas e os povos indígenas foram mostrando que o presente é um palimpsesto, que o passado nunca passa ou nunca passa totalmente e que olhar para trás e reflectir a partir das experiências acumuladas pode ser uma forma eficaz de encarar o futuro.
(...)
Ser contemporâneo é estar consciente de que a grande parte da população do mundo é contemporânea da nossa contemporaneidade pelo modo como tem de a sofrer ou suportar. Nesta ampla constelação de contemporaneidades o novo coronavírus assume atualmente um valor híper-contemporâneo. Sermos contemporâneos do vírus significa que não podemos entender o que somos sem entender o vírus.
(...)
Espalha-se no mundo à velocidade da globalização. Sabe monopolizar a atenção dos media como o melhor perito de comunicação social. Descobriu os nossos hábitos e a proximidade social em que vivemos uns com os outros para melhor nos atingir. Gosta do ar poluído com que fomos infestando as nossas cidades. (...) Um senhor todo poderoso que não depende dos Estados, nem conhece fronteiras, nem limites éticos. (...) É tão pouco democrático quanto a sociedade que permite tal concentração de riqueza. Ao contrário do que parece, não ataca indiscriminadamente. Prefere as populações empobrecidas, vítimas de fome, de falta de cuidados médicos, de condições de habitabilidade, de protecção no trabalho, de discriminação sexual ou etno-racial.
Ser indesejado não o torna menos contemporâneo. A monstruosidade do que repudiamos e o medo que ela nos causa é tão nossa contemporânea quanto a utopia com que nos confortamos e a esperança que ela nos dá. A contemporaneidade é uma totalidade heterogénea, internamente desigual e combinada. Considerar o vírus como parte da nossa contemporaneidade implica ter presente que, se nos quisermos ver livres do vírus, teremos de abandonar parte do que mais nos seduz no modo como vivemos. Teremos de alterar muitas das práticas, dos hábitos, das lealdades e das fruições a que estamos acostumados e que estão directamente vinculados à recorrente emergência e crescente letalidade do vírus. Ou seja, teremos de alterar a matriz da contemporaneidade, sendo certo que desta fazem parte as populações que mais sofrem com as formas dominantes da contemporaneidade.
(...)
O coronavírus presta-se à ideia de um apocalipse latente, que não decorre de um saber revelado, mas de sintomas que fazer prever acontecimentos cada vez mais extremos. (...) A devastação causada pelo coronavírus como que aponta para um apocalipse em câmara lenta. O coronavírus alimenta a vertente pessimista da contemporaneidade. (...) Muita gente não vai querer pensar em alternativas de um mundo mais livre de vírus. Vai querer o regresso ao normal a todo o custo por estar convencido que qualquer mudança será para pior.
Boaventura Sousa Santos, in Jornal de Letras nº 1294, Maio de 2020.

17 maio 2020

enclausurado XLV

restaurantes

Poderão reabrir a partir de amanhã, dia 18 de Maio, com um conjunto de regras e normas de segurança para salvaguardar possíveis contágios do vírus. Pelo que pude ler e ouvir sobre essas restrições impostas ao sector, parecem-me de tal forma castradoras ou limitadoras que serão poucos os espaços que poderão reabrir com segurança e com rentabilidade. Eu percebo a necessidade de se imporem regras, mas também entendo que se tratam de negócios e de que precisarão de facturar para manterem as portas abertas. Este será um exercício de equilibrismo entre o bom-senso e a responsabilidade de todos - comerciantes, empregados e clientes. Não será fácil.
Eu não sei quando irei regressar a comer num restaurante. Sei que foi, se não a maior, uma das maiores carências que senti durante este período. Querer e não poder, querer e não haver, foi frustrante.
Agora que se perspectiva a possibilidade de lá voltarmos, eu admito a falta que me fizeram: A Zizi, na Aguda; a Pêga, em Famalicão; a Cozinha do Português, na Madalena, o Abel, em Gimonde; o Mário Luso, nos Carvalhos; o BeerGaia, em Vilar do Paraíso; o Solar Bragançano, na Praça da Sé, em Bragança. Para além dos cachorrinhos do Gazela e das francesinhas do Santiago.
Disse, e fiquei com fome.

José Cutileiro


Faleceu hoje, em Bruxelas e aos 85 anos, o antropólogo José Cutileiro, autor de um dos livros mais importantes da Antropologia Social que se fez em Portugal. Para além do muito que fez durante a sua vida: fez carreira diplomática, foi comentador e cronista em jornais e rádios, eu recordo-o, essencialmente, como o autor de "Ricos e Pobres no Alentejo" publicado depois de ter sido o tema da sua dissertação de doutoramento em Oxford. Eu conheci este livro na Universidade e não mais o abandonei, pois tem-me servido de referência e de exemplo para vários dos meus trabalhos e escritos. Não sei hoje, mas durante gerações foi obra quase obrigatória em qualquer curso de Antropologia Social / Cultural. Apesar de considerar difícil estabelecer hierarquias de importância nas obras publicadas, eu diria que "Ricos e Pobres" fará parte de um pequeno lote de obras de referência na Antropologia Social, publicadas em Portugal, ou sobre Portugal, na segunda metade do século XX. Eu incluiria ainda nesse pequeno grupo (desculpem se me estou a esquecer de algum outro):
- "Filhos de Adão, filhas de Eva", de João de Pina-Cabral;
- "Retrato de uma aldeia com espelho", de Joaquim Pais de Brito;
- "Vilarinho da Furna" e "Rio de Onor", de Jorge Dias;
- "Proprietários, lavradores e jornaleiros", de Brian Juan O'Neill.

16 maio 2020

if it be your will

15 maio 2020

vamos lá contar espingardas!

( in jornal Público, 15 Maio 2020 )

"marxismo cultural"

A ideia de “marxismo cultural” é a ideia de um complot, do tipo daquele que era revelado pela célebre publicação de 1903, Protocolos dos Sábios de Sião, que denunciava uma conspiração dos judeus para dominar o mundo. Assim, o “marxismo cultural”, agindo a partir de cima, a partir da superestrutura ideológica, estaria a provocar uma “revolução” que o marxismo político não conseguiu: uma revolução cultural e social nos costumes que se serve de ferramentas culturais para engendrar operações de alta engenharia. Feminismo, multiculturalismo, direitos dos homossexuais ao casamento e à adopção (ou, até mesmo, a manifestarem-se no espaço público), censura da linguagem discriminatória e responsável pela naturalização do racismo, visão da história que não segue uma concepção épica e heróica do passado nacional: tudo isto é o chamado “marxismo cultural”; tudo isto é tido como destruidor dos “valores cristãos” e da sociedade ocidental. A ideia de “marxismo cultural” é uma máquina mitológica que funciona à custa de fantasmas, lugares-comuns, estereótipos, frases feitas, repetição de fórmulas que não necessitam de ser analisadas nem sequer compreendidas.
António Guerreiro, in Ípsilon, jornal Público, 15/05/2020.

J. Rentes de Carvalho


Roubada do Twitter da editora Quetzal, serve para assinalar, também aqui, o 90º aniversário do grande escritor português. Para além das felicitações, manifestar o desejo de poder continuar a lê-lo, seja no seu blogue, seja nos livros que há-de escrever e publicar. Bem-haja.

mediascape:tragédia

O jornal Público de 14 de Maio, ontem, deu notícia de um estudo realizado por uma equipa de investigadores norte-americanos no universo de utilizadores do facebook (três mil milhões) à procura dos movimentos pró e anti-vacinas, analisando a competição online dos dois movimentos.
Foi com muita preocupação e uma tremenda angústia que li sobre os resultados obtidos. Segundo este estudo, as estratégias dos anti-vacinas é muito mais eficaz e que, no prazo de cerca de uma década, esta posição poderá ser maioritária e dominante. Uma tragédia! O poder desinformado derrota o poder da ciência, do conhecimento e da evidência. Um dos investigadores deste estudo justifica afirmando que a riqueza da narrativa (anti-vacina), mais diversificada e atraente do que a monótona e pouco diversificada voz da ciência e das autoridades de saúde. (...) É importante dizer que estas pessoas não são más pessoas. (...) Eles estão apenas a juntar fragmentos muito confusos que ouviram de uma determinada forma e depois descobrem uma comunidade com uma narrativa que parece fazer sentido para eles. Uma narrativa que os atrai.
Até esta pandemia da Covid-19 tem servido de argumento para descredibilizar a ciência médica, ao afirmarem que a vacina que irá combater este vírus será uma vacina apressada, sem segurança para os indivíduos e para a saúde pública. Espanto! O perigo maior desta desinformação é um número cada vez maior de pessoas não confiar nessa vacina e aí o vírus permanecer muito mais tempo entre nós. Por outro lado, o mesmo investigador não tem dúvidas ao defender que a aposta e o esforço deve ser concentrado no enorme grupo de pessoas (utilizadores do Facebook), tentando cativá-los com inteligência, e não lutar contra ou tentar convencer os movimentos anti-vacinas que estão errados.
Tal como também eu já aqui referi e como vou, ano após ano, alertando os meus alunos, a triste verdade é que a Ciência, no geral, e as ciências médicas, em particular, tiveram tal sucesso nas últimas décadas que originaram uma percepção distorcida de saúde, bem estar, conforto e de doença nos indivíduos, naquilo que é a imunidade, a terapêutica e a cura, ao ponto de alguns deles se "revoltarem" contra esse conhecimento científico e negarem todas e quaisquer evidências. Triste é constatar que a Ciência tem que se preocupar mais com esta pseudo-ciência, desinformação e informação falsa, do que com aquilo que é a sua missão.

14 maio 2020

enclausurado XLIV

rotinas

Cerca de dois meses depois, continuamos em reclusão e sem perspectiva de vermos alterada essa condição, pelo menos a curto prazo. Escusado será dizer que já estamos perfeitamente ambientados e rotinados nesta já não tão nova realidade, pois muitos estarão nas mesmas circunstâncias e sentirão mais ou menos o mesmo. Acontece que nas últimas semanas e com tendência crescente, os dias sucedem-se e eu dou comigo a pouco mais fazer do que apoiar, amparar, auxiliar, ou sei lá que mais, os meus filhos nas suas obrigações escolares. O ritmo das aulas e demais actividades para os miúdos do ensino básico é absurdo. Não há adulto que dê conta de tanta tarefa, de tanto trabalho, email, aulas síncronas, impressões, leituras, vídeos, e o raio que o parta! Estou cansado desta nova rotina. Perdi parte considerável do meu tempo diário e disponível para os meus afazeres. Tive, também, que passar a partilhar o meu computador com a criança, para que possa assistir às aulas online e para poder fazer os TPC's e actividades da Escola Virtual e afins. Ao final do dia, quando tudo termina, ou quase, ainda tenho que ficar a tratar dos aspectos logísticos deste ensino à distância: digitalizar ou fotografar os trabalhos que são realizados, para os enviar, por email ou por upload nas aplicações, para os professores. Depois, fica ainda a preocupação em ir espreitando as diferentes aplicações e emails para verificar se nenhum dos professores resolveu enviar mais qualquer coisinha...
Saudades de os levar à escola e ficar com o resto das horas para mim.

a 13 de maio

Depois de tudo o quanto de debateu na opinião pública sobre a celebração das aparições Marianas em Fátima, neste dia 13 de Maio e, depois, da posição sensata da Igreja Católica portuguesa ao impedir a presença dos peregrinos e devotos no seu recinto, importa reflectir, uma vez mais, sobre a realidade, o valor e os significados de Fátima. O Professor Anselmo Borges, também sacerdote, sempre foi uma voz clara, sensata e frontal na abordagem às diferentes dimensões da experiência religiosa, do sagrado e, no próprio dia 13 de Maio, publicou no jornal Público este texto elucidativo sobre o que é, sempre foi, Fátima. Eu não acredito em Fátima, acho até que significa muito daquilo que as Igrejas, ou Religiões, têm de menos bom. Contudo, respeitarei sempre a fé daqueles que acreditam. Mas essa fé em nada se confunde com o fenómeno construído, há pouco mais de cem anos, em redor de três humildes crianças.

enclausurado XLIII

bendita cafeína

Uma das preocupações desde os primeiros dias deste enclausuramento foi estar abastecido de café. É verdade que o café, ou a cafeína, tem vindo a perder importância na minha vida, mas com este sobressalto social, aconteceu-me ver renovado o meu gosto e prazer com essa bebida. Cá em casa tomamos dois tipos de café: de manhã cedo fazemos uma boa cafeteira de água fervida com café moído bem dissolvido, que serve para despertar os sentidos e para perfumar toda a casa; e a partir do final da manhã, tomamos café Ristretto da Nespresso. Durante este período já fiz três encomendas online e já volto a precisar de mais, só que, no entretanto, soube que há à venda café Buondi em pastilhas próprias para as máquinas da Nespresso e, dizem-me ser muito bom.
Hoje fui comprar, manhã irei experimentar.

12 maio 2020

mediascape:concordo

Não há mentirosos de direita ou de esquerda — há mentirosos. Não há corruptos de esquerda ou de direita — há corruptos. Não há demagogos de esquerda ou de direita — há demagogos. Há uma diferença radical entre cada um de nós ter um campo ideológico com o qual se identifica ou ter um clube ideológico com o qual tem de se identificar. O primeiro é para homens livres. O segundo é para serviçais ou para fanáticos. O que é verdade ou mentira, o que é justo ou injusto, o que é decente ou indecente, precede e prevalece sobre sermos de esquerda ou de direita — e quem não percebe isto não percebe coisa nenhuma.
João Miguel Tavares, jornal Público 12 Maio 2020.

11 maio 2020

enclausurado XLII

o regresso

Hoje, pela primeira vez, entrei na Fnac desde o início do mês de Março, ou seja, desde há cerca de dois meses (mas parece ter sido há uma eternidade). Caramba, que sensação! Devidamente equipado, pude tocar nos livros, pegar-lhes, folheá-los enquanto procurava sentir o seu cheiro, quase sozinho deambulei pelas estantes e corredores. Nem um livro em promoção, todos com os habituais 10% de desconto para os aderentes. Ainda assim foi bom, ninguém me incomodou ou sequer se aproximou de mim. Deveria ser sempre assim. Sim, comprei livros*.


* Eu sei que há adeptos da compra online de livros, eu também os compro. Tenho aliás duas encomendas de livros em processamento. Uma delas há mais de 15 dias. Mas não há como ir à loja, ver, espreitar, apalpar e comprar, ou ainda melhor, ser descoberto por um qualquer espécime, que nos atrai e nos obriga a pegar-lhe e a trazê-lo para casa.

enclausurado XLI

estrangeirismo


Já tinha reparado nesta mensagem, já tinha, inclusive, tentado fotografá-la, mas conduzir e tirar fotografias ao mesmo tempo, para além de não ser aconselhável, não resulta na mínima qualidade. Acabei por encontrar uma fotografia num dos jornais que hoje me passaram pelos olhos.
É que não percebo qual a necessidade, qual o objectivo de traduzir para inglês a mensagem que se destina aos portugueses. Faria algum sentido nas auto-estradas inglesas estas mensagens aparecerem traduzidas em português? Claro que não, ridículo. Gostava que me explicassem o propósito de tal mensagem.
Fiquem em casa.

de regresso à luta...

Neste último Sábado, José Pacheco Pereira volta a colocar o dedo na ferida e a expor o crime cometido sobre a língua Portuguesa. Partilho aqui o artigo na íntegra.

06 maio 2020

enclausurado XL

choque histórico

Ao reflectir sobre esta experiência social que dura há quase dois meses, não posso deixar de a entender como uma tremenda e marcante época para a vida de cada um de nós. Que não haja dúvida que jamais iremos esquecer estes dias e que, vivamos o que vivermos, iremos sempre relembrá-los. O que falta perceber é como é que a História irá tratar e pronunciar-se sobre este momento histórico. Resta também saber qual será a dimensão do choque que este vírus veio provocar e como iremos, um dia, emergir deste mergulho global.

01 maio 2020

mediascape:arquivar


Hoje conheci, através do jornal Público, este projecto interessantíssimo de arquivo de jornais online, sites de governos, blogues e artigos de opinião. O projecto já existe desde 2008 e este serviço público já preservou milhões de páginas que podem ser consultadas em arquivo.pt. Este esforço de arquivamento e de memória está agora dedicado à recolha de informações, textos, opiniões e dados relativos à covid-19 que, depois, em 2021, estarão disponíveis para consulta. Este projecto é desenvolvido pela Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN), uma unidade da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Eu já fui espreitar e irei partilhar, aqui do lado direito, nos meus atalhos.

economia que mata *

A verdade é que o actual sistema económico-político não está organizado em função da defesa das sociedades - seja a sua saúde, seja a sustentabilidade do ambiente de que dependemos - mas sim, em função da manutenção em funcionamento de uma máquina económica que tudo sacrifica à demanda distópica da reprodução desmedida, potencialmente infinita, do capital.
[ Viriato Soromenho-Marques, in jornal de Letras nº 1293, Abril 2020 ]


* expressão do Papa Francisco.

enclausurado XXXIX

de emergência para calamidade

Na véspera do final do Estado de Emergência que nos coarctou durante cerca de mês e meio, sabemos já que iremos passar para o Estado de Calamidade Pública, um degrau abaixo na hierarquia dos Estados de Excepção possíveis. Ainda que com esta alteração se proceda a um relaxamento ou alívio das restrições impostas durante este período de Emergência, não deixarão de existir regras de contenção e restrição, cautelas que se entendem e aceitam porque esta guerra ainda não está ganha.
O que é curioso, pelo menos para mim, é a etimologia utilizada nestes Estados alterados que o Estado utiliza. Passar de um Estado de Emergência para um Estado de Calamidade soa a um agravamento da situação e das medidas que se impõem aos cidadãos e não o inverso. Semanticamente parece-me contraditório, pois a interpretação ou percepção de "calamidade" é a de uma situação impossível, de total destruição, caos, desestruturação, não sendo possível pior cenário ou circunstância.

29 abril 2020

enclausurado XXXVIII

1º de Maio

Agora, em vésperas do feriado do 1º de Maio, venho a terreiro para manifestar o meu total desacordo com as celebrações, ou manifestações, que estão previstas para esse dia. Ainda em Estado de Emergência não me parece de todo razoável que se possam realizar "acções de rua". Da mesma forma e com os mesmos argumentos com que concordei com a celebração do 25 de Abril na Assembleia da República, não relativizando a importância do 1º de Maio, sou manifestamente contra qualquer manifestação que implique a reunião ou ajuntamento de pessoas. E se na Assembleia da República o ambiente estaria sempre controlado e as restrições impostas estariam desde logo garantidas, neste caso, em plena rua, quem vai impor essas regras? Quem vai controlar e com que eficácia as movimentações das pessoas?
Quanto a mim, impraticável.

28 abril 2020

mediascape:amianto


A mim basta-me este título de notícia, jornal Público de hoje, para subscrever e afirmar que será incompreensível se tal não acontecer. O próximo ano lectivo tem que iniciar sem este elemento cancerígeno por perto.

27 abril 2020

enclausurado XXXVII

praia

Quando se começa a perspectivar o levantamento, ainda que gradual e cauteloso, das imposições relativas ao Estado de Emergência e ao confinamento em que temos vivido, aquilo que logo começou a preocupar o tuga foi saber se no Verão poderia ir para a praia. Muito se tem debatido essa possibilidade, motivando até declarações oficiais por parte do Governo. Também já encontrei várias ilustrações e fotografias ridicularizando essa possibilidade. Não sei, nem me importa se será permitido ou não ir para a praia. Eu não irei. A mim faz-me falta ir para a beira-mar ou rio desfrutar de uma boa sombra e bebidas frescas, mas estou já mentalizado para a impossibilidade de o fazer num futuro próximo.
Espanta-me como possa existir quem pretenda passar de um estado de reclusão e afastamento social para um estado de confusão e amontoamento social. Ou muito me engano, ou correremos o risco de uma regressão da pandemia e, por isso, considero que o mais avisado teria sido o Governo ter mantido as praias fechadas e esperar mais um ou dois meses para anunciar o que fosse sobre esses lugares de socialização.

mediascape:incontestável

Sim, se olharmos para trás, facilmente concluiremos que o Portugal nascido no 25 de Abril é a melhor versão histórica de Portugal que já tivemos - em liberdade, igualdade, solidariedade, em educação, cultura e ciência até em prosperidade partilhada, a verdade é que, desde que houve um reino chamado Portugal, este é o melhor Portugal da nossa história.
(...) O melhor disto não é que nos permite sentarmo-nos a descansar. É dar-nos a possibilidade de fazer muito melhor.
(Rui Tavares, in jornal Público, 27/04/2020)

a quem interessar...


A quem possa interessar. Eu vou participar. Encontramo-nos por lá.

26 abril 2020

os nossos pescadores


Raul Brandão escreveu estes textos sobre as comunidades piscatórias e sobre as paisagens litorais do nosso Portugal entre 1893 e 1922. Numa viagem por toda a costa portuguesa com paragem especial no seu lugar de coração e memória, a Foz do Douro, Raul Brandão, filho e neto de pescadores, faz uma magnífica e pormenorizada descrição das comunidades humanas, das artes e ofícios relacionados com a pesca, da infindável variedade de peixes, dos fenótipos de homens e mulheres, das embarcações, redes e utensílios necessários à arte, assim como da dura e amargurada vida desta gente que tem o seu sustento dentro de água. Um riquíssimo documento etnográfico que nos permite conhecer essa realidade, em grande parte já desaparecida.
Acho que regressarei a estes escritos, pois vão fazer-me muito jeito para algo que ando a congeminar.

As mulheres só levantam cabeça depois de eles morrerem. Aqui há anos, num naufrágio, perderam-se no mar alguns pescadores da Nazaré. Fez-se uma subscrição que deu para as viúvas viverem algum tempo. E as outras com inveja lá diziam: - Foi pena o meu não ter morrido também...
(página 122)

É a realidade que nos mata. Este panorama é na verdade trágico. Não cessa dia e noite o lamento eterno da ventania e das águas. E os cabos, que são de ferro e escorrem sangue, obstinam-se em apontar o seu destino de dor e esta terra de pescadores.
(página 163)


Agora, mudando radicalmente de época e de tema, irei ler, finalmente, a vida de Leonard Cohen. O livro já me aguarda há vários meses, mas a falta de coragem para entrar no seu universo foi adiando este momento. Vai doer.

século partido

Ontem, na revista E do jornal Expresso e no seu "diário da peste", Gonçalo M. Tavares escreveu que o segundo século XXI começou em Wuhan, o primeiro tinha começado nas Torres Gémeas, em 2001. E que agora é rezar para que o século não se parta mais...
Lamento, mas tenho como certo que será apenas uma questão tempo até novo cataclismo ou cisma. Não haverá rezas ou ladainhas terapêuticas que impeçam o que há-de vir, só não sabemos o que será e quando nos chegará.

25 abril 2020

Abril, 25

Na madrugada deste 25 de Abril, o dia inicial inteiro e limpo, como a poetiza um dia o descreveu, reflicto sobre esse momento maior e seminal das nossas vidas e como o seu afastamento temporal, já lá vão 46 anos, me tem revelado cada vez mais a sua importância e valor. Ontem, hoje e amanhã, 25 de Abril, sempre!

23 abril 2020

keeping faith


Se não estou em erro, terminou na passada terça-feira a segunda temporada desta série televisiva que a RTP2 transmitiu. Já tinha assistido à primeira temporada e, desde o seu primeiro episódio, fiquei preso à personagem central Faith Howells, desempenhada pela actriz Eve Myles. Trata-se da história de uma advogada a viver numa pequena localidade, casada com um advogado envolvido em esquemas e negócios obscuros, mãe de três crianças e com uma vida agitadíssima. Para além da excelente realização e das paisagens magníficas, o que mais me atrai nesta série é mesmo o desempenho de Eve Myles, de uma densidade e entrega impressionantes.
Espero, ansioso, pela terceira temporada.

dia mundial do livro

No dia em que mundialmente se celebra o livro, os seus autores e seus leitores, o Ministério da Cultura anuncia o lançamento de um programa de apoio ao sector no valor de 400 mil euros, que serão gastos na aquisição de livros às pequenas editoras e livra- rias portuguesas. Os livros serão comprados a preço de venda ao público, dos catálogos das editoras e livrarias, até um máximo de 5 mil euros por editor e livraria. Esses livros serão posteriormente distribuídos, em articulação com o Instituto Camões, pela rede de ensino de Português no estrangeiro (cátedras, centros de língua portuguesa, leitorados) e pela rede de centros culturais. Serão elegíveis para aquisição, ao abrigo desta medida, obras escritas em português, e por autores nacionais, de poesia, ficção, teatro, banda desenhada, literatura infanto-juvenil e ensaio nas áreas das artes e do património cultural. Este programa deverá arrancar já em Maio e destina-se exclusivamente às pequenas editoras e livrarias, às quais caberá propor à Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas as obras a serem adquiridas. Ao mesmo tempo o Ministério da Cultura decidiu antecipar a abertura das bolsas de criação literária, que serão lançadas já em Maio e que irão ter um reforço de 45 mil euros, a somar aos 135 mil euros já anteriormente orçamentados.
Boas notícias que, não sendo suficientes para o sector, pelo menos serão um balão de oxigénio para este universo frequentemente desprezado pelos poderes instituídos.

21 abril 2020

20 abril 2020

enclausurado XXXVI

rotinas escangalhadas

Ora, depois de umas quatro semanas confortáveis dentro de casa, em que já nos habituáramos a essa nova existência, com as rotinas, com os espaços e tempos próprios, eis que fomos invadidos por uma nova exigência que veio escangalhar essa pacífica e modorrenta vida de clausura.
Hoje começou a moderna versão da tele-escola e as aulas online da nossa criança e aquilo que até então tinha sido, mais ou menos, gerido com harmonia, num só dia já está estragado. Eu hoje não fiz mais nada, desde as 9 até às 16 horas, do que estar a assistir a aulas, via TV e via Internet, a fazer TPCs e a ver tutoriais na Escola Virtual. Não me lembro do miúdo ter trabalhado tanto (nem eu). Quando acabou ainda estivemos a tocar guitarra.
Sem qualquer soberba, ironia ou complexo de superioridade, estou para aqui a queixar-me mas só temos uma criança nestas circunstâncias e, apesar de todos (quatro do bando) estarmos a trabalhar via internet, temos espaços, computadores e impressora, ligação à internet, recursos suficientes para conseguirmos cumprir o que nos é solicitado. Mas imagino que em muitas casas deste país, as circunstâncias e as condições sejam bem piores do que as nossas, e nas quais não há, nem haverá, as mínimas possibilidades de haver resposta para as diferentes solicitações. Lamentável que assim seja.

19 abril 2020

festival de incertezas


Vicente Jorge Silva escreveu hoje no jornal Público e na sua rubrica "a esquina do mundo", este artigo de opinião que eu considero muito interessante e pertinente. Vamos lá reflectir sobre...

18 abril 2020

enclausurado XXXV

Liberdade, Igualdade e Fraternidade

Não percebo a polémica que surgiu e se instalou nos últimos dias, a propósito da cerimónia oficial do dia 25 de Abril que a Assembleia da República decidiu, e bem, realizar, com as devidas cautelas e condicionantes do Estado de Emergência em que vivemos. Aqueles que contestaram esta decisão usaram como argumento o facto de as celebrações da Páscoa terem sido canceladas e os portugueses não puderem reunir-se em rituais ou em família. Portanto, não faz sentido (para eles) que o Estado, as suas instituições e seus representantes, não se abstenham dessas celebrações da república e da democracia.
Não entendo esta contestação. Eu na Páscoa fiquei em casa, como bom cidadão obedeci às recomendações e imposições vigentes, independentemente das festividades que poderiam ter ou não acontecido. Eu no 25 de Abril, como bom cidadão obedecerei às recomendações e imposições vigentes, independentemente de haver ou não celebração oficial na Assembleia da República. Simples quanto isto. Como eu, maior parte dos portugueses.
Para além do mais, a Assembleia da República não está encerrada, mantém-se em funções e ainda bem. Portanto, o dia 25 de Abril será só mais um dia do seu normal funcionamento em Estado de Emergência.
Acresce a tudo isto, a importância vital e central da celebração do feriado mais importante para a nossa vida em comunidade, enquanto portugueses, democratas e republicanos. Aqueles que agora contestam esta celebração, não fazem mais do que aproveitar a pandemia para por em causa algo que sempre odiaram e que jamais aceitarão.
Viva a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

enclausurado XXXIV

desvario

Hesitei titular este texto entre "desvario", "aberração" ou "disparate". Qualquer um destes serviria para classificar as palavras do presidente do Chile, Sebastian Piñera, que revelou que o país está a contar as vítimas mortais provocadas pela Covid-19, como "recuperados" porque deixaram de poder contagiar a restante população.
Por amor da santa ignorância do meio, o esdrúxulo não deveria ter espaço, muito menos o poder, em tempos como este.

16 abril 2020

BCG e Covid-19

Na passada segunda-feira, no jornal Público, encontrei uma notícia que dava conta da possível relação entre a mortalidade e morbilidade associadas à Covid-19 e as políticas de vacinação da BCG nos diferentes países. A questão que agora se levante é se a vacina da BCG pode conferir uma protecção parcial contra a Covid-19, atenuando os casos mais graves e reduzindo a mortalidade.
Ao jornal Público o cientista português Paulo Bettencourt, que trabalha no Instituto Jenner da Universidade de Oxford, no Reino Unido, afirma:Neste momento, ainda é muito cedo para se tirar qualquer conclusão de que a BCG promove alguma protecção especificamente contra a Covid-19. É preciso fazer ensaios clínicos para produzir evidência científi􏰀ca de que a BCG tem um efeito sobre a Covid-19.
Esperemos que sim, pois todos os contributos serão bem-vindos e necessários nesta terrível luta de toda a humanidade.

ortogravírus


Hoje no jornal Público, porque a luta nem com pandemia tolera tréguas ou distracções. Bem haja o Nuno Pacheco.